Processo:568/22.0T8ACB-A.C1
Data do Acordão: 27/09/2022Relator: ARLINDO OLIVEIRATribunal:trc
Decisão: Meio processual:

No âmbito de processo especial de destituição de gerente de sociedade por quotas, com pedido acolhido de decretamento cautelar, sem audiência prévia, da suspensão imediata de funções desse gerente, tendo o requerido – na sequência da sua citação para, no prazo de 15 dias, recorrer da decisão de suspensão, ou deduzir-lhe oposição, em 10 dias, e, no mesmo prazo de 10 dias, contestar a ação – solicitado a prorrogação do “prazo que lhe foi concedido para deduzir a sua contestação”, deve entender-se, ocorrendo unidade de fundamentos deduzidos (em vez de defesas autónomas, quanto ao pedido da ação e ao pedido cautelar), que a contestação apresentada, direcionada também para o levantamento da providência decretada, abrange a oposição à decisão cautelar de suspensão de gerente, em face da prorrogação concedida.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

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Relator
ARLINDO OLIVEIRA
Descritores
SUSPENSÃO CAUTELAR DE GERENTE OPOSIÇÃO TEMPESTIVIDADE PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
No do documento
Data do Acordão
09/28/2022
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
N
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
CONFIRMADA
Sumário
No âmbito de processo especial de destituição de gerente de sociedade por quotas, com pedido acolhido de decretamento cautelar, sem audiência prévia, da suspensão imediata de funções desse gerente, tendo o requerido – na sequência da sua citação para, no prazo de 15 dias, recorrer da decisão de suspensão, ou deduzir-lhe oposição, em 10 dias, e, no mesmo prazo de 10 dias, contestar a ação – solicitado a prorrogação do “prazo que lhe foi concedido para deduzir a sua contestação”, deve entender-se, ocorrendo unidade de fundamentos deduzidos (em vez de defesas autónomas, quanto ao pedido da ação e ao pedido cautelar), que a contestação apresentada, direcionada também para o levantamento da providência decretada, abrange a oposição à decisão cautelar de suspensão de gerente, em face da prorrogação concedida.
Decisão integral
Processo n.º 568/22.0T8ACB-A.C1 – Apelação
            Comarca de Leiria, Alcobaça, Juízo de Comércio
 
            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
 
 
AA, intentou acção especial de destituição de gerente de sociedade por quotas, com pedido de decretamento, sem a sua audiência prévia, a título antecipatório e com natureza urgente e cautelar, da sua suspensão imediata de funções do gerente BB, da sociedade A... e a final a sua destituição, ambos, já identificados nos autos.
Conforme decisão, aqui junta, por cópia, de fl.s 3 a 24, proferida em 26 de Maio de 2022, nos autos de que provém o presente Apenso, sem a audiência prévia do requerido, decidiu-se o seguinte:
“Julgo procedente a medida de suspensão do cargo e, em consequência, suspendo o requerido BB, melhor identificado nos autos, do cargo de gerente da sociedade A..., NIPC ....
Registe, comunique e notifique (artigo 153.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
Cite o requerido (artigo 1055.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).”.
 
No seguimento do que, cf. Registo junto nos autos principais, em 27 de Maio de 2022, foi o requerido citado, nos seguintes termos:
Assunto: Citação
Nos termos do disposto no artigo 366.º, n.º 6.º e 1055.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª citado para, querendo, e em alternativa:
· Recorrer, no prazo de 15 dias, nos termos gerais, do despacho que decretou a providência, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não deveria ter sido decretada. Caso a decisão inclua a inversão do contencioso, pode impugná-la no mesmo prazo;
· Deduzir oposição, no prazo de 10 dias, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução. Caso a decisão inclua a inversão do contencioso, pode impugná-la no mesmo prazo.
Com a oposição deve oferecer o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova;
· Mais fica V. Ex.ª citado para, no prazo de 10 dias, contestar, querendo, a ação acima identificada, devendo, com a contestação oferecer o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova.
A citação considera-se efetuada no dia da assinatura do AR, não se suspendendo o prazo durante as férias judiciais.
No caso de pessoa singular, quando a assinatura do aviso de receção não tenha sido feita pelo próprio, acrescerá a dilação de 5 dias (artigos 228.º e 245.º do CPC).
A dilação aplicável, individualmente considerada ou o somatório delas, nunca pode ser superior a 10 dias (n.º 3 do artigo 366.º do CPC).
Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
Fica advertido de que é obrigatória a constituição de mandatário judicial.
Junta-se, para o efeito, um duplicado da petição inicial, cópia dos documentos que se encontram nos autos e cópia do despacho que julgou procedente a providência.”.
 
Em 3 de Junho de 2022, o requerido juntou aos autos, requerimento com o seguinte teor:
“BB, Requerido melhor identificado nos autos em
epígrafe, tendo sido citado da ação que lhe é movida por AA, vem, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 569º do C.P.C, requerer a V. Exa. se digne prorrogar o prazo que lhe foi concedido para deduzir a sua contestação por 10 dias, dada a extensão e complexidade dos factos invocados pela Autora, nomeadamente quanto aos inúmeros alegados movimentos desconformes, o que o obriga a diligenciar pela pesquisa de diversos elementos bancários e contabilísticos que, naturalmente, levará bastante tempo a concluir, sendo o prazo legal de 10 dias concedido para contestar a presente ação manifesta e objetivamente curto para o efeito.”.
 
Sobre o qual, recaiu, o seguinte despacho, proferido em 7 de Junho de 2022:
“Ref citius 8772679: Atentas as razões invocadas, que se consideram atendíveis, prorrogo o prazo da contestação em dez dias, conforme requerido, ao abrigo do disposto no art. 569º, nº 5, do CPC.
Notifique, tendo ainda em conta o disposto no art. 569º, nº 6, do CPC.”.
Que lhe foi notificado, via Citius, na data em que foi proferido.
 
No dia 28 de Junho de 2022, o requerido, BB, veio apresentar a sua contestação (aqui junta de fl.s 32 a 81), concluindo o seguinte:
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá:
a) Ser julgada a presente ação improcedente por não provada e, consequentemente ser levantada a suspensão do Requerido do cargo de gerente da Sociedade;
b) Ou, caso assim não se entenda, e a presente ação vier a ser julgada procedente, ser subsidiariamente nomeada por este Tribunal como gerente da Sociedade a Dra. CC por uma questão de justo equilíbrio e equidade;
c) Ser o pedido reconvencional julgado procedente por provado e consequentemente ser a Requerente destituída do cargo de gerente da Sociedade.”.
 
Notificada do teor da contestação deduzida, veio a requerente, AA, cf. requerimento aqui junto de fl.s 129 a 136, entrado em juízo no dia 6 de Julho de 2022, requerer o seguinte:
“2. Face ao exposto, requer-se que o Tribunal considere que o douto articulado/contestação apresentado pelo R. não assume a natureza de oposição à providência cautelar inominada de suspensão que foi decretada por douta sentença de 26.5.2022 e que a mesma já transitou em julgado, cuja certificação se vai requerer autonomamente para efeitos registrais.”.
 
Alega, para tal e em resumo, que o requerido foi citado para recorrer no prazo de 15 dias, do despacho que decretou a providência e para, no prazo de 10 dias, lhe deduzir oposição e para contestar a acção.
No seu requerimento de 3 de Junho, o requerido apenas pediu a prorrogação do prazo para deduzir a contestação por 10 dias, o que lhe foi deferido, cf. despacho de 7 de Junho, do que, conclui, o único prazo que lhe foi prorrogado foi o da contestação e não o da oposição, que terminou em 5 de Junho, sendo a contestação, no que se refere à oposição à providência, extemporânea, o que se reforça atento a que os pedidos de suspensão e de destituição de gerente, embora formulados nos mesmos autos, são autónomos e independentes entre si.
 
Respondendo, o requerido BB, cf. requerimento de 9 de Julho de 2022, aqui junto a fl.s 142/5, defende que embora os autos principais englobem o procedimento de suspensão de gerente, de natureza cautelar, que foi decretado sem contraditório, e o de destituição, tramitado como processo de jurisdição voluntária, tal não significa que estejamos perante dois processos em separado, mas antes um único, incindível.
Perante o decretamento da providência, ao requerido, apenas restava, em alternativa, recorrer da respectiva decisão ou deduzir-lhe oposição, consoante os fundamentos invocados.
O requerente invoca diferentes factos, comuns a ambos os pedidos, que teria de deduzir no mesmo prazo, o que, assim, fez, não lhe sendo exigível que o fizesse em dois requerimentos distintos.
Do que conclui que o despacho de 7 de Junho abrange, igualmente, a prorrogação do prazo para dedução da oposição á decretada providência de suspensão de gerente.
 
Conclusos os autos ao M.mo Juiz a quo, foi proferida a decisão constante de fl.s 138 a 140 v.º (aqui recorrida), na qual, a final, se decidiu o seguinte:
“Aqui chegados e tendo em conta o Acórdão que temos vindo a citar importa dar prevalência do fundo sobre a forma e fazer funcionar em pleno o princípio do contraditório, salvaguardando assim uma decisão mais equitativa, pelo que importa considerar que a contestação apresentada abrange igualmente a oposição à suspensão de gerente. De igual modo e relativamente à prorrogação de prazo, refira-se que a norma do nº 5 do art. 569º do CPC é aplicável também aos procedimentos cautelares (neste sentido o Ac. Do TRG, processo n.º. 310/13.7TCGMR-A.G1, consultável em www.dgsi.pt). 
Deste modo, por ora, indefere-se o requerido pela A.”.
 
Em resumo, fundamenta a decisão, no facto de se tratar de um processo de jurisdição voluntária, em que se deduzem dois pedidos: suspensão e destituição de gerente de uma sociedade, com diferente tramitação, não estando o Tribunal vinculado a critérios de legalidade estrita e seguindo o decidido no Acórdão desta Relação, de 16 de Junho de 2015, Processo n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/119304" target="_blank">203/14.0T8FND.C1</a>, disponível no respectivo sítio do Itij, e como forma de fazer funcionar o contraditório, considerou-se que a contestação apresentada abrange, igualmente, a oposição à suspensão de gerente.
 
Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso, a requerente AA, o qual foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 178), finalizando as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
1. O único prazo objecto de prorrogação foi o prazo de contestação e não o prazo de oposição, mesmo admitindo-se conforme consta do douto despacho em causa que a norma do nº 5 do art. 569º do CPC é aplicável também aos procedimentos cautelares.
2. Assim sendo decorrido o prazo legal de oposição que terminou em 21.6 e o prazo de recurso que findou em 5 do corrente, já levando em consideração a dilação legal e os três dias úteis subsequentes ao termo do prazo (art.º 139º do CPC), o articulado oferecido não pode ser considerado como oposição.
3. Não obstante o Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei nº 41/2013, de 26.06, ter posto em destaque o dever do Juiz de dar prevalência, tanto quanto possível, a decisões finais de mérito sobre decisões meramente processuais (art. 278º, n.º 3), o dever de gestão processual, dirigindo ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere (art. 6º, n.º 1), e de cooperação com as partes, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (art. 7º, n.º 1), isso não pressupõe que o juiz tenha de se substituir às partes no exercício de direitos que só estas podem exercer.
4. Se o R. não quis solicitar a prorrogação do prazo de oposição sibi imputet…
5. A invocada “prevalência do fundo sobre a forma” e o funcionamento “em pleno do princípio do contraditório”, não se pode fazer à custa dos princípios e regras processuais civis. Ora, se a parte não quis apresentar oposição à decisão cautelar de suspensão, não pode ser o Tribunal a considerar que o meio processual utilizado para a “acção principal” é também apta para aquele fim, como não o é, nem o pode ser.
6. No art.º 1055.º do NCPC (processo de jurisdição voluntária de destituição e/ou suspensão de titulares de órgãos sociais) acomodam-se dois procedimentos processuais: o processo principal e definitivo de destituição; e, enxertado em tal processo principal, a
providência cautelar inominada de suspensão.
7. Este processo é um dos vários processos especiais relativos ao exercício de direitos sociais que se encontram previstos no Livro V, Título XV, Capítulo XIV, do CPC, mais concretamente nos arts. 1048º a 1071º. Trata-se de um processo de jurisdição voluntária e, como tal, não está sujeito a critérios de legalidade estrita, norteando-se antes a decisão por critérios de conveniência e oportunidade, posto que o tribunal deve adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (art. 987º, do CPC), podendo, para o efeito investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, apenas sendo admitidas as provas que o juiz considere necessárias (art. 986º, nº 2, do CPC), mas não se refere onde quer que seja, ainda que implicitamente, que o tribunal possa considerar como apresentado um articulado que a parte não apresentou.
8. No caso sub judicis, tendo, no processo cautelar, sido proferida, no procedimento cautelar inominado do art.º 1055.º, n.º 2 do CPC, decisão a conceder o decretamento da suspensão das funções de gerente, a reação do requerido só poderia seguir uma de duas vias: ou o recurso dessa decisão judicial cautelar ou, em alternativa, a dedução de oposição tendente a demonstrar a inexistência da causa de pedir ou dos fundamentos de facto alegados para basear a providência cautelar da suspensão das funções. Esse processo acessório autonomizou-se por mor da decisão nele proferida relativamente ao processo principal, tendo cada um a sua própria tramitação futura.
9. Com efeito, os factos da decisão cautelar de suspensão não se integram, muito menos de forma automática e implícita, na decisão final de destituição, bastando-se cada decisão a si própria. Cada uma das decisões põe termo a procedimentos funcionalmente autónomos e independentes entre si, sendo a sua relação a que existe entre uma normal decisão cautelar e a posterior decisão da acção principal, com a diferença de aqui, a decisão cautelar ser tomada como incidente tramitado na acção principal. O objecto processual pode ser cumulado (suspensão e destituição), mas não necessariamente (Rui Pinto, CPC, anotado, vol. II, p. 912).
10. Não goza o juiz de quaisquer poderes de adequação processual com a função de fazer aproximar, a partir daí, a tramitação a seguir no procedimento cautelar com os termos processuais pelos quais se regem o processo autónomo principal.
11. Acresce que, no rigor da construção formal processual, nunca se ouviu apelidar de oposição uma contestação dirigida à dedução da defesa no processo principal e lhe cometer, no mais puro silêncio da lei, uma função dupla jurídica, em dois tipos diferentes de processos (acessório e principal) de, por um lado, cumprir a função da oposição, no procedimento cautelar, acima precisada, e de, por outro, servir a função de modo de dedução de toda a defesa do processo principal.
12. Normas jurídicas violadas: 986º, n.º 2 e 1055º, n.º 2 do CPC.
Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se consequentemente o despacho recorrido e considerando-se como não apresentada qualquer oposição à decidida suspensão do R., por sentença de 26.5.2022, com todas as legais consequências.
 
Contra-alegando, o requerido, pugna pela manutenção da decisão recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
(…).
 
 
Dispensados os vistos legais, há que decidir.
Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de averiguar se a contestação apresentada abrange, ou não, também, a oposição à decisão de suspensão de gerente cautelarmente decretada, em face da prorrogação que foi concedida ao requerido, pelo despacho de 7 de Junho de 2022 e atendendo, ainda, que se trata de processo de jurisdição voluntária.
 
A factualidade a ter em consideração é a que consta do relatório que antecede. 
 
Se a contestação apresentada abrange, ou não, também, a oposição à decisão de suspensão de gerente cautelarmente decretada, em face da prorrogação que foi concedida ao requerido, pelo despacho de 7 de Junho de 2022 e atendendo, ainda, que se trata de processo de jurisdição voluntária.
Como resulta do relatório que antecede, a recorrente insurge-se contra a conclusão a que se chegou na decisão recorrida, no sentido de que, atenta a natureza de processo de jurisdição voluntária dos autos em apreço, a fim de se poder proferir uma decisão mais equitativa e porque o julgador não está limitado a critérios de estrita legalidade, se deve entender que a contestação, também, deve ser entendida como abrangendo a oposição à providência de suspensão já proferida.
 
Convém começar por referir que não está em causa, na situação que nos ocupa, averiguar se no caso a que se refere o artigo 1055.º do CPC, se trata de um processo em que se enxertam/cumulam ou podem enxertar-se/cumular-se os pedidos de suspensão e destituição de gerente de uma sociedade, isto, independentemente de se considerar que existe um processo principal de destituição e outro (cautelar) de suspensão, um caso de “dois em um”; ou se se trata de dois pedidos de “uma única acção”, processados em separado.
Efectivamente, o que importa definir é qual o âmbito do que foi requerido acerca da prorrogação do prazo para a dedução da defesa e, consequentemente, do despacho que o deferiu.
Ou seja, importa interpretar o teor de tal requerimento e do despacho que sobre ele recaiu, a fim de aquilatar, o que dos mesmos, conclusivamente, se poderá extrair.
Tanto o requerimento de 3 de Junho, como o despacho que o apreciou, de 7 de Junho, consubstanciam declarações de vontade, declarações negociais (como, de resto, sucede com uma sentença judicial) passíveis de interpretação, valendo, como respectivos critérios, o que se acha disposto nos artigos 236.º/7.º, do Código Civil.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 236.º, n.º 1, do CC, estabelece-se a regra de que o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante.
Como cláusula de salvaguarda, para os casos duvidosos, estabelece o artigo 237.º do CC que, nos negócios onerosos, deve atender-se ao sentido da declaração que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.
 
Como acima transcrito, o requerido foi citado para, no prazo de 15 dias, recorrer da decisão de suspensão, na hipótese de não colocando em causa a matéria de facto dada como provada, entender que a mesma não deveria ter sido decretada; deduzir-lhe oposição, em 10 dias, se pretendesse colocar em causa a matéria de facto que a fundamentou e; no mesmo prazo de 10 dias, contestar a acção.
O requerido, como acima assinalado, solicitou a prorrogação do “prazo que lhe foi concedido para deduzir a sua contestação”, com a fundamentação acima transcrita.
Como resulta da contestação apresentada, o requerido não recorreu da decisão de suspensão, mas invocou diversa factualidade com vista ao levantamento de tal providência.
Resultando, ainda, que os fundamentos para obter este desiderato e os que se referem à contestação da acção são, rigorosamente, os mesmos. O requerido não deduziu defesas autónomas em relação a cada um dos pedidos em apreço, porque os respectivos fundamentos são os mesmos e a motivação que subjaz ao pedido de prorrogação do prazo para a apresentação da contestação é a mesma relativamente a cada um de tais pedidos. 
Assim, salvo o devido respeito, atentos os critérios interpretativos insertos nos citados artigos 236.º/7.º, deve entender-se o requerimento formulado pelo requerido, como abrangendo, em termos genéricos, a pretensão de que lhe fosse prorrogado o prazo para apresentação da sua defesa (assim se devendo entender o vocábulo “contestação), indistintamente, em relação a cada um dos pedidos.
Concomitantemente, deve entender-se o despacho de 7 de Julho, que sobre ele recaiu, como concedendo, indistintamente, a requerida prorrogação.
Se os fundamentos de defesa, relativamente a cada um de tais pedidos, fossem diversos, já assim se não poderia entender. Mas, reitera-se, não há defesas autónomas. Ao invés, os fundamentos são comuns a ambos os pedidos formulados pela requerente, não sendo de exigir ao requerido que duplicasse o número de articulados, repetindo, quanto a um dos pedidos, o que já havia alegado relativamente ao outro.
O requerido teve em vista a prorrogação para apresentação da sua defesa e o despacho deferiu tal pretensão.
É certo que no despacho em causa se refere tão só que se prorroga “o prazo da contestação”, equivalente à terminologia usada no requerimento de 3 de Junho.
Mas a interpretação literal, atentos os fundamentos acima expostos não se pode sobrepor à que resulta dos critérios a que se referem os artigos 236.º/7.º do Código Civil.
Concluindo, tal como na decisão recorrida, entendemos que a contestação abrange, também, a oposição à decretada suspensão de gerente.
 
Mas ainda que por este prisma assim se não entendesse, o facto de estarmos em presença de um processo de jurisdição voluntária, terá de, inevitavelmente, conduzir á mesma conclusão.
Efectivamente, como resulta do disposto no artigo 987.º, do CPC, no que aos processos de jurisdição voluntária se refere, “Nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”.
Resulta deste comando legal que “a lei quer significar que o julgador, em vez de se orientar por qualquer conceito abstracto de justiça, deve olhar o caso concreto e procurar a solução que melhor serve os interesses em causa, que dá a esses interesses a resposta mais conveniente e oportuna” – neste sentido, Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. II, Coimbra Editora, 1982, pág.s 399 a 401 e Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 65 e seg.s.
Como se refere no Código GPS, Vol. II, Almedina, 2020, a pág. 437 “Sempre que a aplicação do direito estrito não confira uma tutela adequada aos interesses em causa, o juiz deve alicerçar a sua decisão em razões de oportunidade ou de conveniência, adotando as medidas mais aptas à satisfação do interesse, mesmo que estas não estejam exaustivamente tipificadas na lei”.
Ali se acrescentando que “O juízo de conveniência implica que a solução adotada satisfaça o interesse protegido, ao passo que o juízo de oportunidade implica que essa solução é adotada no momento adequado à satisfação desse interesse”.
Ora, cotejando os interesses em jogo, somos de opinião que a solução mais justa, equitativa e que melhor serve os interesses em causa é a de proporcionar ao requerido a possibilidade de se pronunciar/contraditar, os factos que fundamentaram a decisão de suspensão, que, relembre-se, são os mesmos que fundamentam a contestação ao pedido de destituição.
A assim não ser, o requerido não mais terá oportunidade de ver satisfeita a sua pretensão de exercer o contraditório quanto ao pedido de suspensão, ficando definitivamente suspenso de gerente da sociedade em causa.
O que aliás, não deixaria de ser contraditório e ilógico no caso de vir a proceder a contestação ao pedido de destituição, caso em que, o requerido estaria definitivamente suspenso da gerência mas não dela destituído. 
A suspensão, por natureza, tem um carácter provisório, não coadunável com a improcedência do pedido de destituição. Mais uma razão para que se mantenha a decisão recorrida.
 
E nem se diga, com isto, contrariamente ao que refere a recorrente (conclusões 3.ª, 5.ª e 7.ª) que o tribunal se está a substituir à parte considerando “apresentado um articulado que a parte não apresentou” ou que se esteja “a substituir às partes no exercício de direitos que só estas podem exercer”.
Não é disso que se trata.
O que se verifica é que o tribunal, no uso dos poderes de conveniência e de oportunidade que lhe são conferidos pelo disposto no artigo 987º do CPC, deve (sublinhado nosso) fazer sobrepor tais critérios sobre a legalidade estrita e in casu para a realização da justiça e para encontrar a melhor solução que se coadune com a situação em concreto, impõe-se que se considere que o articulado apresentado abrange a oposição à suspensão e não que se esteja a considerar como apresentado um articulado que a parte não apresentou. A parte deduziu contestação e a questão reside em saber qual o alcance da mesma, entendendo nós, como de resto se entendeu na decisão recorrida, que a mesma também abrange a oposição ao pedido de suspensão de gerente.
Assim, face ao exposto, improcede o presente recurso.
 
Nestes termos se decide:       
Julgar improcedente o presente recurso, em função do que se mantém a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Coimbra, 28 de Setembro de 2022.

Arlindo Oliveira
Emídio Santos
Catarina Gonçalves

Processo n.º 568/22.0T8ACB-A.C1 – Apelação             Comarca de Leiria, Alcobaça, Juízo de Comércio             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra AA, intentou acção especial de destituição de gerente de sociedade por quotas, com pedido de decretamento, sem a sua audiência prévia, a título antecipatório e com natureza urgente e cautelar, da sua suspensão imediata de funções do gerente BB, da sociedade A... e a final a sua destituição, ambos, já identificados nos autos. Conforme decisão, aqui junta, por cópia, de fl.s 3 a 24, proferida em 26 de Maio de 2022, nos autos de que provém o presente Apenso, sem a audiência prévia do requerido, decidiu-se o seguinte: “Julgo procedente a medida de suspensão do cargo e, em consequência, suspendo o requerido BB, melhor identificado nos autos, do cargo de gerente da sociedade A..., NIPC .... Registe, comunique e notifique (artigo 153.º, n.º 4, do Código de Processo Civil). Cite o requerido (artigo 1055.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).”. No seguimento do que, cf. Registo junto nos autos principais, em 27 de Maio de 2022, foi o requerido citado, nos seguintes termos: Assunto: Citação Nos termos do disposto no artigo 366.º, n.º 6.º e 1055.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª citado para, querendo, e em alternativa: · Recorrer, no prazo de 15 dias, nos termos gerais, do despacho que decretou a providência, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não deveria ter sido decretada. Caso a decisão inclua a inversão do contencioso, pode impugná-la no mesmo prazo; · Deduzir oposição, no prazo de 10 dias, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução. Caso a decisão inclua a inversão do contencioso, pode impugná-la no mesmo prazo. Com a oposição deve oferecer o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; · Mais fica V. Ex.ª citado para, no prazo de 10 dias, contestar, querendo, a ação acima identificada, devendo, com a contestação oferecer o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova. A citação considera-se efetuada no dia da assinatura do AR, não se suspendendo o prazo durante as férias judiciais. No caso de pessoa singular, quando a assinatura do aviso de receção não tenha sido feita pelo próprio, acrescerá a dilação de 5 dias (artigos 228.º e 245.º do CPC). A dilação aplicável, individualmente considerada ou o somatório delas, nunca pode ser superior a 10 dias (n.º 3 do artigo 366.º do CPC). Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte. Fica advertido de que é obrigatória a constituição de mandatário judicial. Junta-se, para o efeito, um duplicado da petição inicial, cópia dos documentos que se encontram nos autos e cópia do despacho que julgou procedente a providência.”.   Em 3 de Junho de 2022, o requerido juntou aos autos, requerimento com o seguinte teor: “BB, Requerido melhor identificado nos autos em epígrafe, tendo sido citado da ação que lhe é movida por AA, vem, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 569º do C.P.C, requerer a V. Exa. se digne prorrogar o prazo que lhe foi concedido para deduzir a sua contestação por 10 dias, dada a extensão e complexidade dos factos invocados pela Autora, nomeadamente quanto aos inúmeros alegados movimentos desconformes, o que o obriga a diligenciar pela pesquisa de diversos elementos bancários e contabilísticos que, naturalmente, levará bastante tempo a concluir, sendo o prazo legal de 10 dias concedido para contestar a presente ação manifesta e objetivamente curto para o efeito.”. Sobre o qual, recaiu, o seguinte despacho, proferido em 7 de Junho de 2022: “Ref citius 8772679: Atentas as razões invocadas, que se consideram atendíveis, prorrogo o prazo da contestação em dez dias, conforme requerido, ao abrigo do disposto no art. 569º, nº 5, do CPC. Notifique, tendo ainda em conta o disposto no art. 569º, nº 6, do CPC.”. Que lhe foi notificado, via Citius, na data em que foi proferido. No dia 28 de Junho de 2022, o requerido, BB, veio apresentar a sua contestação (aqui junta de fl.s 32 a 81), concluindo o seguinte: Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá: a) Ser julgada a presente ação improcedente por não provada e, consequentemente ser levantada a suspensão do Requerido do cargo de gerente da Sociedade; b) Ou, caso assim não se entenda, e a presente ação vier a ser julgada procedente, ser subsidiariamente nomeada por este Tribunal como gerente da Sociedade a Dra. CC por uma questão de justo equilíbrio e equidade; c) Ser o pedido reconvencional julgado procedente por provado e consequentemente ser a Requerente destituída do cargo de gerente da Sociedade.”. Notificada do teor da contestação deduzida, veio a requerente, AA, cf. requerimento aqui junto de fl.s 129 a 136, entrado em juízo no dia 6 de Julho de 2022, requerer o seguinte: “2. Face ao exposto, requer-se que o Tribunal considere que o douto articulado/contestação apresentado pelo R. não assume a natureza de oposição à providência cautelar inominada de suspensão que foi decretada por douta sentença de 26.5.2022 e que a mesma já transitou em julgado, cuja certificação se vai requerer autonomamente para efeitos registrais.”. Alega, para tal e em resumo, que o requerido foi citado para recorrer no prazo de 15 dias, do despacho que decretou a providência e para, no prazo de 10 dias, lhe deduzir oposição e para contestar a acção. No seu requerimento de 3 de Junho, o requerido apenas pediu a prorrogação do prazo para deduzir a contestação por 10 dias, o que lhe foi deferido, cf. despacho de 7 de Junho, do que, conclui, o único prazo que lhe foi prorrogado foi o da contestação e não o da oposição, que terminou em 5 de Junho, sendo a contestação, no que se refere à oposição à providência, extemporânea, o que se reforça atento a que os pedidos de suspensão e de destituição de gerente, embora formulados nos mesmos autos, são autónomos e independentes entre si. Respondendo, o requerido BB, cf. requerimento de 9 de Julho de 2022, aqui junto a fl.s 142/5, defende que embora os autos principais englobem o procedimento de suspensão de gerente, de natureza cautelar, que foi decretado sem contraditório, e o de destituição, tramitado como processo de jurisdição voluntária, tal não significa que estejamos perante dois processos em separado, mas antes um único, incindível. Perante o decretamento da providência, ao requerido, apenas restava, em alternativa, recorrer da respectiva decisão ou deduzir-lhe oposição, consoante os fundamentos invocados. O requerente invoca diferentes factos, comuns a ambos os pedidos, que teria de deduzir no mesmo prazo, o que, assim, fez, não lhe sendo exigível que o fizesse em dois requerimentos distintos. Do que conclui que o despacho de 7 de Junho abrange, igualmente, a prorrogação do prazo para dedução da oposição á decretada providência de suspensão de gerente. Conclusos os autos ao M.mo Juiz a quo, foi proferida a decisão constante de fl.s 138 a 140 v.º (aqui recorrida), na qual, a final, se decidiu o seguinte: “Aqui chegados e tendo em conta o Acórdão que temos vindo a citar importa dar prevalência do fundo sobre a forma e fazer funcionar em pleno o princípio do contraditório, salvaguardando assim uma decisão mais equitativa, pelo que importa considerar que a contestação apresentada abrange igualmente a oposição à suspensão de gerente. De igual modo e relativamente à prorrogação de prazo, refira-se que a norma do nº 5 do art. 569º do CPC é aplicável também aos procedimentos cautelares (neste sentido o Ac. Do TRG, processo n.º. 310/13.7TCGMR-A.G1, consultável em www.dgsi.pt). Deste modo, por ora, indefere-se o requerido pela A.”. Em resumo, fundamenta a decisão, no facto de se tratar de um processo de jurisdição voluntária, em que se deduzem dois pedidos: suspensão e destituição de gerente de uma sociedade, com diferente tramitação, não estando o Tribunal vinculado a critérios de legalidade estrita e seguindo o decidido no Acórdão desta Relação, de 16 de Junho de 2015, Processo n.º 203/14.0T8FND.C1, disponível no respectivo sítio do Itij, e como forma de fazer funcionar o contraditório, considerou-se que a contestação apresentada abrange, igualmente, a oposição à suspensão de gerente. Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso, a requerente AA, o qual foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 178), finalizando as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões: 1. O único prazo objecto de prorrogação foi o prazo de contestação e não o prazo de oposição, mesmo admitindo-se conforme consta do douto despacho em causa que a norma do nº 5 do art. 569º do CPC é aplicável também aos procedimentos cautelares. 2. Assim sendo decorrido o prazo legal de oposição que terminou em 21.6 e o prazo de recurso que findou em 5 do corrente, já levando em consideração a dilação legal e os três dias úteis subsequentes ao termo do prazo (art.º 139º do CPC), o articulado oferecido não pode ser considerado como oposição. 3. Não obstante o Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei nº 41/2013, de 26.06, ter posto em destaque o dever do Juiz de dar prevalência, tanto quanto possível, a decisões finais de mérito sobre decisões meramente processuais (art. 278º, n.º 3), o dever de gestão processual, dirigindo ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere (art. 6º, n.º 1), e de cooperação com as partes, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (art. 7º, n.º 1), isso não pressupõe que o juiz tenha de se substituir às partes no exercício de direitos que só estas podem exercer. 4. Se o R. não quis solicitar a prorrogação do prazo de oposição sibi imputet… 5. A invocada “prevalência do fundo sobre a forma” e o funcionamento “em pleno do princípio do contraditório”, não se pode fazer à custa dos princípios e regras processuais civis. Ora, se a parte não quis apresentar oposição à decisão cautelar de suspensão, não pode ser o Tribunal a considerar que o meio processual utilizado para a “acção principal” é também apta para aquele fim, como não o é, nem o pode ser. 6. No art.º 1055.º do NCPC (processo de jurisdição voluntária de destituição e/ou suspensão de titulares de órgãos sociais) acomodam-se dois procedimentos processuais: o processo principal e definitivo de destituição; e, enxertado em tal processo principal, a providência cautelar inominada de suspensão. 7. Este processo é um dos vários processos especiais relativos ao exercício de direitos sociais que se encontram previstos no Livro V, Título XV, Capítulo XIV, do CPC, mais concretamente nos arts. 1048º a 1071º. Trata-se de um processo de jurisdição voluntária e, como tal, não está sujeito a critérios de legalidade estrita, norteando-se antes a decisão por critérios de conveniência e oportunidade, posto que o tribunal deve adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (art. 987º, do CPC), podendo, para o efeito investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, apenas sendo admitidas as provas que o juiz considere necessárias (art. 986º, nº 2, do CPC), mas não se refere onde quer que seja, ainda que implicitamente, que o tribunal possa considerar como apresentado um articulado que a parte não apresentou. 8. No caso sub judicis, tendo, no processo cautelar, sido proferida, no procedimento cautelar inominado do art.º 1055.º, n.º 2 do CPC, decisão a conceder o decretamento da suspensão das funções de gerente, a reação do requerido só poderia seguir uma de duas vias: ou o recurso dessa decisão judicial cautelar ou, em alternativa, a dedução de oposição tendente a demonstrar a inexistência da causa de pedir ou dos fundamentos de facto alegados para basear a providência cautelar da suspensão das funções. Esse processo acessório autonomizou-se por mor da decisão nele proferida relativamente ao processo principal, tendo cada um a sua própria tramitação futura. 9. Com efeito, os factos da decisão cautelar de suspensão não se integram, muito menos de forma automática e implícita, na decisão final de destituição, bastando-se cada decisão a si própria. Cada uma das decisões põe termo a procedimentos funcionalmente autónomos e independentes entre si, sendo a sua relação a que existe entre uma normal decisão cautelar e a posterior decisão da acção principal, com a diferença de aqui, a decisão cautelar ser tomada como incidente tramitado na acção principal. O objecto processual pode ser cumulado (suspensão e destituição), mas não necessariamente (Rui Pinto, CPC, anotado, vol. II, p. 912). 10. Não goza o juiz de quaisquer poderes de adequação processual com a função de fazer aproximar, a partir daí, a tramitação a seguir no procedimento cautelar com os termos processuais pelos quais se regem o processo autónomo principal. 11. Acresce que, no rigor da construção formal processual, nunca se ouviu apelidar de oposição uma contestação dirigida à dedução da defesa no processo principal e lhe cometer, no mais puro silêncio da lei, uma função dupla jurídica, em dois tipos diferentes de processos (acessório e principal) de, por um lado, cumprir a função da oposição, no procedimento cautelar, acima precisada, e de, por outro, servir a função de modo de dedução de toda a defesa do processo principal. 12. Normas jurídicas violadas: 986º, n.º 2 e 1055º, n.º 2 do CPC. Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se consequentemente o despacho recorrido e considerando-se como não apresentada qualquer oposição à decidida suspensão do R., por sentença de 26.5.2022, com todas as legais consequências. Contra-alegando, o requerido, pugna pela manutenção da decisão recorrida, apresentando as seguintes conclusões: (…). Dispensados os vistos legais, há que decidir. Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de averiguar se a contestação apresentada abrange, ou não, também, a oposição à decisão de suspensão de gerente cautelarmente decretada, em face da prorrogação que foi concedida ao requerido, pelo despacho de 7 de Junho de 2022 e atendendo, ainda, que se trata de processo de jurisdição voluntária. A factualidade a ter em consideração é a que consta do relatório que antecede. Se a contestação apresentada abrange, ou não, também, a oposição à decisão de suspensão de gerente cautelarmente decretada, em face da prorrogação que foi concedida ao requerido, pelo despacho de 7 de Junho de 2022 e atendendo, ainda, que se trata de processo de jurisdição voluntária. Como resulta do relatório que antecede, a recorrente insurge-se contra a conclusão a que se chegou na decisão recorrida, no sentido de que, atenta a natureza de processo de jurisdição voluntária dos autos em apreço, a fim de se poder proferir uma decisão mais equitativa e porque o julgador não está limitado a critérios de estrita legalidade, se deve entender que a contestação, também, deve ser entendida como abrangendo a oposição à providência de suspensão já proferida. Convém começar por referir que não está em causa, na situação que nos ocupa, averiguar se no caso a que se refere o artigo 1055.º do CPC, se trata de um processo em que se enxertam/cumulam ou podem enxertar-se/cumular-se os pedidos de suspensão e destituição de gerente de uma sociedade, isto, independentemente de se considerar que existe um processo principal de destituição e outro (cautelar) de suspensão, um caso de “dois em um”; ou se se trata de dois pedidos de “uma única acção”, processados em separado. Efectivamente, o que importa definir é qual o âmbito do que foi requerido acerca da prorrogação do prazo para a dedução da defesa e, consequentemente, do despacho que o deferiu. Ou seja, importa interpretar o teor de tal requerimento e do despacho que sobre ele recaiu, a fim de aquilatar, o que dos mesmos, conclusivamente, se poderá extrair. Tanto o requerimento de 3 de Junho, como o despacho que o apreciou, de 7 de Junho, consubstanciam declarações de vontade, declarações negociais (como, de resto, sucede com uma sentença judicial) passíveis de interpretação, valendo, como respectivos critérios, o que se acha disposto nos artigos 236.º/7.º, do Código Civil. Ora, de acordo com o disposto no artigo 236.º, n.º 1, do CC, estabelece-se a regra de que o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Como cláusula de salvaguarda, para os casos duvidosos, estabelece o artigo 237.º do CC que, nos negócios onerosos, deve atender-se ao sentido da declaração que conduzir ao maior equilíbrio das prestações. Como acima transcrito, o requerido foi citado para, no prazo de 15 dias, recorrer da decisão de suspensão, na hipótese de não colocando em causa a matéria de facto dada como provada, entender que a mesma não deveria ter sido decretada; deduzir-lhe oposição, em 10 dias, se pretendesse colocar em causa a matéria de facto que a fundamentou e; no mesmo prazo de 10 dias, contestar a acção. O requerido, como acima assinalado, solicitou a prorrogação do “prazo que lhe foi concedido para deduzir a sua contestação”, com a fundamentação acima transcrita. Como resulta da contestação apresentada, o requerido não recorreu da decisão de suspensão, mas invocou diversa factualidade com vista ao levantamento de tal providência. Resultando, ainda, que os fundamentos para obter este desiderato e os que se referem à contestação da acção são, rigorosamente, os mesmos. O requerido não deduziu defesas autónomas em relação a cada um dos pedidos em apreço, porque os respectivos fundamentos são os mesmos e a motivação que subjaz ao pedido de prorrogação do prazo para a apresentação da contestação é a mesma relativamente a cada um de tais pedidos. Assim, salvo o devido respeito, atentos os critérios interpretativos insertos nos citados artigos 236.º/7.º, deve entender-se o requerimento formulado pelo requerido, como abrangendo, em termos genéricos, a pretensão de que lhe fosse prorrogado o prazo para apresentação da sua defesa (assim se devendo entender o vocábulo “contestação), indistintamente, em relação a cada um dos pedidos. Concomitantemente, deve entender-se o despacho de 7 de Julho, que sobre ele recaiu, como concedendo, indistintamente, a requerida prorrogação. Se os fundamentos de defesa, relativamente a cada um de tais pedidos, fossem diversos, já assim se não poderia entender. Mas, reitera-se, não há defesas autónomas. Ao invés, os fundamentos são comuns a ambos os pedidos formulados pela requerente, não sendo de exigir ao requerido que duplicasse o número de articulados, repetindo, quanto a um dos pedidos, o que já havia alegado relativamente ao outro. O requerido teve em vista a prorrogação para apresentação da sua defesa e o despacho deferiu tal pretensão. É certo que no despacho em causa se refere tão só que se prorroga “o prazo da contestação”, equivalente à terminologia usada no requerimento de 3 de Junho. Mas a interpretação literal, atentos os fundamentos acima expostos não se pode sobrepor à que resulta dos critérios a que se referem os artigos 236.º/7.º do Código Civil. Concluindo, tal como na decisão recorrida, entendemos que a contestação abrange, também, a oposição à decretada suspensão de gerente. Mas ainda que por este prisma assim se não entendesse, o facto de estarmos em presença de um processo de jurisdição voluntária, terá de, inevitavelmente, conduzir á mesma conclusão. Efectivamente, como resulta do disposto no artigo 987.º, do CPC, no que aos processos de jurisdição voluntária se refere, “Nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”. Resulta deste comando legal que “a lei quer significar que o julgador, em vez de se orientar por qualquer conceito abstracto de justiça, deve olhar o caso concreto e procurar a solução que melhor serve os interesses em causa, que dá a esses interesses a resposta mais conveniente e oportuna” – neste sentido, Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. II, Coimbra Editora, 1982, pág.s 399 a 401 e Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 65 e seg.s. Como se refere no Código GPS, Vol. II, Almedina, 2020, a pág. 437 “Sempre que a aplicação do direito estrito não confira uma tutela adequada aos interesses em causa, o juiz deve alicerçar a sua decisão em razões de oportunidade ou de conveniência, adotando as medidas mais aptas à satisfação do interesse, mesmo que estas não estejam exaustivamente tipificadas na lei”. Ali se acrescentando que “O juízo de conveniência implica que a solução adotada satisfaça o interesse protegido, ao passo que o juízo de oportunidade implica que essa solução é adotada no momento adequado à satisfação desse interesse”. Ora, cotejando os interesses em jogo, somos de opinião que a solução mais justa, equitativa e que melhor serve os interesses em causa é a de proporcionar ao requerido a possibilidade de se pronunciar/contraditar, os factos que fundamentaram a decisão de suspensão, que, relembre-se, são os mesmos que fundamentam a contestação ao pedido de destituição. A assim não ser, o requerido não mais terá oportunidade de ver satisfeita a sua pretensão de exercer o contraditório quanto ao pedido de suspensão, ficando definitivamente suspenso de gerente da sociedade em causa. O que aliás, não deixaria de ser contraditório e ilógico no caso de vir a proceder a contestação ao pedido de destituição, caso em que, o requerido estaria definitivamente suspenso da gerência mas não dela destituído. A suspensão, por natureza, tem um carácter provisório, não coadunável com a improcedência do pedido de destituição. Mais uma razão para que se mantenha a decisão recorrida. E nem se diga, com isto, contrariamente ao que refere a recorrente (conclusões 3.ª, 5.ª e 7.ª) que o tribunal se está a substituir à parte considerando “apresentado um articulado que a parte não apresentou” ou que se esteja “a substituir às partes no exercício de direitos que só estas podem exercer”. Não é disso que se trata. O que se verifica é que o tribunal, no uso dos poderes de conveniência e de oportunidade que lhe são conferidos pelo disposto no artigo 987º do CPC, deve (sublinhado nosso) fazer sobrepor tais critérios sobre a legalidade estrita e in casu para a realização da justiça e para encontrar a melhor solução que se coadune com a situação em concreto, impõe-se que se considere que o articulado apresentado abrange a oposição à suspensão e não que se esteja a considerar como apresentado um articulado que a parte não apresentou. A parte deduziu contestação e a questão reside em saber qual o alcance da mesma, entendendo nós, como de resto se entendeu na decisão recorrida, que a mesma também abrange a oposição ao pedido de suspensão de gerente. Assim, face ao exposto, improcede o presente recurso. Nestes termos se decide:       Julgar improcedente o presente recurso, em função do que se mantém a decisão recorrida. Custas pela apelante. Coimbra, 28 de Setembro de 2022. Arlindo Oliveira Emídio Santos Catarina Gonçalves