I–Se alguém pode estatutariamente representar uma entidade coletiva, ainda que apenas em conjunto com outras pessoas, não deve depor como testemunha; II–A inquirição de testemunha inábil constitui uma nulidade secundária que ficará sanada não for tempestivamente arguida; ainda assim, e apesar da sanação do vício, um depoimento prestado nessas condições ficará sujeito à livre apreciação do tribunal que não deixará de ter em conta e valorar a particular qualidade do depoente e o fundamento da inabilidade; III–Tendo o Município R. celebrado com a empresa construtora das frações dos autos contrato promessa de compra e venda respeitante às mesmas e recebido desta as respetivas chaves, na qualidade de promitente comprador, cedendo depois as mesmas, com o conhecimento e acordo daquele promitente vendedor, a munícipes que aí passaram a residir, ao abrigo de contratos de arrendamento, será o Município R. possuidor das frações, na medida em que as administra (direta ou indiretamente), atuando como se fosse o respetivo proprietário e recebendo as respetivas rendas, enquanto os munícipes que ali residirão serão os seus detentores, ao abrigo de acordos que com eles o R. celebrou; IV–Uma vez reconhecido, em ação de reivindicação respeitante às ditas frações, o direito de propriedade do A. sobre as mesmas, e não tendo o R. demonstrado, como lhe competia, ser titular de um direito (real ou outro) que legitime a recusa da respetiva restituição, cumpre condenar o mesmo na sua entrega ao A.; V–A tal não obsta a circunstância de a ação ter sido instaurada apenas contra o Município R., embora tal decisão não faça caso julgado contra os efetivos detentores, que não foram convencidos na causa; VI–Assim, e uma vez determinada a entrega pelo R., caberá aos terceiros detentores, no eventual cumprimento coercivo da decisão, opor-se ao direito do exequente caso não pretendam abrir mão das frações e obstar ao efetivo empossamento destas pelo A.; VII–A privação do uso do bem constitui, em si mesma, um dano patrimonial indemnizável, na medida em que envolve para o seu proprietário a perda de uma utilidade, a de usar a coisa quando e como lhe aprouver, não dependendo da prova do dano que em concreto decorre da privação; VIII–Deve relegar-se para ulterior liquidação a determinação da indemnização reclamada pelo A. pela privação do uso das frações se não resultar apurado quais teriam sido os valores das rendas que poderiam ter sido praticadas pelo A. (no mercado social de arrendamento e/ou no programa de renda acessível) relativamente àqueles imóveis, deduzidos os custos com a manutenção, conservação e gestão daquele património, não se mostrando sequer possível, sem tais indicadores de referência, recorrer à equidade para alcançar uma ajustada quantificação.
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa. I–Relatório: O IHRU-Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P., veio propor, em 29.6.2018, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Sintra, contra o Município de Cascais, ação declarativa sob a forma comum, pedindo, no essencial, a condenação do R. a reconhecer a propriedade do A. sobre as 30 frações autónomas que identifica bem como a restituí-las ao A. e, ainda, a pagar ao mesmo, a título de indemnização, a quantia de € 176.309,68 acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal desde 30.11.2016 e o valor mensal respeitante a rendas de cada uma das 30 frações revindicadas até entrega efetiva. Alega, para tanto e em síntese, que é o único e legítimo proprietário das 30 frações identificadas nos autos que adquiriu, em 19.11.2014, no âmbito do Proc. nº 756/12.8TYLSB do 4º Juízo de Comércio de Lisboa, à massa insolvente de J. Andrade & Silva, Lda, e cuja construção financiou ao abrigo do DL nº 165/93, de 7.5, constituindo sobre as mesmas hipoteca a seu favor. Diz que o R. promoveu a construção das ditas frações com vista à respetiva aquisição para realojamento de populações residentes em barracas, tendo celebrado com a referida sociedade o correspondente contrato promessa de compra e venda, mas aquela construtora foi declarada insolvente sem que a transmissão tivesse sido concretizada. Mais refere que, em 7.3.2013, A. e R. celebraram acordo nos termos do qual o A. apresentava, no respetivo processo de insolvência, proposta de compra das 30 frações em causa, comprometendo-se o R. a adquirir depois ao A. as mesmas, fixando-se o preço de acordo com a formula constante do Anexo I do referido acordo, para o que celebrariam antes contrato promessa de compra e venda após a obtenção do visto prévio favorável do Tribunal de Contas. Refere que tendo o A. adquirido as mencionadas frações, como se obrigou, e tendo o Tribunal de Contas considerado não haver lugar à emissão de visto, o R. não cumpriu o acordo firmado, não subscrevendo o contrato promessa respeitante às 30 frações conforme minuta remetida pelo A. a este, nem restituindo as frações como reclamado. Por sua vez, e tendo o R. recebido da sociedade J. Andrade & Silva, Lda, as chaves daquelas frações, entregou-as o mesmo a munícipes que nas mesmas residem e cuja identidade o A. desconhece, ao abrigo de contratos de arrendamento que o R. não tinha legitimidade para celebrar. Conclui que tal conduta do R. vem causando prejuízo ao A. que estima em € 176.309,68, correspondente ao número de meses desde o pedido de entrega (30.11.2016) multiplicado pela renda mensal condicionada, bem como as correspondentes rendas mensais até entrega efetiva. Contestou o R., arguindo a incompetência do tribunal em razão da matéria, por ser esta da competência dos Tribunais Administrativos, e a respetiva ilegitimidade passiva, defendendo, neste tocante, que as mencionadas frações se encontram na posse ou detenção de terceiros de boa-fé pelo que, quando muito, deveriam ter sido estes os demandados e não o Município R.. Mais impugna a factualidade alegada, sustentando que pagou a J. Andrade & Silva, Lda, no âmbito do contrato promessa de compra e venda para aquisição das 30 frações celebrado em 22.4.2004, a quantia de € 521.060,00 a título de sinal, o que reforçou em 9.6.2004, em aditamento ao mencionado contrato promessa de compra e venda, no montante de € 694.747,00. Diz também que tendo recebido as chaves dessas frações, entregou-as a agregados recenseados no PER, de acordo com o fim de habitação a custos controlados a que as frações estavam destinadas, passando estas a estar ocupadas desde 2005, com conhecimento e acordo da então proprietária. Alega, por outro lado, que para o cumprimento do acordado entre A. e R., aquele propôs um valor de aquisição de € 2.262.723,69, como consta da minuta, que excedia o estipulado e que tinha estado na base da dispensa do visto prévio do Tribunal de Contas (€ 1.202.225,00). Entende, assim, que não incumpriu o acordado e que, mesmo que assim se entendesse, jamais o A. teria direito a receber os montantes peticionados, uma vez que estes são superiores aos montantes atualmente pagos, agindo em abuso de direito ao reclamar indemnização por danos a que deu azo. Diz, ainda, que o A. tem conhecimento, desde antes da aquisição das frações, de que estas se encontram cedidas a terceiros, a título precário ou por contratos de renda apoiada. Conclui pela procedência das exceções e pela improcedência da causa, devendo, subsidiariamente, ser o montante indemnizatório reduzido, por não ter adesão à realidade a sua forma de cálculo, e subtraídas as despesas incorridas pelo R. no montante de € 13.210,82 até Maio de 2018. O A. respondeu à matéria de exceção. Os autos foram remetidos à Instância Central Cível de Cascais por ser a territorialmente competente. Dispensada a audiência prévia, foram julgadas improcedentes as arguidas exceções de incompetência do tribunal em razão da matéria e de ilegitimidade passiva. Foi ainda proferido despacho saneador que conferiu a validade formal da instância, procedendo-se à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova, sendo o valor da causa fixado em € 176.309,68. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 14.9.2021, nos seguintes termos: “(...) julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e em consequência, decide o Tribunal: A. –Declarar que o A. é o legítimo proprietário das fracções melhor descritas nos pontos A) a DD) da factualidade provada; B. – Condenar o R. a reconhecer tal direito de propriedade; C. –Absolver o R. do demais contra si peticionado; D. –Condenar A. e R. nas custas devidas, fixando-se 2/3 para o A. e 1/3 para o R. (…).” Inconformado, recorreu da sentença o A., IHRU-Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P., culminando as alegações por si apresentadas com as seguintes conclusões que se transcrevem: “ A)–Foi dado como não provado o seguinte facto: "1. Todos sem qualquer resposta por parte do réu", (que reproduz o artigo 13° da petição inicial e que se reporta à ausência de resposta por parte do Município de Cascais às interpelações feitas pelo Autor (cfr. artigo 11° e 12° da petição inicial), porquanto o Tribunal a quo desconsiderou o depoimento da testemunha arrolada pelo Autor Luísstentando que, por fazer parte do conselho diretivo do recorrente, pode depor como parte, invocando o artigo 21.°, n.° 3 da Lei Quadro dos Institutos Públicos (Lei n.° 3/2004, de 15/01) e 496° do CPC, mas sem razão, pois a citada norma legal dispõe que: "Os institutos públicos são representados, designadamente, em juízo ou na prática de actos jurídicos, pelo presidente do conselho directivo, por dois dos seus membros, ou por mandatários especialmente designados." (sublinhado e negrito nosso). B)–Ora, Luís …… não é Presidente do conselho diretivo, nem mandatário especialmente designado. Sendo membro do conselho diretivo, sozinho também não pode representar o Autor, já que a citada norma legal exige dois dos membros, donde, como membro singular não poderia e não pode depor como parte, concluindo-se, pois, que o depoimento da testemunha em causa pode e deve ser considerado pelo Tribunal na formação da sua convicção, devendo desde logo, tal decisão ser revogada. C)–Tomando em consideração o depoimento prestado pela testemunha Arq. Luís …… conclui-se que o facto referido em A) supra terá de ser dado como provado, pois, a testemunha demonstrou ter conhecimento direto de tal facto testemunhando com isenção e credibilidade, conforme seu depoimento prestado no dia 31.05.2021 com início às 14:36:14 e fim às 15:32:51 e supra reproduzido, onde refere, além do mais " (...) fui eu próprio no dia imediatamente a seguir a nós termos de alguma forma feito a última démarche do acordo bilateral que a aquisição destes fogos contactei, tentei contactar o Município no sentido de dizer vamos a isto, vamos então avançar para celebrar o contrato promessa de compra e venda, fi-lo, não sei, à vontade dezenas de vezes, por e-mail, por sms, tentei ligar, etc, nunca tive resposta. Ao fim de algum tempo, não sei precisar exatamente quando, tenho ideia que isto se passou em novembro de 2014, se não me engano, mas ao final de um tempo desistimos, (...)" D)–Razão pela qual deve a decisão sobre a matéria de facto ser alterada e considerado como provado o seguinte facto "1. Todos sem qualquer resposta por parte do réu." que reproduz o artigo 13° da petição inicial e que se reporta à ausência de resposta por parte do Município de Cascais às missivas a esta dirigida pelo Autor (cfr. artigo 11° e 12° da petição inicial). E)–Também no que respeita ao pedido de indemnização correspondente à questão do litígio enunciada em 2) no Saneamento a saber: "2)- Da ocupação ilícita dos imóveis e do direito do A. ao recebimento, do R., da quantia peticionada a título de indemnização pela privação do uso e ocupação dos imoveis" e vertida nos artigos 17°, 18°, 19° e 20° da sua petição inicial, a decisão sobre a matéria de facto se mostra - erradamente - omissa, porquanto as testemunhas arroladas pelo Autor aqui apelante a saber Arq. Luís …... (depoimento prestado no dia 31.05.2021 com inicio às 14:13:14 e fim às 15:32:51) e Eng.° Paulo …… (depoimento prestado a 31.05.2021 com inicio às 15:33:46 e fim às 15:47:28), depuseram com isenção e credibilidade, demonstrando ter conhecimento direto de tais factos, conforme depoimento supra reproduzido F)–Ficou assim alegado pelo Autor aqui recorrente e demonstrado, através do depoimento das supra indicadas testemunhas que: As frações objeto dos presentes autos, frustrando-se a aquisição pelo Município de Cascais, teriam sido dadas em arrendamento, muito provavelmente, no âmbito do então mercado social de arrendamento e, hoje em dia no programa de renda acessível. O cálculo das rendas feita no mercado social de arrendamento é apurado da seguinte forma: apura-se a renda normal de mercado na zona e faz-se uma redução ao preço médio apurado de 30%. G)–Estes factos devem ser aditados aos factos provados porquanto se mostram essenciais ao pedido de condenação em indemnização feito pelo autor aqui recorrente, cuja sentença, neste segmento lhe foi desfavorável, mas como se verá a final, deve ser revogada. Da condenação do Réu Município de Cascais na entrega dos 30 imóveis sitos em M____ C____ ao Autor aqui recorrente IHRU IP H)–Lida e relida a sentença recorrida, apenas um fundamento se retira para a decisão em causa, a saber, a (alegada) falta de razoabilidade do Autor por não ter instaurado a ação (também!) contra os arrendatários das frações (diga-se, cuja identidade desconhece). Mas a alegada razoabilidade não tem apoio na lei, na doutrina ou na jurisprudência. I)–É indiferente para a solução de direito apurar como o Réu obteve as chaves do imóvel, apenas interessa aos autos que o Réu detém os imóveis e que se arroga seu proprietário e age em conformidade, não o sendo, vide Prof Doutor José de Oliveira Ascensão para melhor enquadrar o que a seguir se exporá, in artigo denominado de “Acção de revindicação", da Autoria do Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão, pág 529, consultado em https://portal.oa.pt/upl/%7Bf917929f-5543-4f68-844b-10ff93823a62%7D.pdf J)–O réu, aqui recorrido, para repelir a reivindicação dos imóveis feita pelo autor aqui apelante tinha duas vias: ou impugnava a titularidade do direito de propriedade de que o Autor se arrogou (o que não fez na sua contestação) ou contestava o dever de entrega dos imóveis com base numa relação obrigacional ou real que lhe conferisse a posse ou a detenção dos imóveis em causa (o que também não fez na sua contestação), cf. Profs. Pires de Lima e A. Varela, in «Código Civil Anotado Vol III, 2§ edição, pág 116». K)–O Réu aqui recorrido não contestou as pretensões do Autor aqui apelante, por nenhuma das vias que poderiam obstar à sua condenação na entrega dos imóveis ao Autor, sendo certo que, como decorre dos artigos 1311°/2 e 342°/2 do CC é ao Réu que incumbe alegar e provar que possui um justo título que impede a restituição dos imóveis em questão. L)–Na verdade, o Réu aqui recorrido limitou-se a alegar que deu de arrendamento os 30 fogos sitos em M____ C____ a terceiros (que não identificou), cf. facto dado como provado KK ("O R. recebeu da J. Andrade & Silva Lda. as chaves das frações em causa tendo-as entregue a munícipes que ali residem, ao abrigo de contrato de arrendamento."). O réu confessou que era possuidor! Dar de arrendamento coisa imóvel é um acto material de posse, cf artigo 1251° do Código Civil cuja noção de posse é: "o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou outro direito real". M)–O Município de Cascais sempre se arrogou proprietário do imóvel, e, nessa medida, fruiu e dispôs dos imóveis em causa dando de arrendamento a quem bem entendeu, cobrando rendas em termos que se desconhece, pelo que o Réu, aqui recorrido fruiu e frui de tais imóveis no seu interesse invocando um título perante os imóveis que confessadamente não tem, a saber, o de proprietário dos imóveis em questão. Aliás isso mesmo disseram as testemunhas por si arroladas, a saber, que perante si o Município de Cascais é o proprietário de tais frações (cfr. depoimentos prestados pelas Dra. Ana ….. e Dra Inês …..). N)–Por outro lado, os alegados arrendatários são possuidores em nome alheio em relação ao direito de propriedade, pelo que têm uma posse precária, exercendo sobre o imóvel em concretos poderes materiais, mas no interesse de outrem, a saber, do Município de Cascais. O)–A sentença recorrida erra ao pretender atribuir a posse a quem habita no imóvel. Tal conclusão é errada, não tendo qualquer suporte na lei. Possuidor é o réu, Município de Cascais, o qual, por não ter em sua defesa invocado qualquer título legítimo que obsta ao reconhecimento e entrega dos imóveis ao Autor, deve ser condenado a entregá-los. P)–À saciedade, sempre se dirá que o dever de restituição emerge do facto de o Município de Cascais, Réu e aqui recorrido, ser o possuidor dos imóveis em causa, independentemente da circunstância de o próprio Réu ter cedido a título precário e/ ou arrendamento a terceiros os ditos imóveis. Ou dito de outra forma, independentemente de o Réu estar fisicamente nos imóveis em causa, até porque sendo pessoa coletiva tal seria impossível. Q)–Por outro lado, sendo obrigação do réu a entrega dos imóveis, não é a mera circunstância de nos mesmo residirem terceiros (note-se, em cujos imóveis residem com o acordo do réu que com eles celebrou contratos de arrendamento) que impede o Réu - juridicamente - de entregá-los ao autor, ou melhor dizendo de o Tribunal condenar o réu na sua entrega. R)–A ocupação por terceiros até pode ser fundamento para justificar a dificuldade na entrega, mas não a torna impossível. São situações distintas a i)- mera dificuldade no cumprimento da prestação e outra a ii)- inexigibilidade do cumprimento dessa mesma prestação, o que não se verifica no presente caso. S)–A vantagem para o autor em propor a presente ação é precisamente obter a condenação na entrega dos imóveis com vista à sua posterior entrega coerciva, caso o réu não os entregue voluntariamente, nos termos do disposto no artigo 747°/1 do CPC. Se, na apreensão/ entrega dos imóveis ao Autor (posterior exequente), houver um terceiro que se arrogue possuidor (os alegados arrendatários do Município de Cascais), a apreensão poderá não ser ordenada se o terceiro apresentar documento comprovativo de que é proprietário ou titular de outro direito, podendo este (terceiro) defender-se designadamente deduzindo incidente de oposição de embargos de terceiro por apenso aos autos de execução. T)–O mero reconhecimento do direito de propriedade sem retirar a sua consequência mais evidente e importante esvazia de conteúdo a pretensão do autor ao intentar a ação, mais a mais quando se dá como provado que o réu é possuidor. U)–Por último, não poderá deixar de se rebater a interpretação feita na douta sentença sobre o segmento citado da obra dos Profs Pires de Lima e A. Varela. Importa antes de mais contextualizar o excerto do texto citado que pretende dar a noção de ação de revindicação e que imediatamente antes do excerto citado é afirmado: “A noção só será, pois, completa se se disser que esta acção é a pretensão do proprietário não possuidor contra o possuidor não proprietário ou do proprietário possuidor contra o detentor, Vide Ennccerus-Wolff, Tratado, III, 1.°§ 84. (…).” V)–Convém, aliás, esclarecer que a citação é, por sua vez, extrato de artigo publicado (vide Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 115°, págs. 272-273) onde os Ilustres Professores fazem a anotação a Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que trata de coisa bem diversa do que aqui é discutido. Ali - e não aqui - discutia-se se o direito ao novo arrendamento era ou não justo título para obstar ao reconhecimento da propriedade e entrega. Ali - e não aqui - não havia possuidor em nome próprio. W)–Regressando ao caso dos autos, a ação foi instaurada pelo proprietário não possuidor (IHRU) contra o possuidor não proprietário (Município de Cascais). X)–Nem tão pouco a doutrina citada refere um qualquer litisconsórcio necessário que obrigue o Autor a demandar possuidor e detentor, nem poderia pois não existe, nem na sentença se vai tão longe, mais uma vez porque nem poderia, por não ter qualquer sustentabilidade na lei nem nos factos carreados nos autos. Y)–A sentença recorrida mostra-se irrazoável e injusta porque, a acreditar na bondade da sentença, o Réu que voluntariamente entregou as chaves a terceiro e deles recebe renda, ficará livre de qualquer responsabilidade quer na entrega quer no pagamento dos danos causados pela impossibilidade do seu legítimo proprietário dispor usar e fruir dos imóveis. Contra quem então instaurar a ação,designadamente, exigindo o pagamento de uma indemnização? Mais uma vez, se a sentença estivesse correta, seria ao terceiro de boa fé, já que ao réu entende que deve ser absolvido, vito que: "não resultou provada factualidade subsumível a um comportamento ilícito por parte do R., no que concerne à violação do direito de propriedade do A." Z)–Isto depois de o Tribunal ter considerando como legítimo proprietário o A e não o réu e ainda do réu ter cedido sem tal título (ou outro) os imóveis a terceiros! Se assim fosse estaria encontrada a forma de enriquecer à custa do prejuízo de outrem infligido pelo enriquecido. AA)–Donde se conclui que a douta sentença, na parte em que absolve o réu de entregar os imóveis ao autor viola o disposto, entre outros, nos artigos 1305.°, 1311°, 1251.° ss, 342°/2 do Código Civil. Da condenação do Réu no pedido de indemnização BB)–O Réu Município de Cascais não alegou nem demonstrou ter título para ocupar os imóveis, nomeadamente dando-os de arrendamento. Não possuindo título que lhe reconheça legitimidade para ocupar os imóveis, para dá-los de arrendamento, a sua ocupação pelo réu aqui recorrido foi, e é, ilegal e ilegítima. CC)–Sendo ilegítima / ilícita deve o Réu ser condenado a indemnizar o Autor nos termos da responsabilidade civil extracontratual por tal facto ilícito até que o mesmo cesse (cf. artigo 483° do Código Civil). DD)–Ainda com apoio na Jurisprudência (Acórdão do STJ, proc. n° 14232/17.9T8LSB.L1.S1 de 28.01.2021 in www.dgsi.pt) e no do depoimento prestado pelas testemunhas arroladas pelo Autor e que supra se reproduziram ficou demonstrado (factos cujo aditamento se requereu e requer) que: As frações objeto dos presentes autos, frustrando-se a aquisição pelo Município de Cascais, teriam sido dadas em arrendamento, muito provavelmente, no âmbito do então mercado social de arrendamento e, hoje em dia no programa de renda acessível. O cálculo das rendas feita no mercado social de arrendamento é apurado da seguinte forma: apura-se a renda normal de mercado na zona e faz-se uma redução ao preço médio apurado de 30%. EE)–Assim e no caso em apreço a indemnização corresponde à privação do uso ao seu valor locativo apurado nos termos provados nos autos. Mas mesmo que tal critério de apuramento de valor locativo não tivesse ficado apurado nesta sede, nada impede o Tribunal, bem pelo contrário, de condenar na indemnização a liquidar em execução de sentença. FF)–Donde se conclui que errou a sentença ao absolver do pedido de indemnização o Réu, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que condene o réu no pagamento de indemnização ao autor correspondendo a mesma pela privação do uso ao seu valor locativo a apurar em execução de sentença.” Pede a alteração da matéria de facto, conforme requerido, e a revogação da sentença na parte em que absolveu o R. dos pedidos de entrega dos imóveis e pagamento de indemnização, condenando-se o mesmo na restituição dos imóveis livres e devolutos de pessoas e bens e no pagamento de uma indemnização a calcular de acordo com o valor locativo dos imóveis até à sua efetiva entrega e a liquidar em execução de sentença. Em contra-alegações veio o R. Município de Cascais defender, no essencial, a improcedência da apelação, com pedido subsidiário de ampliação do objeto do recurso, concluindo nos seguintes termos: “ V.–1.- Impugnação da Matéria de Facto A.–O depoimento de Luís …… invocado pelo Recorrente para dar como provado o facto “Todo sem qualquer resposta por parte do réu” não pode ser valorado, dado que o mesmo está proibido de depor como testemunha, em face do artigo 496.° do CPC, por ser vogal da Recorrente. Isto porque B.–Os vogais de institutos públicos representam esses mesmos institutos públicos, ao abrigo do artigo 21.°, n.° 3 da Lei Quadro dos Institutos Públicos, Lei n.° 3/2004, de 15/01, sendo irrelevante que a representação tenha de ser feita por dois vogais. (Ac. TRL, de 26.10.2021 e Ac. do TRG de 11.06.2014, mas para o caso de gerentes de sociedades comerciais). C.–Assim, a decisão do tribunal a quo de desconsiderar o depoimento da testemunha Luís …… deve ser mantida e, em consequência, deve o pedido de considerar o facto “Todo sem qualquer resposta por parte do réu” como provado, improceder. D.–O Recorrente veio recorrer da decisão do tribunal a quo, pedindo o aditamento do seguinte facto “As frações objeto dos presentes autos, frustrando-se a aquisição pelo Município de Cascais, teriam sido dadas em arrendamento, muito provavelmente, no âmbito do então mercado social de arrendamento e, hoje em dia no programa de renda acessível. ”. E.–Tal facto nunca foi alegado pelo Autor/Recorrente na sua petição inicial, não devendo, deste modo, ser considerado pelo tribunal ad quem, sob pena de violação do princípio do dispositivo (Cfr. Ac. do TRG, de 14.03.2019). F.–Mesmo que assim não se entenda, o que não se concede, a reapreciação de tal facto não deve ser considerada procedente, visto que o Recorrente fundamenta que o facto acima transcrito deveria ser dado como provado, com base no depoimento da testemunha Luís ……, que não pode ser considerado, como já referido e da testemunha Paulo …… que nunca afirmou perentória e categoricamente que a intenção do Recorrente era de colocar as frações no mercado de arrendamento, caso a venda das mesmas fosse frustrada. G.–Assim, tendo por base unicamente o depoimento da testemunha Paulo ……, deve o facto acima transcrito ser considerado como não provado, mantendo-se, neste âmbito, a decisão do tribunal a quo. H.–Também deve improceder o pedido de aditamento à matéria fáctica provada do seguinte facto: “O cálculo das rendas feita no mercado social de arrendamento é apurado da seguinte forma: apura-se a renda normal de mercado na zona e faz-se uma redução ao preço médio apurado de 30% ”, pois apenas tem uma qualquer utilidade, se tiver ficado assente qual o valor da “renda normal de mercado na zona”, o que não aconteceu (no sentido de que não deve ser alterada a matéria de facto, se tal matéria de facto for irrelevante para os autos, Ac. do TRL, de 26.09.2019). V.–2.–Impugnação da matéria de Direito 2.1.-Do pedido de restituição das frações I.–A decisão de improcedência do tribunal a quo relativamente ao pedido de restituição das frações deve ser mantida. J.–Numa ação de reivindicação deve figurar como parte passiva quem detém materialmente a coisa que está a ser reivindicada, quer este seja possuidor ou um mero detentor (Cfr. artigo 1311.°, n.° 1 do CC). Isto porque, K.–A finalidade da ação de reivindicação é a restituição da coisa reivindicada ao seu legítimo proprietário, conforme tem vindo a ser apontado pela doutrina, sendo, por isso, natural que figure como réu numa ação de reivindicação quem tenha materialmente a coisa consigo, pois será essa pessoa que poderá restituir a coisa. L.–Para mais, o pedido de restituição numa ação de restituição deve ser considerado improcedente, nos casos em que o réu consiga demonstrar que tem um direito que o legitima a ter materialmente a coisa consigo. M.–Se assim o é, então na ação de reivindicação tem de figurar quem tem materialmente a coisa consigo, visto que tem de ser sempre este sujeito a demonstrar que detém materialmente a coisa, com base num título válido (neste sentido, Ac. TRC, de 28.01.2003 e Ac. do STJ, de 28.01.2021). N.–Caso contrário, então a ação não teria qualquer efeito útil, pois não seria oponível ao detentor material da coisa. O.–Foi dado como provado que o Recorrente sabia que terceiros munícipes estavam a ocupar as frações, com base em determinados contratos, antes até de o Recorrente adquirir as frações (Facto SS. da lista de factos provados da sentença). P.–Nos presentes autos, não só os terceiros munícipes não são partes, como não está a ser discutida a validade dos referidos contratos que, aparentemente, legitimam os terceiros a ocupar as frações. Q.–Assim, visto que o Recorrente não demandou os referidos terceiros munícipes que estão a ocupar as frações, tal pedido de restituição das frações tem de ser considerado improcedente, devendo, para isso, manter-se, neste âmbito a decisão do tribunal a quo. R.–Já quanto ao argumento apresentado pelo Recorrente, relativo ao artigo 747.°. n.° 1 do CPC (os munícipes teriam sempre oportunidade de contestar tal execução, no âmbito da ação executiva), este artigo não se aplica aos presentes autos, pois este artigo faz referência direta aos bens do executado, e como a decisão entendeu, as frações são do Recorrente (ou seja, na ação executiva o Recorrente seria o executor e o Recorrido o executado). V.2.2.–Do pedido de indemnização por privação do uso da coisa S.–O pedido de condenação no pagamento de uma indemnização formulado pelo Recorrente deve ser considerado improcedente, por estar dependente da procedência do pedido de restituição da coisa, visto que se em abstrato, um réu consegue demonstrar que tem um titulo válido que lhe permite manter a posse (ou detenção) da coisa, então, naturalmente que não pode o tribunal condenar o réu no pagamento de uma indemnização por privação do uso da coisa. T.–Visto que os terceiros munícipes não se encontram presentes na ação e, portanto, não pode o presente tribunal decidir pela validade do título com que estes fundamentam a detenção das frações. U.–Contudo, mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, mesmo assim o pedido em causa deve ser considerado improcedente, pois não estão reunidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual. V.–Por fim, mesmo que o supra exposto não seja aceite, o que não se aceita, mesmo assim, deve o pedido de restituição ser considerado improcedente por abuso de direito, na vertente da suppresio. W.–A modalidade da suppresio, no âmbito do instituto do abuso de direito, concretiza-se no facto de o ordenamento jurídico considerar que é abusivo por parte de um sujeito exigir o cumprimento de um direito, se esse mesmo sujeito tiver abstido, em momento anterior, de exigir o cumprimento de tal direito. X.–Têm sido apontados determinados requisitos que devem encontrar-se preenchidos, de modo a que se possa afirmar que tal modalidade do abuso de direto está verificada: i)- um não exercício prolongado, ii)- uma situação de confiança, iii)- uma justificação para essa confiança, iv)- um investimento para essa confiança e v) uma imputação da confiança ao não-exercente. Y.–Nos presentes autos, foi considerado provado que o Recorrente sabia, ainda antes de adquirir as frações, que nas mesmas já lá estavam a residir terceiros munícipes (facto provado SS. da lista de factos provados constante da sentença). Ora, considerando desde já este facto, aliado ao facto de o Recorrente nunca ter exigido, desde o momento em que adquiriu as frações nenhuma quantia a título de renda, nem ao Recorrido, nem, tanto quanto se sabe, aos terceiros munícipes, age em abuso de direito, na vertente da suppresio, o Recorrente que vem agora peticionar uma indemnização com base na privação do uso e ocupação da coisa. Deve, por isso, o pedido de indemnização, ser considerado improcedente, por o mesmo ser abusivo e, desta maneira, ilícito. V.–3.-PEDIDO SUBSIDIÁRIO - ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO Z.–Caso o tribunal ad quem venha a considerar tal pedido de condenação no pagamento de uma indemnização procedente, o que não se concede, vem o Recorrido, ao abrigo do artigo 636.°, n.° 2 pedir subsidiariamente a alteração de dois pontos da matéria de facto que foram considerados não provados na sentença: a.-“O Recorrido teve de suportar determinados custos, a título de despesas com obras, gestão de exploração e técnicas de ação social, no âmbito da gestão das frações AA.–Pese embora se possa considerar como não provado montante (facto n.° 3 da lista de factos não provados constante da sentença), a existência dos gastos deve ser dado como provada (Ac. do STJ, de 19.05.2009 e Ac. do TRL, de 02.10.2013). BB.–Da audição do depoimento da testemunha Ana …… (de dia 31.05.2021, depoimento esse com início às 16:52:30 e fim às 17:19:15) não resulta qualquer tipo de dúvidas que existiram despesas relacionadas com a gestão das frações, no período de novembro de 2016 a maio de 2018: despesas com técnicas de ação social, despesas com a exploração e com obras. CC.–Esta testemunha é a diretora financeira da empresa municipal Cascais Envolvente, Gestão Social da Habitação, EM, S.A., o que demonstra bem que tal testemunha teria um profundo conhecimento sobre a matéria em causa. DD.–Também é expectável que da gestão de 30 frações ao longo de cerca de um ano e meio resultem as mais variadas despesas, por isso, tais despesas seriam sempre expectáveis de ocorrer. EE.–Relativamente ao montante dos custos que o Recorrido teve que suportar em face da gestão das frações, deve o tribunal ad quem considerar que ficou provado o seguinte facto: “O Recorrente teve de suportar como custos de gestão das 30 frações, entre novembro de 2016 e maio de 2018, o valor de cerca de 9.000€. ” FF.–A alteração da matéria de facto, de modo a que se proceda à alteração do facto acima transcrito, baseia-se no depoimento de duas testemunhas: Ana …… (depoimento no dia 31.05.2021, com início às 16:52:30 e fim às 17:19:15) e de Inês …… (depoimento no dia 21.06.2021, com início às 14:11:47 e fim às 14:33:39). GG.–Ambas as testemunhas ocupam cargos de relevo na empresa municipal Cascais Envolventes, Gestão Social da Habitação, EM, S.A., o que lhes permite ter um conhecimento profundo sobre os gastos em que incorreu o Recorrido, em virtude da exploração das frações. HH.–Para mais, da audição do depoimento das testemunhas acima identificadas, não restam quaisquer dúvidas que deve o facto acima transcrito ser considerado como provado, pois, ambas as testemunhas depõem expressamente sobre os gastos que o Recorrido teve, em face da exploração de tais frações. II.–Assim, com base em dois depoimentos distintos, de testemunhas que tinham um profundo conhecimento sobre a matéria ora em causa, deve o seguinte facto ser considerado provado: “O Recorrente teve de suportar como custos de gestão das 30 frações, entre novembro de 2016 e maio de 2018, o valor de cerca de 9.000€. ” JJ.–Ora, caso se considere que o pedido de indemnização deve ser considerado procedente, o que não se concede pelos motivos já antes expostos, deve ao respetivo valor da indemnização ser descontado o valor dos custos que o Recorrido sofreu, ao ter assumido a gestão das frações, ou seja, deverá ser descontado de tal montante, o valor de pelo menos 9.000€.” O apelante respondeu à matéria da ampliação (art. 638, nº 8, do C.P.C.), concluindo pela sua improcedência. O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. *** II–Fundamentos de Facto: A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade: A)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “A” correspondente ao rés-do-chão esquerdo, do prédio urbano sito em A_____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. B)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “B” correspondente ao rés-do-chão direito B, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. C)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “C” correspondente ao 1° andar direito A, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. D)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “D” correspondente ao 1° andar direito B, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. E)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “E” correspondente ao 1° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A_____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. F)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “F” correspondente ao 2° andar direito A, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. G)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “G” correspondente ao 2° andar direito B, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. H)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “H” correspondente ao 2° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R___. I)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “A” correspondente ao rés-do-chão esquerdo, do prédio urbano sito em A_____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. J)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “B” correspondente ao rés-do-chão direito B, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. K)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “C” correspondente ao 1° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. L)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “D” correspondente ao 1° andar direito, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. M)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “E” correspondente ao 2° andar direito, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. N)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “F” correspondente ao 2° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. O)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “A” correspondente ao rés-do-chão esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. P)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “B” correspondente ao rés-do-chão direito B, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. Q)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “C” correspondente ao 1° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. R)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “D” correspondente ao 1° andar direito, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. S)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “E” correspondente ao 2° andar direito, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. T)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “F” correspondente ao 2° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. U)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “G” correspondente ao 2° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. V)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “H” correspondente ao 2° andar direito, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. W)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “I” correspondente ao 3° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____R____. X)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “J” correspondente ao 3° andar direito, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. Y)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “C” correspondente ao 1.° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R___. Z)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “D” correspondente ao 1.° andar direito, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. AA)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “E” correspondente ao 2° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. BB)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “F” correspondente ao 2° andar direito, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. CC)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “G” correspondente ao 3° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. DD)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “H” correspondente ao 3° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. EE)–As mencionadas fracções vieram a ser transmitidas para o A. em 19.11.2014 por compra à massa insolvente J. Andrade & Silva Lda. no âmbito do processo n° 756/12.8TYLSB, cfr. documento n° 31. FF)–Ao abrigo dos programas municipais de realojamento, o R. promoveu a construção para sua aquisição das 30 fracções supra identificadas com vista ao realojamento de populações residentes em barracas. GG)–Para o efeito, o R. contratou para a sua construção a sociedade J. Andrade & Silva Lda. então proprietária do terreno que deu origem às mencionadas fracções, celebrando as referidas partes contrato promessa de compra e venda. HH)–O A. financiou a construção de tais fracções, tendo constituído hipoteca sobre tais bens imóveis a seu favor como garantia do pagamento do empréstimo concedido. II)–A. e R. subscreveram o documento denominado Acordo Bilateral entre o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP e o Município de Cascais, datado de 7 de Março de 2013, junto como documento n.° 32 com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais e do qual consta, designadamente, o seguinte: (…) JJ)–O Tribunal de Contas entendeu não haver lugar à emissão de visto, cfr. documento n.° 33, junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais. KK)–O R. recebeu da J. Andrade & Silva Lda. as chaves das frações em causa tendo-as entregue a munícipes que ali residem, ao abrigo de contrato de arrendamento. LL)–O R. até à presente data recusa-se a entregar as frações supra identificadas. MM)–Por e-mail datado de 20 de Novembro de 2014 remetido ao Senhor Vereador da Câmara com o pelouro da habitação, Dr. Frederico Almeida, cfr. documento n.° 34 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os legais efeitos legais, o A. transmitiu, designadamente, que: Venho por este meio comunicar-lhe que os 30 fogos do empreendimento de M____ C____, promovido no âmbito do PER pela empresa Andrade e Silva, já são propriedade do IHRU, pelo que urge concretizar os processos de aquisição e financiamento à aquisição, de forma a concluir esta operação ainda este ano. (...) NN)–Por e-mail datado de 28 de Maio de 2015 remetido ao Senhor Vereador da Câmara com o pelouro da habitação, Dr. Frederico ….., cfr. documento n.° 35 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os legais efeitos legais, o A. transmitiu, designadamente, que: Já por várias vezes tenho tentado falar consigo para ver se retomamos os processos previstos no Acordo Bilateral, em particular a questão dos fogos de M____ C____ (...) OO)–Por missiva datada de 12 de Outubro de 2016, remetida pelo A. ao R., junta como doc. 36 com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, aquele transmitiu, designadamente, que (...) Todavia, apesar das insistências e das várias tentativas de contacto deste Instituto nesse sentido, incluindo um e-mail de 28 de maio de 2015 enviado ao Dr. Frederico Almeida, até à presente data o Município nada fez e continua a utilizar os 30 fogos antes indicados como se ignorasse que, desde 19 de novembro de 2014, o IHRU é dono e legítimo proprietário dos mesmos. Tendo cumprido na íntegra as suas obrigações no Acordo Bilateral antes indicado, o IHRU considera inqualificável e insustentável esta situação de total incumprimento desse Município das obrigações que assumiu no Acordo com ele celebrado e, nessa medida, plenamente justificada e inteiramente legítima a presente interpelação, Assim, vimos pelo presente interpelar esse Município para que proceda à assinatura do contrato-promessa de compra e venda cuja minuta segue em anexo ao presente ofício até ao dia 30 de novembro de 2016. Em caso de não celebração do contrato até àquela data, o IHRU tem o direito a ser ressarcido pelo Município dos prejuízos decorrentes da privação da utilização dos 30 fogos, calculados em função dos valores que lhes aplicáveis em regime de renda condicionada, desde a data da aquisição dos mesmos até à data da sua efetiva entrega, devendo o Município assegurar esta entrega dos fogos ao IHRU, lives de pessoas e bens e sem danos que prejudiquem a sua utilização para o fim a que se destinam até ao dia 30 de novembro de 2016, caso contrário o IHRU reserva-se o direito de agir judicialmente contra o Município. Da Contestação PP)–Por escritura pública datada de 22 de Abril de 2004, denominada Escritura do Contrato de Promessa de Compra e Venda subscrita por J. Andrade & Silva, Lda. e pelo R., aquela prometeu vender a este, que prometeu comprar, 30 fracções que se encontravam em fase de acabamento, sitas em A____, M____ C____, tendo sido entregue a quantia de € 521.060,00 a título de sinal, cfr. documento 1 junto com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. QQ)–Por escritura pública datada de 9 de Junho de 2004, denominada Escritura de Reforço de Sinal subscrita por J. Andrade & Silva, Lda. e pelo R., este entregou a título de reforço de sinal, a quantia de € 694.747,00, cfr. documento 2 junto com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. RR)–Os fogos aqui em causa passaram a estar ocupados desde 2005, com o conhecimento e acordo da J. Andrade & Silva, Lda. SS)–26 das 30 fracções estão cedidas a terceiros, a título de acordos de cedência a título precário ou de contratos de renda apoiada, o que é do conhecimento do A., desde antes da aquisição por esta das fracções em causa. Deu-se ainda como não provado na sentença: 1.–Todos sem qualquer resposta por parte do réu. 2.–A renda mensal condicionada, cfr. documento n° 37 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, cifra-se em: - Artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____: • fracção “A” €393,45 • fracção “B” €442,77 • fracção “C” €174,51 • fracção “D” €226,06 • fracção “E” €448,77 • fracção “F” €174,51 • fracção “G” €226,06 • fracção “H” €448,77 - Prédio urbano sito em Abóboda, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____: • fracção “A” € 282,49 • fracção “B” € 410,22 • fracção “C” € 291,84 • fracção “D” € 421,92 • fracção “E” € 291,84 • fracção “F” € 421,92 -Prédio urbano sito em Abóboda, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____: • fracção “A” € 322,78 • fracção “B” € 396,05 • fracção “C” € 324,27 • fracção “D” € 396,05 • fracção “E” € 324,27 • fracção “F” € 396,05 • fracção “G” € 230,58 • fracção “H” € 230,58 • fracção “I” € 411,03 • fracção “J” € 233,98 -Prédio urbano sito em Abóboda, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatôria do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____: • fracção “C” €231,01 • fracção “D” €411,03 • fracção “E” €460,16 • fracção “F” €401,31 • fracção “G” €370,74 • fracção “H” €411,03 3.–No período de 30.11.2016 até Maio de 2018, os custos de conservação e manutenção foram de 13.210,82 €, correspondendo a: • Gastos de exploração no valor de 6.372,60€ • Obras no valor de 6.838,22€ * III–Fundamentos de Direito: São as conclusões que delimitam o objeto do recurso (art. 635, nº 4, do C.P.C.). Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. Compulsadas as conclusões da apelação, verificamos que cumpre apreciar: - da impugnação da matéria de facto; - do subsequente enquadramento jurídico – da condenação do R. na entrega dos imóveis e no pedido indemnizatório (de acordo com o valor locativo dos imóveis). Oportunamente nos pronunciaremos sobre a ampliação do objeto do recurso requerida pelo R./recorrido. A)–Da impugnação da matéria de facto: Pretende o apelante se dê como provado o ponto 1 julgado não provado e se aditem dois novos factos à matéria assente. Invoca os meios de prova que justificam, a seu ver, tal pretensão. O recorrido opõe-se. Como é sabido, de acordo com o princípio consagrado no art. 607, nº 5, do C.P.C., o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. As provas são assim valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas. Vejamos, depois de ouvidos os depoimentos atinentes e vistos os autos. - Ponto 1 não provado: Deu-se como não provado sob o ponto 1: “Todos sem qualquer resposta por parte do réu.” Diz o apelante que tal ponto reproduz o artigo 13º da petição inicial, reportando-se à ausência de resposta por parte do Município de Cascais às interpelações feitas pelo A. – nomeadamente as respeitantes aos emails indicados nos pontos MM) e NN) provados (cfr. artigos 11º e 12º da petição inicial). Sustenta a resposta no depoimento da testemunha Luís ……, afirmando que o Tribunal desconsiderou indevidamente esse depoimento, nos termos do art. 21, nº 3, da Lei Quadro dos Institutos Públicos (Lei nº 3/2004, de 15.1) e do art. 496 do C.P.C., com o fundamento de que, por aquele fazer parte do conselho diretivo do recorrente, não pode depor como testemunha. O recorrido corrobora o sentenciado a tal propósito. Não vislumbramos, salvo o devido respeito, o interesse do facto em questão para a decisão da causa e do recurso, nem o apelante o justifica. Com efeito, o que poderá, quando muito, relevar, no caso, será a interpelação feita pelo A. ao R. no sentido da resolução da questão respeitante às frações dos autos – e do cumprimento do acordo de 7.3.2013 (ponto II) supra) – interpelação essa que consta, de forma suficiente, dos pontos MM), NN) e OO) da matéria assente, decorrendo ainda do respetivo teor que terão sido várias as tentativas, sem sucesso, realizadas nesse sentido pelo A. junto do R., e que o mesmo recusa a entrega das frações (ponto LL) supra). Mostra-se, assim, indiferente a demonstração de que o R. não respondeu, em concreto, designadamente aos emails de 20.11.2014 e de 28.5.2015. De resto, nem se entenderia a prova “desgarrada” e descontextualizada do mencionado facto (“Todos sem qualquer resposta por parte do réu”), como pretende o recorrente. Como sabemos, a impugnação da decisão sobre matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas antes um meio com vista à anulação, alteração ou revogação da decisão recorrida (cfr. art. 639, nº 1, do CPC). Por isso mesmo, e dado o seu caráter instrumental, sempre que se apure que a eventual procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto é insuscetível, de forma absoluta e manifesta, de conduzir à modificação da decisão recorrida, deve o Tribunal da Relação abster-se de apreciar tal impugnação, sob pena de praticar uma atividade processual inútil (cfr. art 130 do C.P.C.). Pelo que, configurando-se que para a solução da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, o referido facto é totalmente irrelevante, não será o mesmo reapreciado([1]). - Factos Novos: Requer, ainda, o apelante, o aditamento dos seguintes factos provados: -“As frações objeto dos presentes autos, frustrando-se a aquisição pelo Município de Cascais, teriam sido dadas em arrendamento, muito provavelmente, no âmbito do então mercado social de arrendamento e, hoje em dia no programa de renda acessível.” - “O cálculo das rendas feita no mercado social de arrendamento é apurado da seguinte forma: apura-se a renda normal de mercado na zona e faz-se uma redução ao preço médio apurado de 30%.” Diz que se trata de matéria que se contém no ponto 2 do objeto do litígio – “Da ocupação ilícita dos imóveis e do direito do A. ao recebimento, do R., da quantia peticionada a título de indemnização pela privação do uso e ocupação dos imóveis” – e que consta dos artigos 17º, 18º, 19º e 20º da petição inicial, resultando a respetiva prova dos depoimentos das testemunhas Arq. Luís …… e Eng. Paulo ……. O apelado opõe-se, afirmando que o primeiro facto em questão não foi sequer alegado na p.i. e que o segundo é inútil para a decisão visto não estar assente qual o valor da “renda normal de mercado na zona”. No que ao primeiro ponto respeita, alegou o A. nos artigos 17º, 18º, 19º e 20º da petição inicial, sob o título “Do Direito”: “Atentos os factos expostos, resulta claro que o Réu ocupa ilegalmente as frações melhor descritas em 1º supra, o que tem, naturalmente causado prejuízos ao Instituto autor, conforme de seguida se demonstrará” (art. 17º), “Cabe ao ora autor, no âmbito das competências que lhe foram atribuídas pelo Decreto-lei 175/2012, de 02/08, dar de arrendamento imóveis da sua propriedade” (art. 18º), “Está assim o autor impedido pela conduta ilícita do Réu de cumprir a missão de interesse público que lhe foi atribuída e, bem assim, de receber as rendas a que tem direito por força da celebração de um contrato de arrendamento” (art. 19º), e “Face ao exposto, tais prejuízos poderão ser calculados em € 176.309,68 correspondente ao número de meses desde, pelo menos, a data em que foi interpelado para entregar as frações (30 de novembro de 2016), multiplicados pela renda mensal condicionada infra identificada e até à efetiva entrega das frações livres e devolutas de pessoas e bens, liquidando-se na presente data (maio de 2018), respetivamente, cfr. documento nº 37 que se junta e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos: (…).” (art. 20º). Cremos que o primeiro facto proposto se contém, de algum modo e ao menos em parte, na referida alegação. Questão diversa é a de saber se foi feita a respetiva prova. Antes, porém, teremos de abordar a questão da relevância do depoimento da testemunha Luís ……, suscitada pelo recorrente quanto ao ponto 1 não provado e que acima não chegámos a analisar. A referida testemunha prestou depoimento em audiência de julgamento no dia 31.5.2021, afirmando ser membro do Conselho Diretivo da A.. Na sentença, e a propósito da fundamentação da matéria de facto, entendeu-se: “(…) Depôs na qualidade de testemunha, Luís ......, membro do conselho directivo do A. Ora, de acordo com o artigo 19.° do Decreto-Lei n.° 207/2006, o A. faz parte da Administração Indirecta do Estado, tratando-se de um instituto público. Assim sendo, nos termos do artigo 21.°, n.° 3 da Lei Quadro dos dos Institutos Públicos (Lei n.° 3/2004, de 15/01), Os institutos públicos são representados, designadamente, em juízo ou na prática de actos jurídicos, pelo presidente do conselho directivo, por dois dos seus membros, ou por mandatários especialmente designados. Por seu turno, estabelece o artigo 496.° do Código de Processo Civil que Estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes. Ora, resulta de quanto se vem dizendo que Luís ….., por fazer parte do conselho directivo do A., pode depor como parte, o que resulta na inevitável conclusão de que está impedido de depor como testemunha. Deste modo, uma vez que a testemunha estava impedida de depor nessa qualidade, o seu depoimento não será naturalmente considerado pelo Tribunal na formação da sua convicção. (…).” Apreciemos, então, da referida inabilidade legal da referida testemunha Luís Maria ……., oferecida pelo A., IHRU-Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P., e das consequências daí decorrentes. Dispõe o nº 3 do art. 21 da Lei Quadro dos Institutos Públicos, aprovada pela Lei nº 3/2004, de 15.1([2]), que estes “são representados, designadamente, em juízo ou na prática de actos jurídicos, pelo presidente do conselho directivo, por dois dos seus membros, ou por mandatários especialmente designados.” E o art. 496 do C.P.C. dispõe que: “Estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes.” O apelante argumenta que, sendo a testemunha Luís ...... apenas membro do conselho diretivo do A. IHRU, não tem, sozinho, possibilidade de o representar, pelo que não pode depor como parte, podendo depor como testemunha. O apelado defende que os vogais representam sempre os institutos públicos, mesmo que tal representação tenha de ser feita em conjunto com outro vogal, pelo que não podem depor como testemunhas, mas apenas como partes (quando esse instituto público é parte no litígio). Subscrevemos este entendimento que foi o seguido na sentença, louvando-nos no Ac. da RL de 26.10.2021([3]) citado pelo apelado. Como se diz neste aresto, a propósito de questão similar no caso respeitante a uma associação: “(…) a testemunha Ana Maria ......, enquanto vogal da direcção da associação ré e elemento integrante da comissão executiva, é estatutariamente representante legal da associação e detém poderes para obrigar a sociedade, ainda que necessariamente em conjunto com outro elemento da direcção, pelo que, enquanto representante legal da associação não pode depor como testemunha, porque é parte, e isto independentemente de obrigar ou não sozinha a ré ou de lhe não terem sido conferidos poderes, no caso concreto, para esse efeito. Neste ponto, aquilo que é relevante com vista à sua admissão a depor como testemunha é que a vogal representa a associação e pode obrigá-la, pelo que é parte, independentemente de o fazer apenas juntamente com outro elemento da direcção; o saber se obriga ou não sozinha a ré interessa, não para o efeito de a admitir a depor como testemunha, mas para saber se pode ou não confessar, desacompanhada de outro elemento da direcção; não é por, neste caso, não poder obrigar a associação que Ana Maria ...... deixa de revestir a qualidade processual de parte.(…).” Cremos que, como também se afirma no Acórdão indicado, a razão de ser da inabilidade prevista no art. 496 do C.P.C. radica na suspeição que naturalmente recai sobre quem depõe sobre factos que lhe interessam, por quem seja um dos titulares dos interesses em disputa. Deste modo, se alguém pode estatutariamente representar uma entidade coletiva, ainda que apenas em conjunto com outras pessoas, não deve depor como testemunha. Nesta parte concordamos com a posição seguida em 1ª instância. Todavia, é também certo que o momento processual adequado para suscitar o impedimento a que alude o art. 496 do C.P.C. é o da inquirição, em audiência de julgamento (cfr. art. 515 do C.P.C.). Por sua vez, a inquirição de testemunha inábil constitui uma nulidade secundária, nos termos dos arts. 195, nº 1, e 199, nº 1, do C.P.C., que ficará sanada não for tempestivamente arguida. Ainda assim, e apesar da sanação do vício, o tribunal não deixará de ter em conta o fundamento da inabilidade na valoração do respetivo depoimento([4]). Na situação sub judice, nenhuma questão foi formalmente suscitada aquando do depoimento da testemunha Luís ......, pelo que a nulidade correspondente ficou sanada. No entanto, o Tribunal a quo entendeu desconsiderar tal depoimento, decidindo excluí-lo à partida na formação da respetiva convicção. Segundo se afirma, textualmente, na sentença: “(…) uma vez que a testemunha estava impedida de depor nessa qualidade, o seu depoimento não será naturalmente considerado pelo Tribunal na formação da sua convicção.” Entendemos, s.d.r., excessiva neste ponto a posição seguida, designadamente se tivermos em conta a prova por declarações de parte e a sua relevância, pois as declarações de parte serão livremente apreciadas pelo tribunal quando não constituam confissão (cfr. nº 3 do art. 466 do C.P.C.). Assim, e do mesmo modo que, nos termos referidos, a parte pode depor sobre factos que lhe sejam favoráveis, razão não vislumbramos para simplesmente desconsiderar o depoimento de uma testemunha que, tendo prestado depoimento, veio depois a concluir-se que detinha poderes de representação da entidade coletiva demandante que a ofereceu e que poderia, por isso, depor como parte, sendo inábil como testemunha. Ou seja, não vemos razão para ignorar, por si só, um tal depoimento, com esse fundamento. O que defendemos é que um depoimento prestado nessas condições ficará sujeito à livre apreciação do tribunal que não deixará de ter em conta e valorar a particular qualidade do depoente e o fundamento da inabilidade. É, por conseguinte, neste quadro que avaliaremos o depoimento da testemunha Luís …... Aqui chegados, passemos aos novos factos propostos como assentes pelo apelante. Neste tocante, não resulta do depoimento das referidas testemunhas Luís ......, Arquiteto, e Paulo ……, Engenheiro Civil e funcionário do A. desde 1998, que o destino atribuído pelo IHRU às frações em apreço fosse necessariamente o arrendamento. De resto, o Arq. Luís ...... referiu mesmo que o destino dessas frações, uma vez na disponibilidade do A., seria “numa primeira fase” a venda, conjeturando ambos, em termos de probabilidade, que poderia ser o arrendamento, naturalmente de acordo com as condições legais estabelecidas relativamente ao IHRU (mercado social de arrendamento ou arrendamento acessível) e distintas das praticadas, em exclusivo, pelo Município R. (PER). Por conseguinte, o que decorre a tal propósito, em suficiência, dos indicados depoimentos que nessa medida se revelaram credíveis, e na linha do alegado na petição inicial, é que se o A. tivesse a disponibilidade efetiva das frações em questão poderia tê-las destinado, no âmbito das suas atribuições, ao arrendamento, no mercado social de arrendamento e/ou no programa de renda acessível, e que o cálculo das rendas no mercado social de arrendamento é apurado em função da renda normal de mercado na zona, com uma redução a esse preço médio de cerca de 30%. É, pois, esta a matéria que cumpre aditar aos factos provados, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito. Em suma, e por quanto se deixa dito: - aditam-se os seguintes pontos novos à matéria assente: TT)–“Se o A. tivesse a disponibilidade efetiva das frações dos autos poderia destiná-las, no âmbito das suas atribuições, ao arrendamento, no mercado social de arrendamento e/ou no programa de renda acessível.” UU)–“O cálculo das rendas no mercado social de arrendamento é apurado em função da renda normal de mercado na zona, com uma redução a esse preço médio de cerca de 30%.” - no mais, e sem prejuízo da requerida ampliação do objeto do recurso a título subsidiário a que adiante voltaremos, mantém-se inalterada a factualidade fixada em 1ª instância. B)–Do subsequente enquadramento jurídico – da condenação do R. na entrega dos imóveis e no pedido indemnizatório (de acordo com o valor locativo dos imóveis): Aqui chegados, cumpre fazer o enquadramento jurídico do caso. Na sentença concluiu-se pelo reconhecimento do direito de propriedade do A. sobre as frações dos autos, condenando-se o R. a reconhecer tal direito, mas absolveu-se o mesmo do demais peticionado, com os seguintes fundamentos: “(…) No presente caso, resultou apurado que o A. tem inscrita a seu favor a aquisição das fracções melhor identificada nos factos provados A) a DD). Por força da presunção registal, conclui-se que o A. é titular um direito real (de propriedade) oponível ao R. que, como tal, o deve reconhecer. Por outro lado, o R. deve restituir a coisa alheia que ocupe, excepto se invocar e justificar a sua ocupação com qualquer direito real ou obrigacional impeditivo ou limitativo do exercício pleno da propriedade por parte do A. (cfr. artigo 1311.° do Código Civil). Como começamos por dizer, o titular do direito de propriedade pode peticionar a condenação do R. a restituir coisa que tenha em seu poder, a título de posse ou detenção. No presente caso, resultou apurado que, presentemente, encontram-se ocupadas 26 fracções, por munícipes a quem o R. entregou as chaves por conta de contratos de renda apoiada. Para além disto, resultou também apurado que o R. recebeu as chaves das fracçôes em causa nos autos por volta do ano de 2005 (ao abrigo do princípio da liberdade contratual prevista no artigo 405.° do Côdigo Civil) após a celebração de um contrato promessa de compra e venda com a anterior proprietária e, ao abrigo do qual, procedeu ao pagamento de um sinal (incluindo um reforço posterior) do total de € 1 215 807,00, sendo o preço do contrato prometido de € 1 736 867,00. Apesar de se discutir na doutrina e na jurisprudência sobre se o promitente comprador que obtém a traditio do bem prometido vender é possuidor ou mero detentor da coisa, a verdade é que, logo em 2005, os fogos passaram a ser ocupados por terceiros, numa eventual relação locatícia de direito público, passando a ser estes os (aqui inequivocamente) detentores das fracçôes. Por assim ser, parece-nos razoável concluir que, pretendendo o A. a restituição das fracções que lhe pertencem, não pode obter a satisfação da sua pretensão sem que intente a acção directamente contra quem ocupa - ou, se quisermos, reside - (n)as referidas fracções, já que a presente acção é configurada como uma acção de reivindicação propriu sensu. Isso mesmo defendem Pires de Lima e Antunes Varela (Codigo Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 1987, pág. 114): Se a posição do detentor da coisa se basear num acto jurídico realizado, não com aquele que se intitula proprietário, mas com um possuidor, o reivindicante terá todo o interesse em demandar simultaneamente um e outro: o possuidor, por ser quem se encontra, através da defesa da sua posição, em melhores condições de ajudar a esclarecer a questão primária do reconhecimento do direito de propriedade; o detentor da coisa, por ser a pessoa em condições de satisfazer a pretensão da entrega da res. Acresce que, desconhece-se os termos detalhados dessa ocupação, mas tão somente que a mesma ocorre desde 2005, mediante autorização do R. (já que foi quem entregou as chaves para o efeito), no âmbito das relações do R. - enquanto entidade pertencente à administração indirecta do Estado - e os seus munícipes. De todo o modo, qualquer invalidade dos mencionados contratos decorrentes de uma eventual ilegitimidade do R. para a sua outorga não está nestes autos a ser discutida, nem cremos que fossem os tribunais comuns competentes para o efeito. Por fim, não se encontrando os actuais ocupantes das fracções em causa nos autos, presentes nesta lide, nenhuma decisão aqui proferida poderia produzir efeitos em relação aos mesmos nem contra eles constituiria caso julgado. Donde que, resultando que as fracções de que o A. é proprietário se encontram ocupadas por terceiros que ali residem, não resta outra alternativa ao Tribunal senão a improcedência do pedido de restituição. *** Da indemnização por privação do uso No recurso, sustenta o apelante, em síntese, que deve o R. Município ser condenado a restituir as frações por ser o respetivo possuidor que Peticionou ainda o A. a condenação do R. no pagamento de uma quantia pela pela ocupação ilícita da fracção em causa nos autos. A responsabilidade civil fundamenta-se no princípio do ressarcimento dos danos, que se constitui como uma excepção à regra geral postulada no brocardo ubi commoda, ibi incommoda, imputando-se o dano ocorrido na esfera do lesado a outrem. Assim, nasce uma obrigação de indemnizar, nos termos dos artigos 562.° e seguintes do Código Civil, o lesado, que deverá ser cumprida por pessoa diversa. (…). A problemática da indemnizaçâo do dano da privação do uso, tem sido amplamente abordada na doutrina e na jurisprudência. Para uns, basta, para que seja reparável, a demonstraçâo do não uso do bem atingido, uma vez que a indemnizaçâo é quase co-natural a essa mesma privação, defendendo-se que a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização, constituindo ainda a opção pelo não uso uma manifestação dos poderes do proprietário, também afectado pela privação do uso - v. a proposito ANTONIO S. ABRANTES GERALDES, Temas da Responsabilidade Civil - Indemnizaçâo do dano da privação do uso, 2ª Edição, Almedina - Acórdão do Tribunal da Relaçâo de Lisboa, de 20-12-2017, processo n.° <a href="https://acordao.pt/decisoes/105502" target="_blank">1817/16.0T8LSB.L1-2</a>, disponível em www.dgsi.pt. Ou Menezes Leitão(..), para quem o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privaçâo constitui naturalmente um dano. Ou, ainda, O proprietário privado por terceiro do uso de uma coisa tem, por esse simples facto e independentemente da prova cabal da perda de rendimentos que com ela obteria, direito a ser indemnizado por essa privação, indemnização essa a suportar por quem leva a cabo a privação em causa. A privação do uso do veículo constitui um dano indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado (art. 62.° da CRP) . Para outra corrente jurisprudencial, é insuficiente essa demonstração, sendo ainda necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial. Com efeito, A mera privação do uso de um imóvel, decorrente de ocupação ilícita, por ofensiva do direito de propriedade do reivindicante (art° 1305° n°1 do CC), não confere a este, sem mais, direito a indemnização em «quantum» correspondente ao do apurado valor locativo daquele, ou outro, mesmo apelando às regras da equidade, ao autor, antes, sopesados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que pretende efectivar e o exarado nos art°s 342° n°1, 483° n°1, 487°, 562° a 564° e 566°, todos do CC, cumprindo alegar e provar facticidade donde ressaltem danos consectários da mora na restituição da coisa sua pertença. A primeira das teses enunciadas corresponde ao entendimento jurisprudencial maioritário, por se considerar que é a posição que melhor tutela a lesão dos interesses do proprietário de um bem, que se vê privado de extrair dele todas as vantagens e utilidades que o seu uso lhe proporciona, devido à actuação culposa de terceiro que o danifica num acidente de viação. Não pode deixar de reconhecer-se como lesiva do património do proprietário de um veículo automóvel a perda, em si mesma, da possibilidade de continuar a usufruí-lo, por facto ilícito de um terceiro, durante o período de tempo em que tal se verificar. Do património faz também parte “o direito de utilização das coisas próprias”, constituindo a privação do uso do veículo um dano patrimonial, como tal indemnizável (cfr. citado Acórdão de 5 de Julho de 2007) - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9/07/2015, processo n.° 13804/12.2T2SNT.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt. Ponderadas as duas posições supra explanadas, sufragamos a primeira tese, por ser a que efectivamente melhor tutela a lesão dos interesses do titular do direito de propriedade. No presente caso, não resultou provada factualidade subsumível a um comportamento ilícito por parte do R., no que concerne à violação do direito de propriedade do A. Deste modo, falha um dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual, concluindo-se, pois, pela improcedência do pedido de indemnização. (…).” No recurso, sustenta o apelante, em síntese, que deve o R. Município ser condenado a restituir as fracções por ser o respetivo possuidor que as deu de arrendamento, cabendo aos ocupantes das mesmas eventual defesa na ação executiva, e o R. ainda condenado a indemnizar o A. nos termos peticionados. Contrapõe o apelado/R. que deve manter-se o decidido em ambas as vertentes, estando o pedido indemnizatório dependente da procedência da restituição e que, em qualquer caso, não se mostram verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual. Mais refere que o A. age em abuso de direito, na modalidade supressio, na medida em que desde que adquiriu as frações nenhuma quantia reclamou a título de renda. Vejamos. - Da condenação do R. na entrega dos imóveis: Dispõe o art. 1305 do C.C. que: “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.” O direito do proprietário é pleno porque acima dele não existe qualquer outro poder, como ocorre, por exemplo, no usufruto, e é exlusivo porque o proprietário pode exigir que terceiros se abstenham de usar as coisas que lhe pertencem ou se abstenham de praticar atos que afetem o exercício do seu direito, sempre dentro dos limites e restrições legais (restrições de direito público ou de direito privado)([5]). Assim, nos termos do art. 1311 do C.C.: “1. Pode o proprietário exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence. 2. Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei.” São, por conseguinte, dois os pedidos que caracterizam a reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição da coisa. Pires de Lima e Antunes Varela([6]) sintetizam os fundamentos com que o demandado pode repelir a reivindicação, do seguinte modo: “(…) Por um lado, poderá impugnar a titularidade do direito que o reivindicante se arroga, alegando que a coisa pertence a outrem ou não pertence a ninguém (res nullius). Por outro, poderá contestar o seu dever de entrega, sem negar o direito de propriedade ao autor, com base em qualquer relação (obrigacional ou real) que lhe confira a posse ou a detenção da coisa (a título de usufrutuário, locatário, credor pignoratício, etc): vide, a este propósito, o acórdão do S.T.J. de 4 de Julho de 1980, no B.M.J., nº 299, págs. 320 e ss. Por último, poderá defender-se, sendo caso disso, com alguma das situações especiais previstas na lei (art. 1311, nº 2), que lhe facultem, por exemplo, o direito de retenção da coisa. Sobre o reivindicante recai o ónus de provar que é proprietário da coisa e que esta se encontra na posse ou na detenção do réu (vide o acórdão do S.T.J., de 25 de Janeiro de 1974, no B.M.J., nº 233, pág. 195). O réu, por sua vez, tem o ónus da prova de que é titular de um direito (real ou de crédito) que legitima a recusa da restituição.” Por sua vez, a posse caracteriza-se por dois elementos, o corpus e o animus, traduzindo-se o primeiro na actuação de facto correspondente ao exercício do direito pelo seu beneficiário, e o segundo na intenção deste exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa e não um mero poder de facto sobre ela([7]). O contrato promessa de compra e venda não implica, em si mesmo, a transferência da posse sobre o bem correspondente. Mesmo havendo tradição da coisa, o contrato promessa apenas assegura a mera detenção por parte do promitente adquirente, nos termos do art. 1253 do C.C., com vista à outorga do contrato definitivo, através do qual se operará, então, a transmissão da propriedade respetiva (cfr. art. 879, al. a), do C.C.). Em algumas situações, porém, será possível configurar uma posse efetiva, nos termos do art. 1251 do C.C., por parte do promitente comprador a quem foi entregue a coisa, como no caso, v.g., de ter sido paga já a totalidade do preço e a coisa ter sido entregue ao promitente comprador como se fosse sua, praticando este sobre ela, nesse estado de espírito, atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade([8]). Aproximando agora da concreta situação em análise, temos que é incontroverso o direito de propriedade do A. sobre as frações em discussão que foi reconhecido na sentença. De outro passo, teremos também de admitir, em face da matéria assente, que o Município R. será o possuidor das ditas frações, na medida em que, tendo celebrado, em 2004, contrato promessa de compra e venda respeitante às mesmas, recebeu, na qualidade de promitente comprador, as respetivas chaves da promitente vendedora, tendo-as entregue a munícipes que ali residem ao abrigo de contrato de arrendamento, pelo que passou a dispôr delas desde 2005 com o conhecimento e o acordo daquela promitente vendedora (pontos KK), e PP) a RR) supra). Assim, 26 das 30 fracções encontram-se cedidas a terceiros, a título de acordos de cedência a título precário ou de contratos de renda apoiada, o que é do conhecimento do A., desde antes da aquisição por este das frações em causa (ponto SS) supra). Ou seja, o Município R. será o possuidor das frações, na medida em que as administra (direta ou indiretamente), atuando como se fosse o respetivo proprietário e recebendo as respetivas rendas, enquanto os munícipes que ali residirão serão os detentores das mesmas, ao abrigo de acordos que com os mesmos o R. celebrou. Ora, e salvo melhor entendimento, cremos que a legitimidade da recusa do Município R. na restituição das frações ao A. não encontra suporte bastante na factualidade apurada, seja à luz do contrato promessa que oportunamente celebrou com a sociedade construtora, seja no alegado incumprimento, pelo A., do Acordo Bilateral entre o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP e o Município de Cascais, celebrado entre A. e R. em 7.3.2013 (ponto II) supra), seja ainda na cedência das frações a terceiros, a título precário ou por contratos de renda apoiada, conhecida do A. antes da aquisição. Veja-se que o R. defendeu na contestação que foi o A. quem incumpriu o acordado entre ambos, propondo um valor de venda das frações superior à estipulada, matéria que não decorre evidenciada nos factos provados, nada desenvolvendo sequer o R. quanto à subsistência do contrato promessa oportunamente celebrado. Por sua vez, o entendimento seguido na sentença suporta-se apenas na circunstância dos efetivos e atuais ocupantes das frações não terem sido demandados, não podendo a decisão proferida quanto à restituição produzir efeitos com relação aos mesmos. Sucede que tal argumentação se situaria, a nosso ver, no âmbito da legitimidade passiva e não no domínio da legimidade substantiva como parece considerar-se, sendo que a questão da ilegitimidade do R. foi já apreciada no despacho saneador, concluindo-se então, com trânsito em julgado, pela respetiva improcedência e pela legitimidade das partes. É, aliás, com esse sentido – respeitante à legitimidade processual – que interpretamos o comentário de Pires de Lima e Antunes Varela([9]) que foi citado na sentença: “(…) Se a posição do detentor da coisa se basear num acto jurídico realizado, não com aquele que se intitula proprietário, mas com um possuidor, o reivindicante terá todo o interesse em demandar simultaneamente um e outro: o possuidor, por ser quem se encontra, através da defesa da sua posição, em melhores condições de ajudar a esclarecer a questão primária do reconhecimento do direito de propriedade; o detentor da coisa, por ser a pessoa em condições de satisfazer a pretensão da entrega da res.(…).” Concordamos que não sendo os efetivos detentores convencidos na causa a decisão a proferir no âmbito da mesma não faz, quanto aos mesmos, caso julgado. Mas daí não decorre que a mesma não produza o seu efeito normal entre o A. e o R., regulando definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (cfr. art. 33, nº 3, do C.P.C.). Isto é, como refere Anselmo de Castro([10]): “Só haverá, pois, litisconsórcio necessário quando a decisão que vier a ser proferida não possa persistir inalterada quando não vincule todos os interessados”. Dentro desta lógica, a lei consente a coexistência de decisões divergentes e logicamente contraditórias, desde que reguladoras da situação concreta entre as partes de forma definitiva, e apenas visará impedir a existência de decisões que além de divergentes sejam também praticamente inconciliáveis([11]). Por conseguinte, e uma vez determinada a reclamada entrega pelo R., caberá aos terceiros detentores, no eventual cumprimento coercivo da decisão (art. 861 do C.P.C.), opor-se ao direito do exequente caso não pretendam abrir mão das frações e obstar ao efetivo empossamento destas pelo aqui A.([12]). Não deixa ainda de assinalar-se que apenas 26 das 30 frações dos autos estarão ocupadas, conforme consta dos pontos RR) e SS) supra. Por outras palavras, a consequência da ineficácia da decisão de restituir contra os terceiros arrendatários ou detentores precários das frações, ou de algumas delas, retarda e dificulta, porventura, o cumprimento da obrigação respetiva mas não impede que a decisão seja proferida contra o Município R., possuidor daquelas. Em suma, uma vez reconhecido o direito de propriedade do A. sobre as indicadas frações e não tendo o R. demonstrado, como lhe competia, ser titular de um direito (real ou outro) que legitime a recusa da respetiva restituição, cumpre condenar o mesmo na entrega ao A., conforme foi exatamente peticionado. - Da condenação do R. no pedido indemnizatório (de acordo com o valor locativo dos imóveis): Tendo em conta o que acima deixamos dito quanto ao indemonstrado direito do Município R. em recusar a restituição das frações, não surpreendemos qualquer abuso de direito na pretensão formulada pelo demandante no sentido de ser indemnizado pela privação do respetivo uso. Note-se que, contra o que parece entender o R., o A. não reclama o valor das rendas auferidas pelo Município desde a data em que adquiriu as frações (Novembro de 2014 – ponto EE) supra), mas a indemnização correspondente ao prejuízo sofrido com a privação do respetivo uso, por referência aos valores que o próprio A. praticaria no arrendamento se tivesse a disponibilidade das frações, desde que interpelou o R. para as entregar (30.11.2016). A questão não é de todo irrelevante, tendo em conta que não nos encontramos no âmbito do mercado livre de arrendamento, estando os regimes de arrendamento praticados pelo A. IHRU, por um lado, e pelo Município R., por outro, sujeitos, em cada um dos casos, a regras próprias diferenciadas e estabelecidas por lei. Desse modo, não poderá argumentar-se que o A. age em abuso de direito, atuando contraditoriamente, porque antes não reclamou junto do R. o pagamento das rendas auferidas pelo Município. De resto, o A. enviou carta ao R. em 12.10.2016 informando-o, além do mais, de que caso não cumprisse o referido Acordo Bilateral entre o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP e o Município de Cascais, celebrado em 7.3.2013, até ao dia 30.11.2016, teria o A. direito a ser ressarcido dos prejuízos decorrentes da privação do uso das frações nos termos que melhor constam da parte final da respetiva missiva (cfr. ponto OO) supra). Por conseguinte, também nesta perspetiva é infundado o alegado abuso de direito do A.. A factualidade apurada permite caracterizar como ilícita a conduta do R. que justifica o pedido formulado (arts. 1305 e 483 do C.C.). Temos também defendido que a privação do uso da coisa constitui, em si, um dano patrimonial indemnizável, na medida em que envolve para o seu proprietário a perda de uma utilidade, a de usar a coisa quando e como lhe aprouver. Assim, tal privação ofende, em si mesma, o direito de propriedade e a livre disponibilidade do bem inerente àquele direito constitucionalmente consagrado (art. 62 da C.R.P.) No domínio da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, incumbirá ao lesante indemnizar também essa perda de utilidade, tal como lhe cabe indemnizar o lesado por todos os danos que este provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (arts. 483, 562 e 563 do C.C.). No que respeita à medida da indemnização, haverá que ter em conta as circunstâncias que puderem ser avaliadas. Recordamos que o A. pede, a título de indemnização pela privação do uso das frações, a quantia de € 176.309,68 acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal desde 30.11.2016 e o valor mensal respeitante a rendas de cada uma das 30 frações revindicadas até entrega efetiva. Estima o valor do prejuízo sofrido em € 176.309,68 por ser o correspondente ao número de meses desde o pedido de entrega (30.11.2016) multiplicado pela renda mensal condicionada (que praticaria) até Maio de 2018. Como vimos, defendeu o R. na contestação que, de todo o modo, jamais o A. teria direito a receber os montantes peticionados, uma vez que estes são superiores aos montantes atualmente pagos, devendo, subsidiariamente, ser o montante indemnizatório reduzido, por não ter adesão à realidade a sua forma de cálculo, e subtraídas as despesas incorridas pelo R. no montante de € 13.210,82 até Maio de 2018. Em contra-alegações, por sua vez, invocou o R. ainda, para além do abuso de direito, que caso se conclua pela procedência do pedido de indemnização, deve ao respetivo valor ser descontado o valor dos custos que o recorrido suportou ao ter assumido a gestão das frações em pelo menos € 9.000,00. Requer, para o efeito, e subsidiariamente, em ampliação do objeto do recurso nos termos do art. 636, nº 2, do C.P.C., a alteração de dois pontos da matéria de facto que foram considerados não provados na sentença. Não se afigurando de rejeitar, à partida, o pedido indemnizatório formulado, cumpre apreciar, então, da alteração da matéria de facto requerida pelo recorrido/R. em ampliação do objeto do recurso, sem prejuízo do interesse que daí advenha em concreto para a decisão a proferir sobre este tema. - Ponto 3 não provado: Deu-se como não provado, sob o ponto 3: “No período de 30.11.2016 até Maio de 2018, os custos de conservação e manutenção foram de 13.210,82 €, correspondendo a: • Gastos de exploração no valor de 6.372,60€ • Obras no valor de 6.838,22€” Requer o Município apelado se dê como provado que: “O Recorrido teve de suportar determinados custos, a título de despesas com obras, gestão de exploração e técnicas de ação social, no âmbito da gestão das frações.” E que: “O Recorrente teve de suportar como custos de gestão das 30 frações, entre novembro de 2016 e maio de 2018, o valor de cerca de € 9.000,00.” Invoca o depoimento das testemunhas Ana Rita Fernandes, diretora financeira da empresa municipal Cascais Envolvente, Gestão Social da Habitação, EM, S.A., e de Inês …., jurista e administradora da mesma empresa, ambas conhecedoras da matéria em apreço. Em resposta, o apelante opõe-se, afirmando que os factos não foram alegados e não têm suporte documental como seria indispensável. Na sentença, justificou-se a falta de prova do ponto 3 do modo seguinte: “(…) no que concerne ao facto 3., a testemunha Ana ….. explicou que os aludidos valores correspondem ao resultado que alcançou após a realização dos respectivos cálculos com recurso aos valores gastos com técnicas de acção, com a gestão de exploração e obras. Importava, porém, não só terem sido alegados os concretos factos que sustentam o custo total, como também os respectivos elementos de suporte, com vista a permitir ao Tribunal sindicar a conclusão apresentada pela testemunha. Deste modo, na ausência de outros elementos, houve que considerar tais factos como não provados.” Resulta suficientemente dos depoimentos indicados, em nosso entender e em consonância com as regras da experiência comum, que a gestão daquelas 30 frações terá implicado as mais variadas despesas municipais, designadamente com técnicas de ação social e obras. E também será de reconhecer que os pontos propostos pelo apelado se contêm, no essencial, no ponto 3 não provado. Sucede, todavia, que os depoimentos foram inconsistentes no que respeita ao valor das despesas, quer porque se reportaram a meras estimativas não coincidentes entre si e sem qualquer suporte documental, quer porque não abrangeram, com segurança, a referência temporal de 30.11.2016 até Maio de 2018. Assim, a testemunha Ana Rita Fernandes falou em despesas de € 10.000,00, entre 2016 e 2018, e a testemunha Inês Rodrigues em despesas de € 9.000,00 por ano. Por conseguinte, e com apoio nos aludidos depoimentos, cabe apenas aditar um novo ponto à matéria assente, com a seguinte redação: VV)–“O Município R. suportou, nomeadamente entre 20.11.2016 e Maio de 2018, custos de conservação e manutenção respeitantes às 30 frações dos autos, com a gestão da respetiva exploração e obras.” Deste facto aditado não se retira, porém, o efeito pretendido pelo apelado, pois, como vimos, o A. não peticiona, a título indemnizatório pela privação do uso das frações, as rendas que o Município recebeu desde 30.11.2016, sendo nesse caso lógico que se deduzissem as despesas inerentes por este suportadas com a respetiva administração. O que o A. reclama é, repete-se, uma indemnização correspondente ao prejuízo sofrido por referência aos valores que o próprio A. praticaria no arrendamento se tivesse a disponibilidade das frações, desde que interpelou o R. para as entregar (30.11.2016). Pelo que, a atender-se a esse critério, nenhum sentido faria considerar as despesas que o Município entretanto suportou. Ainda que, correspondentemente, sempre se mostre adequado e proporcional deduzir aos tais proventos que teriam sido obtidos pelo A. no arrendamento os custos necessariamente envolvidos pelo mesmo com a exploração das frações. Em todo o caso, o que se apurou a tal propósito, de acordo com os novos factos TT) e UU) supra aditados é que se o A. tivesse a disponibilidade efetiva das frações dos autos poderia destiná-las, no âmbito das suas atribuições, ao arrendamento, no mercado social de arrendamento e/ou no programa de renda acessível e que o cálculo das rendas no mercado social de arrendamento é apurado em função da renda normal de mercado na zona, com uma redução a esse preço médio de cerca de 30%. Ou seja, poderia ser esse, razoavelmente, o destino das frações e admite-se que seja este o valor de referência para efeito do cálculo da indemnização devida ao A. pela privação do uso das mesmas. Como já dissemos, a privação do uso do bem constitui, em si mesma, um dano patrimonial indemnizável, na medida em que envolve para o seu proprietário a perda de uma utilidade, a de usar a coisa quando e como lhe aprouver, não dependendo da prova do dano que em concreto decorre da privação. Todavia, não se apurou, minimamente, quais teriam sido os valores das rendas que poderiam ter sido praticadas pelo A. (no mercado social de arrendamento e/ou no programa de renda acessível) relativamente àquelas frações, deduzidos os custos com a manutenção, conservação e gestão daquele património, não se mostrando sequer possível, sem tais indicadores de referência, recorrer à equidade para alcançar uma ajustada quantificação. Deste modo, não pode deixar de relegar-se para ulterior liquidação a determinação dessa indemnização pela privação do uso, sendo esta calculada por referência aos valores que o A. teria praticado, com relação às 30 frações dos autos, no mercado social de arrendamento e/ou no programa de renda acessível (sendo o cálculo das rendas no mercado social de arrendamento apurado como referido no ponto UU) supra), desde 30.11.2016, deduzidos os custos necessariamente envolvidos com a manutenção, conservação e gestão daquele património. Procede, pois, em parte o recurso. *** IV–Decisão: Termos em que e face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, revogando o ponto C. do segmento decisório da sentença recorrida: - Condenam o R., Município de Cascais, a entregar ao A., IHRU-Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P., as frações identificadas nos autos (referidas no ponto A. do segmento decisório), conforme reclamado na petição inicial; e - Condenam o R., Município de Cascais, a pagar ao A., IHRU-Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P., uma indemnização pela privação do uso das mesmas frações desde 30.11.2016, a liquidar nos moldes acima indicados; - No mais se mantendo o decidido. Custas pelo A./apelante e pelo R./apelado, na proporção de 1/6 e 4/6, respetivamente. Notifique. Lisboa, 7.7.2022 Maria da Conceição Saavedra Cristina Coelho Edgar Taborda Lopes [1]Sobre a inutilidade da reapreciação da matéria de facto, em geral, ver o Ac. do STJ de 17.5.2017, Proc. 4111/13.4TBBRG.G1.S1, e o Ac. da RL de 26.6.2019, Proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/103881" target="_blank">144/15.4T8MTJ.L1-2</a>, em www.dgsi.pt. No sentido de que a consideração da inutilidade da reapreciação do julgamento da matéria de facto, quando a parte que recorre cumpriu o ónus de que depende a apreciação da sua pretensão, só pode/deve ser recusada em casos de patente desnecessidade, ver ainda, no mesmo sítio, o Ac. do STJ de 13.7.2017, Proc. 442/15.7T8PVZ.P1.S1. [2]Aplicável ao A. atenta a sua natureza de instituto público, cuja Lei Orgânica foi revista pelo DL nº 175/2012, de 2.8, entretanto alterado. [3]Proc. nº 21610/19.7T8LSB-A.L1-7, disponível em www.dgsi.pt. [4]Cfr. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2018, Vol. I, pág. 554, e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 3ª ed., pág. 358. [5]Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. III, 2ª ed., págs. 93 e 94. [6]Ob. cit., pág. 116. [7]Cfr. Pires de Lima e A. Varela, ob. cit., pág. 5, e Moitinho de Almeida, “Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis”, 1986, págs. 71 a 74. [8]Ainda Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 6/7. [9]Ob. cit., pág. 114. [10]“Direito Processual Civil Declaratório”, 1982, Vol. II, pág. 204. [11]Anselmo de Castro, ob. cit., págs. 204/205, e Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 168. [12]Cfr. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2020, Vol. II, pág. 294.
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa. I–Relatório: O IHRU-Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P., veio propor, em 29.6.2018, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Sintra, contra o Município de Cascais, ação declarativa sob a forma comum, pedindo, no essencial, a condenação do R. a reconhecer a propriedade do A. sobre as 30 frações autónomas que identifica bem como a restituí-las ao A. e, ainda, a pagar ao mesmo, a título de indemnização, a quantia de € 176.309,68 acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal desde 30.11.2016 e o valor mensal respeitante a rendas de cada uma das 30 frações revindicadas até entrega efetiva. Alega, para tanto e em síntese, que é o único e legítimo proprietário das 30 frações identificadas nos autos que adquiriu, em 19.11.2014, no âmbito do Proc. nº 756/12.8TYLSB do 4º Juízo de Comércio de Lisboa, à massa insolvente de J. Andrade & Silva, Lda, e cuja construção financiou ao abrigo do DL nº 165/93, de 7.5, constituindo sobre as mesmas hipoteca a seu favor. Diz que o R. promoveu a construção das ditas frações com vista à respetiva aquisição para realojamento de populações residentes em barracas, tendo celebrado com a referida sociedade o correspondente contrato promessa de compra e venda, mas aquela construtora foi declarada insolvente sem que a transmissão tivesse sido concretizada. Mais refere que, em 7.3.2013, A. e R. celebraram acordo nos termos do qual o A. apresentava, no respetivo processo de insolvência, proposta de compra das 30 frações em causa, comprometendo-se o R. a adquirir depois ao A. as mesmas, fixando-se o preço de acordo com a formula constante do Anexo I do referido acordo, para o que celebrariam antes contrato promessa de compra e venda após a obtenção do visto prévio favorável do Tribunal de Contas. Refere que tendo o A. adquirido as mencionadas frações, como se obrigou, e tendo o Tribunal de Contas considerado não haver lugar à emissão de visto, o R. não cumpriu o acordo firmado, não subscrevendo o contrato promessa respeitante às 30 frações conforme minuta remetida pelo A. a este, nem restituindo as frações como reclamado. Por sua vez, e tendo o R. recebido da sociedade J. Andrade & Silva, Lda, as chaves daquelas frações, entregou-as o mesmo a munícipes que nas mesmas residem e cuja identidade o A. desconhece, ao abrigo de contratos de arrendamento que o R. não tinha legitimidade para celebrar. Conclui que tal conduta do R. vem causando prejuízo ao A. que estima em € 176.309,68, correspondente ao número de meses desde o pedido de entrega (30.11.2016) multiplicado pela renda mensal condicionada, bem como as correspondentes rendas mensais até entrega efetiva. Contestou o R., arguindo a incompetência do tribunal em razão da matéria, por ser esta da competência dos Tribunais Administrativos, e a respetiva ilegitimidade passiva, defendendo, neste tocante, que as mencionadas frações se encontram na posse ou detenção de terceiros de boa-fé pelo que, quando muito, deveriam ter sido estes os demandados e não o Município R.. Mais impugna a factualidade alegada, sustentando que pagou a J. Andrade & Silva, Lda, no âmbito do contrato promessa de compra e venda para aquisição das 30 frações celebrado em 22.4.2004, a quantia de € 521.060,00 a título de sinal, o que reforçou em 9.6.2004, em aditamento ao mencionado contrato promessa de compra e venda, no montante de € 694.747,00. Diz também que tendo recebido as chaves dessas frações, entregou-as a agregados recenseados no PER, de acordo com o fim de habitação a custos controlados a que as frações estavam destinadas, passando estas a estar ocupadas desde 2005, com conhecimento e acordo da então proprietária. Alega, por outro lado, que para o cumprimento do acordado entre A. e R., aquele propôs um valor de aquisição de € 2.262.723,69, como consta da minuta, que excedia o estipulado e que tinha estado na base da dispensa do visto prévio do Tribunal de Contas (€ 1.202.225,00). Entende, assim, que não incumpriu o acordado e que, mesmo que assim se entendesse, jamais o A. teria direito a receber os montantes peticionados, uma vez que estes são superiores aos montantes atualmente pagos, agindo em abuso de direito ao reclamar indemnização por danos a que deu azo. Diz, ainda, que o A. tem conhecimento, desde antes da aquisição das frações, de que estas se encontram cedidas a terceiros, a título precário ou por contratos de renda apoiada. Conclui pela procedência das exceções e pela improcedência da causa, devendo, subsidiariamente, ser o montante indemnizatório reduzido, por não ter adesão à realidade a sua forma de cálculo, e subtraídas as despesas incorridas pelo R. no montante de € 13.210,82 até Maio de 2018. O A. respondeu à matéria de exceção. Os autos foram remetidos à Instância Central Cível de Cascais por ser a territorialmente competente. Dispensada a audiência prévia, foram julgadas improcedentes as arguidas exceções de incompetência do tribunal em razão da matéria e de ilegitimidade passiva. Foi ainda proferido despacho saneador que conferiu a validade formal da instância, procedendo-se à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova, sendo o valor da causa fixado em € 176.309,68. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 14.9.2021, nos seguintes termos: “(...) julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e em consequência, decide o Tribunal: A. –Declarar que o A. é o legítimo proprietário das fracções melhor descritas nos pontos A) a DD) da factualidade provada; B. – Condenar o R. a reconhecer tal direito de propriedade; C. –Absolver o R. do demais contra si peticionado; D. –Condenar A. e R. nas custas devidas, fixando-se 2/3 para o A. e 1/3 para o R. (…).” Inconformado, recorreu da sentença o A., IHRU-Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P., culminando as alegações por si apresentadas com as seguintes conclusões que se transcrevem: “ A)–Foi dado como não provado o seguinte facto: "1. Todos sem qualquer resposta por parte do réu", (que reproduz o artigo 13° da petição inicial e que se reporta à ausência de resposta por parte do Município de Cascais às interpelações feitas pelo Autor (cfr. artigo 11° e 12° da petição inicial), porquanto o Tribunal a quo desconsiderou o depoimento da testemunha arrolada pelo Autor Luísstentando que, por fazer parte do conselho diretivo do recorrente, pode depor como parte, invocando o artigo 21.°, n.° 3 da Lei Quadro dos Institutos Públicos (Lei n.° 3/2004, de 15/01) e 496° do CPC, mas sem razão, pois a citada norma legal dispõe que: "Os institutos públicos são representados, designadamente, em juízo ou na prática de actos jurídicos, pelo presidente do conselho directivo, por dois dos seus membros, ou por mandatários especialmente designados." (sublinhado e negrito nosso). B)–Ora, Luís …… não é Presidente do conselho diretivo, nem mandatário especialmente designado. Sendo membro do conselho diretivo, sozinho também não pode representar o Autor, já que a citada norma legal exige dois dos membros, donde, como membro singular não poderia e não pode depor como parte, concluindo-se, pois, que o depoimento da testemunha em causa pode e deve ser considerado pelo Tribunal na formação da sua convicção, devendo desde logo, tal decisão ser revogada. C)–Tomando em consideração o depoimento prestado pela testemunha Arq. Luís …… conclui-se que o facto referido em A) supra terá de ser dado como provado, pois, a testemunha demonstrou ter conhecimento direto de tal facto testemunhando com isenção e credibilidade, conforme seu depoimento prestado no dia 31.05.2021 com início às 14:36:14 e fim às 15:32:51 e supra reproduzido, onde refere, além do mais " (...) fui eu próprio no dia imediatamente a seguir a nós termos de alguma forma feito a última démarche do acordo bilateral que a aquisição destes fogos contactei, tentei contactar o Município no sentido de dizer vamos a isto, vamos então avançar para celebrar o contrato promessa de compra e venda, fi-lo, não sei, à vontade dezenas de vezes, por e-mail, por sms, tentei ligar, etc, nunca tive resposta. Ao fim de algum tempo, não sei precisar exatamente quando, tenho ideia que isto se passou em novembro de 2014, se não me engano, mas ao final de um tempo desistimos, (...)" D)–Razão pela qual deve a decisão sobre a matéria de facto ser alterada e considerado como provado o seguinte facto "1. Todos sem qualquer resposta por parte do réu." que reproduz o artigo 13° da petição inicial e que se reporta à ausência de resposta por parte do Município de Cascais às missivas a esta dirigida pelo Autor (cfr. artigo 11° e 12° da petição inicial). E)–Também no que respeita ao pedido de indemnização correspondente à questão do litígio enunciada em 2) no Saneamento a saber: "2)- Da ocupação ilícita dos imóveis e do direito do A. ao recebimento, do R., da quantia peticionada a título de indemnização pela privação do uso e ocupação dos imoveis" e vertida nos artigos 17°, 18°, 19° e 20° da sua petição inicial, a decisão sobre a matéria de facto se mostra - erradamente - omissa, porquanto as testemunhas arroladas pelo Autor aqui apelante a saber Arq. Luís …... (depoimento prestado no dia 31.05.2021 com inicio às 14:13:14 e fim às 15:32:51) e Eng.° Paulo …… (depoimento prestado a 31.05.2021 com inicio às 15:33:46 e fim às 15:47:28), depuseram com isenção e credibilidade, demonstrando ter conhecimento direto de tais factos, conforme depoimento supra reproduzido F)–Ficou assim alegado pelo Autor aqui recorrente e demonstrado, através do depoimento das supra indicadas testemunhas que: As frações objeto dos presentes autos, frustrando-se a aquisição pelo Município de Cascais, teriam sido dadas em arrendamento, muito provavelmente, no âmbito do então mercado social de arrendamento e, hoje em dia no programa de renda acessível. O cálculo das rendas feita no mercado social de arrendamento é apurado da seguinte forma: apura-se a renda normal de mercado na zona e faz-se uma redução ao preço médio apurado de 30%. G)–Estes factos devem ser aditados aos factos provados porquanto se mostram essenciais ao pedido de condenação em indemnização feito pelo autor aqui recorrente, cuja sentença, neste segmento lhe foi desfavorável, mas como se verá a final, deve ser revogada. Da condenação do Réu Município de Cascais na entrega dos 30 imóveis sitos em M____ C____ ao Autor aqui recorrente IHRU IP H)–Lida e relida a sentença recorrida, apenas um fundamento se retira para a decisão em causa, a saber, a (alegada) falta de razoabilidade do Autor por não ter instaurado a ação (também!) contra os arrendatários das frações (diga-se, cuja identidade desconhece). Mas a alegada razoabilidade não tem apoio na lei, na doutrina ou na jurisprudência. I)–É indiferente para a solução de direito apurar como o Réu obteve as chaves do imóvel, apenas interessa aos autos que o Réu detém os imóveis e que se arroga seu proprietário e age em conformidade, não o sendo, vide Prof Doutor José de Oliveira Ascensão para melhor enquadrar o que a seguir se exporá, in artigo denominado de “Acção de revindicação", da Autoria do Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão, pág 529, consultado em https://portal.oa.pt/upl/%7Bf917929f-5543-4f68-844b-10ff93823a62%7D.pdf J)–O réu, aqui recorrido, para repelir a reivindicação dos imóveis feita pelo autor aqui apelante tinha duas vias: ou impugnava a titularidade do direito de propriedade de que o Autor se arrogou (o que não fez na sua contestação) ou contestava o dever de entrega dos imóveis com base numa relação obrigacional ou real que lhe conferisse a posse ou a detenção dos imóveis em causa (o que também não fez na sua contestação), cf. Profs. Pires de Lima e A. Varela, in «Código Civil Anotado Vol III, 2§ edição, pág 116». K)–O Réu aqui recorrido não contestou as pretensões do Autor aqui apelante, por nenhuma das vias que poderiam obstar à sua condenação na entrega dos imóveis ao Autor, sendo certo que, como decorre dos artigos 1311°/2 e 342°/2 do CC é ao Réu que incumbe alegar e provar que possui um justo título que impede a restituição dos imóveis em questão. L)–Na verdade, o Réu aqui recorrido limitou-se a alegar que deu de arrendamento os 30 fogos sitos em M____ C____ a terceiros (que não identificou), cf. facto dado como provado KK ("O R. recebeu da J. Andrade & Silva Lda. as chaves das frações em causa tendo-as entregue a munícipes que ali residem, ao abrigo de contrato de arrendamento."). O réu confessou que era possuidor! Dar de arrendamento coisa imóvel é um acto material de posse, cf artigo 1251° do Código Civil cuja noção de posse é: "o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou outro direito real". M)–O Município de Cascais sempre se arrogou proprietário do imóvel, e, nessa medida, fruiu e dispôs dos imóveis em causa dando de arrendamento a quem bem entendeu, cobrando rendas em termos que se desconhece, pelo que o Réu, aqui recorrido fruiu e frui de tais imóveis no seu interesse invocando um título perante os imóveis que confessadamente não tem, a saber, o de proprietário dos imóveis em questão. Aliás isso mesmo disseram as testemunhas por si arroladas, a saber, que perante si o Município de Cascais é o proprietário de tais frações (cfr. depoimentos prestados pelas Dra. Ana ….. e Dra Inês …..). N)–Por outro lado, os alegados arrendatários são possuidores em nome alheio em relação ao direito de propriedade, pelo que têm uma posse precária, exercendo sobre o imóvel em concretos poderes materiais, mas no interesse de outrem, a saber, do Município de Cascais. O)–A sentença recorrida erra ao pretender atribuir a posse a quem habita no imóvel. Tal conclusão é errada, não tendo qualquer suporte na lei. Possuidor é o réu, Município de Cascais, o qual, por não ter em sua defesa invocado qualquer título legítimo que obsta ao reconhecimento e entrega dos imóveis ao Autor, deve ser condenado a entregá-los. P)–À saciedade, sempre se dirá que o dever de restituição emerge do facto de o Município de Cascais, Réu e aqui recorrido, ser o possuidor dos imóveis em causa, independentemente da circunstância de o próprio Réu ter cedido a título precário e/ ou arrendamento a terceiros os ditos imóveis. Ou dito de outra forma, independentemente de o Réu estar fisicamente nos imóveis em causa, até porque sendo pessoa coletiva tal seria impossível. Q)–Por outro lado, sendo obrigação do réu a entrega dos imóveis, não é a mera circunstância de nos mesmo residirem terceiros (note-se, em cujos imóveis residem com o acordo do réu que com eles celebrou contratos de arrendamento) que impede o Réu - juridicamente - de entregá-los ao autor, ou melhor dizendo de o Tribunal condenar o réu na sua entrega. R)–A ocupação por terceiros até pode ser fundamento para justificar a dificuldade na entrega, mas não a torna impossível. São situações distintas a i)- mera dificuldade no cumprimento da prestação e outra a ii)- inexigibilidade do cumprimento dessa mesma prestação, o que não se verifica no presente caso. S)–A vantagem para o autor em propor a presente ação é precisamente obter a condenação na entrega dos imóveis com vista à sua posterior entrega coerciva, caso o réu não os entregue voluntariamente, nos termos do disposto no artigo 747°/1 do CPC. Se, na apreensão/ entrega dos imóveis ao Autor (posterior exequente), houver um terceiro que se arrogue possuidor (os alegados arrendatários do Município de Cascais), a apreensão poderá não ser ordenada se o terceiro apresentar documento comprovativo de que é proprietário ou titular de outro direito, podendo este (terceiro) defender-se designadamente deduzindo incidente de oposição de embargos de terceiro por apenso aos autos de execução. T)–O mero reconhecimento do direito de propriedade sem retirar a sua consequência mais evidente e importante esvazia de conteúdo a pretensão do autor ao intentar a ação, mais a mais quando se dá como provado que o réu é possuidor. U)–Por último, não poderá deixar de se rebater a interpretação feita na douta sentença sobre o segmento citado da obra dos Profs Pires de Lima e A. Varela. Importa antes de mais contextualizar o excerto do texto citado que pretende dar a noção de ação de revindicação e que imediatamente antes do excerto citado é afirmado: “A noção só será, pois, completa se se disser que esta acção é a pretensão do proprietário não possuidor contra o possuidor não proprietário ou do proprietário possuidor contra o detentor, Vide Ennccerus-Wolff, Tratado, III, 1.°§ 84. (…).” V)–Convém, aliás, esclarecer que a citação é, por sua vez, extrato de artigo publicado (vide Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 115°, págs. 272-273) onde os Ilustres Professores fazem a anotação a Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que trata de coisa bem diversa do que aqui é discutido. Ali - e não aqui - discutia-se se o direito ao novo arrendamento era ou não justo título para obstar ao reconhecimento da propriedade e entrega. Ali - e não aqui - não havia possuidor em nome próprio. W)–Regressando ao caso dos autos, a ação foi instaurada pelo proprietário não possuidor (IHRU) contra o possuidor não proprietário (Município de Cascais). X)–Nem tão pouco a doutrina citada refere um qualquer litisconsórcio necessário que obrigue o Autor a demandar possuidor e detentor, nem poderia pois não existe, nem na sentença se vai tão longe, mais uma vez porque nem poderia, por não ter qualquer sustentabilidade na lei nem nos factos carreados nos autos. Y)–A sentença recorrida mostra-se irrazoável e injusta porque, a acreditar na bondade da sentença, o Réu que voluntariamente entregou as chaves a terceiro e deles recebe renda, ficará livre de qualquer responsabilidade quer na entrega quer no pagamento dos danos causados pela impossibilidade do seu legítimo proprietário dispor usar e fruir dos imóveis. Contra quem então instaurar a ação,designadamente, exigindo o pagamento de uma indemnização? Mais uma vez, se a sentença estivesse correta, seria ao terceiro de boa fé, já que ao réu entende que deve ser absolvido, vito que: "não resultou provada factualidade subsumível a um comportamento ilícito por parte do R., no que concerne à violação do direito de propriedade do A." Z)–Isto depois de o Tribunal ter considerando como legítimo proprietário o A e não o réu e ainda do réu ter cedido sem tal título (ou outro) os imóveis a terceiros! Se assim fosse estaria encontrada a forma de enriquecer à custa do prejuízo de outrem infligido pelo enriquecido. AA)–Donde se conclui que a douta sentença, na parte em que absolve o réu de entregar os imóveis ao autor viola o disposto, entre outros, nos artigos 1305.°, 1311°, 1251.° ss, 342°/2 do Código Civil. Da condenação do Réu no pedido de indemnização BB)–O Réu Município de Cascais não alegou nem demonstrou ter título para ocupar os imóveis, nomeadamente dando-os de arrendamento. Não possuindo título que lhe reconheça legitimidade para ocupar os imóveis, para dá-los de arrendamento, a sua ocupação pelo réu aqui recorrido foi, e é, ilegal e ilegítima. CC)–Sendo ilegítima / ilícita deve o Réu ser condenado a indemnizar o Autor nos termos da responsabilidade civil extracontratual por tal facto ilícito até que o mesmo cesse (cf. artigo 483° do Código Civil). DD)–Ainda com apoio na Jurisprudência (Acórdão do STJ, proc. n° 14232/17.9T8LSB.L1.S1 de 28.01.2021 in www.dgsi.pt) e no do depoimento prestado pelas testemunhas arroladas pelo Autor e que supra se reproduziram ficou demonstrado (factos cujo aditamento se requereu e requer) que: As frações objeto dos presentes autos, frustrando-se a aquisição pelo Município de Cascais, teriam sido dadas em arrendamento, muito provavelmente, no âmbito do então mercado social de arrendamento e, hoje em dia no programa de renda acessível. O cálculo das rendas feita no mercado social de arrendamento é apurado da seguinte forma: apura-se a renda normal de mercado na zona e faz-se uma redução ao preço médio apurado de 30%. EE)–Assim e no caso em apreço a indemnização corresponde à privação do uso ao seu valor locativo apurado nos termos provados nos autos. Mas mesmo que tal critério de apuramento de valor locativo não tivesse ficado apurado nesta sede, nada impede o Tribunal, bem pelo contrário, de condenar na indemnização a liquidar em execução de sentença. FF)–Donde se conclui que errou a sentença ao absolver do pedido de indemnização o Réu, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que condene o réu no pagamento de indemnização ao autor correspondendo a mesma pela privação do uso ao seu valor locativo a apurar em execução de sentença.” Pede a alteração da matéria de facto, conforme requerido, e a revogação da sentença na parte em que absolveu o R. dos pedidos de entrega dos imóveis e pagamento de indemnização, condenando-se o mesmo na restituição dos imóveis livres e devolutos de pessoas e bens e no pagamento de uma indemnização a calcular de acordo com o valor locativo dos imóveis até à sua efetiva entrega e a liquidar em execução de sentença. Em contra-alegações veio o R. Município de Cascais defender, no essencial, a improcedência da apelação, com pedido subsidiário de ampliação do objeto do recurso, concluindo nos seguintes termos: “ V.–1.- Impugnação da Matéria de Facto A.–O depoimento de Luís …… invocado pelo Recorrente para dar como provado o facto “Todo sem qualquer resposta por parte do réu” não pode ser valorado, dado que o mesmo está proibido de depor como testemunha, em face do artigo 496.° do CPC, por ser vogal da Recorrente. Isto porque B.–Os vogais de institutos públicos representam esses mesmos institutos públicos, ao abrigo do artigo 21.°, n.° 3 da Lei Quadro dos Institutos Públicos, Lei n.° 3/2004, de 15/01, sendo irrelevante que a representação tenha de ser feita por dois vogais. (Ac. TRL, de 26.10.2021 e Ac. do TRG de 11.06.2014, mas para o caso de gerentes de sociedades comerciais). C.–Assim, a decisão do tribunal a quo de desconsiderar o depoimento da testemunha Luís …… deve ser mantida e, em consequência, deve o pedido de considerar o facto “Todo sem qualquer resposta por parte do réu” como provado, improceder. D.–O Recorrente veio recorrer da decisão do tribunal a quo, pedindo o aditamento do seguinte facto “As frações objeto dos presentes autos, frustrando-se a aquisição pelo Município de Cascais, teriam sido dadas em arrendamento, muito provavelmente, no âmbito do então mercado social de arrendamento e, hoje em dia no programa de renda acessível. ”. E.–Tal facto nunca foi alegado pelo Autor/Recorrente na sua petição inicial, não devendo, deste modo, ser considerado pelo tribunal ad quem, sob pena de violação do princípio do dispositivo (Cfr. Ac. do TRG, de 14.03.2019). F.–Mesmo que assim não se entenda, o que não se concede, a reapreciação de tal facto não deve ser considerada procedente, visto que o Recorrente fundamenta que o facto acima transcrito deveria ser dado como provado, com base no depoimento da testemunha Luís ……, que não pode ser considerado, como já referido e da testemunha Paulo …… que nunca afirmou perentória e categoricamente que a intenção do Recorrente era de colocar as frações no mercado de arrendamento, caso a venda das mesmas fosse frustrada. G.–Assim, tendo por base unicamente o depoimento da testemunha Paulo ……, deve o facto acima transcrito ser considerado como não provado, mantendo-se, neste âmbito, a decisão do tribunal a quo. H.–Também deve improceder o pedido de aditamento à matéria fáctica provada do seguinte facto: “O cálculo das rendas feita no mercado social de arrendamento é apurado da seguinte forma: apura-se a renda normal de mercado na zona e faz-se uma redução ao preço médio apurado de 30% ”, pois apenas tem uma qualquer utilidade, se tiver ficado assente qual o valor da “renda normal de mercado na zona”, o que não aconteceu (no sentido de que não deve ser alterada a matéria de facto, se tal matéria de facto for irrelevante para os autos, Ac. do TRL, de 26.09.2019). V.–2.–Impugnação da matéria de Direito 2.1.-Do pedido de restituição das frações I.–A decisão de improcedência do tribunal a quo relativamente ao pedido de restituição das frações deve ser mantida. J.–Numa ação de reivindicação deve figurar como parte passiva quem detém materialmente a coisa que está a ser reivindicada, quer este seja possuidor ou um mero detentor (Cfr. artigo 1311.°, n.° 1 do CC). Isto porque, K.–A finalidade da ação de reivindicação é a restituição da coisa reivindicada ao seu legítimo proprietário, conforme tem vindo a ser apontado pela doutrina, sendo, por isso, natural que figure como réu numa ação de reivindicação quem tenha materialmente a coisa consigo, pois será essa pessoa que poderá restituir a coisa. L.–Para mais, o pedido de restituição numa ação de restituição deve ser considerado improcedente, nos casos em que o réu consiga demonstrar que tem um direito que o legitima a ter materialmente a coisa consigo. M.–Se assim o é, então na ação de reivindicação tem de figurar quem tem materialmente a coisa consigo, visto que tem de ser sempre este sujeito a demonstrar que detém materialmente a coisa, com base num título válido (neste sentido, Ac. TRC, de 28.01.2003 e Ac. do STJ, de 28.01.2021). N.–Caso contrário, então a ação não teria qualquer efeito útil, pois não seria oponível ao detentor material da coisa. O.–Foi dado como provado que o Recorrente sabia que terceiros munícipes estavam a ocupar as frações, com base em determinados contratos, antes até de o Recorrente adquirir as frações (Facto SS. da lista de factos provados da sentença). P.–Nos presentes autos, não só os terceiros munícipes não são partes, como não está a ser discutida a validade dos referidos contratos que, aparentemente, legitimam os terceiros a ocupar as frações. Q.–Assim, visto que o Recorrente não demandou os referidos terceiros munícipes que estão a ocupar as frações, tal pedido de restituição das frações tem de ser considerado improcedente, devendo, para isso, manter-se, neste âmbito a decisão do tribunal a quo. R.–Já quanto ao argumento apresentado pelo Recorrente, relativo ao artigo 747.°. n.° 1 do CPC (os munícipes teriam sempre oportunidade de contestar tal execução, no âmbito da ação executiva), este artigo não se aplica aos presentes autos, pois este artigo faz referência direta aos bens do executado, e como a decisão entendeu, as frações são do Recorrente (ou seja, na ação executiva o Recorrente seria o executor e o Recorrido o executado). V.2.2.–Do pedido de indemnização por privação do uso da coisa S.–O pedido de condenação no pagamento de uma indemnização formulado pelo Recorrente deve ser considerado improcedente, por estar dependente da procedência do pedido de restituição da coisa, visto que se em abstrato, um réu consegue demonstrar que tem um titulo válido que lhe permite manter a posse (ou detenção) da coisa, então, naturalmente que não pode o tribunal condenar o réu no pagamento de uma indemnização por privação do uso da coisa. T.–Visto que os terceiros munícipes não se encontram presentes na ação e, portanto, não pode o presente tribunal decidir pela validade do título com que estes fundamentam a detenção das frações. U.–Contudo, mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, mesmo assim o pedido em causa deve ser considerado improcedente, pois não estão reunidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual. V.–Por fim, mesmo que o supra exposto não seja aceite, o que não se aceita, mesmo assim, deve o pedido de restituição ser considerado improcedente por abuso de direito, na vertente da suppresio. W.–A modalidade da suppresio, no âmbito do instituto do abuso de direito, concretiza-se no facto de o ordenamento jurídico considerar que é abusivo por parte de um sujeito exigir o cumprimento de um direito, se esse mesmo sujeito tiver abstido, em momento anterior, de exigir o cumprimento de tal direito. X.–Têm sido apontados determinados requisitos que devem encontrar-se preenchidos, de modo a que se possa afirmar que tal modalidade do abuso de direto está verificada: i)- um não exercício prolongado, ii)- uma situação de confiança, iii)- uma justificação para essa confiança, iv)- um investimento para essa confiança e v) uma imputação da confiança ao não-exercente. Y.–Nos presentes autos, foi considerado provado que o Recorrente sabia, ainda antes de adquirir as frações, que nas mesmas já lá estavam a residir terceiros munícipes (facto provado SS. da lista de factos provados constante da sentença). Ora, considerando desde já este facto, aliado ao facto de o Recorrente nunca ter exigido, desde o momento em que adquiriu as frações nenhuma quantia a título de renda, nem ao Recorrido, nem, tanto quanto se sabe, aos terceiros munícipes, age em abuso de direito, na vertente da suppresio, o Recorrente que vem agora peticionar uma indemnização com base na privação do uso e ocupação da coisa. Deve, por isso, o pedido de indemnização, ser considerado improcedente, por o mesmo ser abusivo e, desta maneira, ilícito. V.–3.-PEDIDO SUBSIDIÁRIO - ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO Z.–Caso o tribunal ad quem venha a considerar tal pedido de condenação no pagamento de uma indemnização procedente, o que não se concede, vem o Recorrido, ao abrigo do artigo 636.°, n.° 2 pedir subsidiariamente a alteração de dois pontos da matéria de facto que foram considerados não provados na sentença: a.-“O Recorrido teve de suportar determinados custos, a título de despesas com obras, gestão de exploração e técnicas de ação social, no âmbito da gestão das frações AA.–Pese embora se possa considerar como não provado montante (facto n.° 3 da lista de factos não provados constante da sentença), a existência dos gastos deve ser dado como provada (Ac. do STJ, de 19.05.2009 e Ac. do TRL, de 02.10.2013). BB.–Da audição do depoimento da testemunha Ana …… (de dia 31.05.2021, depoimento esse com início às 16:52:30 e fim às 17:19:15) não resulta qualquer tipo de dúvidas que existiram despesas relacionadas com a gestão das frações, no período de novembro de 2016 a maio de 2018: despesas com técnicas de ação social, despesas com a exploração e com obras. CC.–Esta testemunha é a diretora financeira da empresa municipal Cascais Envolvente, Gestão Social da Habitação, EM, S.A., o que demonstra bem que tal testemunha teria um profundo conhecimento sobre a matéria em causa. DD.–Também é expectável que da gestão de 30 frações ao longo de cerca de um ano e meio resultem as mais variadas despesas, por isso, tais despesas seriam sempre expectáveis de ocorrer. EE.–Relativamente ao montante dos custos que o Recorrido teve que suportar em face da gestão das frações, deve o tribunal ad quem considerar que ficou provado o seguinte facto: “O Recorrente teve de suportar como custos de gestão das 30 frações, entre novembro de 2016 e maio de 2018, o valor de cerca de 9.000€. ” FF.–A alteração da matéria de facto, de modo a que se proceda à alteração do facto acima transcrito, baseia-se no depoimento de duas testemunhas: Ana …… (depoimento no dia 31.05.2021, com início às 16:52:30 e fim às 17:19:15) e de Inês …… (depoimento no dia 21.06.2021, com início às 14:11:47 e fim às 14:33:39). GG.–Ambas as testemunhas ocupam cargos de relevo na empresa municipal Cascais Envolventes, Gestão Social da Habitação, EM, S.A., o que lhes permite ter um conhecimento profundo sobre os gastos em que incorreu o Recorrido, em virtude da exploração das frações. HH.–Para mais, da audição do depoimento das testemunhas acima identificadas, não restam quaisquer dúvidas que deve o facto acima transcrito ser considerado como provado, pois, ambas as testemunhas depõem expressamente sobre os gastos que o Recorrido teve, em face da exploração de tais frações. II.–Assim, com base em dois depoimentos distintos, de testemunhas que tinham um profundo conhecimento sobre a matéria ora em causa, deve o seguinte facto ser considerado provado: “O Recorrente teve de suportar como custos de gestão das 30 frações, entre novembro de 2016 e maio de 2018, o valor de cerca de 9.000€. ” JJ.–Ora, caso se considere que o pedido de indemnização deve ser considerado procedente, o que não se concede pelos motivos já antes expostos, deve ao respetivo valor da indemnização ser descontado o valor dos custos que o Recorrido sofreu, ao ter assumido a gestão das frações, ou seja, deverá ser descontado de tal montante, o valor de pelo menos 9.000€.” O apelante respondeu à matéria da ampliação (art. 638, nº 8, do C.P.C.), concluindo pela sua improcedência. O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. *** II–Fundamentos de Facto: A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade: A)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “A” correspondente ao rés-do-chão esquerdo, do prédio urbano sito em A_____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. B)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “B” correspondente ao rés-do-chão direito B, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. C)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “C” correspondente ao 1° andar direito A, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. D)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “D” correspondente ao 1° andar direito B, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. E)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “E” correspondente ao 1° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A_____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. F)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “F” correspondente ao 2° andar direito A, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. G)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “G” correspondente ao 2° andar direito B, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. H)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “H” correspondente ao 2° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R___. I)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “A” correspondente ao rés-do-chão esquerdo, do prédio urbano sito em A_____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. J)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “B” correspondente ao rés-do-chão direito B, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. K)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “C” correspondente ao 1° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. L)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “D” correspondente ao 1° andar direito, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. M)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “E” correspondente ao 2° andar direito, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. N)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “F” correspondente ao 2° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. O)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “A” correspondente ao rés-do-chão esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. P)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “B” correspondente ao rés-do-chão direito B, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. Q)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “C” correspondente ao 1° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. R)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “D” correspondente ao 1° andar direito, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. S)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “E” correspondente ao 2° andar direito, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. T)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “F” correspondente ao 2° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. U)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “G” correspondente ao 2° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. V)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “H” correspondente ao 2° andar direito, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. W)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “I” correspondente ao 3° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____R____. X)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “J” correspondente ao 3° andar direito, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. Y)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “C” correspondente ao 1.° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R___. Z)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “D” correspondente ao 1.° andar direito, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. AA)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “E” correspondente ao 2° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. BB)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “F” correspondente ao 2° andar direito, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. CC)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “G” correspondente ao 3° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. DD)–Através da AP 2925 de 2014/12/19, mostra-se registada a aquisição a favor do A. por compra em processo de insolvência da fracção autónoma designada pela letra “H” correspondente ao 3° andar esquerdo, do prédio urbano sito em A____, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____. EE)–As mencionadas fracções vieram a ser transmitidas para o A. em 19.11.2014 por compra à massa insolvente J. Andrade & Silva Lda. no âmbito do processo n° 756/12.8TYLSB, cfr. documento n° 31. FF)–Ao abrigo dos programas municipais de realojamento, o R. promoveu a construção para sua aquisição das 30 fracções supra identificadas com vista ao realojamento de populações residentes em barracas. GG)–Para o efeito, o R. contratou para a sua construção a sociedade J. Andrade & Silva Lda. então proprietária do terreno que deu origem às mencionadas fracções, celebrando as referidas partes contrato promessa de compra e venda. HH)–O A. financiou a construção de tais fracções, tendo constituído hipoteca sobre tais bens imóveis a seu favor como garantia do pagamento do empréstimo concedido. II)–A. e R. subscreveram o documento denominado Acordo Bilateral entre o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP e o Município de Cascais, datado de 7 de Março de 2013, junto como documento n.° 32 com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais e do qual consta, designadamente, o seguinte: (…) JJ)–O Tribunal de Contas entendeu não haver lugar à emissão de visto, cfr. documento n.° 33, junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais. KK)–O R. recebeu da J. Andrade & Silva Lda. as chaves das frações em causa tendo-as entregue a munícipes que ali residem, ao abrigo de contrato de arrendamento. LL)–O R. até à presente data recusa-se a entregar as frações supra identificadas. MM)–Por e-mail datado de 20 de Novembro de 2014 remetido ao Senhor Vereador da Câmara com o pelouro da habitação, Dr. Frederico Almeida, cfr. documento n.° 34 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os legais efeitos legais, o A. transmitiu, designadamente, que: Venho por este meio comunicar-lhe que os 30 fogos do empreendimento de M____ C____, promovido no âmbito do PER pela empresa Andrade e Silva, já são propriedade do IHRU, pelo que urge concretizar os processos de aquisição e financiamento à aquisição, de forma a concluir esta operação ainda este ano. (...) NN)–Por e-mail datado de 28 de Maio de 2015 remetido ao Senhor Vereador da Câmara com o pelouro da habitação, Dr. Frederico ….., cfr. documento n.° 35 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os legais efeitos legais, o A. transmitiu, designadamente, que: Já por várias vezes tenho tentado falar consigo para ver se retomamos os processos previstos no Acordo Bilateral, em particular a questão dos fogos de M____ C____ (...) OO)–Por missiva datada de 12 de Outubro de 2016, remetida pelo A. ao R., junta como doc. 36 com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, aquele transmitiu, designadamente, que (...) Todavia, apesar das insistências e das várias tentativas de contacto deste Instituto nesse sentido, incluindo um e-mail de 28 de maio de 2015 enviado ao Dr. Frederico Almeida, até à presente data o Município nada fez e continua a utilizar os 30 fogos antes indicados como se ignorasse que, desde 19 de novembro de 2014, o IHRU é dono e legítimo proprietário dos mesmos. Tendo cumprido na íntegra as suas obrigações no Acordo Bilateral antes indicado, o IHRU considera inqualificável e insustentável esta situação de total incumprimento desse Município das obrigações que assumiu no Acordo com ele celebrado e, nessa medida, plenamente justificada e inteiramente legítima a presente interpelação, Assim, vimos pelo presente interpelar esse Município para que proceda à assinatura do contrato-promessa de compra e venda cuja minuta segue em anexo ao presente ofício até ao dia 30 de novembro de 2016. Em caso de não celebração do contrato até àquela data, o IHRU tem o direito a ser ressarcido pelo Município dos prejuízos decorrentes da privação da utilização dos 30 fogos, calculados em função dos valores que lhes aplicáveis em regime de renda condicionada, desde a data da aquisição dos mesmos até à data da sua efetiva entrega, devendo o Município assegurar esta entrega dos fogos ao IHRU, lives de pessoas e bens e sem danos que prejudiquem a sua utilização para o fim a que se destinam até ao dia 30 de novembro de 2016, caso contrário o IHRU reserva-se o direito de agir judicialmente contra o Município. Da Contestação PP)–Por escritura pública datada de 22 de Abril de 2004, denominada Escritura do Contrato de Promessa de Compra e Venda subscrita por J. Andrade & Silva, Lda. e pelo R., aquela prometeu vender a este, que prometeu comprar, 30 fracções que se encontravam em fase de acabamento, sitas em A____, M____ C____, tendo sido entregue a quantia de € 521.060,00 a título de sinal, cfr. documento 1 junto com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. QQ)–Por escritura pública datada de 9 de Junho de 2004, denominada Escritura de Reforço de Sinal subscrita por J. Andrade & Silva, Lda. e pelo R., este entregou a título de reforço de sinal, a quantia de € 694.747,00, cfr. documento 2 junto com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. RR)–Os fogos aqui em causa passaram a estar ocupados desde 2005, com o conhecimento e acordo da J. Andrade & Silva, Lda. SS)–26 das 30 fracções estão cedidas a terceiros, a título de acordos de cedência a título precário ou de contratos de renda apoiada, o que é do conhecimento do A., desde antes da aquisição por esta das fracções em causa. Deu-se ainda como não provado na sentença: 1.–Todos sem qualquer resposta por parte do réu. 2.–A renda mensal condicionada, cfr. documento n° 37 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, cifra-se em: - Artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____: • fracção “A” €393,45 • fracção “B” €442,77 • fracção “C” €174,51 • fracção “D” €226,06 • fracção “E” €448,77 • fracção “F” €174,51 • fracção “G” €226,06 • fracção “H” €448,77 - Prédio urbano sito em Abóboda, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____: • fracção “A” € 282,49 • fracção “B” € 410,22 • fracção “C” € 291,84 • fracção “D” € 421,92 • fracção “E” € 291,84 • fracção “F” € 421,92 -Prédio urbano sito em Abóboda, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____: • fracção “A” € 322,78 • fracção “B” € 396,05 • fracção “C” € 324,27 • fracção “D” € 396,05 • fracção “E” € 324,27 • fracção “F” € 396,05 • fracção “G” € 230,58 • fracção “H” € 230,58 • fracção “I” € 411,03 • fracção “J” € 233,98 -Prédio urbano sito em Abóboda, inscrito na matriz sob o artigo 19... e descrito na Conservatôria do Registo Predial de Cascais sob o n° 9... da freguesia de S. D____ R____: • fracção “C” €231,01 • fracção “D” €411,03 • fracção “E” €460,16 • fracção “F” €401,31 • fracção “G” €370,74 • fracção “H” €411,03 3.–No período de 30.11.2016 até Maio de 2018, os custos de conservação e manutenção foram de 13.210,82 €, correspondendo a: • Gastos de exploração no valor de 6.372,60€ • Obras no valor de 6.838,22€ * III–Fundamentos de Direito: São as conclusões que delimitam o objeto do recurso (art. 635, nº 4, do C.P.C.). Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. Compulsadas as conclusões da apelação, verificamos que cumpre apreciar: - da impugnação da matéria de facto; - do subsequente enquadramento jurídico – da condenação do R. na entrega dos imóveis e no pedido indemnizatório (de acordo com o valor locativo dos imóveis). Oportunamente nos pronunciaremos sobre a ampliação do objeto do recurso requerida pelo R./recorrido. A)–Da impugnação da matéria de facto: Pretende o apelante se dê como provado o ponto 1 julgado não provado e se aditem dois novos factos à matéria assente. Invoca os meios de prova que justificam, a seu ver, tal pretensão. O recorrido opõe-se. Como é sabido, de acordo com o princípio consagrado no art. 607, nº 5, do C.P.C., o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. As provas são assim valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas. Vejamos, depois de ouvidos os depoimentos atinentes e vistos os autos. - Ponto 1 não provado: Deu-se como não provado sob o ponto 1: “Todos sem qualquer resposta por parte do réu.” Diz o apelante que tal ponto reproduz o artigo 13º da petição inicial, reportando-se à ausência de resposta por parte do Município de Cascais às interpelações feitas pelo A. – nomeadamente as respeitantes aos emails indicados nos pontos MM) e NN) provados (cfr. artigos 11º e 12º da petição inicial). Sustenta a resposta no depoimento da testemunha Luís ……, afirmando que o Tribunal desconsiderou indevidamente esse depoimento, nos termos do art. 21, nº 3, da Lei Quadro dos Institutos Públicos (Lei nº 3/2004, de 15.1) e do art. 496 do C.P.C., com o fundamento de que, por aquele fazer parte do conselho diretivo do recorrente, não pode depor como testemunha. O recorrido corrobora o sentenciado a tal propósito. Não vislumbramos, salvo o devido respeito, o interesse do facto em questão para a decisão da causa e do recurso, nem o apelante o justifica. Com efeito, o que poderá, quando muito, relevar, no caso, será a interpelação feita pelo A. ao R. no sentido da resolução da questão respeitante às frações dos autos – e do cumprimento do acordo de 7.3.2013 (ponto II) supra) – interpelação essa que consta, de forma suficiente, dos pontos MM), NN) e OO) da matéria assente, decorrendo ainda do respetivo teor que terão sido várias as tentativas, sem sucesso, realizadas nesse sentido pelo A. junto do R., e que o mesmo recusa a entrega das frações (ponto LL) supra). Mostra-se, assim, indiferente a demonstração de que o R. não respondeu, em concreto, designadamente aos emails de 20.11.2014 e de 28.5.2015. De resto, nem se entenderia a prova “desgarrada” e descontextualizada do mencionado facto (“Todos sem qualquer resposta por parte do réu”), como pretende o recorrente. Como sabemos, a impugnação da decisão sobre matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas antes um meio com vista à anulação, alteração ou revogação da decisão recorrida (cfr. art. 639, nº 1, do CPC). Por isso mesmo, e dado o seu caráter instrumental, sempre que se apure que a eventual procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto é insuscetível, de forma absoluta e manifesta, de conduzir à modificação da decisão recorrida, deve o Tribunal da Relação abster-se de apreciar tal impugnação, sob pena de praticar uma atividade processual inútil (cfr. art 130 do C.P.C.). Pelo que, configurando-se que para a solução da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, o referido facto é totalmente irrelevante, não será o mesmo reapreciado([1]). - Factos Novos: Requer, ainda, o apelante, o aditamento dos seguintes factos provados: -“As frações objeto dos presentes autos, frustrando-se a aquisição pelo Município de Cascais, teriam sido dadas em arrendamento, muito provavelmente, no âmbito do então mercado social de arrendamento e, hoje em dia no programa de renda acessível.” - “O cálculo das rendas feita no mercado social de arrendamento é apurado da seguinte forma: apura-se a renda normal de mercado na zona e faz-se uma redução ao preço médio apurado de 30%.” Diz que se trata de matéria que se contém no ponto 2 do objeto do litígio – “Da ocupação ilícita dos imóveis e do direito do A. ao recebimento, do R., da quantia peticionada a título de indemnização pela privação do uso e ocupação dos imóveis” – e que consta dos artigos 17º, 18º, 19º e 20º da petição inicial, resultando a respetiva prova dos depoimentos das testemunhas Arq. Luís …… e Eng. Paulo ……. O apelado opõe-se, afirmando que o primeiro facto em questão não foi sequer alegado na p.i. e que o segundo é inútil para a decisão visto não estar assente qual o valor da “renda normal de mercado na zona”. No que ao primeiro ponto respeita, alegou o A. nos artigos 17º, 18º, 19º e 20º da petição inicial, sob o título “Do Direito”: “Atentos os factos expostos, resulta claro que o Réu ocupa ilegalmente as frações melhor descritas em 1º supra, o que tem, naturalmente causado prejuízos ao Instituto autor, conforme de seguida se demonstrará” (art. 17º), “Cabe ao ora autor, no âmbito das competências que lhe foram atribuídas pelo Decreto-lei 175/2012, de 02/08, dar de arrendamento imóveis da sua propriedade” (art. 18º), “Está assim o autor impedido pela conduta ilícita do Réu de cumprir a missão de interesse público que lhe foi atribuída e, bem assim, de receber as rendas a que tem direito por força da celebração de um contrato de arrendamento” (art. 19º), e “Face ao exposto, tais prejuízos poderão ser calculados em € 176.309,68 correspondente ao número de meses desde, pelo menos, a data em que foi interpelado para entregar as frações (30 de novembro de 2016), multiplicados pela renda mensal condicionada infra identificada e até à efetiva entrega das frações livres e devolutas de pessoas e bens, liquidando-se na presente data (maio de 2018), respetivamente, cfr. documento nº 37 que se junta e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos: (…).” (art. 20º). Cremos que o primeiro facto proposto se contém, de algum modo e ao menos em parte, na referida alegação. Questão diversa é a de saber se foi feita a respetiva prova. Antes, porém, teremos de abordar a questão da relevância do depoimento da testemunha Luís ……, suscitada pelo recorrente quanto ao ponto 1 não provado e que acima não chegámos a analisar. A referida testemunha prestou depoimento em audiência de julgamento no dia 31.5.2021, afirmando ser membro do Conselho Diretivo da A.. Na sentença, e a propósito da fundamentação da matéria de facto, entendeu-se: “(…) Depôs na qualidade de testemunha, Luís ......, membro do conselho directivo do A. Ora, de acordo com o artigo 19.° do Decreto-Lei n.° 207/2006, o A. faz parte da Administração Indirecta do Estado, tratando-se de um instituto público. Assim sendo, nos termos do artigo 21.°, n.° 3 da Lei Quadro dos dos Institutos Públicos (Lei n.° 3/2004, de 15/01), Os institutos públicos são representados, designadamente, em juízo ou na prática de actos jurídicos, pelo presidente do conselho directivo, por dois dos seus membros, ou por mandatários especialmente designados. Por seu turno, estabelece o artigo 496.° do Código de Processo Civil que Estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes. Ora, resulta de quanto se vem dizendo que Luís ….., por fazer parte do conselho directivo do A., pode depor como parte, o que resulta na inevitável conclusão de que está impedido de depor como testemunha. Deste modo, uma vez que a testemunha estava impedida de depor nessa qualidade, o seu depoimento não será naturalmente considerado pelo Tribunal na formação da sua convicção. (…).” Apreciemos, então, da referida inabilidade legal da referida testemunha Luís Maria ……., oferecida pelo A., IHRU-Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P., e das consequências daí decorrentes. Dispõe o nº 3 do art. 21 da Lei Quadro dos Institutos Públicos, aprovada pela Lei nº 3/2004, de 15.1([2]), que estes “são representados, designadamente, em juízo ou na prática de actos jurídicos, pelo presidente do conselho directivo, por dois dos seus membros, ou por mandatários especialmente designados.” E o art. 496 do C.P.C. dispõe que: “Estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes.” O apelante argumenta que, sendo a testemunha Luís ...... apenas membro do conselho diretivo do A. IHRU, não tem, sozinho, possibilidade de o representar, pelo que não pode depor como parte, podendo depor como testemunha. O apelado defende que os vogais representam sempre os institutos públicos, mesmo que tal representação tenha de ser feita em conjunto com outro vogal, pelo que não podem depor como testemunhas, mas apenas como partes (quando esse instituto público é parte no litígio). Subscrevemos este entendimento que foi o seguido na sentença, louvando-nos no Ac. da RL de 26.10.2021([3]) citado pelo apelado. Como se diz neste aresto, a propósito de questão similar no caso respeitante a uma associação: “(…) a testemunha Ana Maria ......, enquanto vogal da direcção da associação ré e elemento integrante da comissão executiva, é estatutariamente representante legal da associação e detém poderes para obrigar a sociedade, ainda que necessariamente em conjunto com outro elemento da direcção, pelo que, enquanto representante legal da associação não pode depor como testemunha, porque é parte, e isto independentemente de obrigar ou não sozinha a ré ou de lhe não terem sido conferidos poderes, no caso concreto, para esse efeito. Neste ponto, aquilo que é relevante com vista à sua admissão a depor como testemunha é que a vogal representa a associação e pode obrigá-la, pelo que é parte, independentemente de o fazer apenas juntamente com outro elemento da direcção; o saber se obriga ou não sozinha a ré interessa, não para o efeito de a admitir a depor como testemunha, mas para saber se pode ou não confessar, desacompanhada de outro elemento da direcção; não é por, neste caso, não poder obrigar a associação que Ana Maria ...... deixa de revestir a qualidade processual de parte.(…).” Cremos que, como também se afirma no Acórdão indicado, a razão de ser da inabilidade prevista no art. 496 do C.P.C. radica na suspeição que naturalmente recai sobre quem depõe sobre factos que lhe interessam, por quem seja um dos titulares dos interesses em disputa. Deste modo, se alguém pode estatutariamente representar uma entidade coletiva, ainda que apenas em conjunto com outras pessoas, não deve depor como testemunha. Nesta parte concordamos com a posição seguida em 1ª instância. Todavia, é também certo que o momento processual adequado para suscitar o impedimento a que alude o art. 496 do C.P.C. é o da inquirição, em audiência de julgamento (cfr. art. 515 do C.P.C.). Por sua vez, a inquirição de testemunha inábil constitui uma nulidade secundária, nos termos dos arts. 195, nº 1, e 199, nº 1, do C.P.C., que ficará sanada não for tempestivamente arguida. Ainda assim, e apesar da sanação do vício, o tribunal não deixará de ter em conta o fundamento da inabilidade na valoração do respetivo depoimento([4]). Na situação sub judice, nenhuma questão foi formalmente suscitada aquando do depoimento da testemunha Luís ......, pelo que a nulidade correspondente ficou sanada. No entanto, o Tribunal a quo entendeu desconsiderar tal depoimento, decidindo excluí-lo à partida na formação da respetiva convicção. Segundo se afirma, textualmente, na sentença: “(…) uma vez que a testemunha estava impedida de depor nessa qualidade, o seu depoimento não será naturalmente considerado pelo Tribunal na formação da sua convicção.” Entendemos, s.d.r., excessiva neste ponto a posição seguida, designadamente se tivermos em conta a prova por declarações de parte e a sua relevância, pois as declarações de parte serão livremente apreciadas pelo tribunal quando não constituam confissão (cfr. nº 3 do art. 466 do C.P.C.). Assim, e do mesmo modo que, nos termos referidos, a parte pode depor sobre factos que lhe sejam favoráveis, razão não vislumbramos para simplesmente desconsiderar o depoimento de uma testemunha que, tendo prestado depoimento, veio depois a concluir-se que detinha poderes de representação da entidade coletiva demandante que a ofereceu e que poderia, por isso, depor como parte, sendo inábil como testemunha. Ou seja, não vemos razão para ignorar, por si só, um tal depoimento, com esse fundamento. O que defendemos é que um depoimento prestado nessas condições ficará sujeito à livre apreciação do tribunal que não deixará de ter em conta e valorar a particular qualidade do depoente e o fundamento da inabilidade. É, por conseguinte, neste quadro que avaliaremos o depoimento da testemunha Luís …... Aqui chegados, passemos aos novos factos propostos como assentes pelo apelante. Neste tocante, não resulta do depoimento das referidas testemunhas Luís ......, Arquiteto, e Paulo ……, Engenheiro Civil e funcionário do A. desde 1998, que o destino atribuído pelo IHRU às frações em apreço fosse necessariamente o arrendamento. De resto, o Arq. Luís ...... referiu mesmo que o destino dessas frações, uma vez na disponibilidade do A., seria “numa primeira fase” a venda, conjeturando ambos, em termos de probabilidade, que poderia ser o arrendamento, naturalmente de acordo com as condições legais estabelecidas relativamente ao IHRU (mercado social de arrendamento ou arrendamento acessível) e distintas das praticadas, em exclusivo, pelo Município R. (PER). Por conseguinte, o que decorre a tal propósito, em suficiência, dos indicados depoimentos que nessa medida se revelaram credíveis, e na linha do alegado na petição inicial, é que se o A. tivesse a disponibilidade efetiva das frações em questão poderia tê-las destinado, no âmbito das suas atribuições, ao arrendamento, no mercado social de arrendamento e/ou no programa de renda acessível, e que o cálculo das rendas no mercado social de arrendamento é apurado em função da renda normal de mercado na zona, com uma redução a esse preço médio de cerca de 30%. É, pois, esta a matéria que cumpre aditar aos factos provados, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito. Em suma, e por quanto se deixa dito: - aditam-se os seguintes pontos novos à matéria assente: TT)–“Se o A. tivesse a disponibilidade efetiva das frações dos autos poderia destiná-las, no âmbito das suas atribuições, ao arrendamento, no mercado social de arrendamento e/ou no programa de renda acessível.” UU)–“O cálculo das rendas no mercado social de arrendamento é apurado em função da renda normal de mercado na zona, com uma redução a esse preço médio de cerca de 30%.” - no mais, e sem prejuízo da requerida ampliação do objeto do recurso a título subsidiário a que adiante voltaremos, mantém-se inalterada a factualidade fixada em 1ª instância. B)–Do subsequente enquadramento jurídico – da condenação do R. na entrega dos imóveis e no pedido indemnizatório (de acordo com o valor locativo dos imóveis): Aqui chegados, cumpre fazer o enquadramento jurídico do caso. Na sentença concluiu-se pelo reconhecimento do direito de propriedade do A. sobre as frações dos autos, condenando-se o R. a reconhecer tal direito, mas absolveu-se o mesmo do demais peticionado, com os seguintes fundamentos: “(…) No presente caso, resultou apurado que o A. tem inscrita a seu favor a aquisição das fracções melhor identificada nos factos provados A) a DD). Por força da presunção registal, conclui-se que o A. é titular um direito real (de propriedade) oponível ao R. que, como tal, o deve reconhecer. Por outro lado, o R. deve restituir a coisa alheia que ocupe, excepto se invocar e justificar a sua ocupação com qualquer direito real ou obrigacional impeditivo ou limitativo do exercício pleno da propriedade por parte do A. (cfr. artigo 1311.° do Código Civil). Como começamos por dizer, o titular do direito de propriedade pode peticionar a condenação do R. a restituir coisa que tenha em seu poder, a título de posse ou detenção. No presente caso, resultou apurado que, presentemente, encontram-se ocupadas 26 fracções, por munícipes a quem o R. entregou as chaves por conta de contratos de renda apoiada. Para além disto, resultou também apurado que o R. recebeu as chaves das fracçôes em causa nos autos por volta do ano de 2005 (ao abrigo do princípio da liberdade contratual prevista no artigo 405.° do Côdigo Civil) após a celebração de um contrato promessa de compra e venda com a anterior proprietária e, ao abrigo do qual, procedeu ao pagamento de um sinal (incluindo um reforço posterior) do total de € 1 215 807,00, sendo o preço do contrato prometido de € 1 736 867,00. Apesar de se discutir na doutrina e na jurisprudência sobre se o promitente comprador que obtém a traditio do bem prometido vender é possuidor ou mero detentor da coisa, a verdade é que, logo em 2005, os fogos passaram a ser ocupados por terceiros, numa eventual relação locatícia de direito público, passando a ser estes os (aqui inequivocamente) detentores das fracçôes. Por assim ser, parece-nos razoável concluir que, pretendendo o A. a restituição das fracções que lhe pertencem, não pode obter a satisfação da sua pretensão sem que intente a acção directamente contra quem ocupa - ou, se quisermos, reside - (n)as referidas fracções, já que a presente acção é configurada como uma acção de reivindicação propriu sensu. Isso mesmo defendem Pires de Lima e Antunes Varela (Codigo Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 1987, pág. 114): Se a posição do detentor da coisa se basear num acto jurídico realizado, não com aquele que se intitula proprietário, mas com um possuidor, o reivindicante terá todo o interesse em demandar simultaneamente um e outro: o possuidor, por ser quem se encontra, através da defesa da sua posição, em melhores condições de ajudar a esclarecer a questão primária do reconhecimento do direito de propriedade; o detentor da coisa, por ser a pessoa em condições de satisfazer a pretensão da entrega da res. Acresce que, desconhece-se os termos detalhados dessa ocupação, mas tão somente que a mesma ocorre desde 2005, mediante autorização do R. (já que foi quem entregou as chaves para o efeito), no âmbito das relações do R. - enquanto entidade pertencente à administração indirecta do Estado - e os seus munícipes. De todo o modo, qualquer invalidade dos mencionados contratos decorrentes de uma eventual ilegitimidade do R. para a sua outorga não está nestes autos a ser discutida, nem cremos que fossem os tribunais comuns competentes para o efeito. Por fim, não se encontrando os actuais ocupantes das fracções em causa nos autos, presentes nesta lide, nenhuma decisão aqui proferida poderia produzir efeitos em relação aos mesmos nem contra eles constituiria caso julgado. Donde que, resultando que as fracções de que o A. é proprietário se encontram ocupadas por terceiros que ali residem, não resta outra alternativa ao Tribunal senão a improcedência do pedido de restituição. *** Da indemnização por privação do uso No recurso, sustenta o apelante, em síntese, que deve o R. Município ser condenado a restituir as frações por ser o respetivo possuidor que Peticionou ainda o A. a condenação do R. no pagamento de uma quantia pela pela ocupação ilícita da fracção em causa nos autos. A responsabilidade civil fundamenta-se no princípio do ressarcimento dos danos, que se constitui como uma excepção à regra geral postulada no brocardo ubi commoda, ibi incommoda, imputando-se o dano ocorrido na esfera do lesado a outrem. Assim, nasce uma obrigação de indemnizar, nos termos dos artigos 562.° e seguintes do Código Civil, o lesado, que deverá ser cumprida por pessoa diversa. (…). A problemática da indemnizaçâo do dano da privação do uso, tem sido amplamente abordada na doutrina e na jurisprudência. Para uns, basta, para que seja reparável, a demonstraçâo do não uso do bem atingido, uma vez que a indemnizaçâo é quase co-natural a essa mesma privação, defendendo-se que a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização, constituindo ainda a opção pelo não uso uma manifestação dos poderes do proprietário, também afectado pela privação do uso - v. a proposito ANTONIO S. ABRANTES GERALDES, Temas da Responsabilidade Civil - Indemnizaçâo do dano da privação do uso, 2ª Edição, Almedina - Acórdão do Tribunal da Relaçâo de Lisboa, de 20-12-2017, processo n.° 1817/16.0T8LSB.L1-2, disponível em www.dgsi.pt. Ou Menezes Leitão(..), para quem o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privaçâo constitui naturalmente um dano. Ou, ainda, O proprietário privado por terceiro do uso de uma coisa tem, por esse simples facto e independentemente da prova cabal da perda de rendimentos que com ela obteria, direito a ser indemnizado por essa privação, indemnização essa a suportar por quem leva a cabo a privação em causa. A privação do uso do veículo constitui um dano indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado (art. 62.° da CRP) . Para outra corrente jurisprudencial, é insuficiente essa demonstração, sendo ainda necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial. Com efeito, A mera privação do uso de um imóvel, decorrente de ocupação ilícita, por ofensiva do direito de propriedade do reivindicante (art° 1305° n°1 do CC), não confere a este, sem mais, direito a indemnização em «quantum» correspondente ao do apurado valor locativo daquele, ou outro, mesmo apelando às regras da equidade, ao autor, antes, sopesados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que pretende efectivar e o exarado nos art°s 342° n°1, 483° n°1, 487°, 562° a 564° e 566°, todos do CC, cumprindo alegar e provar facticidade donde ressaltem danos consectários da mora na restituição da coisa sua pertença. A primeira das teses enunciadas corresponde ao entendimento jurisprudencial maioritário, por se considerar que é a posição que melhor tutela a lesão dos interesses do proprietário de um bem, que se vê privado de extrair dele todas as vantagens e utilidades que o seu uso lhe proporciona, devido à actuação culposa de terceiro que o danifica num acidente de viação. Não pode deixar de reconhecer-se como lesiva do património do proprietário de um veículo automóvel a perda, em si mesma, da possibilidade de continuar a usufruí-lo, por facto ilícito de um terceiro, durante o período de tempo em que tal se verificar. Do património faz também parte “o direito de utilização das coisas próprias”, constituindo a privação do uso do veículo um dano patrimonial, como tal indemnizável (cfr. citado Acórdão de 5 de Julho de 2007) - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9/07/2015, processo n.° 13804/12.2T2SNT.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt. Ponderadas as duas posições supra explanadas, sufragamos a primeira tese, por ser a que efectivamente melhor tutela a lesão dos interesses do titular do direito de propriedade. No presente caso, não resultou provada factualidade subsumível a um comportamento ilícito por parte do R., no que concerne à violação do direito de propriedade do A. Deste modo, falha um dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual, concluindo-se, pois, pela improcedência do pedido de indemnização. (…).” No recurso, sustenta o apelante, em síntese, que deve o R. Município ser condenado a restituir as fracções por ser o respetivo possuidor que as deu de arrendamento, cabendo aos ocupantes das mesmas eventual defesa na ação executiva, e o R. ainda condenado a indemnizar o A. nos termos peticionados. Contrapõe o apelado/R. que deve manter-se o decidido em ambas as vertentes, estando o pedido indemnizatório dependente da procedência da restituição e que, em qualquer caso, não se mostram verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual. Mais refere que o A. age em abuso de direito, na modalidade supressio, na medida em que desde que adquiriu as frações nenhuma quantia reclamou a título de renda. Vejamos. - Da condenação do R. na entrega dos imóveis: Dispõe o art. 1305 do C.C. que: “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.” O direito do proprietário é pleno porque acima dele não existe qualquer outro poder, como ocorre, por exemplo, no usufruto, e é exlusivo porque o proprietário pode exigir que terceiros se abstenham de usar as coisas que lhe pertencem ou se abstenham de praticar atos que afetem o exercício do seu direito, sempre dentro dos limites e restrições legais (restrições de direito público ou de direito privado)([5]). Assim, nos termos do art. 1311 do C.C.: “1. Pode o proprietário exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence. 2. Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei.” São, por conseguinte, dois os pedidos que caracterizam a reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição da coisa. Pires de Lima e Antunes Varela([6]) sintetizam os fundamentos com que o demandado pode repelir a reivindicação, do seguinte modo: “(…) Por um lado, poderá impugnar a titularidade do direito que o reivindicante se arroga, alegando que a coisa pertence a outrem ou não pertence a ninguém (res nullius). Por outro, poderá contestar o seu dever de entrega, sem negar o direito de propriedade ao autor, com base em qualquer relação (obrigacional ou real) que lhe confira a posse ou a detenção da coisa (a título de usufrutuário, locatário, credor pignoratício, etc): vide, a este propósito, o acórdão do S.T.J. de 4 de Julho de 1980, no B.M.J., nº 299, págs. 320 e ss. Por último, poderá defender-se, sendo caso disso, com alguma das situações especiais previstas na lei (art. 1311, nº 2), que lhe facultem, por exemplo, o direito de retenção da coisa. Sobre o reivindicante recai o ónus de provar que é proprietário da coisa e que esta se encontra na posse ou na detenção do réu (vide o acórdão do S.T.J., de 25 de Janeiro de 1974, no B.M.J., nº 233, pág. 195). O réu, por sua vez, tem o ónus da prova de que é titular de um direito (real ou de crédito) que legitima a recusa da restituição.” Por sua vez, a posse caracteriza-se por dois elementos, o corpus e o animus, traduzindo-se o primeiro na actuação de facto correspondente ao exercício do direito pelo seu beneficiário, e o segundo na intenção deste exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa e não um mero poder de facto sobre ela([7]). O contrato promessa de compra e venda não implica, em si mesmo, a transferência da posse sobre o bem correspondente. Mesmo havendo tradição da coisa, o contrato promessa apenas assegura a mera detenção por parte do promitente adquirente, nos termos do art. 1253 do C.C., com vista à outorga do contrato definitivo, através do qual se operará, então, a transmissão da propriedade respetiva (cfr. art. 879, al. a), do C.C.). Em algumas situações, porém, será possível configurar uma posse efetiva, nos termos do art. 1251 do C.C., por parte do promitente comprador a quem foi entregue a coisa, como no caso, v.g., de ter sido paga já a totalidade do preço e a coisa ter sido entregue ao promitente comprador como se fosse sua, praticando este sobre ela, nesse estado de espírito, atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade([8]). Aproximando agora da concreta situação em análise, temos que é incontroverso o direito de propriedade do A. sobre as frações em discussão que foi reconhecido na sentença. De outro passo, teremos também de admitir, em face da matéria assente, que o Município R. será o possuidor das ditas frações, na medida em que, tendo celebrado, em 2004, contrato promessa de compra e venda respeitante às mesmas, recebeu, na qualidade de promitente comprador, as respetivas chaves da promitente vendedora, tendo-as entregue a munícipes que ali residem ao abrigo de contrato de arrendamento, pelo que passou a dispôr delas desde 2005 com o conhecimento e o acordo daquela promitente vendedora (pontos KK), e PP) a RR) supra). Assim, 26 das 30 fracções encontram-se cedidas a terceiros, a título de acordos de cedência a título precário ou de contratos de renda apoiada, o que é do conhecimento do A., desde antes da aquisição por este das frações em causa (ponto SS) supra). Ou seja, o Município R. será o possuidor das frações, na medida em que as administra (direta ou indiretamente), atuando como se fosse o respetivo proprietário e recebendo as respetivas rendas, enquanto os munícipes que ali residirão serão os detentores das mesmas, ao abrigo de acordos que com os mesmos o R. celebrou. Ora, e salvo melhor entendimento, cremos que a legitimidade da recusa do Município R. na restituição das frações ao A. não encontra suporte bastante na factualidade apurada, seja à luz do contrato promessa que oportunamente celebrou com a sociedade construtora, seja no alegado incumprimento, pelo A., do Acordo Bilateral entre o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP e o Município de Cascais, celebrado entre A. e R. em 7.3.2013 (ponto II) supra), seja ainda na cedência das frações a terceiros, a título precário ou por contratos de renda apoiada, conhecida do A. antes da aquisição. Veja-se que o R. defendeu na contestação que foi o A. quem incumpriu o acordado entre ambos, propondo um valor de venda das frações superior à estipulada, matéria que não decorre evidenciada nos factos provados, nada desenvolvendo sequer o R. quanto à subsistência do contrato promessa oportunamente celebrado. Por sua vez, o entendimento seguido na sentença suporta-se apenas na circunstância dos efetivos e atuais ocupantes das frações não terem sido demandados, não podendo a decisão proferida quanto à restituição produzir efeitos com relação aos mesmos. Sucede que tal argumentação se situaria, a nosso ver, no âmbito da legitimidade passiva e não no domínio da legimidade substantiva como parece considerar-se, sendo que a questão da ilegitimidade do R. foi já apreciada no despacho saneador, concluindo-se então, com trânsito em julgado, pela respetiva improcedência e pela legitimidade das partes. É, aliás, com esse sentido – respeitante à legitimidade processual – que interpretamos o comentário de Pires de Lima e Antunes Varela([9]) que foi citado na sentença: “(…) Se a posição do detentor da coisa se basear num acto jurídico realizado, não com aquele que se intitula proprietário, mas com um possuidor, o reivindicante terá todo o interesse em demandar simultaneamente um e outro: o possuidor, por ser quem se encontra, através da defesa da sua posição, em melhores condições de ajudar a esclarecer a questão primária do reconhecimento do direito de propriedade; o detentor da coisa, por ser a pessoa em condições de satisfazer a pretensão da entrega da res.(…).” Concordamos que não sendo os efetivos detentores convencidos na causa a decisão a proferir no âmbito da mesma não faz, quanto aos mesmos, caso julgado. Mas daí não decorre que a mesma não produza o seu efeito normal entre o A. e o R., regulando definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (cfr. art. 33, nº 3, do C.P.C.). Isto é, como refere Anselmo de Castro([10]): “Só haverá, pois, litisconsórcio necessário quando a decisão que vier a ser proferida não possa persistir inalterada quando não vincule todos os interessados”. Dentro desta lógica, a lei consente a coexistência de decisões divergentes e logicamente contraditórias, desde que reguladoras da situação concreta entre as partes de forma definitiva, e apenas visará impedir a existência de decisões que além de divergentes sejam também praticamente inconciliáveis([11]). Por conseguinte, e uma vez determinada a reclamada entrega pelo R., caberá aos terceiros detentores, no eventual cumprimento coercivo da decisão (art. 861 do C.P.C.), opor-se ao direito do exequente caso não pretendam abrir mão das frações e obstar ao efetivo empossamento destas pelo aqui A.([12]). Não deixa ainda de assinalar-se que apenas 26 das 30 frações dos autos estarão ocupadas, conforme consta dos pontos RR) e SS) supra. Por outras palavras, a consequência da ineficácia da decisão de restituir contra os terceiros arrendatários ou detentores precários das frações, ou de algumas delas, retarda e dificulta, porventura, o cumprimento da obrigação respetiva mas não impede que a decisão seja proferida contra o Município R., possuidor daquelas. Em suma, uma vez reconhecido o direito de propriedade do A. sobre as indicadas frações e não tendo o R. demonstrado, como lhe competia, ser titular de um direito (real ou outro) que legitime a recusa da respetiva restituição, cumpre condenar o mesmo na entrega ao A., conforme foi exatamente peticionado. - Da condenação do R. no pedido indemnizatório (de acordo com o valor locativo dos imóveis): Tendo em conta o que acima deixamos dito quanto ao indemonstrado direito do Município R. em recusar a restituição das frações, não surpreendemos qualquer abuso de direito na pretensão formulada pelo demandante no sentido de ser indemnizado pela privação do respetivo uso. Note-se que, contra o que parece entender o R., o A. não reclama o valor das rendas auferidas pelo Município desde a data em que adquiriu as frações (Novembro de 2014 – ponto EE) supra), mas a indemnização correspondente ao prejuízo sofrido com a privação do respetivo uso, por referência aos valores que o próprio A. praticaria no arrendamento se tivesse a disponibilidade das frações, desde que interpelou o R. para as entregar (30.11.2016). A questão não é de todo irrelevante, tendo em conta que não nos encontramos no âmbito do mercado livre de arrendamento, estando os regimes de arrendamento praticados pelo A. IHRU, por um lado, e pelo Município R., por outro, sujeitos, em cada um dos casos, a regras próprias diferenciadas e estabelecidas por lei. Desse modo, não poderá argumentar-se que o A. age em abuso de direito, atuando contraditoriamente, porque antes não reclamou junto do R. o pagamento das rendas auferidas pelo Município. De resto, o A. enviou carta ao R. em 12.10.2016 informando-o, além do mais, de que caso não cumprisse o referido Acordo Bilateral entre o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP e o Município de Cascais, celebrado em 7.3.2013, até ao dia 30.11.2016, teria o A. direito a ser ressarcido dos prejuízos decorrentes da privação do uso das frações nos termos que melhor constam da parte final da respetiva missiva (cfr. ponto OO) supra). Por conseguinte, também nesta perspetiva é infundado o alegado abuso de direito do A.. A factualidade apurada permite caracterizar como ilícita a conduta do R. que justifica o pedido formulado (arts. 1305 e 483 do C.C.). Temos também defendido que a privação do uso da coisa constitui, em si, um dano patrimonial indemnizável, na medida em que envolve para o seu proprietário a perda de uma utilidade, a de usar a coisa quando e como lhe aprouver. Assim, tal privação ofende, em si mesma, o direito de propriedade e a livre disponibilidade do bem inerente àquele direito constitucionalmente consagrado (art. 62 da C.R.P.) No domínio da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, incumbirá ao lesante indemnizar também essa perda de utilidade, tal como lhe cabe indemnizar o lesado por todos os danos que este provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (arts. 483, 562 e 563 do C.C.). No que respeita à medida da indemnização, haverá que ter em conta as circunstâncias que puderem ser avaliadas. Recordamos que o A. pede, a título de indemnização pela privação do uso das frações, a quantia de € 176.309,68 acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal desde 30.11.2016 e o valor mensal respeitante a rendas de cada uma das 30 frações revindicadas até entrega efetiva. Estima o valor do prejuízo sofrido em € 176.309,68 por ser o correspondente ao número de meses desde o pedido de entrega (30.11.2016) multiplicado pela renda mensal condicionada (que praticaria) até Maio de 2018. Como vimos, defendeu o R. na contestação que, de todo o modo, jamais o A. teria direito a receber os montantes peticionados, uma vez que estes são superiores aos montantes atualmente pagos, devendo, subsidiariamente, ser o montante indemnizatório reduzido, por não ter adesão à realidade a sua forma de cálculo, e subtraídas as despesas incorridas pelo R. no montante de € 13.210,82 até Maio de 2018. Em contra-alegações, por sua vez, invocou o R. ainda, para além do abuso de direito, que caso se conclua pela procedência do pedido de indemnização, deve ao respetivo valor ser descontado o valor dos custos que o recorrido suportou ao ter assumido a gestão das frações em pelo menos € 9.000,00. Requer, para o efeito, e subsidiariamente, em ampliação do objeto do recurso nos termos do art. 636, nº 2, do C.P.C., a alteração de dois pontos da matéria de facto que foram considerados não provados na sentença. Não se afigurando de rejeitar, à partida, o pedido indemnizatório formulado, cumpre apreciar, então, da alteração da matéria de facto requerida pelo recorrido/R. em ampliação do objeto do recurso, sem prejuízo do interesse que daí advenha em concreto para a decisão a proferir sobre este tema. - Ponto 3 não provado: Deu-se como não provado, sob o ponto 3: “No período de 30.11.2016 até Maio de 2018, os custos de conservação e manutenção foram de 13.210,82 €, correspondendo a: • Gastos de exploração no valor de 6.372,60€ • Obras no valor de 6.838,22€” Requer o Município apelado se dê como provado que: “O Recorrido teve de suportar determinados custos, a título de despesas com obras, gestão de exploração e técnicas de ação social, no âmbito da gestão das frações.” E que: “O Recorrente teve de suportar como custos de gestão das 30 frações, entre novembro de 2016 e maio de 2018, o valor de cerca de € 9.000,00.” Invoca o depoimento das testemunhas Ana Rita Fernandes, diretora financeira da empresa municipal Cascais Envolvente, Gestão Social da Habitação, EM, S.A., e de Inês …., jurista e administradora da mesma empresa, ambas conhecedoras da matéria em apreço. Em resposta, o apelante opõe-se, afirmando que os factos não foram alegados e não têm suporte documental como seria indispensável. Na sentença, justificou-se a falta de prova do ponto 3 do modo seguinte: “(…) no que concerne ao facto 3., a testemunha Ana ….. explicou que os aludidos valores correspondem ao resultado que alcançou após a realização dos respectivos cálculos com recurso aos valores gastos com técnicas de acção, com a gestão de exploração e obras. Importava, porém, não só terem sido alegados os concretos factos que sustentam o custo total, como também os respectivos elementos de suporte, com vista a permitir ao Tribunal sindicar a conclusão apresentada pela testemunha. Deste modo, na ausência de outros elementos, houve que considerar tais factos como não provados.” Resulta suficientemente dos depoimentos indicados, em nosso entender e em consonância com as regras da experiência comum, que a gestão daquelas 30 frações terá implicado as mais variadas despesas municipais, designadamente com técnicas de ação social e obras. E também será de reconhecer que os pontos propostos pelo apelado se contêm, no essencial, no ponto 3 não provado. Sucede, todavia, que os depoimentos foram inconsistentes no que respeita ao valor das despesas, quer porque se reportaram a meras estimativas não coincidentes entre si e sem qualquer suporte documental, quer porque não abrangeram, com segurança, a referência temporal de 30.11.2016 até Maio de 2018. Assim, a testemunha Ana Rita Fernandes falou em despesas de € 10.000,00, entre 2016 e 2018, e a testemunha Inês Rodrigues em despesas de € 9.000,00 por ano. Por conseguinte, e com apoio nos aludidos depoimentos, cabe apenas aditar um novo ponto à matéria assente, com a seguinte redação: VV)–“O Município R. suportou, nomeadamente entre 20.11.2016 e Maio de 2018, custos de conservação e manutenção respeitantes às 30 frações dos autos, com a gestão da respetiva exploração e obras.” Deste facto aditado não se retira, porém, o efeito pretendido pelo apelado, pois, como vimos, o A. não peticiona, a título indemnizatório pela privação do uso das frações, as rendas que o Município recebeu desde 30.11.2016, sendo nesse caso lógico que se deduzissem as despesas inerentes por este suportadas com a respetiva administração. O que o A. reclama é, repete-se, uma indemnização correspondente ao prejuízo sofrido por referência aos valores que o próprio A. praticaria no arrendamento se tivesse a disponibilidade das frações, desde que interpelou o R. para as entregar (30.11.2016). Pelo que, a atender-se a esse critério, nenhum sentido faria considerar as despesas que o Município entretanto suportou. Ainda que, correspondentemente, sempre se mostre adequado e proporcional deduzir aos tais proventos que teriam sido obtidos pelo A. no arrendamento os custos necessariamente envolvidos pelo mesmo com a exploração das frações. Em todo o caso, o que se apurou a tal propósito, de acordo com os novos factos TT) e UU) supra aditados é que se o A. tivesse a disponibilidade efetiva das frações dos autos poderia destiná-las, no âmbito das suas atribuições, ao arrendamento, no mercado social de arrendamento e/ou no programa de renda acessível e que o cálculo das rendas no mercado social de arrendamento é apurado em função da renda normal de mercado na zona, com uma redução a esse preço médio de cerca de 30%. Ou seja, poderia ser esse, razoavelmente, o destino das frações e admite-se que seja este o valor de referência para efeito do cálculo da indemnização devida ao A. pela privação do uso das mesmas. Como já dissemos, a privação do uso do bem constitui, em si mesma, um dano patrimonial indemnizável, na medida em que envolve para o seu proprietário a perda de uma utilidade, a de usar a coisa quando e como lhe aprouver, não dependendo da prova do dano que em concreto decorre da privação. Todavia, não se apurou, minimamente, quais teriam sido os valores das rendas que poderiam ter sido praticadas pelo A. (no mercado social de arrendamento e/ou no programa de renda acessível) relativamente àquelas frações, deduzidos os custos com a manutenção, conservação e gestão daquele património, não se mostrando sequer possível, sem tais indicadores de referência, recorrer à equidade para alcançar uma ajustada quantificação. Deste modo, não pode deixar de relegar-se para ulterior liquidação a determinação dessa indemnização pela privação do uso, sendo esta calculada por referência aos valores que o A. teria praticado, com relação às 30 frações dos autos, no mercado social de arrendamento e/ou no programa de renda acessível (sendo o cálculo das rendas no mercado social de arrendamento apurado como referido no ponto UU) supra), desde 30.11.2016, deduzidos os custos necessariamente envolvidos com a manutenção, conservação e gestão daquele património. Procede, pois, em parte o recurso. *** IV–Decisão: Termos em que e face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, revogando o ponto C. do segmento decisório da sentença recorrida: - Condenam o R., Município de Cascais, a entregar ao A., IHRU-Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P., as frações identificadas nos autos (referidas no ponto A. do segmento decisório), conforme reclamado na petição inicial; e - Condenam o R., Município de Cascais, a pagar ao A., IHRU-Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P., uma indemnização pela privação do uso das mesmas frações desde 30.11.2016, a liquidar nos moldes acima indicados; - No mais se mantendo o decidido. Custas pelo A./apelante e pelo R./apelado, na proporção de 1/6 e 4/6, respetivamente. Notifique. Lisboa, 7.7.2022 Maria da Conceição Saavedra Cristina Coelho Edgar Taborda Lopes [1]Sobre a inutilidade da reapreciação da matéria de facto, em geral, ver o Ac. do STJ de 17.5.2017, Proc. 4111/13.4TBBRG.G1.S1, e o Ac. da RL de 26.6.2019, Proc. 144/15.4T8MTJ.L1-2, em www.dgsi.pt. No sentido de que a consideração da inutilidade da reapreciação do julgamento da matéria de facto, quando a parte que recorre cumpriu o ónus de que depende a apreciação da sua pretensão, só pode/deve ser recusada em casos de patente desnecessidade, ver ainda, no mesmo sítio, o Ac. do STJ de 13.7.2017, Proc. 442/15.7T8PVZ.P1.S1. [2]Aplicável ao A. atenta a sua natureza de instituto público, cuja Lei Orgânica foi revista pelo DL nº 175/2012, de 2.8, entretanto alterado. [3]Proc. nº 21610/19.7T8LSB-A.L1-7, disponível em www.dgsi.pt. [4]Cfr. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2018, Vol. I, pág. 554, e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 3ª ed., pág. 358. [5]Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. III, 2ª ed., págs. 93 e 94. [6]Ob. cit., pág. 116. [7]Cfr. Pires de Lima e A. Varela, ob. cit., pág. 5, e Moitinho de Almeida, “Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis”, 1986, págs. 71 a 74. [8]Ainda Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 6/7. [9]Ob. cit., pág. 114. [10]“Direito Processual Civil Declaratório”, 1982, Vol. II, pág. 204. [11]Anselmo de Castro, ob. cit., págs. 204/205, e Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 168. [12]Cfr. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2020, Vol. II, pág. 294.