I - A decisăo do tribunal de 1.ª instância que indefere o “pedido de reconhecimento de nulidade de um despacho”, năo admite recurso ordinário, só podendo ser impugnada, reunidos que estejam os pressupostos gerais da recorribilidade, no âmbito do recurso que venha a ser interposto da decisăo final; II – Tal decisăo insere-se no regular andamento do processo executivo e no controlo da legalidade dos actos nele praticados, năo constituindo uma decisăo proferida em “procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitaçăo da acçăo executiva” (art.º 853.º, n.º 1 do CPC), nem integrando qualquer uma das previsơes das diversas alíneas do n.º 2 do art.º 853.º do CPC; III – A impugnaçăo dessa decisăo com o recurso da decisăo final năo é absolutamente inútil, ainda que o seu provimento possa determinar a anulaçăo de alguns actos, por ser esse o risco próprio ou normal dos recursos diferidos.
Acordam, em conferência, os juízes na 8.ª Secçăo do Tribunal da Relaçăo de Lisboa: I – RELATÓRIO 1.1. Vieram os recorrentes A…… e B….. reclamar para a conferência do despacho do relator, datado de 16.12.2022, que rejeitou o recurso por si interposto em 19.12.2019, com fundamento na sua inadmissibilidade, requerendo que o mesmo seja admitido e formulando, para tanto, as seguintes conclusơes: «1. A decisăo singular ora reclamada, que decidiu rejeitar o recurso de apelaçăo interposto pelos Reclamantes com fundamento na respetiva inadmissibilidade legal, consubstancia uma errada interpretaçăo e aplicaçăo da Lei, nomeadamente, das disposiçơes conjugadas do art.º 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4 ex vi art.º 852.º e, ainda, do artigo 644.º, n.º 2, al. h) ex vi art.º 852.º e 853.º, n.º 2, al. a), todos do CPC. 2. Ao contrário do que foi julgado no âmbito da decisăo singular ora reclamada, a admissibilidade do recurso em discussăo apresenta sustento legal e doutrinário e foi inclusivamente a posiçăo assumida pelo Tribunal “a quo” que admitiu o recurso mediante despacho proferido em 16/10/2021. Senăo vejamos, 3. O objeto do recurso de apelaçăo interposto pelos Reclamantes, em 19/12/2019, foi o despacho datado de 12/09/2019, na parte em que o Tribunal “a quo” indeferiu o pedido de reconhecimento da nulidade do despacho de 06/07/2018 (conclusăo de 07/06/2018). 4. Os Reclamantes consideraram que o título executivo apresentado nos autos năo tinha força executiva por năo reunir os pressupostos que conferem eficácia a um título executivo, pelo que deveria ter sido indeferido liminarmente ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 734.º do CPC e, em consequência, deveria a execuçăo ter sido rejeitada e declarada extinta. 5. Năo obstante, o Tribunal “a quo” decidiu indeferir a declaraçăo de nulidade do despacho liminar pedida pelos Reclamantes, remetendo para o despacho de 06/07/2018 (conclusăo de 07/06/2018). 6. Esta remissăo para o despacho de 06/07/2018 (conclusăo de 07/06/2018), consubstanciou omissăo de pronúncia por parte do Tribunal “a quo” relativamente à nulidade invocada, designadamente em relaçăo ao tema da (in)exequibilidade do título dado à execuçăo. 7. Acontece que o Tribunal pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissăo dos bens penhorados, das questơes que poderiam ter determinado o indeferimento liminar do requerimento executivo (cfr. art.º 734.º do CPC). 8. A falta de indeferimento liminar do requerimento executivo com base na manifesta falta ou insuficiência do título e respetiva inexequibilidade configura uma nulidade nos termos do disposto nos artigos 726.º, n.º 2 al. a) e 195.º, ambos do CPC, que foi arguida pelos Reclamantes. 9. Do mesmo modo, também o despacho de 12/09/2019, objeto do recurso, que indeferiu a declaraçăo de nulidade do despacho de 06/07/2018 (conclusăo de 07/06/2018) padece de nulidade, entre outros e também por omissăo de pronúncia. 10. A nulidade do despacho de 06/07/2018 (conclusăo de 07/06/2018) e, consequentemente, também do despacho 12/09/2019, objeto do recurso – resultante da falta de declaraçăo de nulidade do despacho liminar com base na falta de requisitos essenciais do título executivo dado à execuçăo – pode ser invocada a todo o tempo e por qualquer interessado, assim como pode (e deve) ser declarada oficiosamente pelo Tribunal (cfr. art.º 286.º do Código Civil). 11. Por sua vez, a nulidade do despacho 12/09/2019, objeto do recurso, resultante da acima mencionada omissăo de pronúncia, consubstancia, em si mesmo, um fundamento de recurso (cfr. art.º 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4 ex vi art.º 852.º, todos do CPC). 12. Mais. A impugnaçăo do despacho objeto de recurso apenas com a decisăo final seria absolutamente inútil (cfr. art.º 644.º, n.º 2, al. h) do CPC). 13. A situaçăo de absoluta inutilidade referida pela alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC reporta-se a decisơes com efeitos irreversíveis tal como sucede no caso dos autos, na medida em que năo poderá ser colmatado pela eventual anulaçăo do processado posterior à interposiçăo do recurso da decisăo final. 14. De facto, as consequências da năo rejeiçăo do requerimento executivo săo definitivas e irreparáveis, uma vez que a prossecuçăo da execuçăo é precisamente aquilo que o recurso de apelaçăo interposto pelos Reclamantes pretende evitar! 15. De outro modo, restaria apenas e tăo só aos Reclamantes recorrerem posteriormente, nos termos do artigo 644.º n.º 4.º do CPC, em recurso a interpor após o trânsito da decisăo que julgasse extinta a execuçăo – soluçăo esta de que nada serviria mesmo que viesse a ser julgado procedente, pois, entretanto, a execuçăo teria prosseguido todos os seus termos, com todas as consequências inerentes! 16. Em suma, ao decidir rejeitar o recurso de apelaçăo interposto pelos Reclamantes com base numa pretensa inadmissibilidade legal, este douto Tribunal violou as disposiçơes conjugadas do art.º 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4 ex vi art.º 852.º e, ainda, do artigo 644.º, n.º 2, al. h) ex vi art.º 852.º e 853.º, n.º 2, al. a), todos do CPC. 17. Porquanto deveriam as normas jurídicas decorrentes de tais disposiçơes ter sido interpretadas e aplicadas por este douto Tribunal no sentido de admitir o referido recurso e, consequentemente, apreciar o seu objeto, 18. Razăo pela qual deverá a decisăo singular, objeto da presente reclamaçăo, ser substituída por outra que admita o recurso de apelaçăo interposto pelos Reclamantes e, consequentemente, aprecie o seu objeto, conforme à correta interpretaçăo das acima referidas normas». 1.2. Năo foram apresentadas contra-alegaçơes. 1.3. Nos termos previstos no art.º 662.º, n.º 3 do CPC, a parte que se considere prejudicada por qualquer despacho do relator pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdăo. 1.4. Colhidos os vistos, cumpre, entăo, decidir em conferência. II – QUESTOES A DECIDIR A questăo que se coloca na presente reclamaçăo consiste, apenas, em saber se a decisăo que recaiu sobre a nulidade invocada pelos executados, aqui reclamantes, é recorrível. III – FUNDAMENTAÇĂO DE FACTO Da tramitaçăo dos autos, e com relevância para a decisăo da questăo supra enunciada, decorrem os seguintes factos: 1. Por requerimento de 27.02.2018, os executados A…. e B….., ora reclamantes, apresentaram-se a «invocar a inexequibilidade do titulo executivo com as legais consequências, e ainda a arguir a nulidade do despacho liminar proferido nos autos, tudo com base no disposto nos artigos 195.º, 196.º in fine, 197.º 200.º, n.º3 , 726.º, n.º 2 al. a) e 734.º, todos do Código de Processo Civil» e a requerer que «esta execuçăo seja rejeitada e declarada extinta em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 734º do CPC e entrementes proferido despacho de suspensăo de diligências de penhora e /remoçăo»; 2. Sobre tal requerimento, recaiu despacho em 06.07.2018, com o seguinte teor: «A questăo da existência de título de executivo válido já foi decidida mediante o despacho proferido nestes autos a 17-03-2016, na sequência de dúvida suscitada pelo Sr. Agente de execuçăo mediante o requerimento apresentado a 05-01-2016. O documento particular dado à execuçăo data de 2 de Agosto de 1996, mostra-se assinado pelos executados e importa o reconhecimento de obrigaçăo pecuniária, cujo montante mostra-se determinado, pelo que, constitui título executivo de acordo com o disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do anterior Código de Processo Civil, podendo servir de base a execuçăo instaurada ao abrigo do novo Código de Processo Civil, atenta a jurisprudência do Tribunal Constitucional fixada mediante o Acórdăo n.º 408/2015 (publicado no D.R., n.º 201, Série I, de 14-10-2015). Por todo o exposto, indefere-se o requerido mediante o requerimento de 27-02-2018»; 3. No referido despacho de 17.03.2016, consta, por sua vez, o seguinte: «Deverăo os autos prosseguir os seus trâmites considerando o documento título executivo, por força do decidido pelo Tribunal Constitucional»; 4. O despacho de 06.07.2018 foi notificado aos executados por carta de 09.07.2018; 5. Por requerimento de 31.08.2018, os executados apresentaram-se a «reclamar e invocar a nulidade do douto despacho proferido com a Refª: 138037393 por omissăo de pronúncia nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 615.º n.º1 al. d), n.º 4, aplicável por força do disposto no artigo 613.º n.º 2 e 3, todos do C.P.C., e por consequência requererem que seja proferida decisăo sobre as questơes formuladas no requerimento apresentado em 05.03.2018 com a Refª: 28391485, para o qual se remete integralmente e sem reservas»; 6. Sobre este requerimento recaiu, em 12.09.2019, o seguinte despacho: «Mediante o despacho proferido a 06-07-2018, o Tribunal já se pronunciou no sentido do documento dado à execuçăo constituir título executivo e, como tal, poder fundar a presente execuçăo. Tal juízo tem subjacente, evidentemente, que o Tribunal entendeu năo se verificar qualquer das circunstâncias que poderiam conduzir ao indeferimento liminar ou à rejeiçăo do requerimento executivo – cfr. artigos 726º, n.º 2 e 734º, ambos do Código de Processo Civil – caso contrário, tê-lo-ia assim decidido. As demais questơes suscitadas pelos executados – que o título dado à execuçăo năo reúne os elementos essenciais ad substatian para configurar, nem um contrato de mútuo, nem um reconhecimento unilateral da dívida por parte dos executados e năo é exigível, conforme requerimento ora em apreciaçăo e que os executados já pagaram a dívida reclamada nos autos, conforme alegado no requerimento de 05-03-2018 – constituem matéria de oposiçăo à execuçăo. Como bem reconhecem os executados, os mesmos năo deduziram oposiçăo à execuçăo mediante embargos. Ora, os autos de execuçăo năo săo a sede própria para a apreciaçăo que os executados pretendem agora suscitar. A sede própria para tal discussăo só poderia ser a oposiçăo à execuçăo que os executados năo deduziram. Permitir aos executados suscitar a discussăo de tais questơes no âmbito da instância executiva significaria, em nosso entendimento, esvaziar de conteúdo, em absoluto, o meio processual que a lei coloca à disposiçăo do executado para se opor a uma execuçăo (oposiçăo à execuçăo mediante embargos) e o efeito preclusivo associado ao decurso do prazo para a utilizaçăo de tal meio, em claro desrespeito à lei. Em suma, uma vez que os executados năo reagiram à execuçăo no prazo e pelo meio processual previstos na lei, năo podem agora fazê-lo, para além do prazo de que dispunham e mediante simples requerimento nos próprios autos de execuçăo, por tal năo lhes ser legalmente permitido. Assim sendo, e salvo melhor entendimento, conclui-se que o Tribunal apreciou o que lhe era lícito apreciar, inexistindo qualquer nulidade. Por todo o exposto, indefere-se o requerido»; 7. Este despacho foi notificado às partes por carta de 20.07.2021; 8. Desse despacho foi interposto, em 19.12.2019, o presente recurso, nos seguinte termos: «năo se conformando com o teor do Despacho datado de 12-09-2019, que indefere o pedido de reconhecimento da nulidade do Despacho proferido com a Ref.ª: 137642368, datado de 07-06-2018, por omissăo de pronúncia, bem como do indeferimento do reconhecimento da nulidade do despacho liminar, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 726.º, n.º 2, al. a) e 734.º, ambos do Código de Processo Civil (doravante C.P.C.), dele pretendem interpor o competente Recurso para o Venerando Tribunal da Relaçăo de Lisboa» e onde terminam requerendo «seja declarada a nulidade do despacho liminar que admite o prosseguimento da acçăo executiva, por ter por base um título executivo inexequível e, em consequência, seja a presente acçăo declarada extinta em conformidade»; 9. Referem os recorrentes que «o Recurso é de Apelaçăo, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, nos termos conjugados dos artigos 853.º, n.º 4, 644.º, n.º 1, al. h), 645.º, n.º 2 e 647.º, n.º 1, do C.P.C»; 10. Em 16.10.2021 foi proferido despacho a admitir o recurso interposto, nos seguinte termos: «Por legal e tempestivo, interposto por quem tem legitimidade, está devidamente representado e observou o Regulamento das Custas Processuais, admite-se o presente recurso ordinário de apelaçăo que subirá imediatamente, em separado, com efeito devolutivo (art.ºs 853º, nºs 1 e 4; 630º a contrario sensu; 644º, n.º 1, a); 646º e 647º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil)»; 11. À execuçăo em causa foi atribuído o valor de €7.500,00. IV – FUNDAMENTAÇĂO DE DIREITO Como se referiu, cumpre decidir se deve ser mantido o despacho que năo admitiu o recurso interposto pelos executados/reclamantes. Adianta-se, desde já, que, em nosso entender, o despacho reclamado deve ser mantido, reiterando-se aqui todos os argumentos nele já expendidos e que aqui passamos a transcrever: «Está em causa a admissibilidade de um recurso em processo executivo, pelo que releva o disposto nos art.ºs 852.º e 853.º, ambos do CPC. De acordo com o primeiro artigo referido, «aos recursos de apelaçăo e de revista de decisơes proferidas no processo executivo săo aplicáveis as disposiçơes reguladoras do processo de declaraçăo e o disposto nos artigos seguintes». Já o segundo artigo mencionado dispơe, no seu n.º 1, sobre os recursos de apelaçăo interpostos de decisơes proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitaçăo da acçăo executiva, sendo que os respectivos n.ºs 2 e 3 definem, taxativamente, as decisơes suceptíveis de recurso de apelaçăo proferidas no âmbito do processo executivo stricto sensu. É, portanto, inequívoco que năo cabe apelaçăo de decisơes que năo possam subsumir-se na previsăo dos n.ºs 2 e 3 do art.º 853.º. No caso dos autos, estamos perante uma decisăo proferida na tramitaçăo do processo executivo em sentido próprio, tendo os recorrentes invocado o disposto no art.º 644.º, n.º 2 al. h) (na verdade, os recorrentes escrevem “n.º 1” mas terá sido lapso de escrita), aplicável ex vi do art.º 853.º, n.º 2 al. a). Já o despacho que admitiu o recurso socorreu-se dos art.ºs 853.º, n.º 1 e 644.º, n.º 1 al. a) do CPC. Antes de mais, importa ter presente que o despacho de 06.07.2018 só poderia ser atacado por via de recurso e năo mediante reclamaçăo, como o fizeram os executados, atento o disposto no art.º 615.º, n.º 4 do CPC. Contrariamente ao que os executados defendem no seu requerimento de 09.12.2022, as nulidades processuais năo estăo, como é óbvio, sujeitas ao regime das nulidades dos negócios jurídicos, nomeadamente, o previsto no art.º 286.º do CC, antes seguindo um regime próprio, previsto na lei adjectiva. Desta forma, a reclamaçăo deduzida pelos executados no dia 31.08.2018 nem sequer deveria ter sido apreciada. Năo é esse, no entanto, o fundamento do recurso, o que nos impede de conhecer desta questăo (como é consabido, do disposto nos art.ºs 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 do CPC, decorre que as conclusơes delimitam a esfera de actuaçăo do tribunal ad quem, exercendo uma funçăo semelhante à do pedido na petiçăo inicial) e nos compele a verificar se a decisăo que recaiu sobre essa reclamaçăo é recorrível. Ora, a decisăo em crise limitou-se a conhecer da arguiçăo de uma nulidade do processo executivo, o que năo constitui uma decisăo proferida em “procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitaçăo da acçăo executiva”, pelo que năo se enquadra na previsăo do referido n.º 1 do art.º 853.º. Designadamente, a nulidade arguida pelos executados năo constitui um incidente da instância e a decisăo sobre a mesma proferida năo se traduz numa decisăo que ponha termo a um incidente, mas sim numa decisăo que se insere no regular andamento do processo e no controlo da legalidade dos actos nele praticados. Tal foi, por exemplo, o entendimento seguido no acórdăo da Relaçăo de Évora, de 13.02.2012, disponível em www.dgsi.pt, onde se sumariou «As decisơes intercalares que năo estejam abrangidas por alguma das previsơes das diversas alíneas do n.º 2 do art.º 691º do CPC, como acontece, entre outros, com o despacho que defira ou indefira a nulidade da citaçăo, săo decisơes que năo admitem recurso imediato, embora, reunindo os pressupostos gerais da recorribilidade, possam ser impugnadas no âmbito do recurso que eventualmente venha a ser interposto da decisăo final. A decisăo sobre a validade ou invalidade da citaçăo, de iniciativa oficiosa ou suscitada por requerimento do réu, năo constitui uma decisăo que ponha termo a um incidente, para os efeitos da al. j) do n.º 2 do art.º 691º do CPC, por năo estarmos perante nenhum incidente da instância, mas sim perante o normal exercício dos poderes do julgador tendentes a assegurar o regular andamento do processo e o pleno respeito pela legalidade nos actos nele praticados». Também no que concerne ao disposto no art.º 644.º, n.º 2 al. h) - onde se dispơe caber recurso de apelaçăo das «decisơes cuja impugnaçăo com o recurso da decisăo final seria absolutamente inútil» - carecem os recorrentes e o tribunal a quode razăo. Tem-se entendido que o recurso cuja impugnaçăo com o recurso da decisăo final seria absolutamente inútil é, apenas, aquele cujo resultado, seja ele qual for, devido à impugnaçăo apenas com o recurso da decisăo final, já năo pode ter qualquer eficácia dentro do processo, mas năo aquele cujo provimento possibilite a anulaçăo de alguns actos, por ser esse o risco próprio ou normal dos recursos diferidos. Conforme ensina Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Almedina, 7.ª ed., 2022, p. 256 e segs., «com este preceito o legislador abriu a possibilidade de interposiçăo de recursos intercalares quando a sujeiçăo à regra geral do diferimento da impugnaçăo para o recurso da decisăo final, nos termos do n.º 3, importe absoluta inutilidade de uma decisăo favorável que eventualmente venha a ser obtida. O advérbio (“absolutamente”) assinala bem o nível de exigência imposto pelo legislador, em termos idênticos ao que se previa no art.º 734.º, n.º 1, al. c), do CPC de 1961, para efeitos de determinar, ou năo, a subida imediata do agravo. Deste modo, năo basta que a transferência da impugnaçăo para um momento posterior comporte o risco de inutilizaçăo de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso da decisăo interlocutória năo passará de uma "vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da acçăo ou na esfera jurídica do interessado». No caso em apreço, năo se verifica, manifestamente, o pressuposto exigido pela alínea h) do n.º 2 do art.º 644.º, posto que, no eventual recurso da decisăo final, pode ser colocado em causa o despacho que conheceu da nulidade arguida pelos executados, sem que se verifique qualquer inutilidade do mesmo, nos termos supra mencionados. De resto, é, também, manifesto que a decisăo em causa - que, repete-se, conheceu de uma nulidade processual - năo se enquadra em nenhuma outra alínea do n.º 2, nem no n.º 3 do art.º 853.º e, menos ainda, no art.º 644.º, n.º 1 al. a) citado pelo tribunal recorrido, pelo que só pode concluir-se pela inadmissibilidade de recurso autónomo». Os reclamantes năo deduziram qualquer novo argumento no sentido da admissibilidade do recurso. Assim, por razơes de economia processual e a fim de evitar repetiçơes desnecessárias, aderimos e reiteramos os fundamentos já constantes da decisăo singular proferida pelo relator, que entendemos ser de confirmar. Conclui-se, pois, que a decisăo proferida pelo tribunal a quonăo é admissível. V – DECISĂO Pelos fundamentos expostos, acorda-se em conferência em desatender a reclamaçăo apresentada pelos reclamantes, mantendo-se o despacho reclamado. Custas pelos Reclamantes. Notifique. * Lisboa, 23.02.2023 Rui Manuel Pinheiro de Oliveira Teresa Prazeres Pais Rui Torres Vouga
Acordam, em conferência, os juízes na 8.ª Secçăo do Tribunal da Relaçăo de Lisboa: I – RELATÓRIO 1.1. Vieram os recorrentes A…… e B….. reclamar para a conferência do despacho do relator, datado de 16.12.2022, que rejeitou o recurso por si interposto em 19.12.2019, com fundamento na sua inadmissibilidade, requerendo que o mesmo seja admitido e formulando, para tanto, as seguintes conclusơes: «1. A decisăo singular ora reclamada, que decidiu rejeitar o recurso de apelaçăo interposto pelos Reclamantes com fundamento na respetiva inadmissibilidade legal, consubstancia uma errada interpretaçăo e aplicaçăo da Lei, nomeadamente, das disposiçơes conjugadas do art.º 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4 ex vi art.º 852.º e, ainda, do artigo 644.º, n.º 2, al. h) ex vi art.º 852.º e 853.º, n.º 2, al. a), todos do CPC. 2. Ao contrário do que foi julgado no âmbito da decisăo singular ora reclamada, a admissibilidade do recurso em discussăo apresenta sustento legal e doutrinário e foi inclusivamente a posiçăo assumida pelo Tribunal “a quo” que admitiu o recurso mediante despacho proferido em 16/10/2021. Senăo vejamos, 3. O objeto do recurso de apelaçăo interposto pelos Reclamantes, em 19/12/2019, foi o despacho datado de 12/09/2019, na parte em que o Tribunal “a quo” indeferiu o pedido de reconhecimento da nulidade do despacho de 06/07/2018 (conclusăo de 07/06/2018). 4. Os Reclamantes consideraram que o título executivo apresentado nos autos năo tinha força executiva por năo reunir os pressupostos que conferem eficácia a um título executivo, pelo que deveria ter sido indeferido liminarmente ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 734.º do CPC e, em consequência, deveria a execuçăo ter sido rejeitada e declarada extinta. 5. Năo obstante, o Tribunal “a quo” decidiu indeferir a declaraçăo de nulidade do despacho liminar pedida pelos Reclamantes, remetendo para o despacho de 06/07/2018 (conclusăo de 07/06/2018). 6. Esta remissăo para o despacho de 06/07/2018 (conclusăo de 07/06/2018), consubstanciou omissăo de pronúncia por parte do Tribunal “a quo” relativamente à nulidade invocada, designadamente em relaçăo ao tema da (in)exequibilidade do título dado à execuçăo. 7. Acontece que o Tribunal pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissăo dos bens penhorados, das questơes que poderiam ter determinado o indeferimento liminar do requerimento executivo (cfr. art.º 734.º do CPC). 8. A falta de indeferimento liminar do requerimento executivo com base na manifesta falta ou insuficiência do título e respetiva inexequibilidade configura uma nulidade nos termos do disposto nos artigos 726.º, n.º 2 al. a) e 195.º, ambos do CPC, que foi arguida pelos Reclamantes. 9. Do mesmo modo, também o despacho de 12/09/2019, objeto do recurso, que indeferiu a declaraçăo de nulidade do despacho de 06/07/2018 (conclusăo de 07/06/2018) padece de nulidade, entre outros e também por omissăo de pronúncia. 10. A nulidade do despacho de 06/07/2018 (conclusăo de 07/06/2018) e, consequentemente, também do despacho 12/09/2019, objeto do recurso – resultante da falta de declaraçăo de nulidade do despacho liminar com base na falta de requisitos essenciais do título executivo dado à execuçăo – pode ser invocada a todo o tempo e por qualquer interessado, assim como pode (e deve) ser declarada oficiosamente pelo Tribunal (cfr. art.º 286.º do Código Civil). 11. Por sua vez, a nulidade do despacho 12/09/2019, objeto do recurso, resultante da acima mencionada omissăo de pronúncia, consubstancia, em si mesmo, um fundamento de recurso (cfr. art.º 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4 ex vi art.º 852.º, todos do CPC). 12. Mais. A impugnaçăo do despacho objeto de recurso apenas com a decisăo final seria absolutamente inútil (cfr. art.º 644.º, n.º 2, al. h) do CPC). 13. A situaçăo de absoluta inutilidade referida pela alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC reporta-se a decisơes com efeitos irreversíveis tal como sucede no caso dos autos, na medida em que năo poderá ser colmatado pela eventual anulaçăo do processado posterior à interposiçăo do recurso da decisăo final. 14. De facto, as consequências da năo rejeiçăo do requerimento executivo săo definitivas e irreparáveis, uma vez que a prossecuçăo da execuçăo é precisamente aquilo que o recurso de apelaçăo interposto pelos Reclamantes pretende evitar! 15. De outro modo, restaria apenas e tăo só aos Reclamantes recorrerem posteriormente, nos termos do artigo 644.º n.º 4.º do CPC, em recurso a interpor após o trânsito da decisăo que julgasse extinta a execuçăo – soluçăo esta de que nada serviria mesmo que viesse a ser julgado procedente, pois, entretanto, a execuçăo teria prosseguido todos os seus termos, com todas as consequências inerentes! 16. Em suma, ao decidir rejeitar o recurso de apelaçăo interposto pelos Reclamantes com base numa pretensa inadmissibilidade legal, este douto Tribunal violou as disposiçơes conjugadas do art.º 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4 ex vi art.º 852.º e, ainda, do artigo 644.º, n.º 2, al. h) ex vi art.º 852.º e 853.º, n.º 2, al. a), todos do CPC. 17. Porquanto deveriam as normas jurídicas decorrentes de tais disposiçơes ter sido interpretadas e aplicadas por este douto Tribunal no sentido de admitir o referido recurso e, consequentemente, apreciar o seu objeto, 18. Razăo pela qual deverá a decisăo singular, objeto da presente reclamaçăo, ser substituída por outra que admita o recurso de apelaçăo interposto pelos Reclamantes e, consequentemente, aprecie o seu objeto, conforme à correta interpretaçăo das acima referidas normas». 1.2. Năo foram apresentadas contra-alegaçơes. 1.3. Nos termos previstos no art.º 662.º, n.º 3 do CPC, a parte que se considere prejudicada por qualquer despacho do relator pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdăo. 1.4. Colhidos os vistos, cumpre, entăo, decidir em conferência. II – QUESTOES A DECIDIR A questăo que se coloca na presente reclamaçăo consiste, apenas, em saber se a decisăo que recaiu sobre a nulidade invocada pelos executados, aqui reclamantes, é recorrível. III – FUNDAMENTAÇĂO DE FACTO Da tramitaçăo dos autos, e com relevância para a decisăo da questăo supra enunciada, decorrem os seguintes factos: 1. Por requerimento de 27.02.2018, os executados A…. e B….., ora reclamantes, apresentaram-se a «invocar a inexequibilidade do titulo executivo com as legais consequências, e ainda a arguir a nulidade do despacho liminar proferido nos autos, tudo com base no disposto nos artigos 195.º, 196.º in fine, 197.º 200.º, n.º3 , 726.º, n.º 2 al. a) e 734.º, todos do Código de Processo Civil» e a requerer que «esta execuçăo seja rejeitada e declarada extinta em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 734º do CPC e entrementes proferido despacho de suspensăo de diligências de penhora e /remoçăo»; 2. Sobre tal requerimento, recaiu despacho em 06.07.2018, com o seguinte teor: «A questăo da existência de título de executivo válido já foi decidida mediante o despacho proferido nestes autos a 17-03-2016, na sequência de dúvida suscitada pelo Sr. Agente de execuçăo mediante o requerimento apresentado a 05-01-2016. O documento particular dado à execuçăo data de 2 de Agosto de 1996, mostra-se assinado pelos executados e importa o reconhecimento de obrigaçăo pecuniária, cujo montante mostra-se determinado, pelo que, constitui título executivo de acordo com o disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do anterior Código de Processo Civil, podendo servir de base a execuçăo instaurada ao abrigo do novo Código de Processo Civil, atenta a jurisprudência do Tribunal Constitucional fixada mediante o Acórdăo n.º 408/2015 (publicado no D.R., n.º 201, Série I, de 14-10-2015). Por todo o exposto, indefere-se o requerido mediante o requerimento de 27-02-2018»; 3. No referido despacho de 17.03.2016, consta, por sua vez, o seguinte: «Deverăo os autos prosseguir os seus trâmites considerando o documento título executivo, por força do decidido pelo Tribunal Constitucional»; 4. O despacho de 06.07.2018 foi notificado aos executados por carta de 09.07.2018; 5. Por requerimento de 31.08.2018, os executados apresentaram-se a «reclamar e invocar a nulidade do douto despacho proferido com a Refª: 138037393 por omissăo de pronúncia nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 615.º n.º1 al. d), n.º 4, aplicável por força do disposto no artigo 613.º n.º 2 e 3, todos do C.P.C., e por consequência requererem que seja proferida decisăo sobre as questơes formuladas no requerimento apresentado em 05.03.2018 com a Refª: 28391485, para o qual se remete integralmente e sem reservas»; 6. Sobre este requerimento recaiu, em 12.09.2019, o seguinte despacho: «Mediante o despacho proferido a 06-07-2018, o Tribunal já se pronunciou no sentido do documento dado à execuçăo constituir título executivo e, como tal, poder fundar a presente execuçăo. Tal juízo tem subjacente, evidentemente, que o Tribunal entendeu năo se verificar qualquer das circunstâncias que poderiam conduzir ao indeferimento liminar ou à rejeiçăo do requerimento executivo – cfr. artigos 726º, n.º 2 e 734º, ambos do Código de Processo Civil – caso contrário, tê-lo-ia assim decidido. As demais questơes suscitadas pelos executados – que o título dado à execuçăo năo reúne os elementos essenciais ad substatian para configurar, nem um contrato de mútuo, nem um reconhecimento unilateral da dívida por parte dos executados e năo é exigível, conforme requerimento ora em apreciaçăo e que os executados já pagaram a dívida reclamada nos autos, conforme alegado no requerimento de 05-03-2018 – constituem matéria de oposiçăo à execuçăo. Como bem reconhecem os executados, os mesmos năo deduziram oposiçăo à execuçăo mediante embargos. Ora, os autos de execuçăo năo săo a sede própria para a apreciaçăo que os executados pretendem agora suscitar. A sede própria para tal discussăo só poderia ser a oposiçăo à execuçăo que os executados năo deduziram. Permitir aos executados suscitar a discussăo de tais questơes no âmbito da instância executiva significaria, em nosso entendimento, esvaziar de conteúdo, em absoluto, o meio processual que a lei coloca à disposiçăo do executado para se opor a uma execuçăo (oposiçăo à execuçăo mediante embargos) e o efeito preclusivo associado ao decurso do prazo para a utilizaçăo de tal meio, em claro desrespeito à lei. Em suma, uma vez que os executados năo reagiram à execuçăo no prazo e pelo meio processual previstos na lei, năo podem agora fazê-lo, para além do prazo de que dispunham e mediante simples requerimento nos próprios autos de execuçăo, por tal năo lhes ser legalmente permitido. Assim sendo, e salvo melhor entendimento, conclui-se que o Tribunal apreciou o que lhe era lícito apreciar, inexistindo qualquer nulidade. Por todo o exposto, indefere-se o requerido»; 7. Este despacho foi notificado às partes por carta de 20.07.2021; 8. Desse despacho foi interposto, em 19.12.2019, o presente recurso, nos seguinte termos: «năo se conformando com o teor do Despacho datado de 12-09-2019, que indefere o pedido de reconhecimento da nulidade do Despacho proferido com a Ref.ª: 137642368, datado de 07-06-2018, por omissăo de pronúncia, bem como do indeferimento do reconhecimento da nulidade do despacho liminar, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 726.º, n.º 2, al. a) e 734.º, ambos do Código de Processo Civil (doravante C.P.C.), dele pretendem interpor o competente Recurso para o Venerando Tribunal da Relaçăo de Lisboa» e onde terminam requerendo «seja declarada a nulidade do despacho liminar que admite o prosseguimento da acçăo executiva, por ter por base um título executivo inexequível e, em consequência, seja a presente acçăo declarada extinta em conformidade»; 9. Referem os recorrentes que «o Recurso é de Apelaçăo, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, nos termos conjugados dos artigos 853.º, n.º 4, 644.º, n.º 1, al. h), 645.º, n.º 2 e 647.º, n.º 1, do C.P.C»; 10. Em 16.10.2021 foi proferido despacho a admitir o recurso interposto, nos seguinte termos: «Por legal e tempestivo, interposto por quem tem legitimidade, está devidamente representado e observou o Regulamento das Custas Processuais, admite-se o presente recurso ordinário de apelaçăo que subirá imediatamente, em separado, com efeito devolutivo (art.ºs 853º, nºs 1 e 4; 630º a contrario sensu; 644º, n.º 1, a); 646º e 647º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil)»; 11. À execuçăo em causa foi atribuído o valor de €7.500,00. IV – FUNDAMENTAÇĂO DE DIREITO Como se referiu, cumpre decidir se deve ser mantido o despacho que năo admitiu o recurso interposto pelos executados/reclamantes. Adianta-se, desde já, que, em nosso entender, o despacho reclamado deve ser mantido, reiterando-se aqui todos os argumentos nele já expendidos e que aqui passamos a transcrever: «Está em causa a admissibilidade de um recurso em processo executivo, pelo que releva o disposto nos art.ºs 852.º e 853.º, ambos do CPC. De acordo com o primeiro artigo referido, «aos recursos de apelaçăo e de revista de decisơes proferidas no processo executivo săo aplicáveis as disposiçơes reguladoras do processo de declaraçăo e o disposto nos artigos seguintes». Já o segundo artigo mencionado dispơe, no seu n.º 1, sobre os recursos de apelaçăo interpostos de decisơes proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitaçăo da acçăo executiva, sendo que os respectivos n.ºs 2 e 3 definem, taxativamente, as decisơes suceptíveis de recurso de apelaçăo proferidas no âmbito do processo executivo stricto sensu. É, portanto, inequívoco que năo cabe apelaçăo de decisơes que năo possam subsumir-se na previsăo dos n.ºs 2 e 3 do art.º 853.º. No caso dos autos, estamos perante uma decisăo proferida na tramitaçăo do processo executivo em sentido próprio, tendo os recorrentes invocado o disposto no art.º 644.º, n.º 2 al. h) (na verdade, os recorrentes escrevem “n.º 1” mas terá sido lapso de escrita), aplicável ex vi do art.º 853.º, n.º 2 al. a). Já o despacho que admitiu o recurso socorreu-se dos art.ºs 853.º, n.º 1 e 644.º, n.º 1 al. a) do CPC. Antes de mais, importa ter presente que o despacho de 06.07.2018 só poderia ser atacado por via de recurso e năo mediante reclamaçăo, como o fizeram os executados, atento o disposto no art.º 615.º, n.º 4 do CPC. Contrariamente ao que os executados defendem no seu requerimento de 09.12.2022, as nulidades processuais năo estăo, como é óbvio, sujeitas ao regime das nulidades dos negócios jurídicos, nomeadamente, o previsto no art.º 286.º do CC, antes seguindo um regime próprio, previsto na lei adjectiva. Desta forma, a reclamaçăo deduzida pelos executados no dia 31.08.2018 nem sequer deveria ter sido apreciada. Năo é esse, no entanto, o fundamento do recurso, o que nos impede de conhecer desta questăo (como é consabido, do disposto nos art.ºs 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 do CPC, decorre que as conclusơes delimitam a esfera de actuaçăo do tribunal ad quem, exercendo uma funçăo semelhante à do pedido na petiçăo inicial) e nos compele a verificar se a decisăo que recaiu sobre essa reclamaçăo é recorrível. Ora, a decisăo em crise limitou-se a conhecer da arguiçăo de uma nulidade do processo executivo, o que năo constitui uma decisăo proferida em “procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitaçăo da acçăo executiva”, pelo que năo se enquadra na previsăo do referido n.º 1 do art.º 853.º. Designadamente, a nulidade arguida pelos executados năo constitui um incidente da instância e a decisăo sobre a mesma proferida năo se traduz numa decisăo que ponha termo a um incidente, mas sim numa decisăo que se insere no regular andamento do processo e no controlo da legalidade dos actos nele praticados. Tal foi, por exemplo, o entendimento seguido no acórdăo da Relaçăo de Évora, de 13.02.2012, disponível em www.dgsi.pt, onde se sumariou «As decisơes intercalares que năo estejam abrangidas por alguma das previsơes das diversas alíneas do n.º 2 do art.º 691º do CPC, como acontece, entre outros, com o despacho que defira ou indefira a nulidade da citaçăo, săo decisơes que năo admitem recurso imediato, embora, reunindo os pressupostos gerais da recorribilidade, possam ser impugnadas no âmbito do recurso que eventualmente venha a ser interposto da decisăo final. A decisăo sobre a validade ou invalidade da citaçăo, de iniciativa oficiosa ou suscitada por requerimento do réu, năo constitui uma decisăo que ponha termo a um incidente, para os efeitos da al. j) do n.º 2 do art.º 691º do CPC, por năo estarmos perante nenhum incidente da instância, mas sim perante o normal exercício dos poderes do julgador tendentes a assegurar o regular andamento do processo e o pleno respeito pela legalidade nos actos nele praticados». Também no que concerne ao disposto no art.º 644.º, n.º 2 al. h) - onde se dispơe caber recurso de apelaçăo das «decisơes cuja impugnaçăo com o recurso da decisăo final seria absolutamente inútil» - carecem os recorrentes e o tribunal a quode razăo. Tem-se entendido que o recurso cuja impugnaçăo com o recurso da decisăo final seria absolutamente inútil é, apenas, aquele cujo resultado, seja ele qual for, devido à impugnaçăo apenas com o recurso da decisăo final, já năo pode ter qualquer eficácia dentro do processo, mas năo aquele cujo provimento possibilite a anulaçăo de alguns actos, por ser esse o risco próprio ou normal dos recursos diferidos. Conforme ensina Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Almedina, 7.ª ed., 2022, p. 256 e segs., «com este preceito o legislador abriu a possibilidade de interposiçăo de recursos intercalares quando a sujeiçăo à regra geral do diferimento da impugnaçăo para o recurso da decisăo final, nos termos do n.º 3, importe absoluta inutilidade de uma decisăo favorável que eventualmente venha a ser obtida. O advérbio (“absolutamente”) assinala bem o nível de exigência imposto pelo legislador, em termos idênticos ao que se previa no art.º 734.º, n.º 1, al. c), do CPC de 1961, para efeitos de determinar, ou năo, a subida imediata do agravo. Deste modo, năo basta que a transferência da impugnaçăo para um momento posterior comporte o risco de inutilizaçăo de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso da decisăo interlocutória năo passará de uma "vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da acçăo ou na esfera jurídica do interessado». No caso em apreço, năo se verifica, manifestamente, o pressuposto exigido pela alínea h) do n.º 2 do art.º 644.º, posto que, no eventual recurso da decisăo final, pode ser colocado em causa o despacho que conheceu da nulidade arguida pelos executados, sem que se verifique qualquer inutilidade do mesmo, nos termos supra mencionados. De resto, é, também, manifesto que a decisăo em causa - que, repete-se, conheceu de uma nulidade processual - năo se enquadra em nenhuma outra alínea do n.º 2, nem no n.º 3 do art.º 853.º e, menos ainda, no art.º 644.º, n.º 1 al. a) citado pelo tribunal recorrido, pelo que só pode concluir-se pela inadmissibilidade de recurso autónomo». Os reclamantes năo deduziram qualquer novo argumento no sentido da admissibilidade do recurso. Assim, por razơes de economia processual e a fim de evitar repetiçơes desnecessárias, aderimos e reiteramos os fundamentos já constantes da decisăo singular proferida pelo relator, que entendemos ser de confirmar. Conclui-se, pois, que a decisăo proferida pelo tribunal a quonăo é admissível. V – DECISĂO Pelos fundamentos expostos, acorda-se em conferência em desatender a reclamaçăo apresentada pelos reclamantes, mantendo-se o despacho reclamado. Custas pelos Reclamantes. Notifique. * Lisboa, 23.02.2023 Rui Manuel Pinheiro de Oliveira Teresa Prazeres Pais Rui Torres Vouga