Processo:1145/11.7PBLRA.C1
Data do Acordão: 20/03/2012Relator: JORGE JACOBTribunal:trc
Decisão: Meio processual:

Admitindo a lei que a não transcrição da sentença, no certificado de registo criminal, possa ser determinada na sentença ou em despacho posterior (cfr. art.º 17º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto), no caso de não haver pronúncia do tribunal a quo sobre essa questão, por nunca lhe ter sido colocada, não pode o tribunal ad quem pronunciar-se sobre ela, visto tratar-se de questão nova e não do pedido de reapreciação de uma questão anteriormente suscitada perante tribunal hierarquicamente inferior e por ele decidida em sentido desfavorável para o recorrente.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
JORGE JACOB
Descritores
REGISTO CRIMINAL TRANSCRIÇÃO SENTENÇA
No do documento
Data do Acordão
03/21/2012
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
RECURSO CRIMINAL
Decisão
CONFIRMADA
Sumário
Admitindo a lei que a não transcrição da sentença, no certificado de registo criminal, possa ser determinada na sentença ou em despacho posterior (cfr. art.º 17º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto), no caso de não haver pronúncia do tribunal a quo sobre essa questão, por nunca lhe ter sido colocada, não pode o tribunal ad quem pronunciar-se sobre ela, visto tratar-se de questão nova e não do pedido de reapreciação de uma questão anteriormente suscitada perante tribunal hierarquicamente inferior e por ele decidida em sentido desfavorável para o recorrente.
Decisão integral
I – RELATÓRIO:

Nestes autos de processo sumário que correram termos pelo 1º Juízo Criminal de Leiria, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos:
“O tribunal decide julgara acusação procedente por provada e, consequentemente, condenar o arguido A…, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelos arts.292º,nº 1 e 69º, nº 1, a), ambos do C. Penal:
a)	Na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 5,00 (cinco euros), o que perfaz a multa global de 450,00 (quatrocentos e cinquenta) euros.
b)	Descontar um dia na multa aplicada em a), atenta a detenção, art. 80º,nº2,do C. Penal, liquidando-se a mesma em 445,00 euros.
c)	Na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, p. e p. no art. 69º, nº 1, al. a) do C Penal, pelo período de 6 (seis) meses.
(…)

Inconformado, o arguido interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1- O recorrente foi condenado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292, n.º 1 do Código Penal, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 5,00 e ainda, na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, previsto e punido pelo art. 69° 1, alínea a) do Código Penal, pelo período de 6 meses. Ora a pena aplicada, quanto à concreta aplicação da pena, consubstancia num erro de interpretação e/ou aplicação, por isso violando o disposto dos art. 72°, n.º 1 do Código Penal. 
2- A medida concreta da pena deve ser aplicada pelas exigências preventivas gerais e especiais, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização. Tendo em consideração que segundo o princípio da culpa "não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa", entende o recorrente que a pena aplicada ultrapassou a sua medida. 
3- O recorrente confessou os factos que lhe eram imputados, mostrou arrependimento perante os mesmos e não tem antecedentes criminais. 
4- Atendendo a esse circunstancialismo e que a moldura penal abstracta do crime em causa é de multa até 120 dias, a aplicação de 90 dias de multa toma-se excessiva. Não se pode desatender às exigências concretas de prevenção geral positiva ou de integração, sendo as mesmas na perspectiva do recorrente, diminutas no caso sub judice. Pois, considerando médio o grau de ilicitude, média a intensidade do dolo e diminuta a gravidade das suas consequências, será justa e adequada a aplicação de uma pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 5,00, perfazendo o montante global da multa em € 300,00, descontando um dia de multa aplicada atenta a detenção. 
5- O recorrente é primário e exerce a actividade de estudante, encontrando-se a realizar o mestrado em Psicologia. Encontra-se a frequentar o estágio no … , sendo que se toma imprescindível para a sua frequência a condução de veículos motorizados para a sua deslocação para o referido estabelecimento, sob pena de vir a ser afectado o seu estágio. 
6- Tendo em consideração as necessidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial ao caso concreto, em que as exigências de prevenção especial de socialização não são significativas, quando considerado o seu percurso pessoal, a significar respeito pelos valores comunitários com tutela penal, revelado pelo comportamento anterior, entende o recorrente como adequada a aplicação de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses. 
7- Face aos escassos rendimentos económicos do seu agregado familiar e ao curso que o recorrente se encontra a frequentar, psicologia, entende o recorrente que a pena de multa que se venha a aplicar deva ser substituída por dias de trabalho, nos termos do n.º 1 do art.º 48 do C.P., realizando dessa forma as finalidades da punição, de forma adequada e suficiente. Para tal, indica o CAT de Leiria para prestar esse trabalho ou outra Instituição que sem entenda como conveniente. 
8- As circunstâncias que acompanharam o crime, não induzem perigo da prática de novos crimes. Ao demais, ao recorrente apenas é conhecida boa conduta conforme o Certificado de Registo Criminal (CRC) que atesta como exposto, a inexistência de antecedentes criminais. Nestes termos, o recorrente requer a não transcrição da respectiva sentença no certificado de registo criminal nos termos do n° 1 do art. 17º da lei 57/98 de 18 de Agosto. 
Deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se a douta sentença na parte impugnada e substituída por acórdão em conformidade. 

	O M.P. respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
	Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
	Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
	Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
	No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que apreciar as seguintes questões:
	- Medida da pena de multa;
	- Medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados;
	- Substituição da pena de multa por dias de trabalho;
	- Não transcrição da sentença no Certificado de Registo Criminal;

					*	*	*	

II - FUNDAMENTAÇÃO:

Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos:
	No dia … , pelas 15:18h, o arguido conduzia na estrada municipal  R. Horácio da Silva Eliseu, em Leiria, o veículo … , sendo portador da taxa de alcoolemia no sangue de 2,34g/l.
	O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
	O arguido não tem antecedentes criminais.
	O arguido confessou os factos
	O arguido é estudante, vivendo com os seus pais, sendo o pai reformado e auferindo mensalmente a reforma de € 385,00  e a sua mão doméstica.

					*	*	*

	O recurso incide exclusivamente sobre matéria de direito.
	A primeira questão suscitada pelo recorrente prende-se com a medida da pena de multa em que foi condenado, que considera excessiva. Vejamos, pois, se a pena encontrada em primeira instância se contém dentro da medida da culpa ou se carece de alteração, por excessiva.
O crime de condução em estado de embriaguez, p. p. pelo art. 292º, nº 1, do Código Penal, é punido com a pena de prisão até 1 ano ou com multa até 120 dias.
Sendo aplicável ao crime, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, haverá que dar preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, por força do disposto no art. 70º do Código Penal. Retenha-se que “são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação”  - Figueiredo Dias, “Direito Penal Português”, pág. 331, escolha que dependerá essencialmente de considerações atinentes às necessidades de prevenção especial de ressocialização e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade». 
O tribunal a quo, entendendo que a pena não privativa da liberdade realizava de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, optou pela pena de multa.
O passo seguinte, autónomo relativamente ao momento da escolha da pena, consistia na graduação desta.
Como é sabido, o Código Penal utiliza o modelo escandinavo dos dias de multa, segundo o qual a fixação desta pena pecuniária se faz através de duas operações sucessivas, uma primeira, em que se determina o número de dias de multa através dos critérios gerais de fixação das penas e uma segunda operação em que se fixa o quantitativo de cada dia de multa em função da capacidade económica do agente  - Cfr. Maia Gonçalves, “Código Penal Português”, 13ª Ed., pág. 198..
Por expressa remissão do nº 1 do art. 47º do Código Penal  - Remissão introduzida pela revisão do Código Penal operada pelo DL nº 48/95, de 15 de Março, se bem que já antes se entendesse ser este o critério a aplicar, por interpretação da norma na harmonia do sistema., o critério de fixação da pena de multa é o previsto no nº 1 do art. 71º, donde resulta a necessidade de recurso aos dois vectores fundamentais aí apontados - a culpa do agente e as exigências de prevenção - com ponderação ainda de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, todavia deponham a seu favor ou contra ele, tendo-se ainda presente que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (cfr. art. 40º, nºs 1 e 2), à qual é cometida a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena. 
Revertendo ao caso concreto, há que ter presente, desde logo, que o arguido actuou dolosamente, pois não podia desconhecer, face à taxa de álcool no sangue que apresentou no momento em que foi fiscalizado, que se encontrava alcoolizado, não podendo exercer a condução nesse estado, tendo, apesar de tudo, optado por conduzir um veículo automóvel. O dolo dessa actuação apresenta-se na modalidade de dolo directo.
O grau de ilicitude dos factos praticados, indissociavelmente ligado à culpa, afere-se pelo resultado da acção ou pelas suas consequências. Sabido que estamos perante um crime de perigo abstracto, o preenchimento do tipo de ilícito basta-se com o exercício da condução com uma taxa de alcoolemia igual ou superior a 1,2 g/l e o grau de ilicitude variará em função da TAS concretamente verificada. No caso vertente, o arguido apresentava uma TAS de 2,34 g/l, muito superior ao limite que separa a conduta meramente contra-ordenacional da conduta criminalmente relevante. O perigo representado por um condutor com semelhante taxa de alcoolemia é significativamente incrementado, na medida em que as suas capacidades cerebrais são tanto mais afectadas quanto maior a quantidade de álcool no sangue. A TAS apresentada pelo arguido no momento em que foi fiscalizado é apta a provocar vincadas alterações comportamentais, tais como diminuição da capacidade de reacção, perda de equilíbrio, dificuldade no cálculo das distâncias, sonolência, menor percepção do risco associado a manobras perigosas, etc. O perigo associado a esta conduta resulta ainda agravado pela constatação de que esta teve lugar às 15:18h, ou seja, em hora em que o volume de trânsito apresenta normalmente razoável intensidade. Nesta medida, o grau de ilicitude não poderá deixar de considerar-se como muito elevado.
Sustenta o recorrente que a pena deveria ser inferior por força das diminutas exigências de prevenção especial de integração. Deverá notar-se, porém, que as exigências de prevenção já foram consideravelmente valoradas na opção pela pena de multa, como tivemos ensejo de referir, pelo que no momento da concretização da sanção as considerações de prevenção relevam exclusivamente para garantir que a pena encontrada garante os irrenunciáveis postulados da defesa do ordenamento jurídico e da socialização do agente. A pena de 90 dias de multa é, sem dúvida, uma pena severa dentro da medida punitiva prevista para o crime, mas está em perfeita consonância com a gravidade da ilicitude da conduta e com as elevadíssimas exigências de prevenção especial de dissuasão imanentes a este tipo de crime, não excedendo a medida da culpa do agente. Logo, é uma pena justa e que por isso se confirma.
Quanto à taxa encontrada para a pena de multa, não poderia ter sido mais branda uma vez que em função do condicionalismo económico do recorrente foi fixada no mínimo legal.

	Prossegue o recorrente insurgindo-se contra a medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, mas uma vez mais sem razão. Na verdade, às penas acessórias é assinalado um carácter de reforço da pena principal, visando a sua aplicação a diversificação e reforço do conteúdo sancionatório da condenação penal  - Cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 181.. A pena acessória actualmente prevista no art. 69º do Código Penal, inexistente na versão original do Código, veio a ser introduzida fruto de necessidades político-criminais ditadas pela elevada sinistralidade rodoviária e apresenta-se indissociavelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, assinalando-se-lhe ainda efeitos gerais de intimidação, legítimos, porque a considerar dentro do limite da culpa  - idem, pág. 165.. Esta sanção acessória apresenta-se, assim, como uma verdadeira pena, com uma moldura penal específica, carecida de concretização casuística.
Na concretização da pena acessória avultará necessariamente o juízo de culpa de que o agente é passível, indissociavelmente ligado à ilicitude da conduta que, como já se referiu, no caso foi muito elevada. A valoração das exigências de prevenção relativamente a condutas como a descrita nos autos reclama a imposição duma pena acessória que se afaste da função quase simbólica cometida aos mínimos legais, para entrar no domínio da efectiva advertência, ainda que sem descurar os limites impostos pelas reduzidas exigências de prevenção especial, decorrentes da ausência de antecedentes criminais.
Considerados todos os parâmetros relevantes, a graduação da pena acessória dentro da respectiva moldura - que é de 3 meses a 3 anos – foi correctamente graduada em 6 meses.

	Pede o recorrente a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, quando o não poderia fazer em sede de recurso no caso dos autos.
	O Código Penal prevê duas penas principais, a saber, a pena de prisão e a pena de multa. Para além destas, prevê diversas penas de substituição. Uma delas é, precisamente, a pena (de substituição) de prestação de trabalho, que adquire contornos diferentes consoante decorra da substituição da pena de prisão ou da substituição da pena de multa.
	No caso de aplicação em substituição de pena de prisão, é de consideração obrigatória pelo tribunal, prevendo o art. 58º, nº 1, que “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, consistindo esta pena, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, “(…) na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público  ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade”.
	Já no caso de condenação em pena de multa, o tribunal não tem que equacionar a sua substituição por trabalho a não ser a requerimento do próprio condenado, como claramente resulta do texto do nº 1 do art. 48º do Código Penal, em cujos termos “a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.”.
	Os termos do requerimento previsto neste último normativo são disciplinados pelo art. 490º do Código de Processo Penal, que regula o prazo em que pode ser requerido por remissão para os nºs 2 e 3 do artigo anterior (quinze dias a contar da notificação para pagamento da multa ou no prazo do diferimento do seu pagamento ou do pagamento em prestações, quando uma destas modalidades tenha sido autorizada), especificando ainda que deverá o condenado “(…) indicar as habilitações profissionais e literárias, a situação profissional e familiar e o tempo disponível, bem como, se possível, mencionar alguma instituição em que pretenda prestar trabalho”.
	A multa, por expressa previsão do art. 489º, nº 1, do Código de Processo Penal, é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs. Só depois da notificação para proceder ao respectivo pagamento, no correspondente prazo de 15 dias, poderá o recorrente requerer a sua substituição por dias de trabalho, donde se segue que o pedido de substituição da multa por dias de trabalho formulado em sede de recurso é inadmissível, seja por a sentença ainda não ter transitado em julgado, seja por se tratar de questão nunca colocada ao tribunal de primeira instância e que portanto não foi objecto de uma decisão passível de reapreciação em 2ª instância.

	Por fim, pretende o recorrente a não transcrição da sentença nos Certificados de Registo Criminal, medida que tem consagração legal no art. 17º da Lei nº 57/98, de 18 de Agosto, cujo nº 1 dispõe que “os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11.º e 12.º”. Ora, precisamente porque a lei admite que a não transcrição no certificado de registo criminal possa ser determinada na sentença ou em despacho posterior, não havendo pronúncia do tribunal a quo sobre essa questão por nunca lhe ter sido colocada, não pode o tribunal ad quem pronunciar-se sobre ela, visto tratar-se de questão nova e não do pedido de reapreciação de uma questão anteriormente suscitada perante tribunal hierarquicamente inferior e por ele decidida em sentido desfavorável para o recorrente.

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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, nega-se provimento ao recurso.
Por ter decaído integralmente no recurso interposto, condena-se o recorrente na taxa de justiça de 3 UC.

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						*

Jorge Miranda Jacob (Relator)
Maria Pilar de Oliveira

I – RELATÓRIO: Nestes autos de processo sumário que correram termos pelo 1º Juízo Criminal de Leiria, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos: “O tribunal decide julgara acusação procedente por provada e, consequentemente, condenar o arguido A…, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelos arts.292º,nº 1 e 69º, nº 1, a), ambos do C. Penal: a) Na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 5,00 (cinco euros), o que perfaz a multa global de 450,00 (quatrocentos e cinquenta) euros. b) Descontar um dia na multa aplicada em a), atenta a detenção, art. 80º,nº2,do C. Penal, liquidando-se a mesma em 445,00 euros. c) Na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, p. e p. no art. 69º, nº 1, al. a) do C Penal, pelo período de 6 (seis) meses. (…) Inconformado, o arguido interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1- O recorrente foi condenado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292, n.º 1 do Código Penal, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 5,00 e ainda, na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, previsto e punido pelo art. 69° 1, alínea a) do Código Penal, pelo período de 6 meses. Ora a pena aplicada, quanto à concreta aplicação da pena, consubstancia num erro de interpretação e/ou aplicação, por isso violando o disposto dos art. 72°, n.º 1 do Código Penal. 2- A medida concreta da pena deve ser aplicada pelas exigências preventivas gerais e especiais, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização. Tendo em consideração que segundo o princípio da culpa "não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa", entende o recorrente que a pena aplicada ultrapassou a sua medida. 3- O recorrente confessou os factos que lhe eram imputados, mostrou arrependimento perante os mesmos e não tem antecedentes criminais. 4- Atendendo a esse circunstancialismo e que a moldura penal abstracta do crime em causa é de multa até 120 dias, a aplicação de 90 dias de multa toma-se excessiva. Não se pode desatender às exigências concretas de prevenção geral positiva ou de integração, sendo as mesmas na perspectiva do recorrente, diminutas no caso sub judice. Pois, considerando médio o grau de ilicitude, média a intensidade do dolo e diminuta a gravidade das suas consequências, será justa e adequada a aplicação de uma pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 5,00, perfazendo o montante global da multa em € 300,00, descontando um dia de multa aplicada atenta a detenção. 5- O recorrente é primário e exerce a actividade de estudante, encontrando-se a realizar o mestrado em Psicologia. Encontra-se a frequentar o estágio no … , sendo que se toma imprescindível para a sua frequência a condução de veículos motorizados para a sua deslocação para o referido estabelecimento, sob pena de vir a ser afectado o seu estágio. 6- Tendo em consideração as necessidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial ao caso concreto, em que as exigências de prevenção especial de socialização não são significativas, quando considerado o seu percurso pessoal, a significar respeito pelos valores comunitários com tutela penal, revelado pelo comportamento anterior, entende o recorrente como adequada a aplicação de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses. 7- Face aos escassos rendimentos económicos do seu agregado familiar e ao curso que o recorrente se encontra a frequentar, psicologia, entende o recorrente que a pena de multa que se venha a aplicar deva ser substituída por dias de trabalho, nos termos do n.º 1 do art.º 48 do C.P., realizando dessa forma as finalidades da punição, de forma adequada e suficiente. Para tal, indica o CAT de Leiria para prestar esse trabalho ou outra Instituição que sem entenda como conveniente. 8- As circunstâncias que acompanharam o crime, não induzem perigo da prática de novos crimes. Ao demais, ao recorrente apenas é conhecida boa conduta conforme o Certificado de Registo Criminal (CRC) que atesta como exposto, a inexistência de antecedentes criminais. Nestes termos, o recorrente requer a não transcrição da respectiva sentença no certificado de registo criminal nos termos do n° 1 do art. 17º da lei 57/98 de 18 de Agosto. Deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se a douta sentença na parte impugnada e substituída por acórdão em conformidade. O M.P. respondeu, pugnando pela improcedência do recurso. Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância, pronunciando-se pela improcedência do recurso. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência. Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso. No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que apreciar as seguintes questões: - Medida da pena de multa; - Medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados; - Substituição da pena de multa por dias de trabalho; - Não transcrição da sentença no Certificado de Registo Criminal; * * * II - FUNDAMENTAÇÃO: Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos: No dia … , pelas 15:18h, o arguido conduzia na estrada municipal R. Horácio da Silva Eliseu, em Leiria, o veículo … , sendo portador da taxa de alcoolemia no sangue de 2,34g/l. O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei. O arguido não tem antecedentes criminais. O arguido confessou os factos O arguido é estudante, vivendo com os seus pais, sendo o pai reformado e auferindo mensalmente a reforma de € 385,00 e a sua mão doméstica. * * * O recurso incide exclusivamente sobre matéria de direito. A primeira questão suscitada pelo recorrente prende-se com a medida da pena de multa em que foi condenado, que considera excessiva. Vejamos, pois, se a pena encontrada em primeira instância se contém dentro da medida da culpa ou se carece de alteração, por excessiva. O crime de condução em estado de embriaguez, p. p. pelo art. 292º, nº 1, do Código Penal, é punido com a pena de prisão até 1 ano ou com multa até 120 dias. Sendo aplicável ao crime, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, haverá que dar preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, por força do disposto no art. 70º do Código Penal. Retenha-se que “são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação” - Figueiredo Dias, “Direito Penal Português”, pág. 331, escolha que dependerá essencialmente de considerações atinentes às necessidades de prevenção especial de ressocialização e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade». O tribunal a quo, entendendo que a pena não privativa da liberdade realizava de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, optou pela pena de multa. O passo seguinte, autónomo relativamente ao momento da escolha da pena, consistia na graduação desta. Como é sabido, o Código Penal utiliza o modelo escandinavo dos dias de multa, segundo o qual a fixação desta pena pecuniária se faz através de duas operações sucessivas, uma primeira, em que se determina o número de dias de multa através dos critérios gerais de fixação das penas e uma segunda operação em que se fixa o quantitativo de cada dia de multa em função da capacidade económica do agente - Cfr. Maia Gonçalves, “Código Penal Português”, 13ª Ed., pág. 198.. Por expressa remissão do nº 1 do art. 47º do Código Penal - Remissão introduzida pela revisão do Código Penal operada pelo DL nº 48/95, de 15 de Março, se bem que já antes se entendesse ser este o critério a aplicar, por interpretação da norma na harmonia do sistema., o critério de fixação da pena de multa é o previsto no nº 1 do art. 71º, donde resulta a necessidade de recurso aos dois vectores fundamentais aí apontados - a culpa do agente e as exigências de prevenção - com ponderação ainda de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, todavia deponham a seu favor ou contra ele, tendo-se ainda presente que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (cfr. art. 40º, nºs 1 e 2), à qual é cometida a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena. Revertendo ao caso concreto, há que ter presente, desde logo, que o arguido actuou dolosamente, pois não podia desconhecer, face à taxa de álcool no sangue que apresentou no momento em que foi fiscalizado, que se encontrava alcoolizado, não podendo exercer a condução nesse estado, tendo, apesar de tudo, optado por conduzir um veículo automóvel. O dolo dessa actuação apresenta-se na modalidade de dolo directo. O grau de ilicitude dos factos praticados, indissociavelmente ligado à culpa, afere-se pelo resultado da acção ou pelas suas consequências. Sabido que estamos perante um crime de perigo abstracto, o preenchimento do tipo de ilícito basta-se com o exercício da condução com uma taxa de alcoolemia igual ou superior a 1,2 g/l e o grau de ilicitude variará em função da TAS concretamente verificada. No caso vertente, o arguido apresentava uma TAS de 2,34 g/l, muito superior ao limite que separa a conduta meramente contra-ordenacional da conduta criminalmente relevante. O perigo representado por um condutor com semelhante taxa de alcoolemia é significativamente incrementado, na medida em que as suas capacidades cerebrais são tanto mais afectadas quanto maior a quantidade de álcool no sangue. A TAS apresentada pelo arguido no momento em que foi fiscalizado é apta a provocar vincadas alterações comportamentais, tais como diminuição da capacidade de reacção, perda de equilíbrio, dificuldade no cálculo das distâncias, sonolência, menor percepção do risco associado a manobras perigosas, etc. O perigo associado a esta conduta resulta ainda agravado pela constatação de que esta teve lugar às 15:18h, ou seja, em hora em que o volume de trânsito apresenta normalmente razoável intensidade. Nesta medida, o grau de ilicitude não poderá deixar de considerar-se como muito elevado. Sustenta o recorrente que a pena deveria ser inferior por força das diminutas exigências de prevenção especial de integração. Deverá notar-se, porém, que as exigências de prevenção já foram consideravelmente valoradas na opção pela pena de multa, como tivemos ensejo de referir, pelo que no momento da concretização da sanção as considerações de prevenção relevam exclusivamente para garantir que a pena encontrada garante os irrenunciáveis postulados da defesa do ordenamento jurídico e da socialização do agente. A pena de 90 dias de multa é, sem dúvida, uma pena severa dentro da medida punitiva prevista para o crime, mas está em perfeita consonância com a gravidade da ilicitude da conduta e com as elevadíssimas exigências de prevenção especial de dissuasão imanentes a este tipo de crime, não excedendo a medida da culpa do agente. Logo, é uma pena justa e que por isso se confirma. Quanto à taxa encontrada para a pena de multa, não poderia ter sido mais branda uma vez que em função do condicionalismo económico do recorrente foi fixada no mínimo legal. Prossegue o recorrente insurgindo-se contra a medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, mas uma vez mais sem razão. Na verdade, às penas acessórias é assinalado um carácter de reforço da pena principal, visando a sua aplicação a diversificação e reforço do conteúdo sancionatório da condenação penal - Cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 181.. A pena acessória actualmente prevista no art. 69º do Código Penal, inexistente na versão original do Código, veio a ser introduzida fruto de necessidades político-criminais ditadas pela elevada sinistralidade rodoviária e apresenta-se indissociavelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, assinalando-se-lhe ainda efeitos gerais de intimidação, legítimos, porque a considerar dentro do limite da culpa - idem, pág. 165.. Esta sanção acessória apresenta-se, assim, como uma verdadeira pena, com uma moldura penal específica, carecida de concretização casuística. Na concretização da pena acessória avultará necessariamente o juízo de culpa de que o agente é passível, indissociavelmente ligado à ilicitude da conduta que, como já se referiu, no caso foi muito elevada. A valoração das exigências de prevenção relativamente a condutas como a descrita nos autos reclama a imposição duma pena acessória que se afaste da função quase simbólica cometida aos mínimos legais, para entrar no domínio da efectiva advertência, ainda que sem descurar os limites impostos pelas reduzidas exigências de prevenção especial, decorrentes da ausência de antecedentes criminais. Considerados todos os parâmetros relevantes, a graduação da pena acessória dentro da respectiva moldura - que é de 3 meses a 3 anos – foi correctamente graduada em 6 meses. Pede o recorrente a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, quando o não poderia fazer em sede de recurso no caso dos autos. O Código Penal prevê duas penas principais, a saber, a pena de prisão e a pena de multa. Para além destas, prevê diversas penas de substituição. Uma delas é, precisamente, a pena (de substituição) de prestação de trabalho, que adquire contornos diferentes consoante decorra da substituição da pena de prisão ou da substituição da pena de multa. No caso de aplicação em substituição de pena de prisão, é de consideração obrigatória pelo tribunal, prevendo o art. 58º, nº 1, que “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, consistindo esta pena, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, “(…) na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade”. Já no caso de condenação em pena de multa, o tribunal não tem que equacionar a sua substituição por trabalho a não ser a requerimento do próprio condenado, como claramente resulta do texto do nº 1 do art. 48º do Código Penal, em cujos termos “a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.”. Os termos do requerimento previsto neste último normativo são disciplinados pelo art. 490º do Código de Processo Penal, que regula o prazo em que pode ser requerido por remissão para os nºs 2 e 3 do artigo anterior (quinze dias a contar da notificação para pagamento da multa ou no prazo do diferimento do seu pagamento ou do pagamento em prestações, quando uma destas modalidades tenha sido autorizada), especificando ainda que deverá o condenado “(…) indicar as habilitações profissionais e literárias, a situação profissional e familiar e o tempo disponível, bem como, se possível, mencionar alguma instituição em que pretenda prestar trabalho”. A multa, por expressa previsão do art. 489º, nº 1, do Código de Processo Penal, é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs. Só depois da notificação para proceder ao respectivo pagamento, no correspondente prazo de 15 dias, poderá o recorrente requerer a sua substituição por dias de trabalho, donde se segue que o pedido de substituição da multa por dias de trabalho formulado em sede de recurso é inadmissível, seja por a sentença ainda não ter transitado em julgado, seja por se tratar de questão nunca colocada ao tribunal de primeira instância e que portanto não foi objecto de uma decisão passível de reapreciação em 2ª instância. Por fim, pretende o recorrente a não transcrição da sentença nos Certificados de Registo Criminal, medida que tem consagração legal no art. 17º da Lei nº 57/98, de 18 de Agosto, cujo nº 1 dispõe que “os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11.º e 12.º”. Ora, precisamente porque a lei admite que a não transcrição no certificado de registo criminal possa ser determinada na sentença ou em despacho posterior, não havendo pronúncia do tribunal a quo sobre essa questão por nunca lhe ter sido colocada, não pode o tribunal ad quem pronunciar-se sobre ela, visto tratar-se de questão nova e não do pedido de reapreciação de uma questão anteriormente suscitada perante tribunal hierarquicamente inferior e por ele decidida em sentido desfavorável para o recorrente. * * * III – DISPOSITIVO: Nos termos apontados, nega-se provimento ao recurso. Por ter decaído integralmente no recurso interposto, condena-se o recorrente na taxa de justiça de 3 UC. * * Jorge Miranda Jacob (Relator) Maria Pilar de Oliveira