Processo:1265/21.0KRLSB-A.L1-9
Data do Acordão: 08/03/2023Relator: RAQUEL LIMATribunal:trl
Decisão: Meio processual:

I.–A lei processual penal estabelece no seu artigo 213.° o reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação. Mas fá-lo, tão só, quanto às duas medidas de coacção privativas da liberdade e, por isso, mais gravosas. II.–Para além do reexame obrigatório destas duas medidas de coação, todas as restantes serão (re)avaliadas se /ou no caso de tal se afigurar necessário. Chegando ao processo elementos novos que determinem uma reavaliação da medida de coação aplicada, a mesma far-se-á. III.–Tendo as primitivas medidas de coacção terminado por caducidade (e não porque tenha deixado de existir o fundamento que levou ao seu decretamento), o tribunal, ao tempo da prolação do despacho que substitui aquelas medidas de coacção, não faz nova indagação relativamente às exigências cautelares, antes remetendo para os fundamentos e para os princípios que estiveram subjacentes à aplicação da medida de coacção aquando do primeiro interrogatório - princípio da legalidade, o princípio da necessidade, o princípio da adequação, o princípio da proporcionalidade e o princípio da subsidiariedade.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
RAQUEL LIMA
Descritores
CADUCIDADE DAS MEDIDAS DE COACÇÃO REEXAME DAS MEDIDAS DE COACÇÃO SUBSTITUIÇÃO FUNDAMENTAÇÃO
No do documento
RL
Data do Acordão
03/09/2023
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
RECURSO PENAL
Decisão
IMPROCEDENTE
Sumário
I.–A lei processual penal estabelece no seu artigo 213.° o reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação. Mas fá-lo, tão só, quanto às duas medidas de coacção privativas da liberdade e, por isso, mais gravosas. II.–Para além do reexame obrigatório destas duas medidas de coação, todas as restantes serão (re)avaliadas se /ou no caso de tal se afigurar necessário. Chegando ao processo elementos novos que determinem uma reavaliação da medida de coação aplicada, a mesma far-se-á. III.–Tendo as primitivas medidas de coacção terminado por caducidade (e não porque tenha deixado de existir o fundamento que levou ao seu decretamento), o tribunal, ao tempo da prolação do despacho que substitui aquelas medidas de coacção, não faz nova indagação relativamente às exigências cautelares, antes remetendo para os fundamentos e para os princípios que estiveram subjacentes à aplicação da medida de coacção aquando do primeiro interrogatório - princípio da legalidade, o princípio da necessidade, o princípio da adequação, o princípio da proporcionalidade e o princípio da subsidiariedade.
Decisão integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa 


1.–RELATÓRIO

 
ACÓRDÃO


Por despacho de 13.09.2022 foi determinado que o arguido A aguardasse os subsequentes termos do processo sujeito à obrigação de se apresentar duas vezes por semana no posto policial da área da sua residência sita no ... Lisboa (cf. artigos 191º, 192º, 193º, 204º, n.º 1, alínea c) e 198º do CPP).
 
Não se conformando com o despacho em causa veio o arguido recorrer.
 
Após a motivação, apresentou conclusões:

1.–O Meritíssimo Juiz não fundamenta a aplicação desta medida de coação. Conforme decorre dos autos, perante a anterior aplicação das medidas de coação, findo o 1° interrogatório, existe uma continuidade que, ao proceder à substituição da primitiva aplicação, o douto Tribunal a quo não afere, em concreto, a existência dos requisitos gerais, condição da aplicação das medidas de coação (artigo 204° do CPP). 
2.–O Meritíssimo Juiz não afere em concreto, no presente, da existência  dos requisitos gerais de que depende a sua aplicação, as invocadas continuação da atividade criminosa e o perigo da perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, agora e outrora, os dois requisitos atendidos para a aplicação ao arguido daquela medida de coação.
3.–Além da ausência de ponderação, a irregularidade na aplicação desta medida de coação (que se impõe e comunica ao arguido) sem a necessária audição prévia do arguido, conforme dispõe imperativamente a lei, no artigo 212.º, n° 4 do CPP 
4.–Sem que se lhe apresente concretamente quais os factos e comportamentos que a justificam  
5.–O douto despacho que ora se impugna não explica ou demonstra porque nesta fase a medida de coação aplicada se justifica, em reforço das exigências cautelares, no pressuposto, por demonstrar, de que com a prolação da acusação (ocorrida no dia 01.08.2022) maior deveria ser o reforço das exigências cautelares. Com que fundamento? 
6.–Estando já estabilizada a lide (com a prolação da acusação) e o arguido afastado da sua família, não se vislumbra como a aplicação desta medida de coação se manifesta necessária e adequada para acautelar a ordem e tranquilidade públicas e o perigo de continuação da atividade criminosa. 
7.–Para além da irregularidade na aplicação desta medida de coação (cf. artigo 118° do CPP) pretende ainda o arguido impugnar a mera remissão  aos fundamentos da primitiva medida de coação aplicada no 1° interrogatório do arguido, bem como esses mesmos fundamentos, para dizer que sobre a respetiva aplicação ocorreu uma irremediável mas importante nulidade insanável nos termos do artigo 194º, nºs 1, 4 e 6 do CPP porque: Não houve verdadeiramente promoção do M.P. sobre a sua aplicação. Não houve fundamentação sobre os perigos concretos que justificaram a sua aplicação. Assim:
8.–Do despacho de fls. 198 e ss [promoção das medidas de coação], verifica-se que  a Digníssima Senhora Procuradora não propõe em concreto nenhuma medida de coação, limita-se a requerer a aplicação de medida de coação mais gravosa que o TIR face ao perigo de continuação de atividade criminosa.
9.–Mais, o arguido só tem conhecimento da aparente promoção do M.P. sobre a sua aplicação, com a notificação da acusação. Conforme cópia dos autos entregue ao arguido detido, no decurso do 1º interrogatório; não está nela contida a imputação dos meios de prova onde se fundamentou o M.P., o que equivale a dizer que o arguido foi surpreendido. Não teve ocasião de se poder devidamente preparar para a defesa e rebate dos argumentos apresentados (v. g. para poder conferenciar com o seu defensor, como exige a lei (vide artigos 61.º, n.º1, al. f) do C.P.P.). 

10.–No que concerne à fundamentação dos perigos que em concreto justificariam a aplicação da medida de coação, o que decorre do despacho «remetido» é a utilização comum de «chavões processuais» aplicáveis em qualquer contexto de violência doméstica e que aqui se citam: «o denunciado vem colocando a ofendida B e os seus filhos menores numa situação de total ansiedade e medo, impedindo-a de viver com dignidade e liberdade, de elevado risco para a integridade física e psicológica, verificando-se in casu, um elevado risco de continuação da atividade criminosa (...) o denunciado continua a ameaçar a integridade física da ofendida de forma constante (...). A violência doméstica gera forte alarme social e intranquilidade públicas (...) a conduta que se atribui ao arguido é fonte de grande perturbação no quotidiano quer da ofendida (...)».perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
Finalmente,
11.–O interrogatório foi conduzido pela Meritíssima Juíza de forma intimidatória, cerceando a palavra do arguido e assentando em evidentes contradições, ao desconsiderar arbitrariamente as respostas expostas do arguido para assentar em conclusões de recurso pouco claro às regras de experiência comum (clara violação do disposto na al. e) do n.º 4 e n.º 5 do art. 141.2 do C.P.P.).

12.–Confrontado com os factos, não foi possível o exercício sereno do direito do contraditório, porque a Meritíssima juíza cortou a palavra intimidando-o e, desconsiderando a ansiedade do arguido, detido, descaracterizou efetivamente o seu direito de audiência. Ao contrário do que o Direito obriga não contextualizou as hipóteses de explicação e apresentação dos fatos apresentados pelo arguido em sua defesa. Pelo contrário, constrói os fundamentos sobre a aplicação das medidas de coação por mera remissão para a alegada promoção da M.P., e por recurso a " chavões". O raciocínio assim exposto fragiliza e desconsidera propositadamente a defesa, ao "arrepio" de todos os princípios de avaliação da prova: princípio da presunção da inocência, princípio da demonstração exaustiva da culpa do arguido, enfim todos os princípios que devem estar na base da construção do direito imparcial e justo.
13.–Consequentemente resulta também omissa a necessária demonstração da necessidade e adequação das medidas de coação aplicadas a justificar o propósito de restringir ao arguido as liberdades e direitos fundamentais, como decorre da aplicação dos artigos 18º 32º, nº1, ambos da C.R.P. 
14.–Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se Venerandos Desembargadores, a revogação imediata do despacho que aplicou ao arguido a medida de coação de apresentação bissemanal no posto de polícia da sua área de residência, por violação dos mais elementares princípios e normas que norteiam o nosso processo penal.

O Digno Magistrado do MP veio responder dizendo:

Do despacho recorrido resulta, no nosso modesto entendimento, a fundamentação da aplicação da medida de coação, assente no facto de se mostrarem inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação ao arguido de medida de coação para além do termo de identidade e residência aquando do seu primeiro interrogatório judicial, reforçados com a dedução da acusação, remetendo-se assim para a verificação dos requisitos de aplicação do art.204°, n°1, al. c), do CPP), a saber, perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, despacho precedido da promoção do  Ministério Público (cfr. fls.258 a 266, 273 a 275 e 778 a 779, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), em clara conformação legal e sem necessidade de audição prévia do arguido (cfr., com as necessárias adaptações, Acs. TRE de 17/03/2015, Processo n°1792/14.5GBABF-A.E2, in www.dgsi.pt/jtre; e Ac. TRG de 11-07-2013, Processo n° 21/12.0GAGMR-A.G2, in www.dgsi.pt/jtrg; e Acs. do TC n° 396/2003/T. Const. — Processo n° 485/2003, in DR de n° 29, de 4 de Fevereiro de 2004, e n° 684/2015, Processo n.° 778/15, inwww.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos).
- Ainda que se entenda que no caso se verifica a irregularidade da falta de audição prévia do arguido na aplicação em 13/09/2022 da medida de coação, a mesma foi extemporaneamente arguida face ao teor de fls.952, 953 956/990/991 (com notificação pessoal do despacho recorrido em 30/09/2022), ao teor de fls.1040 (recurso interposto em 18/10/2022) e ao disposto nos art.s.113°, 118° e 123° do C.P.P. - cfr. Ac. TRC Processo n°301/19.4PCCBR-B.C1, in www.dgsi.pt/jtrc: a falta de audição do arguido, não integrando qualquer das nulidades previstas no artigo 119.° 120.° do CPP, consubstancia mera irregularidade. Mas dos autos resulta que se diligenciou pela notificação da sua Mandatária que, notificada, se pronunciou a propósito, como flui de   fls.793 s.s. e 810 e s.s., tendo assim o arguido sido ouvido — cfr. Ac. TRC de 09-05-2012,Processo n°234/11.2GAVZL-A. Cl,	in  tips://trc.pt/recpen234112gavzl-acl/, assim nesta parte sumariado: a audição prévia do arguido para aplicação das medidas de coação e de garantia patrimonial, exceto o TIR, tanto pode ser presencial (no caso de primeiro interrogatório do arguido), como pode ser cumprida por mera notificação ao arguido para sobre tal se pronunciar nos autos (nos outros casos em que o M.P. propõe a aplicação de medida de coação mais gravosa  v. fls.778/779/para além do TIR que subsistiu, e o aí citado Ac. TRC de 02-03-2016, Processo n° 83/13.3GBCNF-B.C2, in www.dgsipt/jtrc). E em qualquer destas situações se mostra plenamente respeitado o princípio do contraditório, permitindo que o arguido exponha previamente as suas razões relativamente à decisão judicial.
Aqui, e não se tratando de arguido detido apresentado ao JIC para realização de primeiro interrogatório judicial, o direito de presença não se confunde com o direito de audiência.
O fundamental é que o arguido seja confrontado com os factos concretos e elementos de prova que consubstanciam os pericula libertatis­pressupostos de aplicação das medidas de coacção e de garantia patrimonial - para estar em condições de exercer o contraditório. Para esse efeito, bastará a notificação do defensor, tratando-se para mais da aplicação de medida de coação requerida na própria acusação — cfr., uma vez mais, para que não subsista a mínima dúvida, fls.778/779)
Neste sentido, cf. Ac. TRC de 04/11/2009, Processo n° 9/09.9SJGRD-A.C1, in www.dgsi.
Mas mais: após a notificação à Mandatária do arguido do despacho proferido em 3/08/2022, a fls.793, para exercício do direito de audição sobre o seu estatuto coativo — exercido a fls.810 e s.s., frisa-se - os autos foram consultados pela mesma (cfr. cota de 9/08/2022, a fls.798) e pelo arguido com recurso à digitalização (cfr. cota de 17/08/2022, a fls.805)
Por último ainda se dirá, quanto à alegação de falta de fundamento no douto despacho do pressuposto de que com a prolação da acusação maior deverá ser o reforço das exigências cautelares, que tal constatação radica desde logo no fundamento da consagração de marcos de duração máxima das medidas de coação, nos termos dos arts.198°, 215°, e 218°, n°1, do C.P.P.: é precisamente o juízo de verificação, ou não, do reforço das exigências cautelares que implica a extinção, ou não, da medida de coação, caso se vão, ou não, gradativamente, fortalecendo no tempo os indícios suficientes da verificação de crime e de quem foi o seu agente (encerramento, ou não, do Inquérito e da Instrução), a formulação, ou não, de juízo de certeza, da verificação de crime e de quem foi o seu agente (julgamento/sentença/acórdão) e a condenação, ou não, com trânsito em julgado.
Termos em que soçobram a argumentação e a pretensão formuladas. 
Nesta conformidade, o douto despacho recorrido não violou qualquer norma jurídica, e deve ser mantido e, em consequência, deve ser negado provimento ao presente recurso.
*

B, assistente nos autos veio, nos termos do artigo 413.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, exercer o seu direito de resposta .
1.-Vem o arguido recorrer do despacho que lhe aplicou a medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas bissemanais no posto policial da sua área de residência.
2.-Para o efeito, invoca o arguido, em suma, o facto de o despacho de substituição das medidas de coacção por caducidade das anteriores fundamentar a aplicação da nova medida apenas por remissão para a fundamentação que sustentou a aplicação das medidas de coacção aplicadas em sede de primeiro interrogatório judicial.
3.-Invoca ainda o facto de o Tribunal a quo não ter procedido à audição do arguido em momento anterior à substituição das medidas de coacção.
4.-Mais invoca diversos vícios alegadamente verificados em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido.
5.-Entende a assistente que o presente recurso não pode nem deve proceder, porquanto o despacho recorrido não merece qualquer reparo
6.-Uma vez que não violou qualquer preceito legal e que o prazo para arguição de pretensos vícios alegadamente ocorridos em sede de primeiro interrogatório judicial — há mais de um ano — se encontra largamente ultrapassado. Senão vejamos.
7.-Em primeiro lugar é de referir que, ao contrário do que afirma o arguido no seu recurso, não tinha o Tribunal a quo o dever legal de, durante o decurso do inquérito, rever, substituindo-as ou revogando-as, as medidas de coacção aplicadas ao arguido.
8.-Em bom rigor, a lei processual penal estabelece no seu artigo 213.° o reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação.
9.-Mas fá-lo, tão só, quanto às duas medidas de coacção privativas da liberdade e, por isso, mais gravosas.
10.-Inexiste, assim, qualquer obrigação legal de reexaminar os pressupostos de todas as outras medidas de coacção — como a proibição de contactas e a proibição de se aproximar da residência, local de trabalho e escola dos ofendidos que haviam sido aplicadas ao arguido -,
11.-Pelo que não assiste qualquer razão ao arguido quando afirma que o facto de não terem sido reavaliados os pressupostos que serviram de base à aplicação destas medidas se trata de um vício processual.
12.-Os pressupostos de aplicação de tais medidas de coacção não foram reexaminados porque, simplesmente, não tinham de ser... e, já agora, porque se mantinham in totum.
13.-Com efeito, logo que considerou encontrarem-se excedidos os prazos máximos das medidas de coacção que foram aplicadas ao arguido, declarou o Tribunal a quo a sua caducidade
14.-E substitui-as por outra medida que considerou necessária, adequada e proporcional ao caso concreto, como bem exige o artigo 193.° do Código de Processo Penal.
15.-E fê-lo porque considerou, e bem, que "as exigências cautelares, que, em 1.° interrogatório judicial fundamentaram a aplicação ao arguido da medida de coacção de proibição de contactos com as vitimas, se mantêm inalteradas, designadamente o perigo de continuação da actividade criminosa e o perigo de perturbação da tranquilidade e da ordem públicas (art.° 204.°, n.° 1, alínea c) do CPP), agora reforçados com a dedução de acusação, sendo que, ao contrário do que alega o arguido, a circunstância de não serem comunicadas anomalias no cumprimento da medida de coacção aplicada, não evidencia qualquer diminuição das exigências cautelares".
16.-Quer isto significar que, não só o Tribunal a quo andou bem ao atentar aos prazos máximos das medidas de coacção aplicadas, como fundamentou, e fundamentou mais que suficientemente, ainda que remetendo para o despacho anterior — o que não lhe está legalmente vedado - o despacho no âmbito do qual procedeu à substituição das mesmas.
17.-Mais, fazendo uma mera substituição das medidas de coacção anteriormente aplicadas, não tinha o Tribunal a quo o dever de legal de proceder à audição do arguido.
18.-É que a aplicação, agora, da medida de coacção de obrigação de apresentações bissemanais não se trata da aplicação de uma medida de coacção primitiva,
19.-Mas apenas da substituição das medidas primitivas aplicadas em sede de primeiro interrogatório judicial e que se extinguiram em face do tempo decorrido.
20.-Ora, tratando-se de uma mera substituição não se exige a aplicação do disposto no artigo 194.° do Código de Processo Penal.
21.-O artigo 194.° deve ser aplicado, sim, na sequência do primeiro interrogatório judicial de arguido, no âmbito do qual o mesmo deve ser ouvido e que se traduz na primeira aplicação das medidas de coacção a que o arguido fica sujeito no decurso do processo, como sucedeu.
23.-Veja-se, neste sentido, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 29 de Janeiro de 2014, no âmbito do processo n.° 539/11.2PBMTS-E.P1, que consagra que "sendo aplicada medida de coacção em substituição da primitiva, que se extinguiu,  não se exige a aplicação, na sua integraliciade, do disposto no art° 194° CPP" e que "é de equiparar o despacho que aplica nova medida de coacção, por extinção da anterior, ao despacho de substituição de medidas de coacção por outras menos gravosas por ser consequência, não de atenuação das exigências cautelares, mas de extinção da medida mais gravosa, que por esta via se lhe deve equiparar na sua regulamentação". (negrito e sublinhado nossos) No entanto, caso se considerasse - o que apenas por mera cautela de patrocínio se conjectura - que, não obstante não se tratar de uma primeira aplicação da medida de coacção, deveria ter sido dado ao arguido o direito de se pronunciar sobre a mesma, a sua falta de audição não consubstancia uma nulidade, porquanto não se encontra tipificada na lei, nos termos do artigo 118.°, n.° 1 do Código de Processo Penal.
24.-Assim, sendo, nos termos do n.° 2 do artigo 118.° do Código de Processo Pena, uma mera irregularidade — como, aliás, o arguido a enquadra no recurso que apresenta ao referir que "a decisão da aplicação da nova medida de coacção violou o disposto nos artigos 204.° e o  n.° 4 do 212.°, ambos do CPP e, consequentemente, deve ser determinada a sua irregularidade, que é o que decorre do disposto no n.° 2 do arti. 11.° do CPP" — já o prazo para arguição da mesma se encontrava há muito excedido aquando da apresentação do presente recurso pelo arguido.
25.-É que, nos termos do artigo 123.° do Código de Processo Penal, o arguido tinha o prazo de 3 (três) dias a contar da notificação do acto que alegadamente se encontrava ferido de irregularidade para a arguir, o que não fez.
26.-Note-se que o despacho de substituição da medida de coacção é datado de 13 de Setembro de 2022 e o presente recurso tem carimbo de entrada no Tribunal com data de 18 de Outubro de 2022. Não tendo sido, então, a irregularidade arguida dentro do prazo de 3 (três) dias legalmente concedido para o efeito, encontra-se preterido o direito a invocar a mesma, não podendo, assim, ser determinada a invalidade do acto, como pretende agora o arguido. Acresce ainda que apenas pode a ora assistente concordar com o   douto despacho de substituição da medida de coacção, quando aquele refere que as exigências cautelares existentes no momento do primeiro interrogatório judicial, nomeadamente o perigo de continuação da actividade criminosa e o perigo de perturbação da tranquilidade e da ordem pública se mantêm, saindo ainda reforçados com a dedução da acusação.  É que, ainda na vigência da proibição de contactas e de aproximação anteriormente aplicadas, foram diversas as vezes em que, não obstante a ofendida não ter comunicado tais factos ao processo, o aparelho de controlo à distância que acompanhava a ofendida dava sinal — a maior parte das vezes no percurso que a ofendida fazia para levar os filhos à escola. De tal forma que a ofendida se viu obrigada a viajar com o aparelho dentro do porta-bagagens do carro, de modo a que os filhos não se apercebessem que o mesmo tocava quase diariamente, já que tal situação deixava ambas as crianças bastante nervosas, agitadas e receosas. A acrescer a tal facto veja-se ainda o desplante do arguido em pedir ao Tribunal autorização para se deslocar, no passado dia 7 de Abril, ao local de trabalho da assistente para assistir a uma Cerimónia na qual também a assistente, naturalmente, estaria presente.
27.-Mais, não obstante o decorrer dos presentes autos e as medidas de coacção anteriormente impostas, continuou o arguido a atentar contra a dignidade e a propriedade da ofendida e dos filhos, sempre com o intuito premeditado de os humilhar e magoar, sobretudo quando os privou — e continua a privar! — de recuperar todos os seus bens deixados na casa de morada de família, tendo, inclusivamente, segundo transmitido à ofendida, doado todos os bens dos filhos a terceiros.
28.-Recorde-se que foram várias as tentativas de remoção dos bens da assistente e dos filhos da casa de morada de família, sempre acompanhadas pela PSP, nos termos do n.° 4 do artigo 21.° da Lei n.° 112/2009, de 16 de Setembro, que se mostraram frustradas por, não obstante existir ordem do Tribunal nesse sentido, o arguido se recusar a ceder o acesso ao referido imóvel.
29.-E, quando finalmente, o arguido nomeou um terceiro que se deslocou ao local para abrir a porta, verificou-se que os bens dos filhos menores de ambos — nomeadamente material escolar de que necessitavam, cremes dermatológicos de tratamento, consolas e respectivos jogos, sapatos, roupa e roupa interior, os passaportes de ambos e até um cofre com dinheiro que o filho mais novo havia poupado — tinham sido retirados da casa de morada de família pelo arguido, que bem sabia existir uma ordem de devolução dos mesmos à assistente e aos filhos.
35.-Tal facto é, por si só, demonstrativo da perversidade do arguido e do facto de se manter a sua intenção de perturbar a ofendida e os filhos de ambos, mostrando-se indiferente às medidas de coacção aplicadas e à existência do presente processo-crime.
36.-Mais, não obstante os inúmeros requerimentos dirigidos aos autos pela assistente, nunca os bens supra descritos e melhor identificados nos autos foram devolvidos à assistente e aos filhos.
37.-Quer isto significar que o perigo de perturbação da actividade criminosa é real e continua a verificar-se.
38.-Dúvidas não podem, assim, restar de que as exigências cautelares aferidas em sede de primeiro interrogatório judicial não só se mantêm, como podem até elevar-se em virtude da dedução da acusação, já que o arguido continua a adoptar um sentimento de impunidade e uma postura de superioridade relativamente ao sistema judicial.
39.-Diga-se ainda que o alegado pelo arguido na página 5 do seu recurso quando refere que "impõe-se dizer que o arguido é também Advogado (portador da cédula profissional com o n.° 8103-L do CDL de Lisboa), tem ocupado o seu tempo na secretaria desse douto Tribunal, a consultar os autos, a elaborar diversos requerimentos e, fora dos autos, no empenho da sua defesa, a assistir a julgamentos (quase diariamente) sobre a matéria [violência doméstica], pelo que, «contacto mais apertado com a justiça», dificilmente se encontrará" não tem qualquer relevância para os autos.
40.-Olvida-se o arguido que no âmbito dos presentes autos assume a posição processual de arguido e não de advogado, pelo que, quando o Tribunal a quo se refere à necessidade de "garantir que o arguido mantem contacto apertado com o sistema de justiça" se está a referir, com absoluta certeza, à necessidade que este arguido tem de cumprir medidas de coacção que o "relembrem" que é arguido e que tem que prestar contas ao sistema judicial e não, obviamente, à profissão que o arguido desempenha e que insiste em invocar nos autos.
41.-Com o devido respeito, sempre será de dizer que, se os factos em causa nos presentes autos não são dignos de um cidadão "comum", muito menos o são de um advogado, motivo pelo qual não se compreende o orgulho que o arguido tem em tentar fazer valer a sua profissão nestes autos quando, na realidade, tal facto não parece abonar a seu favor.
42.-Acresce ainda que o arguido aproveita o recurso que apresentou para tecer considerações sobre a pretensa falta de fundamentação relativa à aferição dos pressupostos de aplicação das medidas de coacção em sede de primeiro interrogatório judicial, pondo, assim, em crise aquele primeiro despacho de aplicação das medidas de coacção proferido em 14 de Dezembro de 2021.
43.-Recorde-se, contudo, que a sede própria para o efeito teria sido, nos termos do artigo 219.° do Código de Processo Penal, a apresentação de um recurso do despacho em que lhe foram aplicadas as medidas de coacção primitivas, o que não sucedeu.
44.-Ora, ainda que não se concorde que o referido despacho estivesse ferido de falta de fundamentação, sempre será de dizer, à cautela, que consagra o n.° 6 do artigo 194.° do Código de Processo Penal os elementos que devem obrigatoriamente constar da fundamentação do despacho que aplica a medida de coacção e que, no presente caso concreto, constavam.
45.-No entanto, caso tal não sucedesse, como refere o artigo supracitado, estaríamos perante uma nulidade.
46.-Ora, tal nulidade é uma nulidade dependente de arguição porquanto não está prevista no elenco das nulidades insanáveis, previstas no artigo 119.° do Código de Processo Penal e, como tal, a considerar-se existir, deveria ser arguida, perante o Tribunal que proferiu o despacho, no prazo geral de 10 dias a contar da sua notificação, o que não sucedeu e apenas agora, quase um ano depois, foi suscitada.
47.-Veja-se, neste sentido, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 20 de Outubro de 2010, no âmbito do processo n.° 760/09.3PPPRT-A.P1, que refere que "no despacho que aplica medida de coacção, a omissão ou insuficiência de fundamentação quanto à referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida [art. 194.°, n.° 4, ai. d), do CPP] constitui nulidade dependente de arguição e deve ser arguida/suscitada antes que o acto esteja terminado ou, se a este não tiverem assistido, nos 10 dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados [art. 194.°, n.° 4 e 120.°, n.° 3, ai. a), do CPPJ(...)".
48.-Não tendo sido tal pretensa nulidade — que, repita-se, apenas por mera cautela de patrocínio se conjectura — arguida dentro do prazo de 10 (dez) dias, encontra-se sanada, não podendo, agora, vir a ser tal despacho posto em causa.
49.-Repita-se também que o despacho ora em crise assume toda a factualidade e elementos do primeiro despacho de aplicação das medidas de coacção pelo que o seu dever de fundamentação deveria reportar-se, apenas, à existência de circunstâncias supervenientes que pudessem determinar a alteração das medidas de coacção, o que não é o caso,
50.-Logo não seria exigível ao Tribunal a quo que voltasse a repetir toda a fundamentação da sua decisão, sendo suficiente a remissão para a decisão primitiva, que não sofreu alterações, e que não foi atempadamente posta em causa pelo arguido.
51.-Também não pode proceder o argumento invocado pelo arguido sobre, em sede de primeiro interrogatório, não ter existido uma promoção do Ministério Público sobre a aplicação de uma medida de coacção em concreto.
52.-Com efeito, é o próprio arguido que, na página 7 do seu recurso, afirma que que o Ministério Público requereu a aplicação de uma medida de coacção mais gravosa que o TIR face ao perigo de continuação da actividade criminosa e perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
53.-Ora, estabelece o n.° 2 do artigo 194.° do Código de Processo Penal que "durante o inquérito, o juiz pode aplicar medida de coacção diversa, ainda que mais grave, quanto à sua natureza, medida ou modalidade de execução, da requerida pelo Ministério Público, com fundamento nas alíneas a) e c) do artigo 204.'"
54.-E foi precisamente o que o Tribunal fez: aplicou as medidas de coacção de proibição de contactos e proibição de aproximação aos ofendidos, com fundamento no perigo constante da alínea c) do n.° 1 do artigo 204.° do Código de Processo Penal: "perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas".
55.-No mais, também todos os vícios que o arguido alega terem ocorrido no desenrolar do primeiro interrogatório judicial e que aqui nos escusamos de elencar, deveriam ter sido suscitados em momento próprio, sendo que, não tendo tal sucedido, se preteriu o direito à arguição dos mesmos.
Nestes termos, deverá ser negado provimento ao recurso apresentado pelo arguido, mantendo-se o despacho recorrido.
*

Já nesta Relação, o Ex. Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu Parecer considerando que o Digno Procurador da República junto da 1ª Instância identificou correctamente o objecto do recurso, rebatendo especificadamente todos os aspectos nele suscitados e argumentando criteriosamente com clareza, rigor e correcção jurídica; 
*

Cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP houve resposta ao Parecer.

Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, nº 3 al. c), do diploma citado.

2.–Fundamentação

A)-Delimitação do Objecto do Recurso

Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal da Relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).

No caso vertente, em face das conclusões do recurso são as seguintes as questões que cumpre apreciar:
- falta de fundamentação do despacho em crise
- falta de aferição, em concreto e no presente, da existência dos requisitos gerais de que depende a sua aplicação, não explica ou demonstra porque nesta fase a medida de coação aplicada se justifica, em reforço das exigências cautelares.
- omissão da  necessária audição prévia do arguido, fazendo-o por mera remissão  para os fundamentos da primitiva medida de coação aplicada no 1° interrogatório do arguido
- modo como ocorreu o 1º interrogatório judicial e nulidade do mesmo 

B)-Decisão Recorrida
Com vista à apreciação da questão supra enunciada, importa ter presente o seguinte teor da decisão recorrida. 
“A encontra-se sujeito à medida de coacção de: - proibição de contactar por qualquer meio com a ofendida B e os ofendidos C e D (seus filhos), não podendo aproximar- se de qualquer dos três ofendidos a uma distância inferior a 1000 metros; -proibição de permanecer e de se aproximar da residência dos ofendidos B, A e D, sita na ...Amadora, e de outra que venham a ter e seja comunicada aos autos, dos locais de trabalho (incluindo voluntário) da ofendida B e das escolas dos ofendidos C e D, filhos do arguido, num raio de 1000 metros, medidas estas a serem monitorizadas através de meios de controlo à distância nos termos dos art.ºs 31.º e 35.º, da lei n.º 112/2009 de 16 de Setembro, sendo que tal monitorização (para a qual o arguido nesta data deu o seu consentimento) deverá ser aplicada ao arguido ainda que ele se venha a opor à colocação dos dispositivos necessários, ao abrigo do disposto nos artigos 191º a 194.º, 196º, 200.º, n.º 1 alíneas a) e d), n.ºs 5 e 6 e 204.º al. c), todos do código de processo penal, aplicada em 1º interrogatório judicial de arguido detido realizado no dia 14.12.2021.
O Ministério Publico deduziu acusação contra o arguido, por despacho de 29.07.2022, imputando-lhe a prática de um crime de violência doméstica, p. p. pelo art.º 152.°, n.º 1 al. a) e c) , 2º a) do Código Penal na pessoa de B; dois crimes de violência doméstica p. e p. pelo art.º 152º, nº1 al. d) e) e 2º al. a), do Código Penal nas pessoas dos menores C e D e um crime de detenção de arma proibida, (bastão ), p. e p. pelo art.º 3º, nº 1 e nº 2, al. l), art.º 4º, nº 1, 86º, nº 1 d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações posteriores.
Decorre da conjugação do disposto nos artigos 218º, n.º 2, 215º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, 1º, alínea j) do CPP que a medida de coacção imposta ao arguido se extinguiu, pelo decurso do prazo máximo de seis meses contados da sua aplicação.
Termos em que declaro extinta, por caducidade, a medida de coacção aplicada.
Notifique e comunique de imediato à equipa de VE, a fim de proceder à recolha dos dispositivos.
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Compulsados os autos, verifica-se que as exigências cautelares, que, em 1º interrogatório judicial fundamentaram a aplicação ao arguido da medida de coacção de proibição de contactos com as vítimas, se mantem inalteradas, designadamente o perigo de continuação da actividade criminosa e o perigo de perturbação tranquilidade e da ordem públicas (art.º 204º, n.º 1, alínea c) do CPP), agora reforçados com a dedução de acusação, sendo que, ao contrário do que alega o arguido, a circunstância de não serem comunicadas anomalias no cumprimento da medida de coacção aplicada, não evidencia qualquer diminuição das exigências cautelares.
Em face do exposto, verificando-se os respectivos pressupostos, importa aplicar ao arguido, medida de coacção destinada a evitar a concretização dos perigos elencados.
Esgotada a medida de coacção de proibição de contactos, pelo decurso do prazo máximo, tal não obsta à aplicação de medida de coacção distinta, que se afigure adequada e proporcional (cf. artigos 192º, 193º e 194º, n.º 2 do CPP).
De entre as medidas de coacção aplicáveis ao caso concreto, considerando as exigências cautelares identificadas, não evidenciando os autos, por ora, a necessidade de privação de liberdade, com vista a garantir que o arguido mantem contacto apertado com o sistema de justiça, e sem prejuízo de agravação, caso as exigências cautelares se agravem, determino que A, aguarde os subsequentes termos do processo sujeito à obrigação de se apresentar duas vezes por semana no posto policial da área da sua residência sita no ... Lisboa (cf.artigos 191º, 192º, 193º, 204º, n.º 1, alínea c) e 198º do CPP).


C)-APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES EM RECURSO.

O arguido vem interpor recurso do despacho de 13.09.2022.

Invoca o arguido a falta de fundamentação do  mesmo.
Temos que concordar com o Digno Magistrado do MP e com a assistente quando afirmam que o despacho está devidamente fundamentado.
O Mmº Juiz a quo esclarece que as medidas de coacção aplicadas aquando do 1º interrogatório judicial caducaram por força da passagem do tempo. No entanto, como se mantêm os pressupostos que determinaram a sua aplicação, em sua substituição, aplica, agora, a medida de coacção de apresentações periódicas.
Este despacho surge na sequência da acusação deduzida contra o arguido, sendo que, na sua parte final, o Digno Magistrado do MP pronuncia-se sobre as medidas de coacção.
A acusação foi, obviamente, notificada ao arguido e Ilustre defensora, sendo que o arguido, por requerimento de 18.08.2022, responde às medidas de coacção propostas pelo MP.

Como se escreve no Acórdão da Relação do Porto de 29.01.2014 A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade: (…) Visto o despacho verifica-se que na essência e directamente assim acontece quanto a todos os itens enunciados o que nos termos do art º194º 5 CPP constitui nulidade.
Tal nulidade todavia dependente de arguição (pois não faz parte do elenco das nulidades insanáveis, do artº 119º CPP) - artº 120º 1 e 2 a) CPP) e como tal devia ser arguida no prazo geral de 10 dias perante o tribunal que proferiu a decisão, a contar da sua notificação (dado que não foi proferido na presença do arguido), o que não ocorreu e só em recurso foi suscitada. cf. Ac da RG de 10/3/2011, in www.dgsi.pt: “I- A nulidade decorrente da inobservância do disposto no n.º 5 do artigo 194º do CPP deve ser arguida perante o tribunal de 1ª instância, só havendo recurso da decisão que conhecer da arguição de tal nulidade. (…)”
Ac TRP de 20/10/2010 in www.dgsi.pt: “(…) II - No despacho que aplica medida de coacção, a omissão ou insuficiência de fundamentação quanto à referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida [art. 194.º, n.º 4, al. d), do CPP] constitui nulidade dependente de arguição e deve ser arguida/suscitada antes que o acto esteja terminado ou, se a este não tiverem assistido, nos 10 dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados [art. 194.º, n.º 4 e 120.º, n.º 3, al. a), do CPP].(…)”
 
Diz ainda o recorrente que no despacho em crise o Mmº Juiz  não afere, em concreto, no presente, da existência dos requisitos gerais de que depende a sua aplicação, não explica ou demonstra porque nesta fase a medida de coação aplicada se justifica, em reforço das exigências cautelares.

Não obstante não ser referido nas conclusões, diz o recorrente  na motivação que as antecede que “Durante todo inquérito [8 longos meses], as medidas de coação não foram revistas, como deveriam (…) e os pressupostos que estiveram na base da aplicação das medidas de coação, não foram sequer reavaliados, de modo a aferir sobre a sua necessidade, adequação e proporcionalidade (condição rebus sic standibus).”

Como bem diz a assistente “a lei processual penal estabelece no seu artigo 213.° o reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação. Mas fá-lo, tão só, quanto às duas medidas de coacção privativas da liberdade e, por isso, mais gravosas. 
Para além do reexame obrigatório destas duas medidas de coação, todas as restantes serão  (re)avaliadas se /ou no caso de tal se afigurar necessário.
Chegando ao processo elementos novos que determinem uma reavaliação da medida de coação aplicada, a mesma far-se-á.
No caso em concreto, as medidas de coação aplicadas aquando do primeiro interrogatório cessaram, por caducidade, em virtude de ter sido esgotado o tempo durante o qual poderiam persistir – decorreram 6 meses após a sua aplicação cfr. art. 218º, n.º 2, 215º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, 1º, alínea j) do CPP. 
O tribunal, depois de ter ouvido o arguido (que intervém por meio de requerimento de 18.08.2022), entende que as exigências cautelares que, em 1º interrogatório judicial, fundamentaram a aplicação ao arguido da medida de coacção de proibição de contactos com as vitimas, se mantêm inalteradas, designadamente o perigo de continuação da actividade criminosa e o perigo de perturbação tranquilidade e da ordem públicas (art.º 204º, n.º 1, alínea c) do CPP), agora reforçados com a dedução de acusação, sendo que, ao contrário do que alega o arguido,  a circunstância de não serem comunicadas anomalias no cumprimento da medida de coacção aplicada, não evidencia qualquer diminuição das exigências cautelares.
Não se percebe a afirmação do arguido, ora recorrente, quando diz que não foi ouvido. 
O arguido não só  foi ouvido, como veio pronunciar-se relativamente à medida de coacção sugerida pelo MP.
Se se entendesse que esta audição do arguido tinha que ser pessoal, a verdade é que a sua falta não consubstancia uma nulidade, mas uma mera irregularidade – artº 118º nº 1 CPP – cujo prazo de arguição estava completamnte ultrapassado – cfr. art. 123º do CPP

Como diz o arguido, o tribunal, ao tempo da prolação de tal despacho, não faz nova indagação relativamente às exigências cautelares.
Não o fez, dizemos nós, porque as primitivas medidas de coacção apenas cessaram por caducidade e não porque tenha deixado de existir o fundamento que levou ao seu decretamento.
Deste modo, o tribunal remete para os fundamentos  e para os princípios que estiveram subjacentes à aplicação da medida de coacção aquando do primeiro interrogatório - princípio da legalidade, o princípio da necessidade, o princípio da adequação, o princípio da proporcionalidade e o princípio da subsidiariedade.
Porquê que as exigências cautelares saem reforçadas com a prolação da acusação?
Até esta fase, o processo estava em investigação, podendo ter terminado com um arquivamento, se, não obstante os indícios que se entenderam existir numa fase embrionária, se tivessem esvanecido.
Terminar a fase do inquérito com uma acusação significa que os indícios preliminares se mantiveram e que foi entendido pelo titular do inquérito que, em face do que existe nos autos, há elementos suficientes para ser provável uma condenação.
Daqui decorre que, não tendo havido alteração de facto, e tendo o processo prosseguido para uma fase em que os indícios têm um valor acrescido, as exigências cautelares saem reforçadas, ou seja, a investigação efectuada veio demonstrar que, na óptica da acusação, a aplicação da medida de coacção numa fase embrionária se mostra, agora, confirmada.

Como se escreve no já citado Acórdão da Relação do Porto de 29.10.2014 “ Sendo aplicada medida de coacção em substituição da primitiva, que se extinguiu, não se exige a aplicação, na sua integralidade, do disposto no artº 194º CPP. II - Devendo o arguido ser ouvido quanto à medida de coacção a aplicar, a preterição constitui era irregularidade. III - É de equiparar o despacho que aplica nova medida de coacção, por extinção da anterior, ao despacho de substituição de medidas de coacção por outras menos gravosas por ser consequência, não de atenuação das exigências cautelares, mas de extinção da medida mais gravosa, que por esta via se lhe deve equiparar na sua regulamentação.”
As medidas de coacção aplicadas no processo estão sujeitas a modificação em face das circunstancias que em cada momento se verificam sobre a sua necessidade e adequação (condição rebus sic stantibus - art. 212, n.ºs 1, b), e 3, do C.P.P) podendo e devendo ser revogadas ou substituídas por outras se deixarem de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação ou se tiver ocorrido uma alteração das exigências cautelares. Pese embora tal facto e porque se trata de medidas restritivas mais gravosas impõe a lei quanto à prisão preventiva e à obrigação de permanência na habitação (OPH) à sua apreciação trimestral (artº 213º CPP) e por essa razão lhes fixa igualmente um prazo máximo de vigência, findo o qual tais medidas extinguem-se pelo decurso do prazo (artºs 215º 1 e 2 a), 218º CPP), e nesse caso dispõe o artº 217º 2 CPP aplicável à medida de coacção da OPH que extinta essa medida de coacção “o juiz pode sujeitar o arguido a alguma ou algumas das medidas previstas no s artigos 197º s 200º inclusive”
Foi em cumprimento imediato deste comando normativo que foi aplicada ao arguido recorrente as medidas de coacção em causa de proibição de se ausentar para o estrangeiro, e obrigação de apresentação semanal na autoridade policial.
Como é bom de ver não estamos perante uma primeira medida de coacção aplicada no processo, mas perante a aplicação de medida substitutiva por extinção da primitiva e extinta.
Como tal não lhe é aplicável na sua integralidade o disposto no artº 194º CPP que por norma o deve ser na sequência do 1º interrogatório judicial de arguido onde o mesmo deve ser ouvido com as formalidades do artº 141º  CPP, e se traduz na primeira aplicação das medidas de coacção a que o arguido fica sujeito no decurso do processo;
Não estando perante a situação do artº 194º CPP, nem por isso deve deixar de permitir-se que ao arguido seja dada a possibilidade de se pronunciar, a situação que não pode deixar de ser equiparada ao reexame dos pressupostos da medida de coacção de prisão preventiva e OPH ou à sua alteração / revogação por alteração dos pressupostos da sua aplicação e da sua admissibilidade (por estando extinta tornou-se legalmente inadmissível). 
Assim por aplicação do artº 212º4 CPP devia o arguido ser ouvido quanto à aplicação dessas medidas, de igual modo o seria por aplicação do princípio do contraditório que enforma todo o processo penal.
Não o tendo sido, qual a consequência?
Dado que não se trata de uma nulidade, pois como tal não é cominada na lei – artº 118º1 CPP - estamos perante uma irregularidade que não foi arguida em tempo no tribunal recorrido e não afecta o valor do acto praticado com vista às sua reparação e até pode considerar-se sanada face à notificação posterior da promoção do MºPº para aplicação de tais medidas de coacção, e que por essa via possibilitou a admissão deste recurso como tempestivo. 
Mas mesmo que se considere aplicável o artº 194º CPP e não tendo o arguido sido ouvido, tal configura de igual modo uma irregularidade -art. 118.º, n.º 1 e n.º 2 CPP - que devia ser arguida nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do art. 123.º do CPP., e não o tendo, e embora o tribunal possa ordenar a sua reparação, o mesmo não se justifica nos termos apreciados. cf. Ac. RL de 30/03/2011, in www.dgsi.pt
Não sendo obrigatória a audição do arguido nos termos insertos no artº 194º no caso concreto, e logo não aplicável o artº 141º 4 CPP (cf. Ac RE de 9/10/2012, in www.dgsi.pt: “1. A obrigatoriedade de audição prevista no art. 194º, nº 3 do CPP visa fazer preceder a decisão judicial sobre a medida de coacção da audição do sujeito processual nela mais directa e pessoalmente interessado – o arguido –, mas nada impondo na lei que seja presencial. 2. A audição não presencial – audição por escrito, no processo, através do defensor – não compromete o exercício do contraditório, na vertente de direito de audiência, e não restringe as garantias de defesa”, ou sendo-o estaríamos perante uma mera irregularidade, já que não lhe é assacada pela lei o vicio da nulidade, sendo que no caso concreto e visto os factos não importa a sua sanação por não influir na decisão da causa.”

O arguido vem invocar a falta de fundamentação e a análise detalhada dos princípios subjacentes à aplicação da medida de coacção, criticando a remissão para o primeiro interrogatório.
Porém, de certa forma, “aproveita” esta referência aos fundamentos de facto e de direito existentes a esse tempo, para vir levantar várias questões respeitantes ao primeiro interrogatório judicial .
Parece-nos claro que, neste recurso, não podemos apreciar o primeiro interrogatório judicial.
Se o arguido, ora recorrente, não concordou com a decisão ali tomada, deveria, no seu devido tempo, ter interposto recurso e tirado as devidas consequências do que considerou uma clara violação dos seus direitos com um interrogatório alegadamente “sexista” e que não lhe deixou apresentar as suas “razões”.
Concluindo, não descortinamos que no despacho que determinou a medida de coacção de apresentações semanais tenha havido violação de qualquer normativo legal, pelo que o recurso há-de improceder.

3.–DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta 9ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido  A, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo arguido/recorrente – art. 513º nº 1 CPP, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.



Lisboa, 09 de Março  de 2023



(Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelas signatárias e com assinatura digital de todas) 



Raquel Correia Lima - (Relatora)
Micaela Pires Rodrigues - (1º Adjunto)
Madalena Caldeira - (2º Adjunto)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa 1.–RELATÓRIO ACÓRDÃO Por despacho de 13.09.2022 foi determinado que o arguido A aguardasse os subsequentes termos do processo sujeito à obrigação de se apresentar duas vezes por semana no posto policial da área da sua residência sita no ... Lisboa (cf. artigos 191º, 192º, 193º, 204º, n.º 1, alínea c) e 198º do CPP). Não se conformando com o despacho em causa veio o arguido recorrer. Após a motivação, apresentou conclusões: 1.–O Meritíssimo Juiz não fundamenta a aplicação desta medida de coação. Conforme decorre dos autos, perante a anterior aplicação das medidas de coação, findo o 1° interrogatório, existe uma continuidade que, ao proceder à substituição da primitiva aplicação, o douto Tribunal a quo não afere, em concreto, a existência dos requisitos gerais, condição da aplicação das medidas de coação (artigo 204° do CPP). 2.–O Meritíssimo Juiz não afere em concreto, no presente, da existência dos requisitos gerais de que depende a sua aplicação, as invocadas continuação da atividade criminosa e o perigo da perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, agora e outrora, os dois requisitos atendidos para a aplicação ao arguido daquela medida de coação. 3.–Além da ausência de ponderação, a irregularidade na aplicação desta medida de coação (que se impõe e comunica ao arguido) sem a necessária audição prévia do arguido, conforme dispõe imperativamente a lei, no artigo 212.º, n° 4 do CPP 4.–Sem que se lhe apresente concretamente quais os factos e comportamentos que a justificam 5.–O douto despacho que ora se impugna não explica ou demonstra porque nesta fase a medida de coação aplicada se justifica, em reforço das exigências cautelares, no pressuposto, por demonstrar, de que com a prolação da acusação (ocorrida no dia 01.08.2022) maior deveria ser o reforço das exigências cautelares. Com que fundamento? 6.–Estando já estabilizada a lide (com a prolação da acusação) e o arguido afastado da sua família, não se vislumbra como a aplicação desta medida de coação se manifesta necessária e adequada para acautelar a ordem e tranquilidade públicas e o perigo de continuação da atividade criminosa. 7.–Para além da irregularidade na aplicação desta medida de coação (cf. artigo 118° do CPP) pretende ainda o arguido impugnar a mera remissão aos fundamentos da primitiva medida de coação aplicada no 1° interrogatório do arguido, bem como esses mesmos fundamentos, para dizer que sobre a respetiva aplicação ocorreu uma irremediável mas importante nulidade insanável nos termos do artigo 194º, nºs 1, 4 e 6 do CPP porque: Não houve verdadeiramente promoção do M.P. sobre a sua aplicação. Não houve fundamentação sobre os perigos concretos que justificaram a sua aplicação. Assim: 8.–Do despacho de fls. 198 e ss [promoção das medidas de coação], verifica-se que a Digníssima Senhora Procuradora não propõe em concreto nenhuma medida de coação, limita-se a requerer a aplicação de medida de coação mais gravosa que o TIR face ao perigo de continuação de atividade criminosa. 9.–Mais, o arguido só tem conhecimento da aparente promoção do M.P. sobre a sua aplicação, com a notificação da acusação. Conforme cópia dos autos entregue ao arguido detido, no decurso do 1º interrogatório; não está nela contida a imputação dos meios de prova onde se fundamentou o M.P., o que equivale a dizer que o arguido foi surpreendido. Não teve ocasião de se poder devidamente preparar para a defesa e rebate dos argumentos apresentados (v. g. para poder conferenciar com o seu defensor, como exige a lei (vide artigos 61.º, n.º1, al. f) do C.P.P.). 10.–No que concerne à fundamentação dos perigos que em concreto justificariam a aplicação da medida de coação, o que decorre do despacho «remetido» é a utilização comum de «chavões processuais» aplicáveis em qualquer contexto de violência doméstica e que aqui se citam: «o denunciado vem colocando a ofendida B e os seus filhos menores numa situação de total ansiedade e medo, impedindo-a de viver com dignidade e liberdade, de elevado risco para a integridade física e psicológica, verificando-se in casu, um elevado risco de continuação da atividade criminosa (...) o denunciado continua a ameaçar a integridade física da ofendida de forma constante (...). A violência doméstica gera forte alarme social e intranquilidade públicas (...) a conduta que se atribui ao arguido é fonte de grande perturbação no quotidiano quer da ofendida (...)».perturbação da ordem e tranquilidade públicas. Finalmente, 11.–O interrogatório foi conduzido pela Meritíssima Juíza de forma intimidatória, cerceando a palavra do arguido e assentando em evidentes contradições, ao desconsiderar arbitrariamente as respostas expostas do arguido para assentar em conclusões de recurso pouco claro às regras de experiência comum (clara violação do disposto na al. e) do n.º 4 e n.º 5 do art. 141.2 do C.P.P.). 12.–Confrontado com os factos, não foi possível o exercício sereno do direito do contraditório, porque a Meritíssima juíza cortou a palavra intimidando-o e, desconsiderando a ansiedade do arguido, detido, descaracterizou efetivamente o seu direito de audiência. Ao contrário do que o Direito obriga não contextualizou as hipóteses de explicação e apresentação dos fatos apresentados pelo arguido em sua defesa. Pelo contrário, constrói os fundamentos sobre a aplicação das medidas de coação por mera remissão para a alegada promoção da M.P., e por recurso a " chavões". O raciocínio assim exposto fragiliza e desconsidera propositadamente a defesa, ao "arrepio" de todos os princípios de avaliação da prova: princípio da presunção da inocência, princípio da demonstração exaustiva da culpa do arguido, enfim todos os princípios que devem estar na base da construção do direito imparcial e justo. 13.–Consequentemente resulta também omissa a necessária demonstração da necessidade e adequação das medidas de coação aplicadas a justificar o propósito de restringir ao arguido as liberdades e direitos fundamentais, como decorre da aplicação dos artigos 18º 32º, nº1, ambos da C.R.P. 14.–Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se Venerandos Desembargadores, a revogação imediata do despacho que aplicou ao arguido a medida de coação de apresentação bissemanal no posto de polícia da sua área de residência, por violação dos mais elementares princípios e normas que norteiam o nosso processo penal. O Digno Magistrado do MP veio responder dizendo: Do despacho recorrido resulta, no nosso modesto entendimento, a fundamentação da aplicação da medida de coação, assente no facto de se mostrarem inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação ao arguido de medida de coação para além do termo de identidade e residência aquando do seu primeiro interrogatório judicial, reforçados com a dedução da acusação, remetendo-se assim para a verificação dos requisitos de aplicação do art.204°, n°1, al. c), do CPP), a saber, perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, despacho precedido da promoção do Ministério Público (cfr. fls.258 a 266, 273 a 275 e 778 a 779, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), em clara conformação legal e sem necessidade de audição prévia do arguido (cfr., com as necessárias adaptações, Acs. TRE de 17/03/2015, Processo n°1792/14.5GBABF-A.E2, in www.dgsi.pt/jtre; e Ac. TRG de 11-07-2013, Processo n° 21/12.0GAGMR-A.G2, in www.dgsi.pt/jtrg; e Acs. do TC n° 396/2003/T. Const. — Processo n° 485/2003, in DR de n° 29, de 4 de Fevereiro de 2004, e n° 684/2015, Processo n.° 778/15, inwww.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos). - Ainda que se entenda que no caso se verifica a irregularidade da falta de audição prévia do arguido na aplicação em 13/09/2022 da medida de coação, a mesma foi extemporaneamente arguida face ao teor de fls.952, 953 956/990/991 (com notificação pessoal do despacho recorrido em 30/09/2022), ao teor de fls.1040 (recurso interposto em 18/10/2022) e ao disposto nos art.s.113°, 118° e 123° do C.P.P. - cfr. Ac. TRC Processo n°301/19.4PCCBR-B.C1, in www.dgsi.pt/jtrc: a falta de audição do arguido, não integrando qualquer das nulidades previstas no artigo 119.° 120.° do CPP, consubstancia mera irregularidade. Mas dos autos resulta que se diligenciou pela notificação da sua Mandatária que, notificada, se pronunciou a propósito, como flui de fls.793 s.s. e 810 e s.s., tendo assim o arguido sido ouvido — cfr. Ac. TRC de 09-05-2012,Processo n°234/11.2GAVZL-A. Cl, in tips://trc.pt/recpen234112gavzl-acl/, assim nesta parte sumariado: a audição prévia do arguido para aplicação das medidas de coação e de garantia patrimonial, exceto o TIR, tanto pode ser presencial (no caso de primeiro interrogatório do arguido), como pode ser cumprida por mera notificação ao arguido para sobre tal se pronunciar nos autos (nos outros casos em que o M.P. propõe a aplicação de medida de coação mais gravosa v. fls.778/779/para além do TIR que subsistiu, e o aí citado Ac. TRC de 02-03-2016, Processo n° 83/13.3GBCNF-B.C2, in www.dgsipt/jtrc). E em qualquer destas situações se mostra plenamente respeitado o princípio do contraditório, permitindo que o arguido exponha previamente as suas razões relativamente à decisão judicial. Aqui, e não se tratando de arguido detido apresentado ao JIC para realização de primeiro interrogatório judicial, o direito de presença não se confunde com o direito de audiência. O fundamental é que o arguido seja confrontado com os factos concretos e elementos de prova que consubstanciam os pericula libertatis­pressupostos de aplicação das medidas de coacção e de garantia patrimonial - para estar em condições de exercer o contraditório. Para esse efeito, bastará a notificação do defensor, tratando-se para mais da aplicação de medida de coação requerida na própria acusação — cfr., uma vez mais, para que não subsista a mínima dúvida, fls.778/779) Neste sentido, cf. Ac. TRC de 04/11/2009, Processo n° 9/09.9SJGRD-A.C1, in www.dgsi. Mas mais: após a notificação à Mandatária do arguido do despacho proferido em 3/08/2022, a fls.793, para exercício do direito de audição sobre o seu estatuto coativo — exercido a fls.810 e s.s., frisa-se - os autos foram consultados pela mesma (cfr. cota de 9/08/2022, a fls.798) e pelo arguido com recurso à digitalização (cfr. cota de 17/08/2022, a fls.805) Por último ainda se dirá, quanto à alegação de falta de fundamento no douto despacho do pressuposto de que com a prolação da acusação maior deverá ser o reforço das exigências cautelares, que tal constatação radica desde logo no fundamento da consagração de marcos de duração máxima das medidas de coação, nos termos dos arts.198°, 215°, e 218°, n°1, do C.P.P.: é precisamente o juízo de verificação, ou não, do reforço das exigências cautelares que implica a extinção, ou não, da medida de coação, caso se vão, ou não, gradativamente, fortalecendo no tempo os indícios suficientes da verificação de crime e de quem foi o seu agente (encerramento, ou não, do Inquérito e da Instrução), a formulação, ou não, de juízo de certeza, da verificação de crime e de quem foi o seu agente (julgamento/sentença/acórdão) e a condenação, ou não, com trânsito em julgado. Termos em que soçobram a argumentação e a pretensão formuladas. Nesta conformidade, o douto despacho recorrido não violou qualquer norma jurídica, e deve ser mantido e, em consequência, deve ser negado provimento ao presente recurso. * B, assistente nos autos veio, nos termos do artigo 413.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, exercer o seu direito de resposta . 1.-Vem o arguido recorrer do despacho que lhe aplicou a medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas bissemanais no posto policial da sua área de residência. 2.-Para o efeito, invoca o arguido, em suma, o facto de o despacho de substituição das medidas de coacção por caducidade das anteriores fundamentar a aplicação da nova medida apenas por remissão para a fundamentação que sustentou a aplicação das medidas de coacção aplicadas em sede de primeiro interrogatório judicial. 3.-Invoca ainda o facto de o Tribunal a quo não ter procedido à audição do arguido em momento anterior à substituição das medidas de coacção. 4.-Mais invoca diversos vícios alegadamente verificados em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido. 5.-Entende a assistente que o presente recurso não pode nem deve proceder, porquanto o despacho recorrido não merece qualquer reparo 6.-Uma vez que não violou qualquer preceito legal e que o prazo para arguição de pretensos vícios alegadamente ocorridos em sede de primeiro interrogatório judicial — há mais de um ano — se encontra largamente ultrapassado. Senão vejamos. 7.-Em primeiro lugar é de referir que, ao contrário do que afirma o arguido no seu recurso, não tinha o Tribunal a quo o dever legal de, durante o decurso do inquérito, rever, substituindo-as ou revogando-as, as medidas de coacção aplicadas ao arguido. 8.-Em bom rigor, a lei processual penal estabelece no seu artigo 213.° o reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação. 9.-Mas fá-lo, tão só, quanto às duas medidas de coacção privativas da liberdade e, por isso, mais gravosas. 10.-Inexiste, assim, qualquer obrigação legal de reexaminar os pressupostos de todas as outras medidas de coacção — como a proibição de contactas e a proibição de se aproximar da residência, local de trabalho e escola dos ofendidos que haviam sido aplicadas ao arguido -, 11.-Pelo que não assiste qualquer razão ao arguido quando afirma que o facto de não terem sido reavaliados os pressupostos que serviram de base à aplicação destas medidas se trata de um vício processual. 12.-Os pressupostos de aplicação de tais medidas de coacção não foram reexaminados porque, simplesmente, não tinham de ser... e, já agora, porque se mantinham in totum. 13.-Com efeito, logo que considerou encontrarem-se excedidos os prazos máximos das medidas de coacção que foram aplicadas ao arguido, declarou o Tribunal a quo a sua caducidade 14.-E substitui-as por outra medida que considerou necessária, adequada e proporcional ao caso concreto, como bem exige o artigo 193.° do Código de Processo Penal. 15.-E fê-lo porque considerou, e bem, que "as exigências cautelares, que, em 1.° interrogatório judicial fundamentaram a aplicação ao arguido da medida de coacção de proibição de contactos com as vitimas, se mantêm inalteradas, designadamente o perigo de continuação da actividade criminosa e o perigo de perturbação da tranquilidade e da ordem públicas (art.° 204.°, n.° 1, alínea c) do CPP), agora reforçados com a dedução de acusação, sendo que, ao contrário do que alega o arguido, a circunstância de não serem comunicadas anomalias no cumprimento da medida de coacção aplicada, não evidencia qualquer diminuição das exigências cautelares". 16.-Quer isto significar que, não só o Tribunal a quo andou bem ao atentar aos prazos máximos das medidas de coacção aplicadas, como fundamentou, e fundamentou mais que suficientemente, ainda que remetendo para o despacho anterior — o que não lhe está legalmente vedado - o despacho no âmbito do qual procedeu à substituição das mesmas. 17.-Mais, fazendo uma mera substituição das medidas de coacção anteriormente aplicadas, não tinha o Tribunal a quo o dever de legal de proceder à audição do arguido. 18.-É que a aplicação, agora, da medida de coacção de obrigação de apresentações bissemanais não se trata da aplicação de uma medida de coacção primitiva, 19.-Mas apenas da substituição das medidas primitivas aplicadas em sede de primeiro interrogatório judicial e que se extinguiram em face do tempo decorrido. 20.-Ora, tratando-se de uma mera substituição não se exige a aplicação do disposto no artigo 194.° do Código de Processo Penal. 21.-O artigo 194.° deve ser aplicado, sim, na sequência do primeiro interrogatório judicial de arguido, no âmbito do qual o mesmo deve ser ouvido e que se traduz na primeira aplicação das medidas de coacção a que o arguido fica sujeito no decurso do processo, como sucedeu. 23.-Veja-se, neste sentido, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 29 de Janeiro de 2014, no âmbito do processo n.° 539/11.2PBMTS-E.P1, que consagra que "sendo aplicada medida de coacção em substituição da primitiva, que se extinguiu, não se exige a aplicação, na sua integraliciade, do disposto no art° 194° CPP" e que "é de equiparar o despacho que aplica nova medida de coacção, por extinção da anterior, ao despacho de substituição de medidas de coacção por outras menos gravosas por ser consequência, não de atenuação das exigências cautelares, mas de extinção da medida mais gravosa, que por esta via se lhe deve equiparar na sua regulamentação". (negrito e sublinhado nossos) No entanto, caso se considerasse - o que apenas por mera cautela de patrocínio se conjectura - que, não obstante não se tratar de uma primeira aplicação da medida de coacção, deveria ter sido dado ao arguido o direito de se pronunciar sobre a mesma, a sua falta de audição não consubstancia uma nulidade, porquanto não se encontra tipificada na lei, nos termos do artigo 118.°, n.° 1 do Código de Processo Penal. 24.-Assim, sendo, nos termos do n.° 2 do artigo 118.° do Código de Processo Pena, uma mera irregularidade — como, aliás, o arguido a enquadra no recurso que apresenta ao referir que "a decisão da aplicação da nova medida de coacção violou o disposto nos artigos 204.° e o n.° 4 do 212.°, ambos do CPP e, consequentemente, deve ser determinada a sua irregularidade, que é o que decorre do disposto no n.° 2 do arti. 11.° do CPP" — já o prazo para arguição da mesma se encontrava há muito excedido aquando da apresentação do presente recurso pelo arguido. 25.-É que, nos termos do artigo 123.° do Código de Processo Penal, o arguido tinha o prazo de 3 (três) dias a contar da notificação do acto que alegadamente se encontrava ferido de irregularidade para a arguir, o que não fez. 26.-Note-se que o despacho de substituição da medida de coacção é datado de 13 de Setembro de 2022 e o presente recurso tem carimbo de entrada no Tribunal com data de 18 de Outubro de 2022. Não tendo sido, então, a irregularidade arguida dentro do prazo de 3 (três) dias legalmente concedido para o efeito, encontra-se preterido o direito a invocar a mesma, não podendo, assim, ser determinada a invalidade do acto, como pretende agora o arguido. Acresce ainda que apenas pode a ora assistente concordar com o douto despacho de substituição da medida de coacção, quando aquele refere que as exigências cautelares existentes no momento do primeiro interrogatório judicial, nomeadamente o perigo de continuação da actividade criminosa e o perigo de perturbação da tranquilidade e da ordem pública se mantêm, saindo ainda reforçados com a dedução da acusação. É que, ainda na vigência da proibição de contactas e de aproximação anteriormente aplicadas, foram diversas as vezes em que, não obstante a ofendida não ter comunicado tais factos ao processo, o aparelho de controlo à distância que acompanhava a ofendida dava sinal — a maior parte das vezes no percurso que a ofendida fazia para levar os filhos à escola. De tal forma que a ofendida se viu obrigada a viajar com o aparelho dentro do porta-bagagens do carro, de modo a que os filhos não se apercebessem que o mesmo tocava quase diariamente, já que tal situação deixava ambas as crianças bastante nervosas, agitadas e receosas. A acrescer a tal facto veja-se ainda o desplante do arguido em pedir ao Tribunal autorização para se deslocar, no passado dia 7 de Abril, ao local de trabalho da assistente para assistir a uma Cerimónia na qual também a assistente, naturalmente, estaria presente. 27.-Mais, não obstante o decorrer dos presentes autos e as medidas de coacção anteriormente impostas, continuou o arguido a atentar contra a dignidade e a propriedade da ofendida e dos filhos, sempre com o intuito premeditado de os humilhar e magoar, sobretudo quando os privou — e continua a privar! — de recuperar todos os seus bens deixados na casa de morada de família, tendo, inclusivamente, segundo transmitido à ofendida, doado todos os bens dos filhos a terceiros. 28.-Recorde-se que foram várias as tentativas de remoção dos bens da assistente e dos filhos da casa de morada de família, sempre acompanhadas pela PSP, nos termos do n.° 4 do artigo 21.° da Lei n.° 112/2009, de 16 de Setembro, que se mostraram frustradas por, não obstante existir ordem do Tribunal nesse sentido, o arguido se recusar a ceder o acesso ao referido imóvel. 29.-E, quando finalmente, o arguido nomeou um terceiro que se deslocou ao local para abrir a porta, verificou-se que os bens dos filhos menores de ambos — nomeadamente material escolar de que necessitavam, cremes dermatológicos de tratamento, consolas e respectivos jogos, sapatos, roupa e roupa interior, os passaportes de ambos e até um cofre com dinheiro que o filho mais novo havia poupado — tinham sido retirados da casa de morada de família pelo arguido, que bem sabia existir uma ordem de devolução dos mesmos à assistente e aos filhos. 35.-Tal facto é, por si só, demonstrativo da perversidade do arguido e do facto de se manter a sua intenção de perturbar a ofendida e os filhos de ambos, mostrando-se indiferente às medidas de coacção aplicadas e à existência do presente processo-crime. 36.-Mais, não obstante os inúmeros requerimentos dirigidos aos autos pela assistente, nunca os bens supra descritos e melhor identificados nos autos foram devolvidos à assistente e aos filhos. 37.-Quer isto significar que o perigo de perturbação da actividade criminosa é real e continua a verificar-se. 38.-Dúvidas não podem, assim, restar de que as exigências cautelares aferidas em sede de primeiro interrogatório judicial não só se mantêm, como podem até elevar-se em virtude da dedução da acusação, já que o arguido continua a adoptar um sentimento de impunidade e uma postura de superioridade relativamente ao sistema judicial. 39.-Diga-se ainda que o alegado pelo arguido na página 5 do seu recurso quando refere que "impõe-se dizer que o arguido é também Advogado (portador da cédula profissional com o n.° 8103-L do CDL de Lisboa), tem ocupado o seu tempo na secretaria desse douto Tribunal, a consultar os autos, a elaborar diversos requerimentos e, fora dos autos, no empenho da sua defesa, a assistir a julgamentos (quase diariamente) sobre a matéria [violência doméstica], pelo que, «contacto mais apertado com a justiça», dificilmente se encontrará" não tem qualquer relevância para os autos. 40.-Olvida-se o arguido que no âmbito dos presentes autos assume a posição processual de arguido e não de advogado, pelo que, quando o Tribunal a quo se refere à necessidade de "garantir que o arguido mantem contacto apertado com o sistema de justiça" se está a referir, com absoluta certeza, à necessidade que este arguido tem de cumprir medidas de coacção que o "relembrem" que é arguido e que tem que prestar contas ao sistema judicial e não, obviamente, à profissão que o arguido desempenha e que insiste em invocar nos autos. 41.-Com o devido respeito, sempre será de dizer que, se os factos em causa nos presentes autos não são dignos de um cidadão "comum", muito menos o são de um advogado, motivo pelo qual não se compreende o orgulho que o arguido tem em tentar fazer valer a sua profissão nestes autos quando, na realidade, tal facto não parece abonar a seu favor. 42.-Acresce ainda que o arguido aproveita o recurso que apresentou para tecer considerações sobre a pretensa falta de fundamentação relativa à aferição dos pressupostos de aplicação das medidas de coacção em sede de primeiro interrogatório judicial, pondo, assim, em crise aquele primeiro despacho de aplicação das medidas de coacção proferido em 14 de Dezembro de 2021. 43.-Recorde-se, contudo, que a sede própria para o efeito teria sido, nos termos do artigo 219.° do Código de Processo Penal, a apresentação de um recurso do despacho em que lhe foram aplicadas as medidas de coacção primitivas, o que não sucedeu. 44.-Ora, ainda que não se concorde que o referido despacho estivesse ferido de falta de fundamentação, sempre será de dizer, à cautela, que consagra o n.° 6 do artigo 194.° do Código de Processo Penal os elementos que devem obrigatoriamente constar da fundamentação do despacho que aplica a medida de coacção e que, no presente caso concreto, constavam. 45.-No entanto, caso tal não sucedesse, como refere o artigo supracitado, estaríamos perante uma nulidade. 46.-Ora, tal nulidade é uma nulidade dependente de arguição porquanto não está prevista no elenco das nulidades insanáveis, previstas no artigo 119.° do Código de Processo Penal e, como tal, a considerar-se existir, deveria ser arguida, perante o Tribunal que proferiu o despacho, no prazo geral de 10 dias a contar da sua notificação, o que não sucedeu e apenas agora, quase um ano depois, foi suscitada. 47.-Veja-se, neste sentido, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 20 de Outubro de 2010, no âmbito do processo n.° 760/09.3PPPRT-A.P1, que refere que "no despacho que aplica medida de coacção, a omissão ou insuficiência de fundamentação quanto à referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida [art. 194.°, n.° 4, ai. d), do CPP] constitui nulidade dependente de arguição e deve ser arguida/suscitada antes que o acto esteja terminado ou, se a este não tiverem assistido, nos 10 dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados [art. 194.°, n.° 4 e 120.°, n.° 3, ai. a), do CPPJ(...)". 48.-Não tendo sido tal pretensa nulidade — que, repita-se, apenas por mera cautela de patrocínio se conjectura — arguida dentro do prazo de 10 (dez) dias, encontra-se sanada, não podendo, agora, vir a ser tal despacho posto em causa. 49.-Repita-se também que o despacho ora em crise assume toda a factualidade e elementos do primeiro despacho de aplicação das medidas de coacção pelo que o seu dever de fundamentação deveria reportar-se, apenas, à existência de circunstâncias supervenientes que pudessem determinar a alteração das medidas de coacção, o que não é o caso, 50.-Logo não seria exigível ao Tribunal a quo que voltasse a repetir toda a fundamentação da sua decisão, sendo suficiente a remissão para a decisão primitiva, que não sofreu alterações, e que não foi atempadamente posta em causa pelo arguido. 51.-Também não pode proceder o argumento invocado pelo arguido sobre, em sede de primeiro interrogatório, não ter existido uma promoção do Ministério Público sobre a aplicação de uma medida de coacção em concreto. 52.-Com efeito, é o próprio arguido que, na página 7 do seu recurso, afirma que que o Ministério Público requereu a aplicação de uma medida de coacção mais gravosa que o TIR face ao perigo de continuação da actividade criminosa e perturbação da ordem e tranquilidade públicas. 53.-Ora, estabelece o n.° 2 do artigo 194.° do Código de Processo Penal que "durante o inquérito, o juiz pode aplicar medida de coacção diversa, ainda que mais grave, quanto à sua natureza, medida ou modalidade de execução, da requerida pelo Ministério Público, com fundamento nas alíneas a) e c) do artigo 204.'" 54.-E foi precisamente o que o Tribunal fez: aplicou as medidas de coacção de proibição de contactos e proibição de aproximação aos ofendidos, com fundamento no perigo constante da alínea c) do n.° 1 do artigo 204.° do Código de Processo Penal: "perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas". 55.-No mais, também todos os vícios que o arguido alega terem ocorrido no desenrolar do primeiro interrogatório judicial e que aqui nos escusamos de elencar, deveriam ter sido suscitados em momento próprio, sendo que, não tendo tal sucedido, se preteriu o direito à arguição dos mesmos. Nestes termos, deverá ser negado provimento ao recurso apresentado pelo arguido, mantendo-se o despacho recorrido. * Já nesta Relação, o Ex. Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu Parecer considerando que o Digno Procurador da República junto da 1ª Instância identificou correctamente o objecto do recurso, rebatendo especificadamente todos os aspectos nele suscitados e argumentando criteriosamente com clareza, rigor e correcção jurídica; * Cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP houve resposta ao Parecer. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, nº 3 al. c), do diploma citado. 2.–Fundamentação A)-Delimitação do Objecto do Recurso Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal da Relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196). No caso vertente, em face das conclusões do recurso são as seguintes as questões que cumpre apreciar: - falta de fundamentação do despacho em crise - falta de aferição, em concreto e no presente, da existência dos requisitos gerais de que depende a sua aplicação, não explica ou demonstra porque nesta fase a medida de coação aplicada se justifica, em reforço das exigências cautelares. - omissão da necessária audição prévia do arguido, fazendo-o por mera remissão para os fundamentos da primitiva medida de coação aplicada no 1° interrogatório do arguido - modo como ocorreu o 1º interrogatório judicial e nulidade do mesmo B)-Decisão Recorrida Com vista à apreciação da questão supra enunciada, importa ter presente o seguinte teor da decisão recorrida. “A encontra-se sujeito à medida de coacção de: - proibição de contactar por qualquer meio com a ofendida B e os ofendidos C e D (seus filhos), não podendo aproximar- se de qualquer dos três ofendidos a uma distância inferior a 1000 metros; -proibição de permanecer e de se aproximar da residência dos ofendidos B, A e D, sita na ...Amadora, e de outra que venham a ter e seja comunicada aos autos, dos locais de trabalho (incluindo voluntário) da ofendida B e das escolas dos ofendidos C e D, filhos do arguido, num raio de 1000 metros, medidas estas a serem monitorizadas através de meios de controlo à distância nos termos dos art.ºs 31.º e 35.º, da lei n.º 112/2009 de 16 de Setembro, sendo que tal monitorização (para a qual o arguido nesta data deu o seu consentimento) deverá ser aplicada ao arguido ainda que ele se venha a opor à colocação dos dispositivos necessários, ao abrigo do disposto nos artigos 191º a 194.º, 196º, 200.º, n.º 1 alíneas a) e d), n.ºs 5 e 6 e 204.º al. c), todos do código de processo penal, aplicada em 1º interrogatório judicial de arguido detido realizado no dia 14.12.2021. O Ministério Publico deduziu acusação contra o arguido, por despacho de 29.07.2022, imputando-lhe a prática de um crime de violência doméstica, p. p. pelo art.º 152.°, n.º 1 al. a) e c) , 2º a) do Código Penal na pessoa de B; dois crimes de violência doméstica p. e p. pelo art.º 152º, nº1 al. d) e) e 2º al. a), do Código Penal nas pessoas dos menores C e D e um crime de detenção de arma proibida, (bastão ), p. e p. pelo art.º 3º, nº 1 e nº 2, al. l), art.º 4º, nº 1, 86º, nº 1 d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações posteriores. Decorre da conjugação do disposto nos artigos 218º, n.º 2, 215º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, 1º, alínea j) do CPP que a medida de coacção imposta ao arguido se extinguiu, pelo decurso do prazo máximo de seis meses contados da sua aplicação. Termos em que declaro extinta, por caducidade, a medida de coacção aplicada. Notifique e comunique de imediato à equipa de VE, a fim de proceder à recolha dos dispositivos. * Compulsados os autos, verifica-se que as exigências cautelares, que, em 1º interrogatório judicial fundamentaram a aplicação ao arguido da medida de coacção de proibição de contactos com as vítimas, se mantem inalteradas, designadamente o perigo de continuação da actividade criminosa e o perigo de perturbação tranquilidade e da ordem públicas (art.º 204º, n.º 1, alínea c) do CPP), agora reforçados com a dedução de acusação, sendo que, ao contrário do que alega o arguido, a circunstância de não serem comunicadas anomalias no cumprimento da medida de coacção aplicada, não evidencia qualquer diminuição das exigências cautelares. Em face do exposto, verificando-se os respectivos pressupostos, importa aplicar ao arguido, medida de coacção destinada a evitar a concretização dos perigos elencados. Esgotada a medida de coacção de proibição de contactos, pelo decurso do prazo máximo, tal não obsta à aplicação de medida de coacção distinta, que se afigure adequada e proporcional (cf. artigos 192º, 193º e 194º, n.º 2 do CPP). De entre as medidas de coacção aplicáveis ao caso concreto, considerando as exigências cautelares identificadas, não evidenciando os autos, por ora, a necessidade de privação de liberdade, com vista a garantir que o arguido mantem contacto apertado com o sistema de justiça, e sem prejuízo de agravação, caso as exigências cautelares se agravem, determino que A, aguarde os subsequentes termos do processo sujeito à obrigação de se apresentar duas vezes por semana no posto policial da área da sua residência sita no ... Lisboa (cf.artigos 191º, 192º, 193º, 204º, n.º 1, alínea c) e 198º do CPP). C)-APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES EM RECURSO. O arguido vem interpor recurso do despacho de 13.09.2022. Invoca o arguido a falta de fundamentação do mesmo. Temos que concordar com o Digno Magistrado do MP e com a assistente quando afirmam que o despacho está devidamente fundamentado. O Mmº Juiz a quo esclarece que as medidas de coacção aplicadas aquando do 1º interrogatório judicial caducaram por força da passagem do tempo. No entanto, como se mantêm os pressupostos que determinaram a sua aplicação, em sua substituição, aplica, agora, a medida de coacção de apresentações periódicas. Este despacho surge na sequência da acusação deduzida contra o arguido, sendo que, na sua parte final, o Digno Magistrado do MP pronuncia-se sobre as medidas de coacção. A acusação foi, obviamente, notificada ao arguido e Ilustre defensora, sendo que o arguido, por requerimento de 18.08.2022, responde às medidas de coacção propostas pelo MP. Como se escreve no Acórdão da Relação do Porto de 29.01.2014 A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade: (…) Visto o despacho verifica-se que na essência e directamente assim acontece quanto a todos os itens enunciados o que nos termos do art º194º 5 CPP constitui nulidade. Tal nulidade todavia dependente de arguição (pois não faz parte do elenco das nulidades insanáveis, do artº 119º CPP) - artº 120º 1 e 2 a) CPP) e como tal devia ser arguida no prazo geral de 10 dias perante o tribunal que proferiu a decisão, a contar da sua notificação (dado que não foi proferido na presença do arguido), o que não ocorreu e só em recurso foi suscitada. cf. Ac da RG de 10/3/2011, in www.dgsi.pt: “I- A nulidade decorrente da inobservância do disposto no n.º 5 do artigo 194º do CPP deve ser arguida perante o tribunal de 1ª instância, só havendo recurso da decisão que conhecer da arguição de tal nulidade. (…)” Ac TRP de 20/10/2010 in www.dgsi.pt: “(…) II - No despacho que aplica medida de coacção, a omissão ou insuficiência de fundamentação quanto à referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida [art. 194.º, n.º 4, al. d), do CPP] constitui nulidade dependente de arguição e deve ser arguida/suscitada antes que o acto esteja terminado ou, se a este não tiverem assistido, nos 10 dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados [art. 194.º, n.º 4 e 120.º, n.º 3, al. a), do CPP].(…)” Diz ainda o recorrente que no despacho em crise o Mmº Juiz não afere, em concreto, no presente, da existência dos requisitos gerais de que depende a sua aplicação, não explica ou demonstra porque nesta fase a medida de coação aplicada se justifica, em reforço das exigências cautelares. Não obstante não ser referido nas conclusões, diz o recorrente na motivação que as antecede que “Durante todo inquérito [8 longos meses], as medidas de coação não foram revistas, como deveriam (…) e os pressupostos que estiveram na base da aplicação das medidas de coação, não foram sequer reavaliados, de modo a aferir sobre a sua necessidade, adequação e proporcionalidade (condição rebus sic standibus).” Como bem diz a assistente “a lei processual penal estabelece no seu artigo 213.° o reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação. Mas fá-lo, tão só, quanto às duas medidas de coacção privativas da liberdade e, por isso, mais gravosas. Para além do reexame obrigatório destas duas medidas de coação, todas as restantes serão (re)avaliadas se /ou no caso de tal se afigurar necessário. Chegando ao processo elementos novos que determinem uma reavaliação da medida de coação aplicada, a mesma far-se-á. No caso em concreto, as medidas de coação aplicadas aquando do primeiro interrogatório cessaram, por caducidade, em virtude de ter sido esgotado o tempo durante o qual poderiam persistir – decorreram 6 meses após a sua aplicação cfr. art. 218º, n.º 2, 215º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, 1º, alínea j) do CPP. O tribunal, depois de ter ouvido o arguido (que intervém por meio de requerimento de 18.08.2022), entende que as exigências cautelares que, em 1º interrogatório judicial, fundamentaram a aplicação ao arguido da medida de coacção de proibição de contactos com as vitimas, se mantêm inalteradas, designadamente o perigo de continuação da actividade criminosa e o perigo de perturbação tranquilidade e da ordem públicas (art.º 204º, n.º 1, alínea c) do CPP), agora reforçados com a dedução de acusação, sendo que, ao contrário do que alega o arguido, a circunstância de não serem comunicadas anomalias no cumprimento da medida de coacção aplicada, não evidencia qualquer diminuição das exigências cautelares. Não se percebe a afirmação do arguido, ora recorrente, quando diz que não foi ouvido. O arguido não só foi ouvido, como veio pronunciar-se relativamente à medida de coacção sugerida pelo MP. Se se entendesse que esta audição do arguido tinha que ser pessoal, a verdade é que a sua falta não consubstancia uma nulidade, mas uma mera irregularidade – artº 118º nº 1 CPP – cujo prazo de arguição estava completamnte ultrapassado – cfr. art. 123º do CPP Como diz o arguido, o tribunal, ao tempo da prolação de tal despacho, não faz nova indagação relativamente às exigências cautelares. Não o fez, dizemos nós, porque as primitivas medidas de coacção apenas cessaram por caducidade e não porque tenha deixado de existir o fundamento que levou ao seu decretamento. Deste modo, o tribunal remete para os fundamentos e para os princípios que estiveram subjacentes à aplicação da medida de coacção aquando do primeiro interrogatório - princípio da legalidade, o princípio da necessidade, o princípio da adequação, o princípio da proporcionalidade e o princípio da subsidiariedade. Porquê que as exigências cautelares saem reforçadas com a prolação da acusação? Até esta fase, o processo estava em investigação, podendo ter terminado com um arquivamento, se, não obstante os indícios que se entenderam existir numa fase embrionária, se tivessem esvanecido. Terminar a fase do inquérito com uma acusação significa que os indícios preliminares se mantiveram e que foi entendido pelo titular do inquérito que, em face do que existe nos autos, há elementos suficientes para ser provável uma condenação. Daqui decorre que, não tendo havido alteração de facto, e tendo o processo prosseguido para uma fase em que os indícios têm um valor acrescido, as exigências cautelares saem reforçadas, ou seja, a investigação efectuada veio demonstrar que, na óptica da acusação, a aplicação da medida de coacção numa fase embrionária se mostra, agora, confirmada. Como se escreve no já citado Acórdão da Relação do Porto de 29.10.2014 “ Sendo aplicada medida de coacção em substituição da primitiva, que se extinguiu, não se exige a aplicação, na sua integralidade, do disposto no artº 194º CPP. II - Devendo o arguido ser ouvido quanto à medida de coacção a aplicar, a preterição constitui era irregularidade. III - É de equiparar o despacho que aplica nova medida de coacção, por extinção da anterior, ao despacho de substituição de medidas de coacção por outras menos gravosas por ser consequência, não de atenuação das exigências cautelares, mas de extinção da medida mais gravosa, que por esta via se lhe deve equiparar na sua regulamentação.” As medidas de coacção aplicadas no processo estão sujeitas a modificação em face das circunstancias que em cada momento se verificam sobre a sua necessidade e adequação (condição rebus sic stantibus - art. 212, n.ºs 1, b), e 3, do C.P.P) podendo e devendo ser revogadas ou substituídas por outras se deixarem de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação ou se tiver ocorrido uma alteração das exigências cautelares. Pese embora tal facto e porque se trata de medidas restritivas mais gravosas impõe a lei quanto à prisão preventiva e à obrigação de permanência na habitação (OPH) à sua apreciação trimestral (artº 213º CPP) e por essa razão lhes fixa igualmente um prazo máximo de vigência, findo o qual tais medidas extinguem-se pelo decurso do prazo (artºs 215º 1 e 2 a), 218º CPP), e nesse caso dispõe o artº 217º 2 CPP aplicável à medida de coacção da OPH que extinta essa medida de coacção “o juiz pode sujeitar o arguido a alguma ou algumas das medidas previstas no s artigos 197º s 200º inclusive” Foi em cumprimento imediato deste comando normativo que foi aplicada ao arguido recorrente as medidas de coacção em causa de proibição de se ausentar para o estrangeiro, e obrigação de apresentação semanal na autoridade policial. Como é bom de ver não estamos perante uma primeira medida de coacção aplicada no processo, mas perante a aplicação de medida substitutiva por extinção da primitiva e extinta. Como tal não lhe é aplicável na sua integralidade o disposto no artº 194º CPP que por norma o deve ser na sequência do 1º interrogatório judicial de arguido onde o mesmo deve ser ouvido com as formalidades do artº 141º CPP, e se traduz na primeira aplicação das medidas de coacção a que o arguido fica sujeito no decurso do processo; Não estando perante a situação do artº 194º CPP, nem por isso deve deixar de permitir-se que ao arguido seja dada a possibilidade de se pronunciar, a situação que não pode deixar de ser equiparada ao reexame dos pressupostos da medida de coacção de prisão preventiva e OPH ou à sua alteração / revogação por alteração dos pressupostos da sua aplicação e da sua admissibilidade (por estando extinta tornou-se legalmente inadmissível). Assim por aplicação do artº 212º4 CPP devia o arguido ser ouvido quanto à aplicação dessas medidas, de igual modo o seria por aplicação do princípio do contraditório que enforma todo o processo penal. Não o tendo sido, qual a consequência? Dado que não se trata de uma nulidade, pois como tal não é cominada na lei – artº 118º1 CPP - estamos perante uma irregularidade que não foi arguida em tempo no tribunal recorrido e não afecta o valor do acto praticado com vista às sua reparação e até pode considerar-se sanada face à notificação posterior da promoção do MºPº para aplicação de tais medidas de coacção, e que por essa via possibilitou a admissão deste recurso como tempestivo. Mas mesmo que se considere aplicável o artº 194º CPP e não tendo o arguido sido ouvido, tal configura de igual modo uma irregularidade -art. 118.º, n.º 1 e n.º 2 CPP - que devia ser arguida nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do art. 123.º do CPP., e não o tendo, e embora o tribunal possa ordenar a sua reparação, o mesmo não se justifica nos termos apreciados. cf. Ac. RL de 30/03/2011, in www.dgsi.pt Não sendo obrigatória a audição do arguido nos termos insertos no artº 194º no caso concreto, e logo não aplicável o artº 141º 4 CPP (cf. Ac RE de 9/10/2012, in www.dgsi.pt: “1. A obrigatoriedade de audição prevista no art. 194º, nº 3 do CPP visa fazer preceder a decisão judicial sobre a medida de coacção da audição do sujeito processual nela mais directa e pessoalmente interessado – o arguido –, mas nada impondo na lei que seja presencial. 2. A audição não presencial – audição por escrito, no processo, através do defensor – não compromete o exercício do contraditório, na vertente de direito de audiência, e não restringe as garantias de defesa”, ou sendo-o estaríamos perante uma mera irregularidade, já que não lhe é assacada pela lei o vicio da nulidade, sendo que no caso concreto e visto os factos não importa a sua sanação por não influir na decisão da causa.” O arguido vem invocar a falta de fundamentação e a análise detalhada dos princípios subjacentes à aplicação da medida de coacção, criticando a remissão para o primeiro interrogatório. Porém, de certa forma, “aproveita” esta referência aos fundamentos de facto e de direito existentes a esse tempo, para vir levantar várias questões respeitantes ao primeiro interrogatório judicial . Parece-nos claro que, neste recurso, não podemos apreciar o primeiro interrogatório judicial. Se o arguido, ora recorrente, não concordou com a decisão ali tomada, deveria, no seu devido tempo, ter interposto recurso e tirado as devidas consequências do que considerou uma clara violação dos seus direitos com um interrogatório alegadamente “sexista” e que não lhe deixou apresentar as suas “razões”. Concluindo, não descortinamos que no despacho que determinou a medida de coacção de apresentações semanais tenha havido violação de qualquer normativo legal, pelo que o recurso há-de improceder. 3.–DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta 9ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido A, mantendo a decisão recorrida. Custas pelo arguido/recorrente – art. 513º nº 1 CPP, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC. Lisboa, 09 de Março de 2023 (Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelas signatárias e com assinatura digital de todas) Raquel Correia Lima - (Relatora) Micaela Pires Rodrigues - (1º Adjunto) Madalena Caldeira - (2º Adjunto)