1.Uma pena de substituição não detentiva (como é o caso, por exemplo, da suspensão da execução da pena de prisão) é sempre preferível (por mais favorável) em relação à pena de “substituição” detentiva (como é o caso do regime de permanência na habitação, da prisão por dias livres e do regime de semidetenção). 2.O regime de permanência na habitação previsto pelo art. 44º do Cód. Penal é uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão e não um regime de cumprimento da pena de prisão – “a permanência na habitação só substitui uma pena de prisão, não sendo um meio de substituir a execução de penas de prisão que resultem do incumprimento de outras penas de substituição” . (Sumário elaborado pela Relatora)
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa. I-Relatório: No âmbito do processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 1312/04.0TASNT, que corre termos na ...ª Secção (J...) do Juízo de Grande Inst. Criminal de Sintra, na comarca da Grande Lisboa-Noroeste, e após reabertura da audiência, foi ao arguido, F. indeferida a pretensão de aplicação da lei penal eventualmente de conteúdo mais favorável face ao disposto no art. 44º do Cód. Penal introduzido pela Lei 59/2007, de 4.09. Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, pedindo que seja revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que determine o cumprimento da prisão de 1 ano e 6 meses no regime de permanência na habitação, sob os moldes permitidos pelos artigos 44º, nº 1 e nº 2, alínea c) e ainda 2º, nº 4, ambos do Cód. Penal. Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem: 1. O Ilustre Tribunal "a quo", ao indeferir o requerimento do arguido, ora recorrente, negando-lhe a possibilidade de cumprir a pena na qual foi condenado, de prisão de 1 ano e 6 meses, em regime de permanência na habitação, e para o que tanto o próprio como seus pais em cuja residência passaria a habitar, deram o competente consentimento escrito, fez uma errónea aplicação dos preceitos legais aplicáveis ao caso concreto, ferindo diretamente a ratio subjacente à reforma operada pelo legislador penal em setembro de 2007. 2. As premissas nas quais se baseou o tribunal "a quo" para decidir desse modo são, salvo o devido respeito, erróneas e ilegais, já que a execução da pena de prisão de um ano e meio em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo á distância, deverá ser visto como passível de aplicação, de igual modo, aquando da revogação da suspensão da execução da pena de prisão. 3. O entendimento vertido na decisão sob recurso de que a pena não detentiva de suspensão da execução da pena de prisão sob condição de pagamento à firma E., aplicada em maio de 2007, é mais favorável do que a do regime de permanência na habitação a existir este nessa data (que não existia), é restritivo da aplicabilidade do princípio da retroatividade da lei mais favorável instituída pelo artigo 2º nº 4 do Código Penal, sendo por isso violador das normas constitucionais abaixo referidas. 4. "Em traços largos, e tendo em consideração a diferença de redacção do nº 4 do artigo 2º do CP, antes e após a entrada em vigor da Lei nº 59/2007, parece que o legislador quis deixar bem claro que o princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ocorre "sempre", haja ou não condenação com força de caso julgado formado sobre a questão jurídico-penal controvertida." 5. "Sucede que, a acrescer a esta proibição de restrição desproporcionada do direito à liberdade, a Constituição da República Portuguesa tomou uma opção incontestável pela aplicação retroactiva da "lex mitior", sem que sujeitasse essa retroactividade a qualquer restrição explícita ou implícita (cfr. nº 4 do artigo 29º da CRP)." 6. A interpretação levada a cabo pelo tribunal "a quo" conduz à própria inconstitucionalidade do artigo 44º nº 2 alínea c) do Código Penal, se interpretado nesse sentido, ou seja, de que o regime de permanência na habitação só seria aplicável no momento da própria condenação, ou seja, em maio de 2007, (quando era certo não existir) e não já após, aquando da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, em setembro de 2012. 7. A dita norma do artigo 44º nº 2 alínea a) do Código Penal, será constitucional se interpretada no sentido de que pode ser executada sob regime de permanência na habitação a pena de prisão de um ano e meio na qual foi o arguido F. condenado, por se entender estarem verificados os pressupostos fácticos referidos no dito artigo, quanto v.g. à existência de menor a seu cargo e os demais, que se verificam, no momento em que tem a mesma de ocorrer, ou seja, após o trânsito em julgado da decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão. 8. É que assim não for, não terá exequibilidade nem aplicabilidade prática a norma contida no artigo 2º nº 4 do Código Penal, violentando-se a própria vontade do legislador penal de 2007. 9. Cotejando a situação dos autos, tal como é preconizado o desfecho por parte do tribunal "a quo", ou seja, impossibilidade de aplicação do regime de permanência na habitação por ter sido aplicada em maio de 2007 uma pena não detentiva, com a daqueles arguidos que foram desde logo condenados a pena de prisão efetiva, e que com a dita reforma penal de 2007, puderam pedir posteriormente o dito regime de permanência na habitação, não se consegue vislumbrar o porquê de tal ilação, porque assim torna mais severa a reação penal ao que foi menos "punido" inicialmente. 10. Esta decisão do tribunal recorrido vem assim ferir, ainda de forma mais gravosa, os direitos de igualdade e da dignidade humana a que o arguido tem direito e merece ver reconhecidos, conforme estatuído por lei constitucional - artigos 1º e 13º da CRP. 11. A interpretação restritiva dos princípios e dos direitos fundamentais em matéria de igualdade, da dignidade humana e outros vertidos e consagrados no texto constitucional não é admitida nos termos realizados pelo tribunal recorrido (o que se invocou desde logo até para efeitos futuros de recurso, se necessário for, para o Tribunal Constitucional, dado o específico regime consignado no artigo 72º nº 2 da Lei específica que regula a tramitação processual respetiva). 12. O arguido não tem qualquer outro processo pendente na justiça, nem tem outros antecedentes criminais, está bem integrado social e familiarmente, vive com sua companheira e para além de outros dois filhos que vivem com sua ex-mulher, tem este filho M. que faz 3 anos no próximo sábado, 3/Outubro/2012, (conforme consta já nos autos, cópia de certidão de nascimento e bem assim relatório social). - Cfr. docs. 13. O arguido estava consciente, pelo que apresentou o respetivo requerimento, a cumprir desde já a pena de prisão que lhe foi aplicada, sob regime de permanência na habitação, o que é evidenciador de sua consciência, e de arrependimento, mas nos exatos termos que a lei lhe permite e confere, em regime de igualdade com outros condenados por decisões já transitadas em julgado. Daí ter dado logo seu consentimento bem como providenciado pelo consentimento, igualmente necessário, de seus pais (cfr. autos). 14. O crime pelo qual foi condenado o arguido já foi praticado há cerca de 12 anos, sendo completamente inadequado e contrário aos intentos do legislador, também sancionador penal, seu ingresso neste momento num estabelecimento prisional, considerado que seja, mais uma vez se refira, sua ausência de antecedentes criminais, e suas circunstâncias de vida pessoal retratada já nestes autos, e que se dá aqui por integralmente reproduzida. 15. "O regime do artigo 44º (Regime de permanência na habitação) visa poupar o condenado ao efeito criminógeno da reclusão em estabelecimento prisional, pelo período de uma pena curta, tendo em vista o binómio ganhos/perdas - efeito ressocializador da pena versus a dessocialização inevitavelmente devida ao efeito criminógeno - que pode ser, será, desfavorável ao fim de ressocialização da pena, esgotando-se portanto, na substituição do meio prisional pela residência. A aplicação do regime do artigo 44º do CP, não visa proteger a normalidade de vida do condenado, mas tão só evitar que ele ingresse em meio prisional - cfr. ac. da Relação de Guimarães, de 16.11.2009, processo nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/197720" target="_blank">97/05.7GACBT.G1</a>, dgsi.pt." 16. Em consequência, e dado que não atendeu à pretensão do arguido, o Ilustre Tribunal "a quo" violou frontalmente os preceitos legais vertidos no artigo 2º nº 4 e artigo 44º nº 2 alínea c), ambos do Código Penal, artigos 1º, 13º, 16º nº 1,18º nº 2 e 29º nº 4 todos da Constituição da República Portuguesa, artigo 15º, nº 1, "in fine" do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e ainda o artigo 49º, nº 1, "in fine", da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. * O Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância propugnou porque o recurso fosse julgado improcedente, concluindo que não ocorreu a violação das normas invocadas pelo recorrente devendo manter-se a decisão ora recorrida nos seus precisos termos. * Nesta Relação, a Digna Procuradora-geral Adjunta emitiu Parecer em que manifestou concordância com o entendimento defendido pelo Ministério Público junto da primeira instância. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, realizou-se audiência, cumprindo agora apreciar e decidir. * * * Fundamentação. Na sequência de requerimento do arguido a solicitar a abertura de audiência para aplicação retroactiva da Lei Penal mais favorável, ao abrigo do disposto no art. 371ºA do Cód. Proc. Penal, foi reaberta a audiência e proferido acórdão nos seguintes termos: “F. (…) foi condenado por acórdão proferido em 29 de maio de 2007, transitado em julgado em 27 de junho de 2007, pela prática, entre maio e dezembro de 2003 e fevereiro a abril de 2004, de um crime de peculato, previsto e punido pelos art.ºs 375º, n.º 1, e 386º, n.º 1 al. c), do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, sob condição de, neste período, depositar à ordem da lesada “E. ”, a quantia de €34.325,51 (trinta e quatro mil duzentos e vinte e cinco euros e cinquenta e um cêntimos), na proporção de um terço da referida quantia em cada período de um ano de suspensão. * Ao abrigo do disposto no art.º 371º-A, do Código de Processo Penal, e art.º 2º, n.º 4, do Cód. Penal, veio o arguido requerer a reabertura da audiência de julgamento, para efeitos da aplicação da lei penal de conteúdo mais favorável, face ao disposto no art.º 44º do Cód. Penal, introduzido pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro. * Procedeu-se à reabertura da audiência de julgamento com observância do formalismo legal. (…) 1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. 1.1. Factos provados. Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: 1- Por acórdão proferido em 29 de maio de 2007, neste processo comum coletivo n.º 312/04.0TASNT, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Instância ... de Sintra, ...ª Secção Criminal, Juiz ..., transitado em julgado em 27 de junho de 2007, foi o arguido condenado pela prática, entre maio e dezembro de 2003 e fevereiro a abril de 2004, de um crime de peculato, previsto e punido pelos art.ºs 375º, n.º 1, e 386º, n.º 1 al. c), do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, sob condição de, neste período, depositar à ordem da lesada “EDUCA – Empresa Municipal de Gestão e Manutenção de Equipamentos Educativos de Sintra”, a quantia de €34.325,51 (trinta e quatro mil duzentos e vinte e cinco euros e cinquenta e um cêntimos), na proporção de um terço da referida quantia em cada período de um ano de suspensão. 2- Na sequência do não cumprimento da condição fixada no acórdão, foram tomadas declarações ao arguido e proferida decisão de prorrogação do prazo para pagamento da quantia em dívida até 27.06.2010, no mais se dando aqui por reproduzido o teor de fls. 422 e 423. 3- Por requerimento de fls. 445 a 465, cujo teor damos por reproduzido, entrado em juízo a 6 de julho de 2010, requereu o arguido a reabertura da audiência, nos termos do disposto no art.º 371º-A, do Código de Processo Penal, para elevação do prazo de suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado para cinco anos. 4- Por despacho de 14.07.2010, a fls. 469, foi indeferida a reabertura da audiência e prorrogado por mais um ano e seis meses o prazo de pagamento da condição. 5- Em 24.04.2012 foi proferido o despacho de fls. 503 e 504, no qual foi apreciado e indeferido o requerimento apresentado pelo arguido em 11.01.2012, pedindo a prorrogação do prazo de pagamento da quantia fixada em prestações mensais de €300, e concedido o prazo de trinta dias para pagamento. 6- Por despacho de 24.09.2012, a fls. 515 a 517, cujo teor aqui damos por reproduzido, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado. 7- O arguido interpôs recurso do despacho referido no número anterior, o qual foi admitido, tendo sido proferido, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o acórdão exarado a fls. 598 a 623, que confirmou a decisão recorrida. 8- Inconformado, recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, comprovando o pagamento de dez mil euros à “E.”, em 16.04.2013 (fls. 712), o qual não foi admitido. 9- O arguido não regista outros antecedentes criminais. 10- O arguido partilha o seu quotidiano entre a localidade de Riachos, Torres Novas, local de residência dos pais, e a Portela, Loures, local onde vive a companheira e o filho, M., nascido a 3 de outubro de 2012. 11- No futuro próximo o arguido pretende fixar residência, com o filho, em casa dos pais, em Riachos, integrando o agregado constituído pelo pai, reformado, que trabalha como delegado de produtos agrícolas para uma multinacional, e pela mãe, que é doméstica. 12- A companheira do arguido é assistente de bordo na TAP, faz escalas de voo de médio e longo curso, passando algumas noites e dias consecutivos fora de casa, altura em que a assistência educativa é assegurada pelo arguido. 13- A dinâmica intrafamiliar é coesa e afetiva nos dois núcleos familiares. 14- O arguido encontra-se desempregado há cerca de três anos, subsistindo com o vencimento da companheira e o apoio dos familiares. 15- Não são conhecidas atividades estruturadas ao arguido, que se dedica ao acompanhamento do filho e ao convívio com amigos e família. 16- O arguido é oriundo de uma família de empresários, estruturada, que lhe proporcionou condições para um adequado processo de desenvolvimento. 17- O arguido tem dois irmãos, com quem mantém um relacionamento próximo. 18- O seu processo de crescimento foi caraterizado por alguma instabilidade escolar e comportamental, que se foi acentuando ao longo da sua adolescência. 19- O arguido tem como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade, via profissionalizante, tendo competências para trabalhos da área da agricultura. 20- Após os estudos, permaneceu durante alguns anos em Ferreira do Alentejo, tendo contribuído para a instalação de um projeto de turismo rural. Após cerca de seis anos, deixou o trabalho no Alentejo e ingressou numa empresa municipal, em Sintra, onde permaneceu durante cerca de dois anos. 21- Casou aos 25 anos, tendo dois filhos dessa união. 22- Na sequência da separação do casal, a ex-mulher e os filhos, atualmente com 14 e 13 aos de idade, foram para Amesterdão, Holanda, mantendo o arguido contacto regular com os filhos. 23- Reorganizou a sua vida afetiva, vivendo há cerca de três anos com a atual companheira MF. 24- O filho do arguido frequenta o infantário da TAP, que funciona 24 horas por dia, sendo o arguido que o vai levar e buscar. 25- Os pais do arguido são donos do prédio urbano descrito como casa de habitação com a superfície coberta de 64 m2, pátio com 231 m2, palheiro com 194m2 e pátio com 21 m2, sita na Rua dos R. em R..., concelho de Torres Novas. 26- O arguido e os seus progenitores prestaram consentimento para cumprimento da pena de prisão em regime de permanência da habitação, no mais se dando aqui por reproduzido o teor de 758 e 776. * 1.2. Factos não provados. Nenhuns com relevo para a decisão. * (...) 2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. Veio o arguido requerer a reabertura de audiência, ao abrigo do disposto no art.º 371º-A, do Código de Processo Penal, e art.º 2º, n.º 4, do Cód. Penal, pedindo a aplicação do disposto no art.º 44º do Cód. Penal, introduzido pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro. Sob a epígrafe “abertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável”, estabelece o artigo 371º-A, do Código de Processo Penal: «Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime». Trata-se de disposição introduzida pela Lei n.º 48/07, de 29 de agosto, tendo em vista a concretização e execução do princípio constitucional da aplicação retroativa da lei penal mais favorável, consignado no artigo 29º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos, aplicando-se retroativamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido, disposição que, obviamente, terá de ser aplicada em harmonia com o princípio constitucional non bis in idem, designadamente na sua vertente ou dimensão objetiva (caso julgado material). “Com efeito, conquanto se reconheça que a aplicação de lei penal mais favorável a condenado com trânsito em julgado é compatível com o instituto do caso julgado, a verdade é que há que usar as devidas cautelas ao fazer operar o respetivo benefício, não se permitindo que a reabertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável se transforme num novo julgamento, pondo-se em causa o já definitivamente decidido”.[1] (acórdão do STJ de 13.11.2013, rel. Oliveira Mendes, processo n.º 395/01.9TBVNF-A.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Cumpre esclarecer, antes de mais e respondendo às alegações da I. Mandatária do arguido, ao pedir a redução da pena aplicada para um ano de prisão, que não está aqui em causa o quantum da pena de prisão concreta fixada no acórdão condenatório, transitado em julgado, uma vez que não houve alterações a nível da moldura abstrata do crime cometido pelo arguido, nem dos critérios de determinação da pena apontados nos art.ºs 70º e 71º do Cód. Penal, pelo que, por força do caso julgado, está vedada uma nova ponderação das operações relativas à determinação da pena. Importa, então, apreciar a aplicabilidade do disposto no art.º 44º do Cód. Penal, que entrou em vigor em momento posterior ao da condenação. “Um dos objetivos da revisão operada pela Lei nº 59/2007 (tal como preconizado pela Proposta de Lei nº 98/X), que entrou em vigor em 15/9/2007, foi a diversificação de reações penais, com consequente alargamento do leque de “alternativas” à pena de prisão. Visou o legislador, melhor e mais eficazmente, prevenir a pequena e a média criminalidade. Teve presente que a pena de prisão é hoje uma das principais causas da chamada crise da política criminal (“A prisão agrava as tendências antissociais, cria no preso hostilidade contra a sociedade, constituindo um importante fator criminógeno”), precisamente por causa da sua possível ineficácia junto da pequena e da média criminalidade. Assim, o legislador de 2007, através da diversificação das penas substitutivas da prisão e do alargamento da possibilidade de aplicação das já existentes, também deu mais um passo no sentido de viabilizar, a execução, na prática judiciária, do princípio da preferência pelas reações não detentivas, já consignado, desde 1995, no artigo 70º do Cód. Penal. A obrigatoriedade da preferência pela pena não privativa da liberdade (art.º 70º do Cód. Penal) apenas existe quando esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art.º 40º, nºs 1 e 2 do Cód. Penal). Para tanto, nessa primeira operação de escolha da pena principal, o julgador apenas pode recorrer a critérios de prevenção. Uma vez escolhida a pena alternativa principal, tendo a mesma recaído sobre a pena de prisão (como sucedeu no caso dos autos), partindo da respetiva moldura abstrata impõe-se determinar a pena concreta e, consoante o seu quantum (portanto apenas nos casos previstos na lei), incumbe depois ao tribunal averiguar se é caso de a substituir por uma pena não detentiva ou por uma pena detentiva prevista na lei. As penas de substituição “podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas (…) se não são, em sentido estrito, penas principais (porque o legislador não as previu expressamente nos tipos de crime) …[são] penas que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal (penas de substituição)” (cfr. acórdão TRP de 16.04.2008, rel. Maria do Carmo Silva Dias, proc. 0811831, disponível em www.dgsi.pt). Como resulta do acórdão proferido em 29 de maio de 2007, transitado em julgado em 27 de junho de 2007, o arguido foi condenado pela prática, entre maio e dezembro de 2003 e fevereiro a abril de 2004, de um crime de peculato, previsto e punido pelos art.ºs 375º, n.º 1, e 386º, n.º 1 al. c), do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, sob condição de, neste período, depositar à ordem da lesada “EDUCA – Empresa Municipal de Gestão e Manutenção de Equipamentos Educativos de Sintra”, a quantia de €34.325,51 (trinta e quatro mil duzentos e vinte e cinco euros e cinquenta e um cêntimos), na proporção de um terço da referida quantia em cada período de um ano de suspensão. Após duas prorrogações do prazo para cumprimento da condição, sem que nada tivesse sido pago pelo arguido à lesada, por despacho de 24.09.2012, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado. Esta revogação implicou, nos termos do art.º 56, nº 2 do Cód. Penal (que, nesta parte, não sofreu alterações apesar da reforma aprovada pela citada Lei nº 59/2007), o cumprimento da pena de prisão fixada no acórdão. Uma vez que “a nova audiência (art.º 371º-A do Cód. Proc. Penal) visa permitir a aplicação de lei penal mais favorável, em termos de reação penal (como sucede quando a única alteração que decorre da lei nova apenas se repercute a nível da sanção aplicada ou da sua substituição por pena mais favorável), sempre o julgador terá de, no momento em que profere a nova decisão, comparar os regimes penais sucessivos (a lei nova e a lei velha), para determinar se a lei nova beneficia o condenado, caso em que então procederá à sua aplicação retroativa. Essa nova audiência (à semelhança do que sucede quando a nova lei penal já entrou em vigor no momento em que é proferida a decisão condenatória e, portanto, em que, na sequência da audiência de julgamento, foi nessa decisão ponderada a sucessão de leis) onde são necessariamente garantidos os direitos de defesa do arguido, bem como o princípio da contrariedade (contraditório), vai permitir ao tribunal equacionar se a nova lei penal contém regime mais favorável ao condenado, quando a sentença condenatória já transitou em julgado mas ainda não cessou a execução da pena aplicada. Quando a alteração legal se repercute apenas a nível da reação penal, há então que ter presente a decisão proferida sobre a matéria de facto, constante da decisão anterior transitada em julgado. No entanto, não se pode olvidar a separação ou distinção entre a declaração de culpa e a determinação da pena. Com efeito, se a reforma penal não tiver introduzido alterações a nível do tipo legal dos crimes em questão, nem v.g. de causas de justificação ou de não punibilidade, o que ficou fixado na decisão anterior (sentença) transitada em julgado, a nível da declaração de culpa (ver questões apontadas no art.º 368 nº 2 do Cód. Proc. Penal) é definitivo (não pode ser alterado na nova decisão a proferir na sequência da reabertura da audiência para efeitos do art.º 371º-A do Cód. Proc. Penal) para qualquer tribunal (sem prejuízo, obviamente, dos pressupostos que justifiquem o recurso de revisão). Não é, por isso, pelo facto de o tribunal que procede à reabertura de audiência prevista no art.º 371º-A do Cód. Proc. Penal ter composição diversa do que proferiu a decisão condenatória (anterior) transitada em julgado que terá de haver uma “repetição da prova”, como se se tratasse “de um verdadeiro novo julgamento”. (…) No que respeita à decisão “autónoma” sobre a reação penal, apesar do trânsito em julgado da sentença condenatória, caso, entretanto, por exemplo, entre em vigor lei penal mais favorável a nível das consequências do crime que justifique a abertura da audiência nos termos do art.º 371º-A do Cód. Proc. Penal, a decisão tomada sobre a sanção aplicada anteriormente não assume aquele carácter definitivo que anteriormente lhe era atribuído. Pode até, como dizíamos, ser averiguada nova (complementar ou adicional) matéria de facto que interesse (seja indispensável e necessária) à decisão da aplicação da lei penal mais favorável, a qual sempre terá de ser fundamentada. No entanto, tudo depende ainda das alterações penais que forem introduzidas com a nova lei e do que se tiver averiguado no momento da condenação que entretanto transitara em julgado. Mas, tratando-se de questão nova (que decorre da entrada em vigor de lei penal mais favorável), que não chegou a ser equacionada naquela decisão condenatória transitada em julgada, poderá então justificar-se a produção de novos meios de prova que viabilizem o apuramento de novos factos (que, portanto, não haviam sido apurados anteriormente) necessários para sustentar a nova decisão que vier a ser proferida (por isso se compreendendo, nessas situações, a previsão do referido mecanismo da “abertura da audiência”). Se essas alterações apenas se prendem com o alargamento do leque das penas de substituição – quer em sentido próprio ou em sentido impróprio – importa atender, na nova decisão a proferir após abertura da audiência nos termos do art.º 371º-A do Cód. Proc. Penal, também àquelas circunstâncias que interessam para a determinação da espécie da sanção a cumprir (considerando as penas que agora existem, mas que não existiam no momento em que foi proferida aquela decisão condenatória, entretanto transitada em julgado), no momento mais recente e mais próximo dessa nova decisão a proferir. E isto, claro, apesar de haver outras circunstâncias (v.g. como quando é ponderada a forma como foi executado o crime cometido, a qual se reporta necessariamente à data em que o mesmo foi cometido ou como quando se aprecia o comportamento anterior ao crime em que então o julgador se reporta a data anterior ao crime) que são ponderadas tendo em atenção outros momentos distintos do momento mais próximo da nova decisão” (cfr. acórdão TRP de 16.04.2008, rel. Maria do Carmo Silva Dias, proc. 0811831, disponível em www.dgsi.pt). No caso em apreço, o arguido requereu a abertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável, pretendendo que a pena de prisão que tem a cumprir por virtude da revogação da suspensão da execução daquela, fosse executada em regime de permanência na habitação (art.º 44º do Cód. Penal, na versão atual). Tal como sucedia antes da reforma introduzida pela Lei nº 59/2007 (apesar de então não existir o regime previsto no art.º 44 do Cód. Penal), também atualmente, quando o tribunal tiver ao seu dispor diferentes penas de substituição, embora atendendo “às exigências de prevenção especial que no caso se façam sentir”, deverá preferir as não detentivas às detentivas. No caso sub judice, no momento da condenação, proferida em 29 de maio de 2007, transitada em julgado em 27 de junho de 2007, o coletivo de juízes aplicou uma pena de substituição não detentiva (aliás, a única pena de substituição que então tinha ao seu dispor visto que aplicou ao arguido a pena de 1 ano e 6 meses de prisão). “Com a última reforma do Código Penal, nas chamadas penas de substituição detentivas (penas de substituição em sentido impróprio) temos agora - além da prisão por dias livres (art.º 45º do Cód. Penal) e do regime de semidetenção (art.º 46º do Cód. Penal), que já existiam e cujo âmbito foi alargado - o regime de permanência na habitação previsto no art.º 44º do Cód. Penal. As duas primeiras (dependendo o regime de semidetenção do consentimento do condenado) são cumpridas intramuros na prisão (parte-se da ideia de que o inconveniente do “efeito criminógeno da prisão vale para a pena de prisão contínua mas já não, ou de forma muito atenuada, para a prisão por dias livres ou para o regime de semidetenção”, mesmo quando substituem penas de prisão até 1 ano), enquanto a terceira é cumprida extramuros (é uma efetiva privação da liberdade, mas alternativa à prisão no EP). Se olharmos, em abstrato, só para as chamadas “penas de substituição detentivas” (o regime de permanência na habitação, a prisão por dias livres e o regime de semidetenção) e para os seus requisitos (em termos do quantitativo da pena que substituem - v.g. no caso do art.º 44º do Cód. Penal; que a sua escolha depende da conclusão de que essa forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - embora no regime de semidetenção isso não seja dito expressamente; que o regime de permanência na habitação e o regime de semidetenção dependem do consentimento do condenado - podendo, ainda, o regime do art.º 44º depender de outros consentimentos - enquanto a prisão por dias livres não depende de consentimento), parece que o mais favorável a qualquer arguido/condenado é o regime de permanência na habitação, por evitar completamente os efeitos nocivos da prisão-instituição. No entanto, uma pena de substituição não detentiva (como é o caso, por exemplo, da suspensão da execução da pena de prisão) é sempre preferível (por mais favorável) em relação à pena de “substituição” detentiva (como é o caso do regime de permanência na habitação, da prisão por dias livres e do regime de semidetenção). Ora, como sabido, o regime de permanência na habitação (sempre dependente do consentimento do condenado), abrange casos (art.º 44º, nº 1 do Cód. Penal) de: a) Prisão aplicada em medida não superior a 1 ano; e, b) Remanescente não superior a 1 ano da pena de prisão efetiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação (portanto é preciso conjugar com as medidas de coação de prisão preventiva e de permanência na habitação que o condenado já tiver sofrido – no próprio processo ou noutro processo, verificada a situação prevista no art.º 80º, nº 1 do Cód. Penal). O limite máximo previsto no nº 1 (nos dois casos acima referidos) do art.º 44º pode ser elevado para 2 anos, quando à data da condenação, existam circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que “desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional”, nomeadamente (portanto, é uma indicação exemplificativa): gravidez; idade inferior a 21 anos; idade superior a 65 anos; doença grave; deficiência grave; existência de menor a seu cargo; existência de familiar exclusivamente ao seu cargo. De qualquer modo, o tribunal tem de concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Essa pena prevista no art.º 44º do Cód. Penal é para ser ponderada, reportada ao momento da condenação, não se podendo confundir com a fase em que a pena de prisão imposta já está em fase de execução.” (cfr. Acórdão TRP de 16.04.2008, rel. Maria do Carmo Silva Dias, proc. 0811831, disponível em www.dgsi.pt, sublinhado nosso) Ora, à data da condenação não só o arguido foi condenado numa pena de um ano e seis meses de prisão, o que exclui a possibilidade de aplicação do n.º 1 do art.º 44º, do Código Penal, como o mesmo não tinha filhos menores a seu cargo. Por outro lado, impõe-se questionar se, na sequência de revogação da suspensão da execução da pena de um ano e seis meses de prisão, por decisão transitada em julgado, o condenado pode pedir que, nos termos do art.º 371º-A do Cód. Proc. Penal, a pena de prisão a cumprir seja executado em regime de permanência na habitação. A questão só se coloca em termos de saber se, existindo o regime atual de permanência na habitação à data da condenação, aquela pena concreta, em vez de ser suspensa na sua execução, podia ser substituída por obrigação de permanência na habitação. Entendemos que a resposta terá de ser negativa. Com efeito (seguindo de perto o douto acórdão que vimos citando), se no acórdão proferido foi determinada a suspensão da execução da pena de prisão fixada é porque foi possível chegar à conclusão que o arguido conseguia alcançar a socialização em liberdade, fazendo um juízo de prognose favorável à suspensão, era mais gravoso para o arguido se o coletivo viesse a aplicar o regime de obrigação de permanência na habitação, porque este implica sempre privação de liberdade, embora extramuros da cadeia. Destarte, apesar de não ter sido ponderada a aplicação do regime de permanência na habitação à data da condenação, por não existir tal norma, a verdade é que a suspensão da execução da pena de prisão efetivamente aplicada no acórdão se revelaria, em concreto, mais favorável ao arguido ao invés do seu cumprimento em regime de permanência na habitação, atento o carácter privativo da liberdade desta pena por comparação com a pena de substituição aplicada. E, como já referimos, a ponderação imposta pelo art.º 371º-A do Cód. Proc. Penal, reporta-se ao momento da condenação. “A redação do art.º 371-A do Cód. Proc. Penal, é unívoca ao estabelecer que a audiência nele prevista limita-se à aplicação do novo regime penal mais favorável, ou seja, não basta que tenham existido alterações na lei penal geral, mas é necessário que o novo regime contenha, pelo menos, uma qualquer norma que permita conjeturar que, se já existisse no momento da condenação, poderia ter levado a uma decisão concretamente mais favorável ao arguido.” (Ac. do TRG de 10.12.2007, disponível em www.dgsi.pt) Em suma, o regime de permanência na habitação no momento em que o arguido foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução, era-lhe nitidamente desfavorável, só se tendo tornado mais favorável face ao imposto cumprimento da prisão efetiva, por o mesmo não ter feito qualquer esforço para proceder ao pagamento da quantia fixada como condição da suspensão da execução da pena (note-se que só veio a pagar dez mil euros à lesada após a revogação da mesma, apesar de lhe terem sido concedidas várias prorrogações do respetivo prazo), o que levou a que tivesse sido decidida a revogação da suspensão da execução da pena, decisão essa que o arguido ainda questionou em sede de recurso, ao qual foi negado provimento. “Face ao insucesso de tal recurso, o objetivo do recorrente é o de conseguir não cumprir a pena efetiva de prisão, através da invocação de lei que se existisse no momento da condenação não lhe seria aplicável por lhe ser claramente mais desfavorável. (cfr. acórdão TRP de 07.01.2009, rel. Álvaro Melo, proc. 0845164, disponível em www.dgsi.pt) Finalmente, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20 de abril de 2009, (proferido no processo n.º 1771/05.3, proc. GBBCL-A.G1, rel. Carlos Barreira, disponível em www.dgsi.pt), “o atual art.º 44º do C. Penal não é aplicável aos casos de revogação da suspensão da pena de prisão anteriormente aplicada, por inexistir norma que o preveja”. * * * Apreciando: De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso. Assim, em causa está a possibilidade do recorrente cumprir em regime de permanência na habitação a pena de prisão de 1 ano e 6 meses que lhe foi imposta depois de ter sido revogada a suspensão da execução dessa mesma pena. Compulsados os autos verificamos que por acórdão proferido em 29 de Maio de 2007, transitado em julgado em 27 de Junho de 2007, foi o arguido condenado pela prática, entre Maio e Dezembro de 2003 e Fevereiro a Abril de 2004, de um crime de peculato, p. e p. pelos arts. 375º, nº 1, e 386º, nº 1 al. c), do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, sob condição de, neste período, depositar à ordem da lesada “EDUCA – Empresa Municipal de Gestão e Manutenção de Equipamentos Educativos de Sintra”, a quantia de €34.325,51 (trinta e quatro mil duzentos e vinte e cinco euros e cinquenta e um cêntimos), na proporção de um terço da referida quantia em cada período de um ano de suspensão. A suspensão da execução da pena veio a ser revogada. Requereu então o arguido a reabertura da audiência para aplicação de lei penal mais favorável tendo em vista a aplicação da substituição da prisão pelo regime de permanência na habitação previsto no art. 44º do Cód. Penal. É certo que quando o arguido foi condenado não estava em vigor a possibilidade de substituição da pena de prisão pela permanência na habitação previsto no art. 44º do Cód. Penal. Como é sabido, o nosso Código Penal permite a substituição da pena de prisão: ou por multa, ou pela execução em regime de permanência na habitação, ou pelo cumprimento em dias livres ou em regime de semi-detenção (caso se esteja perante uma pena de duração inferior a um ano) ou por prestação de trabalho a favor da comunidade (caso se esteja perante uma pena de duração inferior a dois anos) ou pela proibição do exercício de profissão, função ou actividade (caso se esteja perante uma pena de duração inferior a três anos e o crime tenha sido cometido no respectivo exercício) ou pela suspensão da execução (caso se esteja perante uma pena inferior a 5 anos). De acordo com os nºs 1 e 2 do art. 40º do Cód. Penal, “a aplicação de penas… visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. E se o art. 40º citado dá essencial relevo à reinserção social do agente do crime, é óbvio que o legislador não podia prescindir – como não prescindiu – de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, nomeadamente no que se refere à sua escolha. A opção por uma ou por outra das penas de substituição é determinada por uma ponderação sobre qual delas realiza de forma mais adequada e (sempre) suficiente as finalidades da prevenção, tendo em conta que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial – e sobretudo esta – que determinam a preferência por uma pena de substituição. Como ensina o Prof. Figueiredo Dias (in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 3ª Reimpressão, p. 333) que “(…) sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efectiva da prisão, reste ao seu dispor mais do que uma espécie de pena de substituição (v.g., multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da prisão), são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstractamente aplicáveis deve ser eleita. Neste sentido pode afirmar-se que não existe em abstracto, pelo menos sob forma rígida e em via de princípio, uma «hierarquia legal das penas de substituição»; só em concreto ela se dá, isto é, em função das exigências de prevenção especial de socialização que na hipótese se façam sentir e da forma mais adequada de as satisfazer”. Assim, a pena de substituição a aplicar em cada caso deve ser encontrada em concreto e em função das concretas exigências de prevenção especial de socialização. Posto isto, sempre que optar por pena detentiva (cfr. o disposto no art. 70º do Cód. Penal), o tribunal tem de ponderar a aplicação de uma pena de substituição se ela for abstractamente possível. Aliás, deve equacionar, antes de mais, a aplicação de uma pena de substituição em sentido próprio (penas de suspensão da execução da prisão, a multa de substituição, a prestação de trabalho a favor da comunidade, a admoestação e, por último, por ser de consagração legal mais recente, a proibição do exercício de profissão, função ou actividade) e só em caso de afastamento de todas as que estão legalmente previstas deverá ponderar a aplicação de uma pena de substituição detentiva (prisão por dias livres, regime de semi-detenção e regime de permanência na habitação). Com efeito, conhecidos os efeitos criminógenos da pena de prisão a aplicação de penas de prisão, mesmo que penas de substituição detentivas, deve acontecer apenas quando a execução da prisão se revele necessária, ou pelo menos mais conveniente, do ponto de vista da prevenção especial de socialização. Pelo que também nós entendemos, tal como o Tribunal recorrido, que a suspensão da execução da pena, ainda que subordinada a deveres, é em abstracto mais favorável do que o regime de permanência na habitação. E em concreto, considerando o tipo de crime praticado pelo arguido/recorrente e as suas consequências, bem como a culpa, sem esquecer as suas condições pessoais e a conduta anterior e posterior ao crime, também nós consideramos que a suspensão de execução da pena de prisão subordinada ao dever da reparação do crime é, no caso, a pena de substituição mais adequada em função das exigências de prevenção especial de socialização que se fazem sentir e a forma mais adequada de as satisfazer. Assim, sempre seria de manter a suspensão da execução da pena. Mas o recorrente pretende que a pena de prisão que tem a cumprir, em consequência da revogação da suspensão da execução da pena, seja ela própria substituída pelo regime de permanência na habitação. Ora tal pretensão – sempre salvo o devido respeito por entendimento diverso – é absolutamente contrária aos fins pretendidos pela política de substituição das penas. A substituição de penas de substituição não está legalmente prevista nem se afigura correcta. Com efeito, o regime de permanência na habitação previsto pelo art. 44º do Cód. Penal é uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão e não um regime de cumprimento da pena de prisão – “a permanência na habitação só substitui uma pena de prisão, não sendo um meio de substituir a execução de penas de prisão que resultem do incumprimento de outras penas de substituição” (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, p. 213, em anotação art. 44º e citando António Latas e André Leite). Nestes termos, a substituição pretendida pelo recorrente é uma impossibilidade legal, ficando prejudicada a apreciação sobre se a situação do recorrente se enquadra no nº 2 do art. 44º do Cód. Penal (embora a redacção do nº 2 não deixe margem para dúvidas de que a situação prevista tenha que se verificar “à data da condenação”) O entendimento expendido não é restritivo da aplicabilidade do princípio da retroactividade da lei mais favorável instituída pelo artigo 2º nº 4 do Código Penal, nem violador de qualquer norma constitucional ou da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (nomeadamente as que protegem o princípio da igualdade e da dignidade da pessoa) e nada contende com o entendimento de que o princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ocorre quer haja ou não condenação com força de caso julgado formado sobre a questão jurídico-penal controvertida. Nos termos do art. 371º-A do Cód. Proc. Penal (na redacção introduzida pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto), “se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime”. A possibilidade de reabertura da audiência para aplicação de lei penal mais favorável, prevista no art. 371ºA do Cód. Proc. Penal, está em sintonia com o disposto no art. 2º nº 4 do Cód. Penal, que estabelece (na redacção introduzida pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro) que “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior”. Antes das referidas alterações introduzidas nos Códigos de Processo Penal e Penal, era pacífica, pelo menos ao nível da jurisprudência, a intangibilidade do caso julgado mesmo em face de lei posterior mais favorável. Aliás, a anterior redacção do nº 4 do art. 2º do Cód. Penal ressalvava expressamente o caso julgado – “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado” – tendo-se o Tribunal Constitucional pronunciado no sentido de que este normativo não era materialmente inconstitucional na parte em que ressalva o caso julgado por não ofender o nº 4 do art. 29º da Constituição da República Portuguesa (cfr. o Ac. do Trib. Constitucional nº 644/98). Actualmente, e dada as redacções actuais dos preceitos referidos, o caso julgado deixou de ser intangível, claramente, no que se refere à execução da pena e aos efeitos penais, pois que nesse caso, independentemente de haver ou não caso julgado, será aplicada sempre a lei mais favorável. O único limite será apenas o de já ter cessado a execução da pena e os seus efeitos penais. No caso ponderou-se a aplicação da previsão actual do art. 44º do Cód. Penal e explicou-se fundamentadamente porque não era de aplicar o disposto em tal normativo. O facto de o recorrente entender que determinada situação lhe convém mais e que por isso deve ser aplicada sem qualquer ponderação, não pode ser confundido com o estatuído pelo nº 4 do art. 2º do Cód. Penal. * * * Decisão. Pelo exposto, acordam negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco (5) UCs. Lisboa, 23/02/2016 (Alda Tomé Casimiro - processado e revisto pela relatora) (Cid Geraldo) (Filomena Lima, Presidente) [1]Neste preciso sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal de 08.05.11, proferido no Processo n.º 2812/08, ao decidir que a audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável não se traduz num irrestrito novo julgamento, e menos ainda da matéria de facto, que deixa intocável, mas apenas num julgamento parcelar da questão, em manifesto benefício do arguido, para determinação, no confronto de leis em sucessão, do regime penal que lhe é mais benéfico, ou seja, para proporcionar nova sanção e não a discussão da culpabilidade.
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa. I-Relatório: No âmbito do processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 1312/04.0TASNT, que corre termos na ...ª Secção (J...) do Juízo de Grande Inst. Criminal de Sintra, na comarca da Grande Lisboa-Noroeste, e após reabertura da audiência, foi ao arguido, F. indeferida a pretensão de aplicação da lei penal eventualmente de conteúdo mais favorável face ao disposto no art. 44º do Cód. Penal introduzido pela Lei 59/2007, de 4.09. Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, pedindo que seja revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que determine o cumprimento da prisão de 1 ano e 6 meses no regime de permanência na habitação, sob os moldes permitidos pelos artigos 44º, nº 1 e nº 2, alínea c) e ainda 2º, nº 4, ambos do Cód. Penal. Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem: 1. O Ilustre Tribunal "a quo", ao indeferir o requerimento do arguido, ora recorrente, negando-lhe a possibilidade de cumprir a pena na qual foi condenado, de prisão de 1 ano e 6 meses, em regime de permanência na habitação, e para o que tanto o próprio como seus pais em cuja residência passaria a habitar, deram o competente consentimento escrito, fez uma errónea aplicação dos preceitos legais aplicáveis ao caso concreto, ferindo diretamente a ratio subjacente à reforma operada pelo legislador penal em setembro de 2007. 2. As premissas nas quais se baseou o tribunal "a quo" para decidir desse modo são, salvo o devido respeito, erróneas e ilegais, já que a execução da pena de prisão de um ano e meio em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo á distância, deverá ser visto como passível de aplicação, de igual modo, aquando da revogação da suspensão da execução da pena de prisão. 3. O entendimento vertido na decisão sob recurso de que a pena não detentiva de suspensão da execução da pena de prisão sob condição de pagamento à firma E., aplicada em maio de 2007, é mais favorável do que a do regime de permanência na habitação a existir este nessa data (que não existia), é restritivo da aplicabilidade do princípio da retroatividade da lei mais favorável instituída pelo artigo 2º nº 4 do Código Penal, sendo por isso violador das normas constitucionais abaixo referidas. 4. "Em traços largos, e tendo em consideração a diferença de redacção do nº 4 do artigo 2º do CP, antes e após a entrada em vigor da Lei nº 59/2007, parece que o legislador quis deixar bem claro que o princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ocorre "sempre", haja ou não condenação com força de caso julgado formado sobre a questão jurídico-penal controvertida." 5. "Sucede que, a acrescer a esta proibição de restrição desproporcionada do direito à liberdade, a Constituição da República Portuguesa tomou uma opção incontestável pela aplicação retroactiva da "lex mitior", sem que sujeitasse essa retroactividade a qualquer restrição explícita ou implícita (cfr. nº 4 do artigo 29º da CRP)." 6. A interpretação levada a cabo pelo tribunal "a quo" conduz à própria inconstitucionalidade do artigo 44º nº 2 alínea c) do Código Penal, se interpretado nesse sentido, ou seja, de que o regime de permanência na habitação só seria aplicável no momento da própria condenação, ou seja, em maio de 2007, (quando era certo não existir) e não já após, aquando da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, em setembro de 2012. 7. A dita norma do artigo 44º nº 2 alínea a) do Código Penal, será constitucional se interpretada no sentido de que pode ser executada sob regime de permanência na habitação a pena de prisão de um ano e meio na qual foi o arguido F. condenado, por se entender estarem verificados os pressupostos fácticos referidos no dito artigo, quanto v.g. à existência de menor a seu cargo e os demais, que se verificam, no momento em que tem a mesma de ocorrer, ou seja, após o trânsito em julgado da decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão. 8. É que assim não for, não terá exequibilidade nem aplicabilidade prática a norma contida no artigo 2º nº 4 do Código Penal, violentando-se a própria vontade do legislador penal de 2007. 9. Cotejando a situação dos autos, tal como é preconizado o desfecho por parte do tribunal "a quo", ou seja, impossibilidade de aplicação do regime de permanência na habitação por ter sido aplicada em maio de 2007 uma pena não detentiva, com a daqueles arguidos que foram desde logo condenados a pena de prisão efetiva, e que com a dita reforma penal de 2007, puderam pedir posteriormente o dito regime de permanência na habitação, não se consegue vislumbrar o porquê de tal ilação, porque assim torna mais severa a reação penal ao que foi menos "punido" inicialmente. 10. Esta decisão do tribunal recorrido vem assim ferir, ainda de forma mais gravosa, os direitos de igualdade e da dignidade humana a que o arguido tem direito e merece ver reconhecidos, conforme estatuído por lei constitucional - artigos 1º e 13º da CRP. 11. A interpretação restritiva dos princípios e dos direitos fundamentais em matéria de igualdade, da dignidade humana e outros vertidos e consagrados no texto constitucional não é admitida nos termos realizados pelo tribunal recorrido (o que se invocou desde logo até para efeitos futuros de recurso, se necessário for, para o Tribunal Constitucional, dado o específico regime consignado no artigo 72º nº 2 da Lei específica que regula a tramitação processual respetiva). 12. O arguido não tem qualquer outro processo pendente na justiça, nem tem outros antecedentes criminais, está bem integrado social e familiarmente, vive com sua companheira e para além de outros dois filhos que vivem com sua ex-mulher, tem este filho M. que faz 3 anos no próximo sábado, 3/Outubro/2012, (conforme consta já nos autos, cópia de certidão de nascimento e bem assim relatório social). - Cfr. docs. 13. O arguido estava consciente, pelo que apresentou o respetivo requerimento, a cumprir desde já a pena de prisão que lhe foi aplicada, sob regime de permanência na habitação, o que é evidenciador de sua consciência, e de arrependimento, mas nos exatos termos que a lei lhe permite e confere, em regime de igualdade com outros condenados por decisões já transitadas em julgado. Daí ter dado logo seu consentimento bem como providenciado pelo consentimento, igualmente necessário, de seus pais (cfr. autos). 14. O crime pelo qual foi condenado o arguido já foi praticado há cerca de 12 anos, sendo completamente inadequado e contrário aos intentos do legislador, também sancionador penal, seu ingresso neste momento num estabelecimento prisional, considerado que seja, mais uma vez se refira, sua ausência de antecedentes criminais, e suas circunstâncias de vida pessoal retratada já nestes autos, e que se dá aqui por integralmente reproduzida. 15. "O regime do artigo 44º (Regime de permanência na habitação) visa poupar o condenado ao efeito criminógeno da reclusão em estabelecimento prisional, pelo período de uma pena curta, tendo em vista o binómio ganhos/perdas - efeito ressocializador da pena versus a dessocialização inevitavelmente devida ao efeito criminógeno - que pode ser, será, desfavorável ao fim de ressocialização da pena, esgotando-se portanto, na substituição do meio prisional pela residência. A aplicação do regime do artigo 44º do CP, não visa proteger a normalidade de vida do condenado, mas tão só evitar que ele ingresse em meio prisional - cfr. ac. da Relação de Guimarães, de 16.11.2009, processo nº 97/05.7GACBT.G1, dgsi.pt." 16. Em consequência, e dado que não atendeu à pretensão do arguido, o Ilustre Tribunal "a quo" violou frontalmente os preceitos legais vertidos no artigo 2º nº 4 e artigo 44º nº 2 alínea c), ambos do Código Penal, artigos 1º, 13º, 16º nº 1,18º nº 2 e 29º nº 4 todos da Constituição da República Portuguesa, artigo 15º, nº 1, "in fine" do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e ainda o artigo 49º, nº 1, "in fine", da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. * O Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância propugnou porque o recurso fosse julgado improcedente, concluindo que não ocorreu a violação das normas invocadas pelo recorrente devendo manter-se a decisão ora recorrida nos seus precisos termos. * Nesta Relação, a Digna Procuradora-geral Adjunta emitiu Parecer em que manifestou concordância com o entendimento defendido pelo Ministério Público junto da primeira instância. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, realizou-se audiência, cumprindo agora apreciar e decidir. * * * Fundamentação. Na sequência de requerimento do arguido a solicitar a abertura de audiência para aplicação retroactiva da Lei Penal mais favorável, ao abrigo do disposto no art. 371ºA do Cód. Proc. Penal, foi reaberta a audiência e proferido acórdão nos seguintes termos: “F. (…) foi condenado por acórdão proferido em 29 de maio de 2007, transitado em julgado em 27 de junho de 2007, pela prática, entre maio e dezembro de 2003 e fevereiro a abril de 2004, de um crime de peculato, previsto e punido pelos art.ºs 375º, n.º 1, e 386º, n.º 1 al. c), do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, sob condição de, neste período, depositar à ordem da lesada “E. ”, a quantia de €34.325,51 (trinta e quatro mil duzentos e vinte e cinco euros e cinquenta e um cêntimos), na proporção de um terço da referida quantia em cada período de um ano de suspensão. * Ao abrigo do disposto no art.º 371º-A, do Código de Processo Penal, e art.º 2º, n.º 4, do Cód. Penal, veio o arguido requerer a reabertura da audiência de julgamento, para efeitos da aplicação da lei penal de conteúdo mais favorável, face ao disposto no art.º 44º do Cód. Penal, introduzido pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro. * Procedeu-se à reabertura da audiência de julgamento com observância do formalismo legal. (…) 1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. 1.1. Factos provados. Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: 1- Por acórdão proferido em 29 de maio de 2007, neste processo comum coletivo n.º 312/04.0TASNT, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Instância ... de Sintra, ...ª Secção Criminal, Juiz ..., transitado em julgado em 27 de junho de 2007, foi o arguido condenado pela prática, entre maio e dezembro de 2003 e fevereiro a abril de 2004, de um crime de peculato, previsto e punido pelos art.ºs 375º, n.º 1, e 386º, n.º 1 al. c), do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, sob condição de, neste período, depositar à ordem da lesada “EDUCA – Empresa Municipal de Gestão e Manutenção de Equipamentos Educativos de Sintra”, a quantia de €34.325,51 (trinta e quatro mil duzentos e vinte e cinco euros e cinquenta e um cêntimos), na proporção de um terço da referida quantia em cada período de um ano de suspensão. 2- Na sequência do não cumprimento da condição fixada no acórdão, foram tomadas declarações ao arguido e proferida decisão de prorrogação do prazo para pagamento da quantia em dívida até 27.06.2010, no mais se dando aqui por reproduzido o teor de fls. 422 e 423. 3- Por requerimento de fls. 445 a 465, cujo teor damos por reproduzido, entrado em juízo a 6 de julho de 2010, requereu o arguido a reabertura da audiência, nos termos do disposto no art.º 371º-A, do Código de Processo Penal, para elevação do prazo de suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado para cinco anos. 4- Por despacho de 14.07.2010, a fls. 469, foi indeferida a reabertura da audiência e prorrogado por mais um ano e seis meses o prazo de pagamento da condição. 5- Em 24.04.2012 foi proferido o despacho de fls. 503 e 504, no qual foi apreciado e indeferido o requerimento apresentado pelo arguido em 11.01.2012, pedindo a prorrogação do prazo de pagamento da quantia fixada em prestações mensais de €300, e concedido o prazo de trinta dias para pagamento. 6- Por despacho de 24.09.2012, a fls. 515 a 517, cujo teor aqui damos por reproduzido, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado. 7- O arguido interpôs recurso do despacho referido no número anterior, o qual foi admitido, tendo sido proferido, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o acórdão exarado a fls. 598 a 623, que confirmou a decisão recorrida. 8- Inconformado, recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, comprovando o pagamento de dez mil euros à “E.”, em 16.04.2013 (fls. 712), o qual não foi admitido. 9- O arguido não regista outros antecedentes criminais. 10- O arguido partilha o seu quotidiano entre a localidade de Riachos, Torres Novas, local de residência dos pais, e a Portela, Loures, local onde vive a companheira e o filho, M., nascido a 3 de outubro de 2012. 11- No futuro próximo o arguido pretende fixar residência, com o filho, em casa dos pais, em Riachos, integrando o agregado constituído pelo pai, reformado, que trabalha como delegado de produtos agrícolas para uma multinacional, e pela mãe, que é doméstica. 12- A companheira do arguido é assistente de bordo na TAP, faz escalas de voo de médio e longo curso, passando algumas noites e dias consecutivos fora de casa, altura em que a assistência educativa é assegurada pelo arguido. 13- A dinâmica intrafamiliar é coesa e afetiva nos dois núcleos familiares. 14- O arguido encontra-se desempregado há cerca de três anos, subsistindo com o vencimento da companheira e o apoio dos familiares. 15- Não são conhecidas atividades estruturadas ao arguido, que se dedica ao acompanhamento do filho e ao convívio com amigos e família. 16- O arguido é oriundo de uma família de empresários, estruturada, que lhe proporcionou condições para um adequado processo de desenvolvimento. 17- O arguido tem dois irmãos, com quem mantém um relacionamento próximo. 18- O seu processo de crescimento foi caraterizado por alguma instabilidade escolar e comportamental, que se foi acentuando ao longo da sua adolescência. 19- O arguido tem como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade, via profissionalizante, tendo competências para trabalhos da área da agricultura. 20- Após os estudos, permaneceu durante alguns anos em Ferreira do Alentejo, tendo contribuído para a instalação de um projeto de turismo rural. Após cerca de seis anos, deixou o trabalho no Alentejo e ingressou numa empresa municipal, em Sintra, onde permaneceu durante cerca de dois anos. 21- Casou aos 25 anos, tendo dois filhos dessa união. 22- Na sequência da separação do casal, a ex-mulher e os filhos, atualmente com 14 e 13 aos de idade, foram para Amesterdão, Holanda, mantendo o arguido contacto regular com os filhos. 23- Reorganizou a sua vida afetiva, vivendo há cerca de três anos com a atual companheira MF. 24- O filho do arguido frequenta o infantário da TAP, que funciona 24 horas por dia, sendo o arguido que o vai levar e buscar. 25- Os pais do arguido são donos do prédio urbano descrito como casa de habitação com a superfície coberta de 64 m2, pátio com 231 m2, palheiro com 194m2 e pátio com 21 m2, sita na Rua dos R. em R..., concelho de Torres Novas. 26- O arguido e os seus progenitores prestaram consentimento para cumprimento da pena de prisão em regime de permanência da habitação, no mais se dando aqui por reproduzido o teor de 758 e 776. * 1.2. Factos não provados. Nenhuns com relevo para a decisão. * (...) 2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. Veio o arguido requerer a reabertura de audiência, ao abrigo do disposto no art.º 371º-A, do Código de Processo Penal, e art.º 2º, n.º 4, do Cód. Penal, pedindo a aplicação do disposto no art.º 44º do Cód. Penal, introduzido pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro. Sob a epígrafe “abertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável”, estabelece o artigo 371º-A, do Código de Processo Penal: «Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime». Trata-se de disposição introduzida pela Lei n.º 48/07, de 29 de agosto, tendo em vista a concretização e execução do princípio constitucional da aplicação retroativa da lei penal mais favorável, consignado no artigo 29º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos, aplicando-se retroativamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido, disposição que, obviamente, terá de ser aplicada em harmonia com o princípio constitucional non bis in idem, designadamente na sua vertente ou dimensão objetiva (caso julgado material). “Com efeito, conquanto se reconheça que a aplicação de lei penal mais favorável a condenado com trânsito em julgado é compatível com o instituto do caso julgado, a verdade é que há que usar as devidas cautelas ao fazer operar o respetivo benefício, não se permitindo que a reabertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável se transforme num novo julgamento, pondo-se em causa o já definitivamente decidido”.[1] (acórdão do STJ de 13.11.2013, rel. Oliveira Mendes, processo n.º 395/01.9TBVNF-A.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Cumpre esclarecer, antes de mais e respondendo às alegações da I. Mandatária do arguido, ao pedir a redução da pena aplicada para um ano de prisão, que não está aqui em causa o quantum da pena de prisão concreta fixada no acórdão condenatório, transitado em julgado, uma vez que não houve alterações a nível da moldura abstrata do crime cometido pelo arguido, nem dos critérios de determinação da pena apontados nos art.ºs 70º e 71º do Cód. Penal, pelo que, por força do caso julgado, está vedada uma nova ponderação das operações relativas à determinação da pena. Importa, então, apreciar a aplicabilidade do disposto no art.º 44º do Cód. Penal, que entrou em vigor em momento posterior ao da condenação. “Um dos objetivos da revisão operada pela Lei nº 59/2007 (tal como preconizado pela Proposta de Lei nº 98/X), que entrou em vigor em 15/9/2007, foi a diversificação de reações penais, com consequente alargamento do leque de “alternativas” à pena de prisão. Visou o legislador, melhor e mais eficazmente, prevenir a pequena e a média criminalidade. Teve presente que a pena de prisão é hoje uma das principais causas da chamada crise da política criminal (“A prisão agrava as tendências antissociais, cria no preso hostilidade contra a sociedade, constituindo um importante fator criminógeno”), precisamente por causa da sua possível ineficácia junto da pequena e da média criminalidade. Assim, o legislador de 2007, através da diversificação das penas substitutivas da prisão e do alargamento da possibilidade de aplicação das já existentes, também deu mais um passo no sentido de viabilizar, a execução, na prática judiciária, do princípio da preferência pelas reações não detentivas, já consignado, desde 1995, no artigo 70º do Cód. Penal. A obrigatoriedade da preferência pela pena não privativa da liberdade (art.º 70º do Cód. Penal) apenas existe quando esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art.º 40º, nºs 1 e 2 do Cód. Penal). Para tanto, nessa primeira operação de escolha da pena principal, o julgador apenas pode recorrer a critérios de prevenção. Uma vez escolhida a pena alternativa principal, tendo a mesma recaído sobre a pena de prisão (como sucedeu no caso dos autos), partindo da respetiva moldura abstrata impõe-se determinar a pena concreta e, consoante o seu quantum (portanto apenas nos casos previstos na lei), incumbe depois ao tribunal averiguar se é caso de a substituir por uma pena não detentiva ou por uma pena detentiva prevista na lei. As penas de substituição “podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas (…) se não são, em sentido estrito, penas principais (porque o legislador não as previu expressamente nos tipos de crime) …[são] penas que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal (penas de substituição)” (cfr. acórdão TRP de 16.04.2008, rel. Maria do Carmo Silva Dias, proc. 0811831, disponível em www.dgsi.pt). Como resulta do acórdão proferido em 29 de maio de 2007, transitado em julgado em 27 de junho de 2007, o arguido foi condenado pela prática, entre maio e dezembro de 2003 e fevereiro a abril de 2004, de um crime de peculato, previsto e punido pelos art.ºs 375º, n.º 1, e 386º, n.º 1 al. c), do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, sob condição de, neste período, depositar à ordem da lesada “EDUCA – Empresa Municipal de Gestão e Manutenção de Equipamentos Educativos de Sintra”, a quantia de €34.325,51 (trinta e quatro mil duzentos e vinte e cinco euros e cinquenta e um cêntimos), na proporção de um terço da referida quantia em cada período de um ano de suspensão. Após duas prorrogações do prazo para cumprimento da condição, sem que nada tivesse sido pago pelo arguido à lesada, por despacho de 24.09.2012, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado. Esta revogação implicou, nos termos do art.º 56, nº 2 do Cód. Penal (que, nesta parte, não sofreu alterações apesar da reforma aprovada pela citada Lei nº 59/2007), o cumprimento da pena de prisão fixada no acórdão. Uma vez que “a nova audiência (art.º 371º-A do Cód. Proc. Penal) visa permitir a aplicação de lei penal mais favorável, em termos de reação penal (como sucede quando a única alteração que decorre da lei nova apenas se repercute a nível da sanção aplicada ou da sua substituição por pena mais favorável), sempre o julgador terá de, no momento em que profere a nova decisão, comparar os regimes penais sucessivos (a lei nova e a lei velha), para determinar se a lei nova beneficia o condenado, caso em que então procederá à sua aplicação retroativa. Essa nova audiência (à semelhança do que sucede quando a nova lei penal já entrou em vigor no momento em que é proferida a decisão condenatória e, portanto, em que, na sequência da audiência de julgamento, foi nessa decisão ponderada a sucessão de leis) onde são necessariamente garantidos os direitos de defesa do arguido, bem como o princípio da contrariedade (contraditório), vai permitir ao tribunal equacionar se a nova lei penal contém regime mais favorável ao condenado, quando a sentença condenatória já transitou em julgado mas ainda não cessou a execução da pena aplicada. Quando a alteração legal se repercute apenas a nível da reação penal, há então que ter presente a decisão proferida sobre a matéria de facto, constante da decisão anterior transitada em julgado. No entanto, não se pode olvidar a separação ou distinção entre a declaração de culpa e a determinação da pena. Com efeito, se a reforma penal não tiver introduzido alterações a nível do tipo legal dos crimes em questão, nem v.g. de causas de justificação ou de não punibilidade, o que ficou fixado na decisão anterior (sentença) transitada em julgado, a nível da declaração de culpa (ver questões apontadas no art.º 368 nº 2 do Cód. Proc. Penal) é definitivo (não pode ser alterado na nova decisão a proferir na sequência da reabertura da audiência para efeitos do art.º 371º-A do Cód. Proc. Penal) para qualquer tribunal (sem prejuízo, obviamente, dos pressupostos que justifiquem o recurso de revisão). Não é, por isso, pelo facto de o tribunal que procede à reabertura de audiência prevista no art.º 371º-A do Cód. Proc. Penal ter composição diversa do que proferiu a decisão condenatória (anterior) transitada em julgado que terá de haver uma “repetição da prova”, como se se tratasse “de um verdadeiro novo julgamento”. (…) No que respeita à decisão “autónoma” sobre a reação penal, apesar do trânsito em julgado da sentença condenatória, caso, entretanto, por exemplo, entre em vigor lei penal mais favorável a nível das consequências do crime que justifique a abertura da audiência nos termos do art.º 371º-A do Cód. Proc. Penal, a decisão tomada sobre a sanção aplicada anteriormente não assume aquele carácter definitivo que anteriormente lhe era atribuído. Pode até, como dizíamos, ser averiguada nova (complementar ou adicional) matéria de facto que interesse (seja indispensável e necessária) à decisão da aplicação da lei penal mais favorável, a qual sempre terá de ser fundamentada. No entanto, tudo depende ainda das alterações penais que forem introduzidas com a nova lei e do que se tiver averiguado no momento da condenação que entretanto transitara em julgado. Mas, tratando-se de questão nova (que decorre da entrada em vigor de lei penal mais favorável), que não chegou a ser equacionada naquela decisão condenatória transitada em julgada, poderá então justificar-se a produção de novos meios de prova que viabilizem o apuramento de novos factos (que, portanto, não haviam sido apurados anteriormente) necessários para sustentar a nova decisão que vier a ser proferida (por isso se compreendendo, nessas situações, a previsão do referido mecanismo da “abertura da audiência”). Se essas alterações apenas se prendem com o alargamento do leque das penas de substituição – quer em sentido próprio ou em sentido impróprio – importa atender, na nova decisão a proferir após abertura da audiência nos termos do art.º 371º-A do Cód. Proc. Penal, também àquelas circunstâncias que interessam para a determinação da espécie da sanção a cumprir (considerando as penas que agora existem, mas que não existiam no momento em que foi proferida aquela decisão condenatória, entretanto transitada em julgado), no momento mais recente e mais próximo dessa nova decisão a proferir. E isto, claro, apesar de haver outras circunstâncias (v.g. como quando é ponderada a forma como foi executado o crime cometido, a qual se reporta necessariamente à data em que o mesmo foi cometido ou como quando se aprecia o comportamento anterior ao crime em que então o julgador se reporta a data anterior ao crime) que são ponderadas tendo em atenção outros momentos distintos do momento mais próximo da nova decisão” (cfr. acórdão TRP de 16.04.2008, rel. Maria do Carmo Silva Dias, proc. 0811831, disponível em www.dgsi.pt). No caso em apreço, o arguido requereu a abertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável, pretendendo que a pena de prisão que tem a cumprir por virtude da revogação da suspensão da execução daquela, fosse executada em regime de permanência na habitação (art.º 44º do Cód. Penal, na versão atual). Tal como sucedia antes da reforma introduzida pela Lei nº 59/2007 (apesar de então não existir o regime previsto no art.º 44 do Cód. Penal), também atualmente, quando o tribunal tiver ao seu dispor diferentes penas de substituição, embora atendendo “às exigências de prevenção especial que no caso se façam sentir”, deverá preferir as não detentivas às detentivas. No caso sub judice, no momento da condenação, proferida em 29 de maio de 2007, transitada em julgado em 27 de junho de 2007, o coletivo de juízes aplicou uma pena de substituição não detentiva (aliás, a única pena de substituição que então tinha ao seu dispor visto que aplicou ao arguido a pena de 1 ano e 6 meses de prisão). “Com a última reforma do Código Penal, nas chamadas penas de substituição detentivas (penas de substituição em sentido impróprio) temos agora - além da prisão por dias livres (art.º 45º do Cód. Penal) e do regime de semidetenção (art.º 46º do Cód. Penal), que já existiam e cujo âmbito foi alargado - o regime de permanência na habitação previsto no art.º 44º do Cód. Penal. As duas primeiras (dependendo o regime de semidetenção do consentimento do condenado) são cumpridas intramuros na prisão (parte-se da ideia de que o inconveniente do “efeito criminógeno da prisão vale para a pena de prisão contínua mas já não, ou de forma muito atenuada, para a prisão por dias livres ou para o regime de semidetenção”, mesmo quando substituem penas de prisão até 1 ano), enquanto a terceira é cumprida extramuros (é uma efetiva privação da liberdade, mas alternativa à prisão no EP). Se olharmos, em abstrato, só para as chamadas “penas de substituição detentivas” (o regime de permanência na habitação, a prisão por dias livres e o regime de semidetenção) e para os seus requisitos (em termos do quantitativo da pena que substituem - v.g. no caso do art.º 44º do Cód. Penal; que a sua escolha depende da conclusão de que essa forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - embora no regime de semidetenção isso não seja dito expressamente; que o regime de permanência na habitação e o regime de semidetenção dependem do consentimento do condenado - podendo, ainda, o regime do art.º 44º depender de outros consentimentos - enquanto a prisão por dias livres não depende de consentimento), parece que o mais favorável a qualquer arguido/condenado é o regime de permanência na habitação, por evitar completamente os efeitos nocivos da prisão-instituição. No entanto, uma pena de substituição não detentiva (como é o caso, por exemplo, da suspensão da execução da pena de prisão) é sempre preferível (por mais favorável) em relação à pena de “substituição” detentiva (como é o caso do regime de permanência na habitação, da prisão por dias livres e do regime de semidetenção). Ora, como sabido, o regime de permanência na habitação (sempre dependente do consentimento do condenado), abrange casos (art.º 44º, nº 1 do Cód. Penal) de: a) Prisão aplicada em medida não superior a 1 ano; e, b) Remanescente não superior a 1 ano da pena de prisão efetiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação (portanto é preciso conjugar com as medidas de coação de prisão preventiva e de permanência na habitação que o condenado já tiver sofrido – no próprio processo ou noutro processo, verificada a situação prevista no art.º 80º, nº 1 do Cód. Penal). O limite máximo previsto no nº 1 (nos dois casos acima referidos) do art.º 44º pode ser elevado para 2 anos, quando à data da condenação, existam circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que “desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional”, nomeadamente (portanto, é uma indicação exemplificativa): gravidez; idade inferior a 21 anos; idade superior a 65 anos; doença grave; deficiência grave; existência de menor a seu cargo; existência de familiar exclusivamente ao seu cargo. De qualquer modo, o tribunal tem de concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Essa pena prevista no art.º 44º do Cód. Penal é para ser ponderada, reportada ao momento da condenação, não se podendo confundir com a fase em que a pena de prisão imposta já está em fase de execução.” (cfr. Acórdão TRP de 16.04.2008, rel. Maria do Carmo Silva Dias, proc. 0811831, disponível em www.dgsi.pt, sublinhado nosso) Ora, à data da condenação não só o arguido foi condenado numa pena de um ano e seis meses de prisão, o que exclui a possibilidade de aplicação do n.º 1 do art.º 44º, do Código Penal, como o mesmo não tinha filhos menores a seu cargo. Por outro lado, impõe-se questionar se, na sequência de revogação da suspensão da execução da pena de um ano e seis meses de prisão, por decisão transitada em julgado, o condenado pode pedir que, nos termos do art.º 371º-A do Cód. Proc. Penal, a pena de prisão a cumprir seja executado em regime de permanência na habitação. A questão só se coloca em termos de saber se, existindo o regime atual de permanência na habitação à data da condenação, aquela pena concreta, em vez de ser suspensa na sua execução, podia ser substituída por obrigação de permanência na habitação. Entendemos que a resposta terá de ser negativa. Com efeito (seguindo de perto o douto acórdão que vimos citando), se no acórdão proferido foi determinada a suspensão da execução da pena de prisão fixada é porque foi possível chegar à conclusão que o arguido conseguia alcançar a socialização em liberdade, fazendo um juízo de prognose favorável à suspensão, era mais gravoso para o arguido se o coletivo viesse a aplicar o regime de obrigação de permanência na habitação, porque este implica sempre privação de liberdade, embora extramuros da cadeia. Destarte, apesar de não ter sido ponderada a aplicação do regime de permanência na habitação à data da condenação, por não existir tal norma, a verdade é que a suspensão da execução da pena de prisão efetivamente aplicada no acórdão se revelaria, em concreto, mais favorável ao arguido ao invés do seu cumprimento em regime de permanência na habitação, atento o carácter privativo da liberdade desta pena por comparação com a pena de substituição aplicada. E, como já referimos, a ponderação imposta pelo art.º 371º-A do Cód. Proc. Penal, reporta-se ao momento da condenação. “A redação do art.º 371-A do Cód. Proc. Penal, é unívoca ao estabelecer que a audiência nele prevista limita-se à aplicação do novo regime penal mais favorável, ou seja, não basta que tenham existido alterações na lei penal geral, mas é necessário que o novo regime contenha, pelo menos, uma qualquer norma que permita conjeturar que, se já existisse no momento da condenação, poderia ter levado a uma decisão concretamente mais favorável ao arguido.” (Ac. do TRG de 10.12.2007, disponível em www.dgsi.pt) Em suma, o regime de permanência na habitação no momento em que o arguido foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução, era-lhe nitidamente desfavorável, só se tendo tornado mais favorável face ao imposto cumprimento da prisão efetiva, por o mesmo não ter feito qualquer esforço para proceder ao pagamento da quantia fixada como condição da suspensão da execução da pena (note-se que só veio a pagar dez mil euros à lesada após a revogação da mesma, apesar de lhe terem sido concedidas várias prorrogações do respetivo prazo), o que levou a que tivesse sido decidida a revogação da suspensão da execução da pena, decisão essa que o arguido ainda questionou em sede de recurso, ao qual foi negado provimento. “Face ao insucesso de tal recurso, o objetivo do recorrente é o de conseguir não cumprir a pena efetiva de prisão, através da invocação de lei que se existisse no momento da condenação não lhe seria aplicável por lhe ser claramente mais desfavorável. (cfr. acórdão TRP de 07.01.2009, rel. Álvaro Melo, proc. 0845164, disponível em www.dgsi.pt) Finalmente, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20 de abril de 2009, (proferido no processo n.º 1771/05.3, proc. GBBCL-A.G1, rel. Carlos Barreira, disponível em www.dgsi.pt), “o atual art.º 44º do C. Penal não é aplicável aos casos de revogação da suspensão da pena de prisão anteriormente aplicada, por inexistir norma que o preveja”. * * * Apreciando: De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso. Assim, em causa está a possibilidade do recorrente cumprir em regime de permanência na habitação a pena de prisão de 1 ano e 6 meses que lhe foi imposta depois de ter sido revogada a suspensão da execução dessa mesma pena. Compulsados os autos verificamos que por acórdão proferido em 29 de Maio de 2007, transitado em julgado em 27 de Junho de 2007, foi o arguido condenado pela prática, entre Maio e Dezembro de 2003 e Fevereiro a Abril de 2004, de um crime de peculato, p. e p. pelos arts. 375º, nº 1, e 386º, nº 1 al. c), do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, sob condição de, neste período, depositar à ordem da lesada “EDUCA – Empresa Municipal de Gestão e Manutenção de Equipamentos Educativos de Sintra”, a quantia de €34.325,51 (trinta e quatro mil duzentos e vinte e cinco euros e cinquenta e um cêntimos), na proporção de um terço da referida quantia em cada período de um ano de suspensão. A suspensão da execução da pena veio a ser revogada. Requereu então o arguido a reabertura da audiência para aplicação de lei penal mais favorável tendo em vista a aplicação da substituição da prisão pelo regime de permanência na habitação previsto no art. 44º do Cód. Penal. É certo que quando o arguido foi condenado não estava em vigor a possibilidade de substituição da pena de prisão pela permanência na habitação previsto no art. 44º do Cód. Penal. Como é sabido, o nosso Código Penal permite a substituição da pena de prisão: ou por multa, ou pela execução em regime de permanência na habitação, ou pelo cumprimento em dias livres ou em regime de semi-detenção (caso se esteja perante uma pena de duração inferior a um ano) ou por prestação de trabalho a favor da comunidade (caso se esteja perante uma pena de duração inferior a dois anos) ou pela proibição do exercício de profissão, função ou actividade (caso se esteja perante uma pena de duração inferior a três anos e o crime tenha sido cometido no respectivo exercício) ou pela suspensão da execução (caso se esteja perante uma pena inferior a 5 anos). De acordo com os nºs 1 e 2 do art. 40º do Cód. Penal, “a aplicação de penas… visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. E se o art. 40º citado dá essencial relevo à reinserção social do agente do crime, é óbvio que o legislador não podia prescindir – como não prescindiu – de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, nomeadamente no que se refere à sua escolha. A opção por uma ou por outra das penas de substituição é determinada por uma ponderação sobre qual delas realiza de forma mais adequada e (sempre) suficiente as finalidades da prevenção, tendo em conta que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial – e sobretudo esta – que determinam a preferência por uma pena de substituição. Como ensina o Prof. Figueiredo Dias (in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 3ª Reimpressão, p. 333) que “(…) sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efectiva da prisão, reste ao seu dispor mais do que uma espécie de pena de substituição (v.g., multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da prisão), são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstractamente aplicáveis deve ser eleita. Neste sentido pode afirmar-se que não existe em abstracto, pelo menos sob forma rígida e em via de princípio, uma «hierarquia legal das penas de substituição»; só em concreto ela se dá, isto é, em função das exigências de prevenção especial de socialização que na hipótese se façam sentir e da forma mais adequada de as satisfazer”. Assim, a pena de substituição a aplicar em cada caso deve ser encontrada em concreto e em função das concretas exigências de prevenção especial de socialização. Posto isto, sempre que optar por pena detentiva (cfr. o disposto no art. 70º do Cód. Penal), o tribunal tem de ponderar a aplicação de uma pena de substituição se ela for abstractamente possível. Aliás, deve equacionar, antes de mais, a aplicação de uma pena de substituição em sentido próprio (penas de suspensão da execução da prisão, a multa de substituição, a prestação de trabalho a favor da comunidade, a admoestação e, por último, por ser de consagração legal mais recente, a proibição do exercício de profissão, função ou actividade) e só em caso de afastamento de todas as que estão legalmente previstas deverá ponderar a aplicação de uma pena de substituição detentiva (prisão por dias livres, regime de semi-detenção e regime de permanência na habitação). Com efeito, conhecidos os efeitos criminógenos da pena de prisão a aplicação de penas de prisão, mesmo que penas de substituição detentivas, deve acontecer apenas quando a execução da prisão se revele necessária, ou pelo menos mais conveniente, do ponto de vista da prevenção especial de socialização. Pelo que também nós entendemos, tal como o Tribunal recorrido, que a suspensão da execução da pena, ainda que subordinada a deveres, é em abstracto mais favorável do que o regime de permanência na habitação. E em concreto, considerando o tipo de crime praticado pelo arguido/recorrente e as suas consequências, bem como a culpa, sem esquecer as suas condições pessoais e a conduta anterior e posterior ao crime, também nós consideramos que a suspensão de execução da pena de prisão subordinada ao dever da reparação do crime é, no caso, a pena de substituição mais adequada em função das exigências de prevenção especial de socialização que se fazem sentir e a forma mais adequada de as satisfazer. Assim, sempre seria de manter a suspensão da execução da pena. Mas o recorrente pretende que a pena de prisão que tem a cumprir, em consequência da revogação da suspensão da execução da pena, seja ela própria substituída pelo regime de permanência na habitação. Ora tal pretensão – sempre salvo o devido respeito por entendimento diverso – é absolutamente contrária aos fins pretendidos pela política de substituição das penas. A substituição de penas de substituição não está legalmente prevista nem se afigura correcta. Com efeito, o regime de permanência na habitação previsto pelo art. 44º do Cód. Penal é uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão e não um regime de cumprimento da pena de prisão – “a permanência na habitação só substitui uma pena de prisão, não sendo um meio de substituir a execução de penas de prisão que resultem do incumprimento de outras penas de substituição” (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, p. 213, em anotação art. 44º e citando António Latas e André Leite). Nestes termos, a substituição pretendida pelo recorrente é uma impossibilidade legal, ficando prejudicada a apreciação sobre se a situação do recorrente se enquadra no nº 2 do art. 44º do Cód. Penal (embora a redacção do nº 2 não deixe margem para dúvidas de que a situação prevista tenha que se verificar “à data da condenação”) O entendimento expendido não é restritivo da aplicabilidade do princípio da retroactividade da lei mais favorável instituída pelo artigo 2º nº 4 do Código Penal, nem violador de qualquer norma constitucional ou da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (nomeadamente as que protegem o princípio da igualdade e da dignidade da pessoa) e nada contende com o entendimento de que o princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ocorre quer haja ou não condenação com força de caso julgado formado sobre a questão jurídico-penal controvertida. Nos termos do art. 371º-A do Cód. Proc. Penal (na redacção introduzida pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto), “se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime”. A possibilidade de reabertura da audiência para aplicação de lei penal mais favorável, prevista no art. 371ºA do Cód. Proc. Penal, está em sintonia com o disposto no art. 2º nº 4 do Cód. Penal, que estabelece (na redacção introduzida pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro) que “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior”. Antes das referidas alterações introduzidas nos Códigos de Processo Penal e Penal, era pacífica, pelo menos ao nível da jurisprudência, a intangibilidade do caso julgado mesmo em face de lei posterior mais favorável. Aliás, a anterior redacção do nº 4 do art. 2º do Cód. Penal ressalvava expressamente o caso julgado – “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado” – tendo-se o Tribunal Constitucional pronunciado no sentido de que este normativo não era materialmente inconstitucional na parte em que ressalva o caso julgado por não ofender o nº 4 do art. 29º da Constituição da República Portuguesa (cfr. o Ac. do Trib. Constitucional nº 644/98). Actualmente, e dada as redacções actuais dos preceitos referidos, o caso julgado deixou de ser intangível, claramente, no que se refere à execução da pena e aos efeitos penais, pois que nesse caso, independentemente de haver ou não caso julgado, será aplicada sempre a lei mais favorável. O único limite será apenas o de já ter cessado a execução da pena e os seus efeitos penais. No caso ponderou-se a aplicação da previsão actual do art. 44º do Cód. Penal e explicou-se fundamentadamente porque não era de aplicar o disposto em tal normativo. O facto de o recorrente entender que determinada situação lhe convém mais e que por isso deve ser aplicada sem qualquer ponderação, não pode ser confundido com o estatuído pelo nº 4 do art. 2º do Cód. Penal. * * * Decisão. Pelo exposto, acordam negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco (5) UCs. Lisboa, 23/02/2016 (Alda Tomé Casimiro - processado e revisto pela relatora) (Cid Geraldo) (Filomena Lima, Presidente) [1]Neste preciso sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal de 08.05.11, proferido no Processo n.º 2812/08, ao decidir que a audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável não se traduz num irrestrito novo julgamento, e menos ainda da matéria de facto, que deixa intocável, mas apenas num julgamento parcelar da questão, em manifesto benefício do arguido, para determinação, no confronto de leis em sucessão, do regime penal que lhe é mais benéfico, ou seja, para proporcionar nova sanção e não a discussão da culpabilidade.