I. No apenso a processo de maior acompanhado em que o requerente (filho do maior acompanhado e irmăo da acompanhante) requere a revisăo da medida de acompanhamento de maior, com pedido de remoçăo provisória da acompanhante nomeada, năo pode ser proferida decisăo sem que se proceda, previamente, à audiçăo pessoal do acompanhado. II. Tendo o tribunal a quo ordenado a prestaçăo forçada de contas pela acompanhante (novo apenso), na sequência da petiçăo em que o requerente questiona a administraçăo do património e das contas bancárias que tem vindo a ser feita pela acompanhante, justifica-se que seja atuado o princípio da gestăo processual, na modalidade de agregaçăo de processos, devendo ocorrer articulaçăo entre a instruçăo deste apenso e do apenso de prestaçăo de contas de molde a que a decisăo a proferir neste processo espelhe também o resultado da instruçăo do apenso de prestaçăo de contas.
Acordam os Juízes na 7ª Secçăo do Tribunal da Relaçăo de Lisboa: RELATÓRIO Por sentença de 24 de maio de 2021, transitada em julgado, e proferida nos autos principais, foi a filha do Maior Acompanhado e requerente, VT, nomeada Acompanhante do requerido/Beneficiário JL. Mais se determinou aí o acompanhamento do Requerido/Beneficiário, com inicio de incapacidade fixada em 21 de Fevereiro de 2020, sendo em concreto aplicada a medida de representaçăo geral, com administraçăo total de bens, conforme art.º 145º, n.º 2, als. b) e c) e n.º 4, do Código Civil, com dispensa de constituiçăo do Conselho de Família, e com limitaçăo do direito pessoal de testar, conforme art.º 147º, n.º 2, do Código Civil. Por requerimento de 16 de Fevereiro de 2022 deste Apenso, veio LC requerer a Revisăo da Medida de Acompanhamento de Maior, com pedido de remoçăo provisória da Acompanhante nomeada, com efeitos à data da entrada do progenitor de ambos, no lar onde se encontra, atualmente, o Lar (...), em (...) - a sua institucionalizaçăo ocorreu em 24 de Julho de 2021. Terminou formulando os seguintes pedidos: a) que seja decretado a revisăo do regime de acompanhamento do Beneficiário JL com medida de representaçăo geral, com administraçăo total de bens, e com limitaçăo do direito pessoal de testar, conforme art.º 145º, n.ºs 2, al. b) e 4 do Código Civil, nomeando provisoriamente ambos os filhos como acompanhantes, ou em alternativa năo se prescindindo do conselho de família; b) Seja exonerada a acompanhante VT, filha, desde Outubro de 2020, data em que deixou de desempenhar cabalmente as suas funçơes, c) Seja ouvido o beneficiário presencialmente ou por videoconferência no lar, na presença de ambos os seus filhos. d) Determine a alteraçăo para o correcto e actual domicílio do requerido/beneficiário, que năo é há muito o da acompanhante. e) Que a anterior acompanhante preste contas nos termos legais desde 21 de Fevereiro de 2020, às quais se tem reiteradamente recusado, f) E seja elaborada lista de bens imóveis e móveis pertencentes ao acompanhado. g) Oficiar o banco Caixa Geral de Depósitos e a acompanhante a informar que poderes conferidos através de procuraçăo fora dos presentes autos detém neste momento.» Foi proferido desapcho de aperfeiçoamento do requerimento inicial, com a correspondente articulaçăo factual e com a junçăo de um documento autêntico, o que apenas satisfez, nesta última parte, comprovando a sua legitimidade ativa. Realizou-se a audiçăo do requerente (Ata de 21 de Abril de 2022), tendo o mesmo esclarecido que o que pretende é que a irmă e Acompanhante lhe preste contas e ao Tribunal, do Acompanhamento de Maior, năo pretende nem demonstrou a intençăo/disponibilidade de ser nomeado Acompanhante, sequer de questionar a necessidade ou pertinência de qualquer uma das Medidas de Acompanhamento decretadas. Nessa mesma data (21.4.2022), foi proferido despacho em que, além de outros aspetos, se decidiu: «No mais, notifique a acompanhante, para proceder à prestaçăo forçada de contas conforme artigo 949º, n.º 1, parte final, do Código Processo Civil, o qual corre por apenso aos presentes autos.» Os autos foram ainda instruídos com o valor da pensăo de invalidez do CNP, print com relaçăo dos pagamentos efectuados, informaçơes clínicas do Acompanhado de 5.02.2022, 16.02.2022, 9.03.2022, 16.04.2022 e 3.05.2022, informaçơes do Lar e valor da pensăo de sobrevivência da CGA. Em 13.7.2022, foi proferida decisăo com o seguinte teor [decisăo impugnada]: « Apreciando. Desde já se consigna que, em face da alegaçăo factual do Requerente, e dos atos judiciais praticados nos autos principais, veja-se a audiçăo do requerido/beneficiário, e a realizaçăo de exame pericial, năo se entende, em face do pedido, relevante ou pertinente a inquiriçăo das três testemunhas que o Requerente arrolou, até porque, como supra se aludiu e nos autos se alertou, “este năo é um processo entre partes”, é uma acçăo especial, expressamente prevista e legislada, cfr. os art.ºs 891º e ss. do Código de Processo Civil que se năo compadece, com arguiçơes de “falta de liberdade” ou de “pressơes” a que o Requerido alegadamente fora sujeito durante a sua audiçăo pessoal, quando à mesma presidiu este Tribunal, no caso a signatária, bem como o Digno Magistrado do Ministério Público, em sua defesa, a Sra. Perita Médica do Gabinete Médico Legal e a Sra. Oficial de Justiça. Ademais, tal audiçăo foi reduzida a escrito, e nela se encontra a posiçăo e a “ligaçăo/relacionamento” mantida entre o Requerido e o filho, sendo o próprio filho que admite que, além de passar a residir na casa pertença do Pai, com a sua família, indo este viver para casa de uma companheira, ficou na posse dos bens do Pai e geriu-os, sem a autorizaçăo deste (pelo menos válida, vg a data fixada de inicio da incapacidade) ou da sua irmă, nada mais tendo feito no que respeita à saúde do requerido ou outras diligências, vg “acompanhar de facto uma pessoa maior de idade com necessidade de acompanhamento”. Estes actos da vida diária, foram escrutinados, muito além da audiçăo da Requerente no processo principal, ato que em si, propositura da acçăo, já revela um acompanhamento de facto. E tais atos foram vertidos nos autos. De resto, exercido o contraditório, cfr. fls. 54 e ss., pela Acompanhante, e fls. 90/91, pelo Digno Magistrado do Ministério Público, estamos em condiçơes de proferir decisăo, neste conspecto năo concordando com a promoçăo antecedente, pois que inexiste qualquer prejudicialidade entre o processo de Prestaçăo de Contas e este processo de Revisăo de Medida e Acompanhamento a Maior, nem o Requerente demonstrou de qualquer forma, quer alegando, quer comprovando o que alegou, qualquer mau desempenho do cargo da Acompanhante ou a necessidade de alteraçăo da decisăo já proferida, quanto ao Acompanhado, cujo bem-estar e autonomia, năo podem ser violados, coarctados, pelo simples facto de se pretender ver “tudo questionado, novamente”, repetidos atos judiciais válidos, vg, sequer o exame pericial realizado e vertido em relatório nos autos, convenceu o requerente, entendendo este que eventualmente “seria de estar na audiçăo, (o Maior) acompanhado ainda por um psicólogo ou pessoa idónea”. Por último, refira-se, a audiçăo do requerido e a realizaçăo de exame pericial, via webex, cfr. fls. 66 e ss., em Março de 2021, ainda em período de estado de emergência por Pandemia de Covid 19, năo lhe retira qualquer credibilidade ou isençăo, năo sendo sequer legalmente obrigatória a presença do filho, ora Requerente, ali mero interveniente acidental, năo cabendo no leque legal das pessoas referidas no n.º 2 do art.º 898º. Ademais, é a própria Lei que prevê como possibilidade, o Tribunal ouvi-lo (ao beneficiário), sozinho se tal se revelar pertinente (cfr. art.º 898º, n.º 3 do CPC). Os art.ºs 138º e ss. do CC, invocados pelo Requerente no RI, pertencem à Subseçăo III, da Secçăo V Menores e Maiores Acompanhados, do Capitulo I Pessoas Singulares, do Subtítulo Das Pessoas, ou seja, a toda a secçăo do Código Civil (doravante CC) que respeita ao atual Regime legal do Maior Acompanhado. Năo invocou o requerente, inicialmente ou a convite judicial, em concreto, em que preceito legal respalda a sua atuaçăo e pretensăo. É facto, dispơe o art.º 149º do CC que “1- O acompanhamento cessa ou é modificado mediante decisăo judicial que reconheça a cessaçăo ou a modificaçăo das causas que o justificaram. 2 - Os efeitos da decisăo podem retroagir à data em que se verificou a cessaçăo ou modificaçăo referidas no número anterior. 3 - Podem pedir a cessaçăo ou modificaçăo do acompanhamento o acompanhante ou qualquer uma das pessoas referidas no n.° 1 do artigo 141.°” (sublinhado nosso) e săo estas, cfr. art.º 141º, n.º 1 do Código Civil “1 - O acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorizaçăo deste, pelo cônjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorizaçăo, pelo Ministério Público. (...)” (sublinhado nosso). Já o art.º 904º do CPC, prevê que “(...) 2 - As medidas de acompanhamento podem, a todo o tempo, ser revistas ou levantadas pelo tribunal, quando a evoluçăo do beneficiário o justifique. 3 - Ao termo e à modificaçăo das medidas de acompanhamento aplicam-se, com as necessárias adaptaçơes e na medida do necessário, o disposto nos artigos 892.º e seguintes, correndo os incidentes respetivos por apenso ao processo principal” (sublinhado nosso). Esta năo é claramente a situaçăo dos autos, pelo que necessariamente improcede a pretensăo do Requerente. * Por todo o exposto, julgo inverificados os requisitos para alteraçăo ou revisăo da medida de acompanhamento decretada, bem como para a remoçăo do cargo de Acompanhante, ainda que só provisoriamente, da irmă do Requerente, dado que como incidente que é, nestes autos, tinha o mesmo de alegar e fazer prova do preenchimento dos requisitos legais, e năo o satisfez. As custas deste incidente de Revisăo de Medida de Acompanhamento, ficam a cargo do Requerente, que nele decaiu. Fixo ao incidente, valor igual ao da acçăo: €30.000,01.» * Năo se conformando com a decisăo, dela apelou o Ministério Público, formulando, no final das suas alegaçơes, as seguintes CONCLUSƠES: 1. «Por sentença proferida em 13-07-2022, o Tribunal a quo indeferiu o presente incidente, sem, por um lado, se ter pronunciado sobre a audiçăo pessoal do acompanhado promovida pelo Ministério Público e, por outro lado, tendo entendido que năo existia uma relaçăo de prejudicialidade entre a revisăo de acompanhamento/remoçăo da acompanhante e a açăo de prestaçăo de contas. 2. A Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto veio introduzir o regime do maior acompanhado, revogando os anteriores institutos da interdiçăo e da inabilitaçăo e operando uma alteraçăo de paradigma relativamente a estes, alicerçado na primazia da autonomia da vontade do beneficiário. 3. Construído sob a égide de ‘proteger sem incapacitar’, o novo regime encontra o seu fundamento na Convençăo de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pelas Naçơes Unidas em 30 de Março de 2007, aprovada pela Resoluçăo da Assembleia da República n.º 56/2009, de 07 de Maio, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 71/2009, de 30 de Julho. 4. Tendo em consideraçăo que um dos objetivos básicos do novo regime consiste na primazia da autonomia do visado, cuja vontade deve ser respeitada, o legislador estipulou, expressamente e sem exceçơes, a audiçăo pessoal e direta do beneficiário (cfr. artigo 897.º, n.º 2, do CPC e artigo 139.º do CC). 5. No que concerne à revisăo do acompanhamento, o artigo 904.º, n.º 3, do CPC, remete, com as necessárias adaptaçơes, para o disposto nos artigos 892.º e seguintes, onde se inclui a audiçăo pessoal e direta do beneficiário. 6. O acompanhado deve ser ouvido relativamente a todas as decisơes que sejam tomadas e que lhe digam diretamente respeito, designadamente quanto à escolha do acompanhante (cfr. artigo 143.º, n.º 1, do Código Civil) e modificaçăo ou cessaçăo do acompanhamento. 7. A omissăo de tal ato processual padece da nulidade prevista no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por poder influir no exame ou na decisăo da causa, que inquina a própria decisăo proferida (sentença), a qual pode ser arguida em sede de recurso a interpor da mesma, como também configura a nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC. 8. Embora năo exista uma relaçăo de prejudicialidade formalmente prevista entre a revisăo do acompanhamento/remoçăo de acompanhante e a açăo de prestaçăo de contas, materialmente ambos se relacionam, podendo existir uma relaçăo causal entre os mesmos. 9. Com efeito, a medida de representaçăo geral aplicada inclui a gestăo da pessoa do acompanhado, bem como a administraçăo total dos seus bens. 10. Caso se conclua que as contas foram prestadas de modo válido e regular, entăo concluir-se-á que a acompanhante se encontra a exercer o seu cargo, no que à gestăo do património diz respeito, de forma adequada e diligente. 11. Contudo, caso as contas năo forem julgadas validamente prestadas, forçoso será concluir que a mesma năo se encontra a exercer o seu cargo de acordo com o interesse do acompanhado, estando, até, eventualmente, a prejudicá-lo, o que implicará, consequentemente, a sua remoçăo do cargo ou a designaçăo de um acompanhante para a administraçăo do património ou ainda a constituiçăo do Conselho de Família. 12. Se assim năo for entendido, entăo a exigência da prestaçăo forçada de contas, judicialmente determinada, terá sido inconsequente, implicando que, a final, seja necessário requer novamente a revisăo do acompanhamento ou a remoçăo da acompanhante. 13. Assim, entendemos, s.m.o., que os autos ainda năo se encontravam em fase de prolaçăo de sentença, sendo necessária, por legalmente obrigatória, a audiçăo do acompanhado, e, bem assim, a análise e a decisăo sobre as contas apresentadas pela acompanhante no respetivo apenso e, ainda, a eventual audiçăo da acompanhante. 14. Termos em que entendemos que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser anulada a sentença proferida, devendo proceder-se, nomeadamente, à audiçăo pessoal e direta do maior acompanhado. Contudo, V. Ex.as decidirăo, fazendo, como sempre, JUSTIÇA!» * Năo se mostram juntas contra-alegaçơes. QUESTƠES A DECIDIR Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusơes delimitam a esfera de atuaçăo do tribunal ad quem, exercendo um funçăo semelhante à do pedido na petiçăo inicial.[1] Esta limitaçăo objetiva da atuaçăo do Tribunal da Relaçăo năo ocorre em sede da qualificaçăo jurídica dos factos ou relativamente a questơes de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também năo pode este Tribunal conhecer de questơes novas que năo tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisơes proferidas, ressalvando-se as questơes de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2] Nestes termos, as questơes a decidir săo as seguintes: i. Nulidade da sentença por preteriçăo da audiçăo pessoal e direta do beneficiário; ii. Relaçăo causal/prejudicialidade do apenso de prestaçăo de contas. Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir. FUNDAMENTAÇĂO DE FACTO A matéria relevante para a apreciaçăo de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido. FUNDAMENTAÇĂO DE DIREITO Nulidade da sentença por preteriçăo da audiçăo pessoal e direta do beneficiário. Este apenso iniciou-se em 16.2.2022, por requerimento de LC, filho do maior acompanhado, requerendo a Revisăo da Medida de Acompanhamento de Maior, com pedido de remoçăo provisória da Acompanhante nomeada, com efeitos à data da entrada do progenitor de ambos, no lar onde se encontra. Nos termos do Artigo 904º, nº3, do Código de Processo Civil: «Ao termo e à modificaçăo das medidas de acompanhamento aplicam-se, com as necessárias adaptaçơes e na medida do necessário, o disposto nos artigos 892º e seguintes, correndo os incidentes respetivos por apenso ao processo principal.» Conforme se refere em Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2ª ed., 2022, Almedina, p. 360: «O pedido de cessaçăo ou modificaçăo das medidas deve ser formulado por apenso, aplicando-se a tramitaçăo prevista nos art.ºs 892º a 900º, com as necessárias adaptaçơes. Esta remissăo implica a obrigatoriedade da audiçăo, pessoal e direta, do maior acompanhado (cf. art.ºs 897º, nº 2 e 898º). A tangibilidade do caso julgado justifica-se em nome da tutela da dignidade e da autonomia do beneficiário.» Também Margaria Paz, “O Ministério Público e o maior acompanhado”, in O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, e-book do CEJ 2019, pp. 131-132, sinaliza que: «Neste contexto, audiçăo pessoal e direta do beneficiário năo deve apenas ocorrer relativamente à tomada de decisăo da medida ou medidas de acompanhamento a decretar pelo tribunal. Na verdade, o acompanhado deve ser ouvido relativamente a todas as decisơes que sejam tomadas e que lhe digam diretamente respeito, nomeadamente: - Escolha do acompanhante (como resulta diretamente do artigo 143.º, n.º 1, do CC); - Decisăo de acompanhamento (como resulta diretamente do artigo 898.º, n.º 1, do CPC); - Revisăo periódica do acompanhamento (artigo 155.º do CC); - Modificaçăo ou cessaçăo do acompanhamento (artigo 904.º do CPC); - Decretamento de medidas provisórias (artigo 891.º, n.º 2, do CPC); - Autorizaçăo para a prática de atos, entendida em sentido amplo (Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro).» No caso em apreço, o tribunal a quo năo procedeu à audiçăo pessoal do beneficiário no que tange à pretendida revisăo/alteraçăo da medida de acompanhamento, o que consubstancia uma nulidade nos termos do Artigo 195º, nº 1, do Código de Processo Civil. Todavia, essa nulidade processual é absorvida pela nulidade decisória a que se reporta o Artigo 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil. Conforme refere Teixeira de Sousa, “Nulidades do processo e nulidades da sentença: em busca da clareza necessária clareza”, 22.9.2020, in Blog do IPPC: «A audiçăo prévia das partes é um pressuposto ou uma condiçăo para que a decisăo năo seja considerada uma decisăo-surpresa. Quer dizer: a decisăo-surpresa é um vício único e próprio: a decisăo é uma decisăo-surpresa quando tenha sido omitida a audiçăo prévia das partes. Noutros termos: há um vício (que é a decisăo-surpresa), e năo dois vícios independentes (a omissăo da audiência prévia das partes e a decisăo-surpresa). Em concreto: há um vício processual que é consequência da omissăo de um acto. Se assim é, claro que o que há que considerar é o vício em si mesmo (a decisăo-surpresa), e năo separadamente a causa do vício e o vício. Em parte alguma do direito processual ou do direito substantivo se considera a causa do vício e o vício como duas realidades distintas. A única distinçăo que é possível fazer é ontológica: é a distinçăo entre a causa e a consequência. Dado que a decisăo-surpresa corresponde a um único vício e porque este nada tem a ver com a decisăo como trâmite, o vício de que padece a decisăo-surpresa só pode ser um vício que respeita à decisăo como acto. Em concreto, a decisăo-surpresa é uma decisăo nula por excesso de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, al. d), CPC), dado que se pronúncia sobre uma questăo sobre a qual, sem a audiçăo prévia das partes, năo se pode pronunciar. Note-se que, como se tem vindo a repetir neste Blog, esta soluçăo é a única que é compatível com a impugnaçăo da decisăo-surpresa através de recurso e com o objecto do recurso. O objecto do recurso é sempre uma decisăo, pelo que, se houvesse uma nulidade processual, a mesma năo poderia constituir objecto de recurso e teria de ser reclamada no tribunal a quo.» Termos em que se conclui que a decisăo impugnada é nula porquanto a M.mª Juíza se pronunciou sobre questăo de que năo podia ter tomado conhecimento sem audiçăo prévia do beneficiário. Relaçăo causal/prejudicialidade do apenso de prestaçăo de contas. Na petiçăo inicial, o requerente alegou diversa factualidade, pretendendo questionar o modo como a acompanhante (sua irmă) está a gerir o património do requerido, designadamente afirmou que: 22. Desde entăo, a irmă toma unilateralmente todas e quaisquer decisơes, dispơe do seu património e nem sequer da contas ao seu irmăo, ora requerente, estado de coisas que urge alterar pelo bem do pai de ambos 29. O acompanhado apresenta momentos de desorientaçăo, desconhecimento do meio e pessoas que o rodeiam, assim como da sua situaçăo física, năo sendo capaz de caminhar sem auxílio e necessitando de estar sentado numa cadeira com recurso a faixa de contençăo (cinto apropriado ou lençol atado) sob pena de tombar frontalmente. 30. Mas isso năo permite que do ponto de vista financeiro, a acompanhante tenha tomado de assalto o controlo da vida, seus bens e conta bancária, nunca mais tendo dado conhecimento ao próprio pai ou ao irmăo, 31. Recusando-se a prestar contas a quem quer que seja. 32. A Acompanhante, permanentemente desempregada, tem assim à sua exclusiva mercê o rendimento mensal do Beneficiário decorrente do valor da sua reforma, na ordem dos 1.300,00€ mensais, 33. E ainda a renda do imóvel propriedade do Acompanhado, presentemente de 450,00€, conforme doc. 7 para cujo conteúdo se remete, 40. Sabe somente que o condomínio do imóvel do pai năo se encontra a ser pago, apesar dos vários avisos que tem dirigido à sua irmă, conforme doc. 8, que em Outubro de 2021 era já devido o valor de 500,00€. Nesta senda, no despacho de 21.4.2022, o tribunal a quo ordenou que a acompanhante prestasse forçadamente contas. Da prestaçăo de contas (ou mesmo da sua prestaçăo defeituosa) podem emergir (eventualmente) factos suscetíveis de fundamentar a remoçăo da acompanhante (cf. Artigos 152º e 1948º, al. a), do Código Civil), sendo certo que foi inicialmente pedida a “remoçăo provisória” da acompanhante. Neste tipo de processos, o tribunal năo está sequer vinculado às medidas que tenham sido requeridas (cf. Artigos 987º e 891º; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2ª ed., 2022, Almedina, p. 355). Embora formalmente se tratem de apensos distintos, a interconexăo pode ser real e operativa, sendo certo que o apenso de prestaçăo de contas nasceu deste apenso. Assim, visando assegurar a economia de atos e a obtençăo de uma decisăo abrangente em prazo razoável, entende-se que a decisăo a proferir neste apenso deverá aguardar a finalizaçăo da instruçăo do apenso de prestaçăo de contas. Trata-se de uma soluçăo subsumível à denominada agregaçăo de processos, na qual ocorre a prática em conjunto de atos processuais relativos a processos distintos, năo perdendo os processos a sua autonomia. A agregaçăo de processos reconduz-se à cláusula geral da gestăo processual (cf. Joăo Pedro Pinto-Ferreira, Adequaçăo Formal e Garantias Processuais na Açăo Declarativa, Almedina, 2022, pp. 95, 271-273). A agregaçăo deva ser precedida da audiçăo prévia das partes (Artigo 3º, nº3, do Código de Processo Civil; Op. Cit., p. 274). Em suma, as circunstâncias referidas suscitam a intervençăo do princípio da gestăo processual (cf. Artigo 6º do Código de Processo Civil), devendo ocorrer articulaçăo entre a instruçăo deste apenso e do apenso de prestaçăo de contas de molde a que a decisăo a proferir neste processo espelhe também o resultado da instruçăo do apenso de prestaçăo de contas. DECISĂO Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelaçăo e, em consequência: 1. Declara-se nula a decisăo proferida em 13.7.2022, por conhecimento de questăo de que o tribunal a quo năo podia tomar conhecimento, determinando-se que o tribunal a quo proceda à audiçăo pessoal e direta do beneficiário; 2. Determina-se que o tribunal a quo atue o princípio da gestăo processual, agregando este apenso com o de prestaçăo de contas na fase de produçăo de prova neste, visando a economia de atos, só depois proferindo decisăo final neste apenso. Sem custas. Lisboa, 22.11.2022 Luís Filipe Sousa José Capacete Carlos Oliveira _______________________________________________________ [1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115. [2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119. Neste sentido, cf. os Acórdăos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18. O tribunal de recurso năo pode conhecer de questơes novas sob pena de violaçăo do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdăo do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).
Acordam os Juízes na 7ª Secçăo do Tribunal da Relaçăo de Lisboa: RELATÓRIO Por sentença de 24 de maio de 2021, transitada em julgado, e proferida nos autos principais, foi a filha do Maior Acompanhado e requerente, VT, nomeada Acompanhante do requerido/Beneficiário JL. Mais se determinou aí o acompanhamento do Requerido/Beneficiário, com inicio de incapacidade fixada em 21 de Fevereiro de 2020, sendo em concreto aplicada a medida de representaçăo geral, com administraçăo total de bens, conforme art.º 145º, n.º 2, als. b) e c) e n.º 4, do Código Civil, com dispensa de constituiçăo do Conselho de Família, e com limitaçăo do direito pessoal de testar, conforme art.º 147º, n.º 2, do Código Civil. Por requerimento de 16 de Fevereiro de 2022 deste Apenso, veio LC requerer a Revisăo da Medida de Acompanhamento de Maior, com pedido de remoçăo provisória da Acompanhante nomeada, com efeitos à data da entrada do progenitor de ambos, no lar onde se encontra, atualmente, o Lar (...), em (...) - a sua institucionalizaçăo ocorreu em 24 de Julho de 2021. Terminou formulando os seguintes pedidos: a) que seja decretado a revisăo do regime de acompanhamento do Beneficiário JL com medida de representaçăo geral, com administraçăo total de bens, e com limitaçăo do direito pessoal de testar, conforme art.º 145º, n.ºs 2, al. b) e 4 do Código Civil, nomeando provisoriamente ambos os filhos como acompanhantes, ou em alternativa năo se prescindindo do conselho de família; b) Seja exonerada a acompanhante VT, filha, desde Outubro de 2020, data em que deixou de desempenhar cabalmente as suas funçơes, c) Seja ouvido o beneficiário presencialmente ou por videoconferência no lar, na presença de ambos os seus filhos. d) Determine a alteraçăo para o correcto e actual domicílio do requerido/beneficiário, que năo é há muito o da acompanhante. e) Que a anterior acompanhante preste contas nos termos legais desde 21 de Fevereiro de 2020, às quais se tem reiteradamente recusado, f) E seja elaborada lista de bens imóveis e móveis pertencentes ao acompanhado. g) Oficiar o banco Caixa Geral de Depósitos e a acompanhante a informar que poderes conferidos através de procuraçăo fora dos presentes autos detém neste momento.» Foi proferido desapcho de aperfeiçoamento do requerimento inicial, com a correspondente articulaçăo factual e com a junçăo de um documento autêntico, o que apenas satisfez, nesta última parte, comprovando a sua legitimidade ativa. Realizou-se a audiçăo do requerente (Ata de 21 de Abril de 2022), tendo o mesmo esclarecido que o que pretende é que a irmă e Acompanhante lhe preste contas e ao Tribunal, do Acompanhamento de Maior, năo pretende nem demonstrou a intençăo/disponibilidade de ser nomeado Acompanhante, sequer de questionar a necessidade ou pertinência de qualquer uma das Medidas de Acompanhamento decretadas. Nessa mesma data (21.4.2022), foi proferido despacho em que, além de outros aspetos, se decidiu: «No mais, notifique a acompanhante, para proceder à prestaçăo forçada de contas conforme artigo 949º, n.º 1, parte final, do Código Processo Civil, o qual corre por apenso aos presentes autos.» Os autos foram ainda instruídos com o valor da pensăo de invalidez do CNP, print com relaçăo dos pagamentos efectuados, informaçơes clínicas do Acompanhado de 5.02.2022, 16.02.2022, 9.03.2022, 16.04.2022 e 3.05.2022, informaçơes do Lar e valor da pensăo de sobrevivência da CGA. Em 13.7.2022, foi proferida decisăo com o seguinte teor [decisăo impugnada]: « Apreciando. Desde já se consigna que, em face da alegaçăo factual do Requerente, e dos atos judiciais praticados nos autos principais, veja-se a audiçăo do requerido/beneficiário, e a realizaçăo de exame pericial, năo se entende, em face do pedido, relevante ou pertinente a inquiriçăo das três testemunhas que o Requerente arrolou, até porque, como supra se aludiu e nos autos se alertou, “este năo é um processo entre partes”, é uma acçăo especial, expressamente prevista e legislada, cfr. os art.ºs 891º e ss. do Código de Processo Civil que se năo compadece, com arguiçơes de “falta de liberdade” ou de “pressơes” a que o Requerido alegadamente fora sujeito durante a sua audiçăo pessoal, quando à mesma presidiu este Tribunal, no caso a signatária, bem como o Digno Magistrado do Ministério Público, em sua defesa, a Sra. Perita Médica do Gabinete Médico Legal e a Sra. Oficial de Justiça. Ademais, tal audiçăo foi reduzida a escrito, e nela se encontra a posiçăo e a “ligaçăo/relacionamento” mantida entre o Requerido e o filho, sendo o próprio filho que admite que, além de passar a residir na casa pertença do Pai, com a sua família, indo este viver para casa de uma companheira, ficou na posse dos bens do Pai e geriu-os, sem a autorizaçăo deste (pelo menos válida, vg a data fixada de inicio da incapacidade) ou da sua irmă, nada mais tendo feito no que respeita à saúde do requerido ou outras diligências, vg “acompanhar de facto uma pessoa maior de idade com necessidade de acompanhamento”. Estes actos da vida diária, foram escrutinados, muito além da audiçăo da Requerente no processo principal, ato que em si, propositura da acçăo, já revela um acompanhamento de facto. E tais atos foram vertidos nos autos. De resto, exercido o contraditório, cfr. fls. 54 e ss., pela Acompanhante, e fls. 90/91, pelo Digno Magistrado do Ministério Público, estamos em condiçơes de proferir decisăo, neste conspecto năo concordando com a promoçăo antecedente, pois que inexiste qualquer prejudicialidade entre o processo de Prestaçăo de Contas e este processo de Revisăo de Medida e Acompanhamento a Maior, nem o Requerente demonstrou de qualquer forma, quer alegando, quer comprovando o que alegou, qualquer mau desempenho do cargo da Acompanhante ou a necessidade de alteraçăo da decisăo já proferida, quanto ao Acompanhado, cujo bem-estar e autonomia, năo podem ser violados, coarctados, pelo simples facto de se pretender ver “tudo questionado, novamente”, repetidos atos judiciais válidos, vg, sequer o exame pericial realizado e vertido em relatório nos autos, convenceu o requerente, entendendo este que eventualmente “seria de estar na audiçăo, (o Maior) acompanhado ainda por um psicólogo ou pessoa idónea”. Por último, refira-se, a audiçăo do requerido e a realizaçăo de exame pericial, via webex, cfr. fls. 66 e ss., em Março de 2021, ainda em período de estado de emergência por Pandemia de Covid 19, năo lhe retira qualquer credibilidade ou isençăo, năo sendo sequer legalmente obrigatória a presença do filho, ora Requerente, ali mero interveniente acidental, năo cabendo no leque legal das pessoas referidas no n.º 2 do art.º 898º. Ademais, é a própria Lei que prevê como possibilidade, o Tribunal ouvi-lo (ao beneficiário), sozinho se tal se revelar pertinente (cfr. art.º 898º, n.º 3 do CPC). Os art.ºs 138º e ss. do CC, invocados pelo Requerente no RI, pertencem à Subseçăo III, da Secçăo V Menores e Maiores Acompanhados, do Capitulo I Pessoas Singulares, do Subtítulo Das Pessoas, ou seja, a toda a secçăo do Código Civil (doravante CC) que respeita ao atual Regime legal do Maior Acompanhado. Năo invocou o requerente, inicialmente ou a convite judicial, em concreto, em que preceito legal respalda a sua atuaçăo e pretensăo. É facto, dispơe o art.º 149º do CC que “1- O acompanhamento cessa ou é modificado mediante decisăo judicial que reconheça a cessaçăo ou a modificaçăo das causas que o justificaram. 2 - Os efeitos da decisăo podem retroagir à data em que se verificou a cessaçăo ou modificaçăo referidas no número anterior. 3 - Podem pedir a cessaçăo ou modificaçăo do acompanhamento o acompanhante ou qualquer uma das pessoas referidas no n.° 1 do artigo 141.°” (sublinhado nosso) e săo estas, cfr. art.º 141º, n.º 1 do Código Civil “1 - O acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorizaçăo deste, pelo cônjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorizaçăo, pelo Ministério Público. (...)” (sublinhado nosso). Já o art.º 904º do CPC, prevê que “(...) 2 - As medidas de acompanhamento podem, a todo o tempo, ser revistas ou levantadas pelo tribunal, quando a evoluçăo do beneficiário o justifique. 3 - Ao termo e à modificaçăo das medidas de acompanhamento aplicam-se, com as necessárias adaptaçơes e na medida do necessário, o disposto nos artigos 892.º e seguintes, correndo os incidentes respetivos por apenso ao processo principal” (sublinhado nosso). Esta năo é claramente a situaçăo dos autos, pelo que necessariamente improcede a pretensăo do Requerente. * Por todo o exposto, julgo inverificados os requisitos para alteraçăo ou revisăo da medida de acompanhamento decretada, bem como para a remoçăo do cargo de Acompanhante, ainda que só provisoriamente, da irmă do Requerente, dado que como incidente que é, nestes autos, tinha o mesmo de alegar e fazer prova do preenchimento dos requisitos legais, e năo o satisfez. As custas deste incidente de Revisăo de Medida de Acompanhamento, ficam a cargo do Requerente, que nele decaiu. Fixo ao incidente, valor igual ao da acçăo: €30.000,01.» * Năo se conformando com a decisăo, dela apelou o Ministério Público, formulando, no final das suas alegaçơes, as seguintes CONCLUSƠES: 1. «Por sentença proferida em 13-07-2022, o Tribunal a quo indeferiu o presente incidente, sem, por um lado, se ter pronunciado sobre a audiçăo pessoal do acompanhado promovida pelo Ministério Público e, por outro lado, tendo entendido que năo existia uma relaçăo de prejudicialidade entre a revisăo de acompanhamento/remoçăo da acompanhante e a açăo de prestaçăo de contas. 2. A Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto veio introduzir o regime do maior acompanhado, revogando os anteriores institutos da interdiçăo e da inabilitaçăo e operando uma alteraçăo de paradigma relativamente a estes, alicerçado na primazia da autonomia da vontade do beneficiário. 3. Construído sob a égide de ‘proteger sem incapacitar’, o novo regime encontra o seu fundamento na Convençăo de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pelas Naçơes Unidas em 30 de Março de 2007, aprovada pela Resoluçăo da Assembleia da República n.º 56/2009, de 07 de Maio, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 71/2009, de 30 de Julho. 4. Tendo em consideraçăo que um dos objetivos básicos do novo regime consiste na primazia da autonomia do visado, cuja vontade deve ser respeitada, o legislador estipulou, expressamente e sem exceçơes, a audiçăo pessoal e direta do beneficiário (cfr. artigo 897.º, n.º 2, do CPC e artigo 139.º do CC). 5. No que concerne à revisăo do acompanhamento, o artigo 904.º, n.º 3, do CPC, remete, com as necessárias adaptaçơes, para o disposto nos artigos 892.º e seguintes, onde se inclui a audiçăo pessoal e direta do beneficiário. 6. O acompanhado deve ser ouvido relativamente a todas as decisơes que sejam tomadas e que lhe digam diretamente respeito, designadamente quanto à escolha do acompanhante (cfr. artigo 143.º, n.º 1, do Código Civil) e modificaçăo ou cessaçăo do acompanhamento. 7. A omissăo de tal ato processual padece da nulidade prevista no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por poder influir no exame ou na decisăo da causa, que inquina a própria decisăo proferida (sentença), a qual pode ser arguida em sede de recurso a interpor da mesma, como também configura a nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC. 8. Embora năo exista uma relaçăo de prejudicialidade formalmente prevista entre a revisăo do acompanhamento/remoçăo de acompanhante e a açăo de prestaçăo de contas, materialmente ambos se relacionam, podendo existir uma relaçăo causal entre os mesmos. 9. Com efeito, a medida de representaçăo geral aplicada inclui a gestăo da pessoa do acompanhado, bem como a administraçăo total dos seus bens. 10. Caso se conclua que as contas foram prestadas de modo válido e regular, entăo concluir-se-á que a acompanhante se encontra a exercer o seu cargo, no que à gestăo do património diz respeito, de forma adequada e diligente. 11. Contudo, caso as contas năo forem julgadas validamente prestadas, forçoso será concluir que a mesma năo se encontra a exercer o seu cargo de acordo com o interesse do acompanhado, estando, até, eventualmente, a prejudicá-lo, o que implicará, consequentemente, a sua remoçăo do cargo ou a designaçăo de um acompanhante para a administraçăo do património ou ainda a constituiçăo do Conselho de Família. 12. Se assim năo for entendido, entăo a exigência da prestaçăo forçada de contas, judicialmente determinada, terá sido inconsequente, implicando que, a final, seja necessário requer novamente a revisăo do acompanhamento ou a remoçăo da acompanhante. 13. Assim, entendemos, s.m.o., que os autos ainda năo se encontravam em fase de prolaçăo de sentença, sendo necessária, por legalmente obrigatória, a audiçăo do acompanhado, e, bem assim, a análise e a decisăo sobre as contas apresentadas pela acompanhante no respetivo apenso e, ainda, a eventual audiçăo da acompanhante. 14. Termos em que entendemos que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser anulada a sentença proferida, devendo proceder-se, nomeadamente, à audiçăo pessoal e direta do maior acompanhado. Contudo, V. Ex.as decidirăo, fazendo, como sempre, JUSTIÇA!» * Năo se mostram juntas contra-alegaçơes. QUESTƠES A DECIDIR Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusơes delimitam a esfera de atuaçăo do tribunal ad quem, exercendo um funçăo semelhante à do pedido na petiçăo inicial.[1] Esta limitaçăo objetiva da atuaçăo do Tribunal da Relaçăo năo ocorre em sede da qualificaçăo jurídica dos factos ou relativamente a questơes de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também năo pode este Tribunal conhecer de questơes novas que năo tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisơes proferidas, ressalvando-se as questơes de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2] Nestes termos, as questơes a decidir săo as seguintes: i. Nulidade da sentença por preteriçăo da audiçăo pessoal e direta do beneficiário; ii. Relaçăo causal/prejudicialidade do apenso de prestaçăo de contas. Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir. FUNDAMENTAÇĂO DE FACTO A matéria relevante para a apreciaçăo de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido. FUNDAMENTAÇĂO DE DIREITO Nulidade da sentença por preteriçăo da audiçăo pessoal e direta do beneficiário. Este apenso iniciou-se em 16.2.2022, por requerimento de LC, filho do maior acompanhado, requerendo a Revisăo da Medida de Acompanhamento de Maior, com pedido de remoçăo provisória da Acompanhante nomeada, com efeitos à data da entrada do progenitor de ambos, no lar onde se encontra. Nos termos do Artigo 904º, nº3, do Código de Processo Civil: «Ao termo e à modificaçăo das medidas de acompanhamento aplicam-se, com as necessárias adaptaçơes e na medida do necessário, o disposto nos artigos 892º e seguintes, correndo os incidentes respetivos por apenso ao processo principal.» Conforme se refere em Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2ª ed., 2022, Almedina, p. 360: «O pedido de cessaçăo ou modificaçăo das medidas deve ser formulado por apenso, aplicando-se a tramitaçăo prevista nos art.ºs 892º a 900º, com as necessárias adaptaçơes. Esta remissăo implica a obrigatoriedade da audiçăo, pessoal e direta, do maior acompanhado (cf. art.ºs 897º, nº 2 e 898º). A tangibilidade do caso julgado justifica-se em nome da tutela da dignidade e da autonomia do beneficiário.» Também Margaria Paz, “O Ministério Público e o maior acompanhado”, in O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, e-book do CEJ 2019, pp. 131-132, sinaliza que: «Neste contexto, audiçăo pessoal e direta do beneficiário năo deve apenas ocorrer relativamente à tomada de decisăo da medida ou medidas de acompanhamento a decretar pelo tribunal. Na verdade, o acompanhado deve ser ouvido relativamente a todas as decisơes que sejam tomadas e que lhe digam diretamente respeito, nomeadamente: - Escolha do acompanhante (como resulta diretamente do artigo 143.º, n.º 1, do CC); - Decisăo de acompanhamento (como resulta diretamente do artigo 898.º, n.º 1, do CPC); - Revisăo periódica do acompanhamento (artigo 155.º do CC); - Modificaçăo ou cessaçăo do acompanhamento (artigo 904.º do CPC); - Decretamento de medidas provisórias (artigo 891.º, n.º 2, do CPC); - Autorizaçăo para a prática de atos, entendida em sentido amplo (Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro).» No caso em apreço, o tribunal a quo năo procedeu à audiçăo pessoal do beneficiário no que tange à pretendida revisăo/alteraçăo da medida de acompanhamento, o que consubstancia uma nulidade nos termos do Artigo 195º, nº 1, do Código de Processo Civil. Todavia, essa nulidade processual é absorvida pela nulidade decisória a que se reporta o Artigo 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil. Conforme refere Teixeira de Sousa, “Nulidades do processo e nulidades da sentença: em busca da clareza necessária clareza”, 22.9.2020, in Blog do IPPC: «A audiçăo prévia das partes é um pressuposto ou uma condiçăo para que a decisăo năo seja considerada uma decisăo-surpresa. Quer dizer: a decisăo-surpresa é um vício único e próprio: a decisăo é uma decisăo-surpresa quando tenha sido omitida a audiçăo prévia das partes. Noutros termos: há um vício (que é a decisăo-surpresa), e năo dois vícios independentes (a omissăo da audiência prévia das partes e a decisăo-surpresa). Em concreto: há um vício processual que é consequência da omissăo de um acto. Se assim é, claro que o que há que considerar é o vício em si mesmo (a decisăo-surpresa), e năo separadamente a causa do vício e o vício. Em parte alguma do direito processual ou do direito substantivo se considera a causa do vício e o vício como duas realidades distintas. A única distinçăo que é possível fazer é ontológica: é a distinçăo entre a causa e a consequência. Dado que a decisăo-surpresa corresponde a um único vício e porque este nada tem a ver com a decisăo como trâmite, o vício de que padece a decisăo-surpresa só pode ser um vício que respeita à decisăo como acto. Em concreto, a decisăo-surpresa é uma decisăo nula por excesso de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, al. d), CPC), dado que se pronúncia sobre uma questăo sobre a qual, sem a audiçăo prévia das partes, năo se pode pronunciar. Note-se que, como se tem vindo a repetir neste Blog, esta soluçăo é a única que é compatível com a impugnaçăo da decisăo-surpresa através de recurso e com o objecto do recurso. O objecto do recurso é sempre uma decisăo, pelo que, se houvesse uma nulidade processual, a mesma năo poderia constituir objecto de recurso e teria de ser reclamada no tribunal a quo.» Termos em que se conclui que a decisăo impugnada é nula porquanto a M.mª Juíza se pronunciou sobre questăo de que năo podia ter tomado conhecimento sem audiçăo prévia do beneficiário. Relaçăo causal/prejudicialidade do apenso de prestaçăo de contas. Na petiçăo inicial, o requerente alegou diversa factualidade, pretendendo questionar o modo como a acompanhante (sua irmă) está a gerir o património do requerido, designadamente afirmou que: 22. Desde entăo, a irmă toma unilateralmente todas e quaisquer decisơes, dispơe do seu património e nem sequer da contas ao seu irmăo, ora requerente, estado de coisas que urge alterar pelo bem do pai de ambos 29. O acompanhado apresenta momentos de desorientaçăo, desconhecimento do meio e pessoas que o rodeiam, assim como da sua situaçăo física, năo sendo capaz de caminhar sem auxílio e necessitando de estar sentado numa cadeira com recurso a faixa de contençăo (cinto apropriado ou lençol atado) sob pena de tombar frontalmente. 30. Mas isso năo permite que do ponto de vista financeiro, a acompanhante tenha tomado de assalto o controlo da vida, seus bens e conta bancária, nunca mais tendo dado conhecimento ao próprio pai ou ao irmăo, 31. Recusando-se a prestar contas a quem quer que seja. 32. A Acompanhante, permanentemente desempregada, tem assim à sua exclusiva mercê o rendimento mensal do Beneficiário decorrente do valor da sua reforma, na ordem dos 1.300,00€ mensais, 33. E ainda a renda do imóvel propriedade do Acompanhado, presentemente de 450,00€, conforme doc. 7 para cujo conteúdo se remete, 40. Sabe somente que o condomínio do imóvel do pai năo se encontra a ser pago, apesar dos vários avisos que tem dirigido à sua irmă, conforme doc. 8, que em Outubro de 2021 era já devido o valor de 500,00€. Nesta senda, no despacho de 21.4.2022, o tribunal a quo ordenou que a acompanhante prestasse forçadamente contas. Da prestaçăo de contas (ou mesmo da sua prestaçăo defeituosa) podem emergir (eventualmente) factos suscetíveis de fundamentar a remoçăo da acompanhante (cf. Artigos 152º e 1948º, al. a), do Código Civil), sendo certo que foi inicialmente pedida a “remoçăo provisória” da acompanhante. Neste tipo de processos, o tribunal năo está sequer vinculado às medidas que tenham sido requeridas (cf. Artigos 987º e 891º; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2ª ed., 2022, Almedina, p. 355). Embora formalmente se tratem de apensos distintos, a interconexăo pode ser real e operativa, sendo certo que o apenso de prestaçăo de contas nasceu deste apenso. Assim, visando assegurar a economia de atos e a obtençăo de uma decisăo abrangente em prazo razoável, entende-se que a decisăo a proferir neste apenso deverá aguardar a finalizaçăo da instruçăo do apenso de prestaçăo de contas. Trata-se de uma soluçăo subsumível à denominada agregaçăo de processos, na qual ocorre a prática em conjunto de atos processuais relativos a processos distintos, năo perdendo os processos a sua autonomia. A agregaçăo de processos reconduz-se à cláusula geral da gestăo processual (cf. Joăo Pedro Pinto-Ferreira, Adequaçăo Formal e Garantias Processuais na Açăo Declarativa, Almedina, 2022, pp. 95, 271-273). A agregaçăo deva ser precedida da audiçăo prévia das partes (Artigo 3º, nº3, do Código de Processo Civil; Op. Cit., p. 274). Em suma, as circunstâncias referidas suscitam a intervençăo do princípio da gestăo processual (cf. Artigo 6º do Código de Processo Civil), devendo ocorrer articulaçăo entre a instruçăo deste apenso e do apenso de prestaçăo de contas de molde a que a decisăo a proferir neste processo espelhe também o resultado da instruçăo do apenso de prestaçăo de contas. DECISĂO Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelaçăo e, em consequência: 1. Declara-se nula a decisăo proferida em 13.7.2022, por conhecimento de questăo de que o tribunal a quo năo podia tomar conhecimento, determinando-se que o tribunal a quo proceda à audiçăo pessoal e direta do beneficiário; 2. Determina-se que o tribunal a quo atue o princípio da gestăo processual, agregando este apenso com o de prestaçăo de contas na fase de produçăo de prova neste, visando a economia de atos, só depois proferindo decisăo final neste apenso. Sem custas. Lisboa, 22.11.2022 Luís Filipe Sousa José Capacete Carlos Oliveira _______________________________________________________ [1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115. [2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119. Neste sentido, cf. os Acórdăos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18. O tribunal de recurso năo pode conhecer de questơes novas sob pena de violaçăo do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdăo do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).