Sumário (art.º 663.º n.º 7 do CPC) I. Apesar de recair sobre o contraente predisponente o ónus da prova da comunicação ao contraente aderente das cláusulas contratuais gerais do contrato, cabe ao aderente invocar a falta de comunicação dessas cláusulas, se dessa omissão pretender retirar algum efeito jurídico. II. Constitui alteração da causa de pedir a alegação, pelo autor, no recurso de apelação, de disparidades entre o teor do contrato subscrito e aquele que pretendera celebrar, e bem assim da falta de comunicação e explicação do teor do contrato por parte do réu predisponente, que não havia alegado na petição inicial. III. A modificação da causa de pedir só pode fazer-se com o acordo das partes ou mediante a confissão do réu, aceite pelo autor nos termos do do n.º 1 do art.º 265.º do CPC. IV. O tribunal só poderá levar em consideração, na decisão de facto, factos não alegados, que resultem da instrução da causa, se estes não forem essenciais, na aceção de modificativos da causa de pedir ou das exceções alegadas pelas partes nos respetivos articulados.
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 20.6.2013 Nélio e Andreia intentaram nas Varas de Competência Mista do Funchal ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Companhia de Seguros, S.A.. Os AA. alegaram, em síntese, serem donos de um prédio urbano, sito no Funchal, que adquiriram em 28.12.2006, com recurso a um empréstimo hipotecário contraído junto do BES. Para assegurar o bom pagamento do empréstimo os AA. celebraram com a R. um contrato de seguro tendo por objeto o aludido imóvel, estipulando-se como valor de capital seguro o montante de € 139 000,00, sendo certo que o imóvel foi avaliado, pelo BES, em € 155 000,00, o que permitiu que o BES emprestasse aos AA. o total de € 139 000,00. Sucede que em 20.02.2010, em consequência de violenta intempérie que se abateu sobre o Funchal, o prédio em causa ficou seriamente danificado, tendo sido declarada a sua perda total, pois a Câmara Municipal do Funchal considerou que o edifício se localizava em “zona não reconstrutiva.” Os AA. têm, assim, direito ao pagamento, pela seguradora, do montante seguro, de € 139 000,00, acrescido de 15% (€ 20 850,00), a título de indemnização por demolição e remoção de escombros, conforme consta no contrato de seguro, devendo esse valor ser utilizado pelos AA. para liquidarem as suas responsabilidades perante o BES. Valor esse que é muito superior àquele que a R. se propõe pagar, ou seja, € 58 369,68. Os AA. terminaram pedindo que a R. fosse condenada a pagar aos AA. a quantia de € 159 850,00, acrescida de juros à taxa legal, até efetivo pagamento, destinando-se esse montante a liquidar a quantia exequenda junto do BES. A R. contestou, por exceção e por impugnação. Por exceção, arguiu a prescrição do direito dos AA. e a ilegitimidade destes (por estarem desacompanhados do credor hipotecário). Por impugnação, aceitou a existência do sinistro e a perda total do edifício, alegou que o capital seguro correspondia ao custo da respetiva reconstrução e afirmou que tal custo, deduzida a franquia estipulada, orçava, segundo proposta que atempadamente apresentou tendo em vista a resolução imediata e extrajudicial da questão, em € 58 369,68. A R. terminou concluindo que a ação deveria ser julgada em função da prova a produzir em audiência final, com as consequências legais. Em 19.02.2014 realizou-se audiência prévia, em que se julgou improcedente a arguição de prescrição e bem assim a da ilegitimidade dos AA., fixou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova. Realizou-se audiência final e em 08.6.2015 foi proferida sentença em que se julgou a ação parcialmente procedente e em consequência se condenou a R. a proceder ao pagamento da prestação indemnizatória devida por força do sinistro ocorrido no dia 20 de Fevereiro de 2010, que se fixou em € 58 369,68, que deveria ser liquidada ao credor hipotecário, absolvendo-se a R. do demais peticionado. Os AA. apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões: A) Os AA. contrataram um seguro com a R., tendo como objeto o prédio urbano destinado a habitação, que foi sua casa de morada; B) Os AA. recorreram a crédito bancário junto do extinto BES, tendo este efetuado uma avaliação do imóvel, no montante de € 155.000,00; C) Simultaneamente, com base no valor mutuado pelo Banco, 139.000,00, os AA. seguraram o prédio junto da R., por igual valor; D) Com a intempérie de 20 de fevereiro de 2010, o prédio sofreu avultados danos, tendo a Câmara Municipal do Funchal declarado que era inviável a sua reconstrução no local, havendo perda total do imóvel; E) À data do sinistro, os AA. estavam a realizar obras de beneficiação no prédio, mas ali habitavam de forma permanente; F) A R. invocou só ter de indemnizar os AA. pelo valor da avaliação efetuada após o sinistro, mas não pelo valor total do seguro, apesar da perda total do imóvel; G) Os AA. sempre pretenderam contratar um seguro de garantia total do imóvel, associado ao crédito habitação, que os indemnizasse pela totalidade do capital em dívida, decorrente do mútuo; H) O contrato dos autos, denominado pela R. como multirriscos habitação, deve abranger a total¡dade da perda dos AA. já que estes não foram informados pela R., no momento da sua outorga, do conteúdo das suas cláusulas gerais; l) Atenta a violação deste dever de informação, há nulidade das cláusulas gerais, limitativas ou exclusivas do direito invocado pelos AA., a qual é de conhecimento oficioso pelo juiz a quo; J) Sendo oficioso, o conhec¡mento desta nulidade tem de ocorrer, mesmo que tal não tenha sido alegado pelos AA. no seu articulado, mas apenas em sede de declarações de parte; K) Face a tal nulidade, a R. devia ter sido condenada no pagamento do total do capital seguro, atenta a perda total do imóvel, e não em verba parcelar, decorrente de avaliação posterior ao s¡nistro; L) Ao atuar desta forma, a R. age em manifesto abuso de direito; M) A sentença recorrida viola, entre outros, o artigo 5.º do DL 446/85, de 25 de outubro, e os artigos 227.º, 236.º, 286.º e 334.º do Código Civil. Os apelantes terminaram pedindo que a sentença recorrida fosse revogada e a R. condenada a indemnizar os AA. no montante correspondente ao valor do empréstimo junto do extinto BES, à data do sinistro, bem como todos os encargos posteriores daí decorrentes, o qual reverteria a favor do credor hipotecário. A apelada contra-alegou, tendo rematado com as seguintes conclusões: I. Os Autores pretendem em sede do presente recurso invocar a nulidade do contrato de seguro celebrado e em apreço nos autos, por um lado alegando não lhes ter sido transmitido o alcance e significado das condições que lhe são aplicáveis e por outro, que tais cláusulas não lhes foram explicadas ou comunicadas para efeitos da sua eventual exclusão do contrato II. Concluindo os Apelantes que a sentença enferma de nulidade por violação do artigo 5º do DL 446/85, de 25 de Outubro e os artigos 227º, 236º, 289º e 334º do Código Civil. III. No entanto, face à prova produzida em audiência de julgamento, bem como ao acervo documental que constitui os autos, julga-se nada haver a apontar à matéria dada como provada pela Exma. Juiz a quo; IV. Nunca em todo o processo, à excepção do articulado correspondente às Alegações de Recurso ora objecto de resposta, invocam os Autores quaisquer factos susceptíveis de imputar à Seguradora, aqui Recorrida uma responsabilidade por culpa na formação do contrato (artigo 227º do Código Civil) e/ou tão-pouco passíveis de integrarem uma contratação em erro sobre o objecto do negócio ou sobre os motivos (artigos 251º e 252º do Código Civil) que permitissem colocar em crise a validade da sua declaração. V. Os ora Recorrentes ao alegarem apenas no presente momento processual a nulidade do contrato de seguro dos autos, realiza uma verdadeira e inadmissível alteração da causa de pedir da acção! VI. Na verdade é encargo das partes aportar ao processo os factos que sustentam as respectivas pretensões, em termos tais que o tribunal, na decisão a proferir, só pode tomar em consideração os factos alegados (e provados) pelas partes. VII. Pois, estamos em presença de um sistema processual civil pautado pelo princípio do dispositivo, onde a actuação do juiz é essencialmente diga-se “passiva”, porquanto, na decisão a proferir, apenas deverá basear-se nos factos alegados pelas partes. VIII. Sobre as Partes recai, consequentemente, o ónus de alegação dos factos a considerar pelo Juiz. IX. No que respeita aos factos que fundam o pedido é de distinguir os factos essenciais dos factos instrumentais. X. Os factos essenciais que fundam o pedido são os que integram a causa de pedir, isto é, aqueles em que, se baseia a pretensão do autor deduzida judicialmente. São os factos constitutivos do seu direito, ou integrantes do facto cuja existência ou inexistência afirma. Enquanto factos “que realizam uma função constitutiva do direito invocado pelo autor” e sem os quais se não “encontra individualizado esse direito”. XI. Os factos essenciais proprio sensu carecem de alegação, salvo os notórios, os que o tribunal conhece por virtude do exercício das suas funções e os constitutivos da simulação ou fraude processual; XII. Quanto ao momento da alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção, os mesmos devem ser alegados pelo Autor na Petição Inicial, ou mesmo em sede de Audiência Prévia, ou em sede de eventual Articulado Superveniente (para factos novos). XIII. Os factos, ditos essenciais, os quais as partes não alegaram nos seus articulados (concretamente na PI, ou eventualmente em sede de direito de resposta em Audiência Prévia) preclude o direito de o fazerem. XIV. Os Autores peticionam a condenação da Ré no pagamento da quantia de €159.850,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, até efectivo pagamento, montante a liquidar ao Banco Espirito Santo, S.A., atendendo à perda total do imóvel seguro face o dano verificado no mesmo, objecto do contrato de seguro, fundando a sua pretensão neste mesmo contrato. XV. Assim, alegam a existência de contrato seguro, facto essencial para a pretensão dos Autores, sendo que quanto à natureza do mesmo apresentam um entendimento diferente daquele que a R. explanou nos autos e a qual veio a ser sufragada pelo Tribunal a quo. XVI. Ora, os Autores aqui Recorrentes ao longo de todo o processo nunca se prontificaram a alegar qualquer nulidade do contrato subscrito ou qualquer obscuridade do mesmo. XVII. Simplesmente não conseguiam ver, com o devido respeito aquilo que é óbvio e decorre da letra e teor dos documentos contratuais subscritos que nas palavras da sentença a quo se revela cristalino! XVIII. A douta sentença do Tribunal a quo, a este propósito bem refere que os Autores nada alegaram no sentido de que aquando da celebração do contrato de seguro não lhes ter sido transmitido o alcance e significado das condições que lhe são aplicáveis, e que tais cláusulas não tenham sido explicadas ou comunicadas para efeitos da sua eventual exclusão do contrato (conforme artigos 5º, 6º e 8º do DL 446/85, de 25-10). XIX. Não obstante e sem conceder, ainda que tal invocação pelo Autores pudesse vir a ser considerada, as cláusulas vertidas nas condições gerais aplicáveis ao contrato de seguro em causa e que constituem matéria assente e aceite pelos Autores, correspondem a cláusulas típicas vertidas no regime jurídico do contrato de seguro para os seguros de danos. XX. Não tendo os Autores igualmente expressamente invocado qualquer cláusula que lhes pudesse ter levantado qualquer dúvida, não podendo assim a sua pretensão de nulidade ser procedente, até porque estamos em presença de cláusulas típicas do regime do contrato de seguro de danos constante da Lei do Contrato de Seguro (DL 72/2008 de 16 Abril). XXI. Tais cláusulas não podem ser consideradas dúbias ou pouco claras de modo a que se deva ter por assente que qualquer contraente colocado na posição do aqui segurado teria tido dificuldades em interpretá-las, utilizando aqui o critério do homem médio. XXII. As cláusulas abusivas caracterizam-se por da sua aplicação resultar uma limitação ou supressão de obrigações a cargo do predisponente, introduzindo desequilíbrio na relação de equivalência, ou por surgir um favorecimento excessivo ou desproporcionado da posição contratual do predisponente ou por uma incompatibilidade com os princípios legais essenciais. XXIII. Uma vez que o contrato de seguro celebrado pelo Autor foi não mais que um contrato multirriscos habitação, de prestação indemnizatória em que o valor desta corresponde ao valor do capital seguro ao tempo do sinistro, no caso, o valor da reconstrução do imóvel, XXIV. E sendo possível constatar da documentação junta aos autos que se aplica à presente apólice o regime geral do seguro de danos, previsto na Lei do Contrato de Seguro e não num qualquer regime supletivo, ou excepcional, não se identificam cláusulas abusivas, designadamente, por delas resultar não ser atingido o valor do mútuo contratado pelo Autor pois resulta mais do que evidente que este nenhuma relação tem com o tipo de seguro em causa. XXV. A Recorrida entende não poder o presente Tribunal de recurso, quanto ao mérito da causa, conhecer de “novos “factos, ou seja, de facto essenciais não invocados em 1ª instância e por isso não conhecidos pela mesma, pelo que a pretensão dos Autores de ver reconhecida a nulidade do contrato de seguro não deverá ser atendida. XXVI. E ainda que assim não se entenda, e sem conceder, julgando o Venerando Tribunal apreciar tal questão, sempre se entende que o contrato em questão não padece que qualquer nulidade, nem consta do mesmo qualquer cláusula abusiva ou dúbia que possa ali conduzir, conforme supra se fundamentou. XXVII. Ademais, no que respeita à natureza do contrato de seguro efectivamente contratado, conforme cristalinamente resulta da documentação junta aos autos e objecto de valoração pelo douto tribunal, o contrato de seguro multirriscos habitação celebrado entre os Autores e a Ré teve como objecto, único, o imóvel identificado como local de risco e nunca, em momento algum, qualquer bom pagamento de qualquer quantia decorrente de qualquer empréstimo bancário. XXVIII. Estamos em presença de contrato de seguro cuja única especificidade é conter uma cláusula de credor hipotecário, neste caso o Banco Espírito Santo, S.A., XXIX. Cláusula essa que decorre da solicitação, à Ré, do próprio tomador do seguro, tudo conforme a respectiva Proposta de Seguro (Docs. 1 e 2 da Contestação e n.º 5 da Petição Inicial). XXX. E corroborado, em caso de ainda restarem quaisquer dúvidas a respeito da natureza do contrato celebrado, pelos depoimentos das testemunhas Maria Margarida Biscaia (prestado na sessão de julgamento realizada no dia 09.02.2015, gravado entre as 16h14m e 16h46m), Manuel Silva (prestado na sessão de julgamento realizada no dia 09.02.2015, gravado entre as 16h47m e 17h05m) e Nuno Trindade (prestado na sessão de julgamento realizada no dia 04.05.2015, gravado entre as 14h16m e 14h42m). XXXI. Referindo inda as testemunhas supra identificadas, nos seus depoimentos que em caso de não reconstrução do imóvel, aplicável ao imóvel dos autos, tal como resulta dos autos da matéria assente (ponto 6 da matéria de facto assente constante da douta sentença), o valor de indemnização a atender seria conforme o contrato subscrito o valor matricial. XXXII. Como resulta dos autos a R. entendeu indemnizar os Autores pelo valor da reconstrução, outro dos critérios de indemnização decorrentes das condições contratuais da apólice que constituem dos presentes autos, que se veio a revelar bem mais benéfico para os Autores atendendo ser um valor superior ao do valor matricial do imóvel seguro. XXXIII. O Tribunal a quo bem considerou que o valor da coisa segura ao tempo do sinistro deveria ser aferido pelo valor necessário à sua reconstrução, pronunciando-se quanto à adequabilidade do valor proposto pela seguradora. XXXIV. É certo que a Ré diligenciou pela realização de peritagem para avaliação dos danos no decurso da qual foram efectuadas medições vertidas no respectivo relatório junto aos autos de fls_, tendo-se dado como provado que a área coberta do imóvel à data do sinistro era de 150,23 m2 e a área descoberta era de € 29,77 m2 (Cfr. pontos 40 e 43 da matéria de facto assente constante da douta sentença) XXXV. Os Autores não contestaram tais medições nem invocaram ou produziram qualquer prova no que respeita a eventuais áreas diferentes ou superiores que conduzissem à obtenção de um valor necessário para reconstrução superior ao encontrado pela seguradora. XXXVI. Logo, em concreto, o valor apurado e ponderado pela Seguradora para indemnização aos Autores não foi objecto de impugnação pelos mesmos, mas tão somente o critério aferido para tal. XXXVII. Desta forma e como já referido, atendendo à natureza/tipo de seguro contrato, e porque se está perante um seguro de danos (multirriscos habitação) de prestação indemnizatória, em face dos danos ocorridos em virtude do sinistro e do valor apurado de reconstrução do imóvel tal como se encontrava ao tempo do sinistro, o valor proposto pela seguradora de € 64 855,20 afigurou-se ao Tribunal a quo como adequado e consentâneo com o risco coberto, o sinistro ocorrido e os danos verificados no imóvel. XXXVIII. Sendo que atendendo às franquias contratuais existentes, também estas constantes da matéria assente dos autos, tal como resulta das condições particulares da apólice (cf. fls. 93 p.p. e seguintes; ponto 33. da matéria de facto) há que aplicar à cobertura inundações na qual foi enquadrada o sinistro dos Autos uma franquia de 10% sobre o valor do sinistro. XXXIX. Pelo que resulta o pagamento pela Ré aos Autores do montante de € 58 369,68 (cinquenta e oito mil trezentos e sessenta e nove euros e sessenta e oito cêntimos) tal como desde logo assumido nos autos pela Recorrida. XL. Não há por parte da Recorrida qualquer abuso ou má conduta na assunção dos seus compromissos perante os Recorrentes, pois como facilmente decorre da leitura atenta do contrato, em termos lineares, perante uma situação de perda total do imóvel como a vivida pelos Autores estes teriam direito a ser indemnizados apenas e tão só pelo valor matricial do imóvel, que se veio a apurar ser de € 26.070,00. XLI. Na verdade, o contrato de seguro sub iudice, o valor do capital seguro deve corresponde ao capital do imóvel, que por sua vez equivale ao custo da respectiva reconstrução, e é, nos termos do artigo 4º das Condições Gerais da apólice, da responsabilidade do tomador seguro (cfr. Doc. 7 da PI). XLII. In casu, tendo o valor do capital do imóvel – “139.000,00” – sido declarado pelo tomador do seguro, à Ré, como correspondente ao custo de reconstrução do mesmo, conforme expressa e manuscritamente consta da Proposta de seguro subscrita, cfr. Doc. 1 da Contestação., XLIII. Valor esse, aliás, sujeito a actualização automática, nos termos do artigo 5º das mesmas Condições Gerais, de acordo com as variações dos índices de habitação e edifícios publicados pelo Instituto de Seguros de Portugal,. XLIV. Assim tal capital relaciona-se apenas com o valor de (re)construção do imóvel, não se confundindo com o valor de qualquer empréstimo bancário (e/ou suas avaliações. XLV. Como bem entendeu a douta sentença ora objecto de recurso pelos Autores é evidente face aos elementos documentais juntos aos autos, corroborados no seu conteúdo pelos depoimentos colhidos, que o contrato de seguro celebrado pelo autor, pelo menos aquele de que tratam os presentes autos, não visou assegurar o bom pagamento do empréstimo, tratando-se de um seguro de danos como claramente resulta do seu teor. XLVI. Acresce que os Autores não efectuaram qualquer prova no sentido de que o valor de indemnização em caso de prejuízos ocorridos no imóvel tenha sido expressamente acordado com a seguradora no sentido de equivaler ao capital do imóvel atribuído, ou seja, os mencionados € 139 000,00, nada ressaltando do teor da apólice que confirme tal tomada de posição e menos ainda do depoimento das testemunhas inquiridas. XLVII. Em suma, o contrato de seguro multirriscos habitação celebrado tem como objecto, único, a cobertura dos riscos identificados nas respectivas condições particulares, gerais e especiais, i. e., o imóvel identificado como local de risco. XLVIII. Tal imóvel é, assim, o único objecto de risco a segurar, nunca, em momento algum, qualquer bom pagamento de qualquer quantia decorrente de qualquer empréstimo bancário. XLIX. Pelo que, para além de não ser legítimo aos Autores a invocação da nulidade do seguro tendo por base a alegada violação do por violação do artigo 5º do DL 446/85, de 25 de Outubro e os artigos 227º, 236º, 289º e 334º do Código Civil, por a mesma para ter sido invocada em sede própria (sendo que ainda que assim não se entenda não se entende que padeça o contrato em apreço de qualquer obscuridade, na medida em que corresponde ao regime tipo do contrato de seguro de danos), a verdade é que o mesmo, atendendo à sua natureza obriga a Recorrida a indemnizar os Autores apenas e tão só, em caso de perda do imóvel, pelo seu valor matricial, ou, como já admitido nos autos pela Ré e resulta da sentença do Tribunal a quo, pela eventual reconstrução do imóvel cuja avaliação nos termos do contrato levou ao apuramento do montante indemnizatório, deduzida a respectiva franquia contratual, de € 58 369,68 (cinquenta e oito mil trezentos e sessenta e nove euros e sessenta e oito cêntimos). A apelada terminou pedindo que a apelação fosse julgada improcedente, mantendo-se a sentença recorrida. Foram colhidos os vistos legais. FUNDAMENTAÇÃO As questões a apreciar neste recurso são as seguintes: impugnação da matéria de facto; objeto do contrato de seguro celebrado; vícios na formação do contrato e suas consequências; abuso de direito. Primeira questão (impugnação da matéria de facto) O tribunal a quo deu como provada a seguinte Matéria de facto 1. Com data de 28 de Dezembro de 2006 foi lavrada escritura de «Compra e Venda – Mútuo com Hipoteca» a folhas 4 a 6 do Livro número 117-A do Cartório Notarial do Lic. (…) mediante a qual Luís (…) e mulher Cármen (…), como primeiro outorgantes, declararam que, mediante o preço já recebido de cem mil euros, vendem aos segundos outorgantes, Nélio (…) e Andreia (…), o prédio urbano, de natureza exclusivamente habitacional, ao Sítio (…), concelho do Funchal, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número (…), que declararam aceitar tal transmissão nos termos exarados e que destinam o prédio à sua habitação própria permanente; mais disseram os segundos outorgantes e o terceiro, em representação do Banco (…), S. A. que aqueles solicitaram a este um empréstimo no montante de cem mil euros, que neste acto receberam e que lhes é concedido pelo prazo de cinquenta anos e que para caução e garantia de todas as responsabilidades assumidas, juros e despesas judiciais e extrajudiciais que se fixam em quatro mil euros, os segundos outorgantes constituem hipoteca sobre o prédio identificado (artigo 12º da petição inicial). 2. Com data de 28 de Dezembro de 2006 foi lavrada escritura de «Mútuo com Hipoteca» a folhas 7 a 8 do Livro número 117-A do Cartório Notarial do Lic. (…) mediante a qual os primeiros outorgantes, Nélio (…) e Andreia (…), declararam serem donos do prédio urbano ao Caminho (…), Funchal, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número (…) e que acordaram com o segundo outorgante, Banco Espírito Santo, S. A., um empréstimo no montante de trinta e nove mil euros, que neste acto receberam e que nesta data lhes é concedido pelo prazo de cinquenta anos e se destina a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente pelos primeiros outorgantes e à aquisição de equipamento para a sua residência, do qual se confessam solidariamente devedores; mais disseram que para caução e garantia de todas as responsabilidades assumidas constituem a favor do banco hipoteca sobre o prédio identificado (artigo 17º da petição inicial). 3. A propriedade do prédio identificado em 1. encontra-se inscrita a favor dos autores pela inscrição (…) – Ap. 16 de 2006/11/30 (artigo 11º da petição inicial). 4. Com data de 8-11-2006 foi elaborado a solicitação do Banco Espírito Santo, S. A. relatório de avaliação de imóvel para efeitos de concessão de empréstimo, incidente sobre o prédio identificado em 1., que lhe atribuiu o valor de € 155 000,00 (artigo 15º da petição inicial). 5. Em 20 de Fevereiro de 2010, ocorreu uma intempérie no Funchal que causou múltiplos danos no prédio identificado em 1. (artigo 19º da petição inicial). 6. Com data de 8-07-2010, foi emitida pela Divisão Administrativa de Obras Particulares da Câmara Municipal do Funchal a Certidão n.º 143/2010/DAO com o seguinte teor: “Certifico, face ao despacho de oito de Julho de 2010 do Vereador do Pelouro de Urbanismo [] exarado no requerimento registado nesta Divisão Administrativa de Obras Particulares sob o número vinte e oito mil duzentos e quarenta e quatro de cinco de Julho de 2010 de Nélio (…) em que requer a declaração que demonstre as condições de habitabilidade da moradia, situada ao Caminho (…), que a referida moradia foi destruída pelo temporal de vinte de Fevereiro de 2010, situa-se em zona não reconstrutiva, estando a família alojada em casa de familiares, por isso na lista de pessoas a serem realojadas.” (artigo 21º da petição inicial). 7. O Banco Espírito Santo, S. A. intentou contra Nélio (…) e Andreia (…) uma execução que corre termos sob o n.º 90/12.3TCFUN, actualmente, da Secção de Execuções da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira com base nos contratos de mútuo referidos em 1. e 2., sendo a quantia exequenda no valor de € 140 638,41 e tendo indicado à penhora o imóvel casa térrea destinada a habitação ao Caminho (…), concelho do Funchal, inscrito na matriz urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número (…), que se propõe adquirir pelo valor de € 46 538,00 (artigo 41º da petição inicial). 8. Entre Nélio (…) e a Companhia de Seguros Tranquilidade, S. A. foi celebrado um contrato de seguro “Produto Valor Habitar – Valor Habitar Mais” titulado pela apólice n.º (…), de que era tomador o ora autor, na qualidade de proprietário, residente na Rua Murteiras (…) Funchal” (artigos 36º e 37º da contestação). 9. O contrato de seguro referido em 8. tinha por objecto seguro o imóvel, com exclusão de qualquer cobertura do respectivo recheio, sito no Caminho (…) Funchal (artigo 39º da contestação). 10. Ficou consignado, quanto ao capital seguro, então fixado em € 139 000,00, o seguinte: “Objecto seguro sujeito a aumento de capital e de prémio, no vencimento” pelo que, em face das Condições Particulares aplicáveis à anuidade de 2010, tal capital ascendia a “€ 154 411,82” (artigos 40º e 41º da contestação). 11. Foi indicado pelo tomador do seguro como credor hipotecário o Banco Espírito Santo, S.A.. 12. O contrato referido em 8. teve início em 22-12-2006, para vigorar por um ano e seguintes (artigo 42º da contestação). 13. O sinistro objecto dos autos foi participado à ré, em 24-02-2010, conforme documento de fls. 111 e 112 p.p. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, tendo-lhe sido comunicado que no local de risco havia ocorrido “aluimentos de terras, danos por água, embate violento de detritos e pedras de grande dimensão durante um período curto de tempo por força da água” (artigos 44º e 45º da contestação). 14. A ré diligenciou pela avaliação e peritagem dos prejuízos invocados tendo sido emitido o Relatório de Peritagem, com data de 22-09-2010, que consta de fls. 148 a 167 p.p. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (artigo 47º da contestação). 15. Em 2-03-2010, a entidade designada pela ré seguradora, realizou vistoria no local de risco e do sinistro (artigo 48º da contestação). 16. O imóvel era um prédio térreo, composto por dois quartos de dormir, dois quartos de banho, cozinha, despensa e sala, possuindo a Norte um logradouro que foi adaptado a churrascaria/cozinha coberta e despensa e a Sudeste um anexo garagem coberta, construído em alvenaria de blocos e cobertura parcial em telha tradicional e laje, localizado em aglomerado habitacional (artigo 52º da contestação). 17. O imóvel encontrava-se em obras e com o interior e a área adaptada a churrascaria/cozinha e arrecadação inacabados” (artigo 53º da contestação). 18. Em 20 de Fevereiro de 2010, na sequência do temporal ocorrido na Região Autónoma da Madeira, a ribeira, contígua à moradia segura, transbordou do seu leito natural e originou enxurradas de lamas, pedras de grandes dimensões e outros detritos que se acumularam no logradouro e no interior da moradia segura, destruindo portas, janelas e todo o recheio ali existente, bem como alguns dos materiais para os trabalhos de remodelação em curso (artigo 54º da contestação). 19. Ocorreram inundações por enxurradas de água, lamas e detritos, que originaram o desabamento de terras, o transbordamento dos leitos naturais das ribeiras, a queda de pontes, a destruição de vias rodoviárias, a destruição e a submersão de habitações e de estabelecimentos comerciais e industriais (artigo 54º da contestação). 20. Face ao referido em 18. e 19. a ré seguradora considerou que o sinistro tinha enquadramento no âmbito de cobertura do risco «Inundações», da apólice referida em 8. e que os prejuízos emergentes, no objecto seguro, são passíveis de indemnização” (artigo 57º da contestação). 21. Para efeitos da determinação e quantificação dos prejuízos indemnizáveis a ré seguradora, por intermédio dos seus peritos, atendeu aos elementos que constatou no local, como a área coberta de 150,23 m² e descoberta de 29,77 m², correspondente a um logradouro situado defronte à porta principal e virado a Oeste, contíguo com a ribeira; a avaliação patrimonial efectuada pelo Serviço de Finanças no ano de 2007, no valor de € 26 070,00; a avaliação do engenheiro nomeado pela entidade bancária no valor de pelo menos € 150 000,00; o valor de construção de € 696,25/m2 que consta do Decreto Regulamentar Regional nº 5/2009/M com base no qual fixou o valor de reconstrução em € 500,00/m2 (artigo 58º da contestação). 22. Sobre o valor apurado e referido em 21. os peritos aplicaram uma dedução de 20%, perfazendo o valor de € 400,00/m² considerando que a moradia não apresentava os acabamentos finais (artigo 58º da contestação). 23. À data do sinistro o imóvel seguro apresentava-se sem a colocação de azulejos e mosaicos nas paredes dos quartos de banho e da cozinha, arrecadação e churrascaria, de bancadas e/ou móveis, sem a pintura interior e parcialmente exterior (churrascaria) sem janelas e/ou portas na churrascaria/cozinha e compartimento anexo, sem tectos falsos, sem a pintura interior dos restantes compartimentos (artigo 58º da contestação). 24. Foram ponderadas diversas alternativas para a quantificação do valor dos prejuízos: € 26 070,00, conforme valor matricial; € 100 000,00, conforme avaliação efectuada pelo engenheiro interveniente pela entidade bancária; € 64 855,20 (150,23 m² x € 400,00/m2 (área coberta) = € 60 092,00 + € 4 763,20 (29,77m²x€160,00/m2 área logradouro) (com base na área obtida com as medições); € 40 320,00 (48m²x€ 400,00 (área coberta) = € 19 200,00 + 132m²x€160,00/m2 (logradouro) = € 21 120,00 (com base na área de construção constante da caderneta predial) (artigo 59º da contestação). 25. A ré contactou os serviços do credor hipotecário, Banco Espírito Santo, S. A., informando que “A moradia do nosso Segurado e vosso Cliente acima [] sofreu graves danos [], tendo o local referido sido declarado zona não reconstrutiva, pelo que a referida moradia não é passível de reconstrução no mesmo local [] dado o interesse do BES no seguro em causa, como Credor Hipotecário, solicitamos nos informem [] qual o montante em débito ao Banco relacionado com a mesma moradia e, também, se desejam receber a indemnização que vier a ser fixada, ou se podemos liquidar a mesma directamente ao Segurado”, o que fez através de correio electrónico datado de 12-10-2010 (artigos 63º e 64º da contestação). 26. O Banco Espírito Santo, S. A. respondeu, por correio electrónico de 27-10-2010, que “enquanto credor hipotecário desejamos receber o valor em dívida relativo ao Crédito Habitação do cliente aqui no BES. Relativamente aos valores em dívida, deverão solicitálos ao cliente” (artigo 65º da contestação). 27. Por carta com data de 29-10-2010, a ré contactou o aqui autor dando conta das diligências de peritagem realizadas e informando-o que “o local onde se situa o edifício [] seguro pela Apólice em referência, foi declarado pelas Entidades Oficiais como zona não reconstrutiva” e nessa ocasião, com base na área total de construção existente (150,23 m² de área coberta e 29,77m² de área descoberta), no custo de reconstrução do imóvel (€ 400,00/m2 e € 160,00/m2, respectivamente, com base nos materiais aplicados e zona onde está construída a moradia em questão) e na franquia contratualizada (valores que discriminou), propôs o pagamento do valor de € 58 369,68 (artigos 66º a 70º da contestação). 28. Mais informou a ré o tomador que “Uma vez que o BANCO ESPÍRITO SANTO é o Credor Hipotecário do referido imóvel e já nos informou que pretende receber o valor em dívida, vimos [] solicitar o favor de nos informar qual o montante da referida dívida, a fim de lhes liquidarmos o valor correspondente e o eventual valor restante a V. Exª. []na hipótese de não recebermos quaisquer notícias suas no prazo de 15 dias, contados a partir da data do registo desta carta, liquidaremos o valor anteriormente referido de € 58.369,68, ao referido Banco, que depois depositará na sua conta o valor que eventualmente exceda o montante da sua dívida.” (artigo 72º da contestação). 29. Na ausência de qualquer resposta por parte do tomador do seguro, a ré remeteu ao Banco Espírito Santo, S. A. por carta com data de 23-11-2010, o recibo de indemnização no valor de € 58 369,68, dando conta que esse recibo “depois de devidamente legalizado [] assinatura e fotocópia do B.I. Do Sr. Nélio (…), caso consigam contactá-lo) e assinatura reconhecida notarialmente, na qualidade com poderes com o acto, por parte do Banco Espírito Santo) deverá ser-nos devolvido para posterior envio do correspondente cheque (ou para procedermos à transferência bancária, caso seja esse o vosso desejo e nos indiquem o NIB respectivo). O pagamento está marcado para o período de 03/12/2010 a 11/12/2010.” (artigo 73º da contestação). 30. Posteriormente, a ré recebeu da autora a carta que consta de fls. 113 e 114 p.p. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais em que aquela refere discordar do montante da indemnização proposto (artigo 74º da contestação). 31. Em resposta, a ré remeteu ao autor uma carta com data de 06-12-2010 que consta de fls. 115 e 116 p.p. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais informando que “[] por não termos recebido a resposta de V. Exª no prazo indicado na nossa carta de 29/10/2010, remetemos já o recibo de indemnização de € 58.369,68 para o Banco Espírito Santo (Funchal), Entidade que é Credora Hipotecária do edifício seguro. Aguardamos a apresentação daquele recibo, devidamente legalizado, para procedermos ao respectivo pagamento. [] “no que respeita aos € 400,00 considerados por cada metro quadrado de área coberta (150,23 m2), esclarecemos que aquele valor se baseou no tipo de materiais visíveis existentes no local, aplicados e apor aplicar (corticite, azulejos, madeira, mosaicos e tijoleira), sendo ainda significativo que na maioria da área aqueles materiais ainda não se encontravam aplicados, o que motivou a dedução de uma percentagem referente ao valor da mão de obra que ainda não tinha sido utilizada. Note-se que a empresa de peritagens que nomeámos para tratar do assunto lhe solicitou na altura as facturas de aquisição do material que alegadamente foi adquirindo ao longo do tempo para reconstrução da moradia, ou outros meios de prova, o que nunca se verificou. [] considerámos o valor justo e razoável para a reconstrução da moradia na situação em que se encontrava (menos o valor do terreno, que o seguro não abrange) e também os materiais que lá se encontravam por aplicar. Só não considerámos os bens do «Recheio» da habitação, por não fazerem parte do objecto seguro, nem os bens que se destinavam à empresa que projectava criar, igualmente por não estarem garantidos pela Apólice em causa. Quanto ao alojamento temporário a que faz referência (que aliás nunca solicitou), face às condições de inabitabilidade da habitação, esclarecemos que a cobertura da Apólice relativa à «Privação Temporária do Uso do Local Ocupado» só é accionável desde que o Segurado, à data do sinistro, habite o local de risco, o que não se verificava, visto que, segundo a carta sob resposta, a sua residência era na casa dos seus pais. Uma outra condição para o accionamento da mesma cobertura é a apresentação de comprovativos das despesas feitas com outro alojamento temporário, despesas essas que nunca foram apresentadas. De qualquer modo e se vier a provar-nos que, à data do sinistro, habitava de facto o local, e também se nos apresentar comprovativos de despesas eventualmente feitas com o seu realojamento, poderemos vir a reapreciar essa situação em concreto. Relativamente à demora verificada na regularização do processo, queremos recordar-lhe o facto de V. Exa. não ter comparecido na última reunião efectuada no local do risco, em 21/09/2010, data previamente acordada com V. Exa., conjuntamente com o Eng.º Civil Ilídio Valadas e a Perita da Peritosmar. [] deveu-se também ao facto de V. Exa. ter estado a aguardar por uma decisão dos serviços camarários sobre a autorização para reconstruir a casa no mesmo local, decisão essa que foi tomada em 08/07/2010 []” (artigos 75º a 80º da contestação). 32. O recibo de indemnização não foi devolvido à ré, não tendo sido objecto de qualquer pagamento (artigo 81º da contestação). 33. Em conformidade com as Condições Particulares da apólice, ao objecto seguro (“Imóvel Materiais Incombustíveis”) correspondia, à data do sinistro, um capital seguro, para reconstrução, no valor de € 154 411,82, encontrando-se garantidas, entre outras, as coberturas “Inundações/Tempest./Aluimentos”, a que se fez corresponder uma franquia contratualizada de “10,000% Percentagem do Valor do Sinistro”, “Demolição e Remoção dos Escombros”, com cobertura de “15% do capital do Objecto Seguro”, e “Privação Temporária Uso Local”, com cobertura de “10% do capital do Objecto Seguro” (artigos 83º e 84º da contestação). 34. Dispõe o n.º 1 do Artigo 4º das Condições Gerais da Apólice, sob a epígrafe “Capital do Contrato” o seguinte: “A determinação do capital é sempre da responsabilidade do Tomador do Seguro e deverá obedecer aos seguintes critérios: Capital do Imóvel: Deverá corresponder ao custo da respectiva reconstrução. Todos os elementos constituintes ou incorporados no imóvel pelo proprietário devem ser tomados em consideração, bem como o valor proporcional das partes comuns. Somente o valor dos terrenos não deve ser considerado no capital. No caso de edifícios para expropriação ou demolição o capital corresponderá ao seu valor matricial. Capital do Recheio: Deverá corresponder ao valor em novo dos respectivos bens.” (artigo 85º da contestação). 35. O n.º 1 do artigo 5.º das Condições Gerais sob a epígrafe “Actualização do Capital do Contrato” determina que “O capital do contrato, conforme definido no n.º 1 do artigo 4.º, será automaticamente actualizado, salvo convenção em contrário nas Condições Particulares, em cada vencimento anual, de acordo com as variações do índice respectivo publicado trimestralmente pelo Instituto de Seguros de Portugal (ISP) []” (artigo 86º da contestação). 36. Nas Condições Especiais da Apólice e quanto a “Demolição e Remoção de Escombros”, determina-se que “A garantia abrange o pagamento, até ao montante para o efeito fixado nas Condições Particulares, das despesas efectuadas com a demolição e remoção de escombros provocados pela ocorrência de qualquer sinistro coberto por esta Apólice” e “Sem prejuízo das exclusões previstas nas Condições Gerais aplicáveis à presente cobertura, não ficam garantidas quaisquer despesas relativas a operações de descontaminação ou despoluição do local onde ocorreu o sinistro, bem como dos próprios bens seguros ou escombros resultantes.” (artigos 87º e 88º da contestação). 37. No que respeita à Condição Especial “Inundações”, estabelece o n.º 1 do artigo 1.º que “A presente Condição Especial garante os danos sofridos pelos bens seguros em consequência directa de Inundações” determinando o seu n.º 2 que “A garantia abrange os danos resultantes de inundações, provocadas por: a) Tromba de água ou queda de chuvas torrenciais; b) Rebentamento de adutores, drenos, diques e barragens; c) Enxurrada ou transbordamento do leito de cursos de água naturais ou artificiais” e o n.º 3 que “São considerados como um único e mesmo sinistro os estragos ocorridos nas 48 horas que se seguem ao momento em que os bens seguros sofram os primeiros danos.” (artigos 89º a 91º da contestação). 38. Quanto às exclusões estabelecidas, o artigo 2º refere que “Sem prejuízo das exclusões previstas nas Condições Gerais aplicáveis à presente cobertura, não ficam garantidas as perdas a) Causados pela acção do mar e outras superfícies marítimas; b) Em bens móveis existentes ao ar livre; c) Em dispositivos de protecção (tais como persianas e marquises), muros, vedações, portões, estores exteriores, os quais ficam, todavia, cobertos se forem acompanhados da destruição total ou parcial do edifício onde se encontrem os bens seguros; d) Que resultem em infiltrações através de paredes, tectos, humidade ou condensação, excepto quando se trate de danos resultantes das coberturas contempladas nestes riscos.” (artigo 92º da contestação). 39. Quanto à Condição Especial “Privação Temporária de Uso do Local Arrendado ou Ocupado” determina o seu n.º 1 que “A presente Condição Especial garante os prejuízos que resultem directamente da Privação Temporária do Uso do Local de Risco.” Nos termos do n.º 2 “Em caso de sinistro coberto pelo contrato, que origine privação temporária do uso do local de risco, a Tranquilidade indemniza, até aos limites para o efeito fixados nas Condições Particulares: a) Quando estiver seguro o Imóvel: As despesas com a estada do Segurado e daqueles que com ele coabitem em regime de comunhão de mesa e habitação, em qualquer outro alojamento; b)Quando estiver seguro o Recheio: As despesas com o transporte dos objectos seguros não destruídos e respectivo armazenamento.”, determinando-se ainda, no n.º 3 da mesma Condição Especial, que “Esta garantia é válida pelo período indispensável à reinstalação do Segurado no local onde se verificou o sinistro, sem nunca exceder seis (6) meses.”; e no n.º 4, “A indemnização será paga mediante apresentação dos documentos comprovativos das despesas efectuadas, após dedução dos encargos a que o Segurado estaria sujeito se o sinistro não tivesse ocorrido e que, entretanto, deixou de suportar” sendo, conforme o n.º 5, “condição indispensável para o funcionamento desta garantia que o Segurado, à data do sinistro, habite o local afectado” (artigos 93º a 97º da contestação). 40. A área coberta do imóvel à data do sinistro era de 150,23 m2 (artigo 112º da contestação). 41. O valor de reconstrução cifra-se em € 500,00/m2 e sobre este deve incidir uma dedução de 20%, perfazendo o valor de € 400,00/m2, por o imóvel se encontrar sem os acabamentos finais conforme referido em 22. e 23. (artigo 113º da contestação). 42. Foram solicitadas as facturas de aquisição de material para construção da moradia ao tomador do seguro que este não apresentou (artigo 117º da contestação). 43. O custo de reconstrução da área descoberta (29,77 m2) é de € 160,00 por metro quadrado (artigo 118º da contestação). 44. À data do sinistro os autores não tinham residência habitual no imóvel seguro (artigo 124º da contestação). 45. Foi solicitada ao autor a apresentação de quaisquer comprovativos de despesas e/ou a demonstração que residia no local de risco à data do sinistro, o que nunca se verificou (artigo 130º da contestação). O Tribunal a quo enumerou os seguintes Factos Não Provados - o seguro titulado pela apólice n.º 0900292613 foi celebrado para assegurar o bom pagamento do empréstimo referido em 1. (artigo 13º da petição inicial); - porque se mostrava necessário assegurar o bom pagamento da quantia global de € 139 000,00 os autores contrataram o seguro com a ré nesse mesmo montante (artigo 18º da petição inicial); - a ré contratou um valor de indemnização com os autores de € 139 000,00 correspondente à perda total do imóvel (artigo 36º da petição inicial); - o valor de reconstrução do imóvel é de € 500,00/m2 (artigo 113º da contestação); - o valor de reconstrução do imóvel, de € 400,00/m2, decorre também da qualidade e natureza do tipo de materiais visíveis existentes no local, aplicados e apor aplicar (corticite, azulejos, madeira, mosaicos e tijoleira), de preço reduzido (artigo 115º da contestação); - o imóvel, à data da ocorrência, era inabitável (artigo 125º da contestação). O Direito Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. No caso destes autos, os apelantes, conforme resulta das suas alegações, questionam os seguintes factos dados como não provados: “- o seguro titulado pela apólice n.º 0900292613 foi celebrado para assegurar o bom pagamento do empréstimo referido em 1. (artigo 13º da petição inicial); - porque se mostrava necessário assegurar o bom pagamento da quantia global de € 139 000,00 os autores contrataram o seguro com a ré nesse mesmo montante (artigo 18º da petição inicial); - a ré contratou um valor de indemnização com os autores de € 139 000,00 correspondente à perda total do imóvel (artigo 36º da petição inicial);” afirmando os apelantes que “os AA. sempre pretenderam contratar um seguro de garantia total do imóvel, associado ao crédito habitação, que os indemnizasse pela totalidade do capital em dívida, decorrente do mútuo” (vide conclusão G) da apelação). Mais pretendem os apelantes que, contrariamente ao dado como provado sob o n.º 44 da matéria de facto, ou seja, que “à data do sinistro os autores não tinham residência habitual no imóvel seguro”, seja dado como provado que “à data do sinistro, os AA. estavam a realizar obras de beneficiação no prédio, mas ali habitavam de forma permanente” (conclusão E) da apelação). Para tanto, os apelantes apoiam-se nas declarações prestadas pelo A./apelante na audiência final. Quanto ao objeto do contrato de seguro, na audiência final o A. prestou as seguintes declarações: Juiz – “Então quando fez este seguro, achava que cobria o quê?” A.- “Quando eu fiz o seguro era o seguro que cobria a habitação, só havia um tipo de seguro. O seguro que era apresentado é um seguro de habitação, o que havia na altura era extras, se a pessoa quisesse, painéis solares, coisas assim do género, podia acrescentar à apólice. A apólice base era a apólice que cobria a casa.” Juiz – “Está bem, mas que risco era coberto?” A.- “Cobria várias circunstâncias, não tive em pormenor toda a constituição da apólice, em todo o pormenor, sabia mais o que é que não cobria, que era em caso de guerra, e coisa assim do género. Mais a situação, o capital, o capital do seguro, que foi feito, era o valor do empréstimo, que é sempre abaixo da avaliação.” Advogado dos AA.- “Então o senhor quando fez o seguro, por aquilo que lhe foi dito, ficou com a certeza de que o seguro cobria-lhe a totalidade do capital em caso de destruição total do edifício…ou não?” A.- “O capital da apólice, que era o valor do empréstimo.” Advogado dos AA.-“Então o senhor ficou garantido de que havendo uma eventualidade como esta, de que o seguro cobria-lhe a totalidade do que estava em dívida ao banco?” A.- “Eu sempre presumi que o segurado tinha uma situação que era não ficar nem beneficiado, nem prejudicado em resultado do sinistro, isto para mim é para que serve o seguro, em que uma pessoa não fica nem beneficiado nem prejudicado.” (…) “Eu faço este seguro porque eu já o queria e por outro lado era-me exigido pelo banco.” (…) “No caso de sinistro quem recebia o dinheiro era o banco, logo estava a ser salvaguardado era o empréstimo.” Ou seja, embora de forma hesitante, o A. admite que o seguro em causa cobria danos que, em virtude de diversas circunstâncias, afetassem o prédio por si adquirido, afirmando estar convicto que, no caso de destruição total do edifício, a seguradora pagaria ao banco credor a totalidade do capital, equivalente ao valor do empréstimo devido. Ora, a verdade é que não é isso que consta na proposta de seguro, nem nas cláusulas particulares, nem nas condições especiais e gerais da apólice subscrita, que se mostram juntas a fls 93 a 105 e 120 a 142 dos autos. Esses documentos retratam um contrato de seguro que tem por objeto seguro um imóvel, cobrindo a reparação de danos que afetassem o aludido imóvel em consequência, nomeadamente, de incêndio, tempestades e inundações, garantindo o custo da reconstrução do imóvel, com exclusão do valor dos terrenos, e fixando-se o valor de capital seguro em € 139 000,00, atualizável anual e automaticamente. A celebração desse contrato era obrigatória, conforme consta no documento que formalizou a celebração do contrato de mútuo subscrito pelos AA. e pelo BES e que consta a fls 230 a 236 dos autos. Com efeito, na respetiva cláusula sétima consta o seguinte: “1 – O(s) Mutuário(s) obrigam-se, nos termos e para os efeitos do artigo 702º do Código Civil, a manter o imóvel hipotecado seguro, cobrindo o risco de incêndio, em companhia seguradora aceite pelo “BES”, ficando a constar na respectiva apólice ou acta adicional o “BES” como credor hipotecário privilegiado, que fica com o direito em caso de sinistro, receber a indemnização devida. 2 – O(s) Mutuários fica(m) ainda obrigado(s) a efectuar(em) seguro de vida, pelo valor mínimo do montante do empréstimo, cujo beneficiário privilegiado será o “BES”, o qual deverá cobrir morte, invalidez total e definitiva. (…).” Ou seja, segundo os aludidos documentos, no seguro atinente ao imóvel, a indemnização devida pela seguradora corresponderia ao custo da reparação do dano sofrido pelo imóvel e não ao montante em dívida do empréstimo. Se outra era a intenção dos AA., não existe prova bastante que tal sustente, sendo certo que as declarações do A., parte interessada no caso, não chegam para inverter o em sentido contrário alicerçado na documentação junta e assinada pelos AA., ora mencionada. Nesta parte, pois, a apelação improcede. Quanto à utilização do imóvel, à data do sinistro, pelos AA., como residência permanente ou habitual. Embora esteja assente, sem impugnação pelas partes, que à data do sinistro o edifício se encontrava em obras (n.º 17 da matéria de facto), na audiência final o A. afirmou que os AA. sempre habitaram na casa, apenas se ausentando ocasionalmente por uns dias, se acaso alguma circunstância a tal obrigasse, como “algum produto que deitasse um cheiro forte”, altura em que ficariam uns dias em casa da mãe do A.. Contudo, tal afirmação é desmentida pela carta constante a fls 113 e 114, datada de 15.11.2010, escrita pela A. mulher e enviada à R. seguradora, onde se afirma que os AA. foram remodelando a casa com calma e continuando a viver em casa dos pais do A., tendo inclusivamente usado a casa para guardar as coisas da empresa que entretanto o A. criara, situação essa que se mantinha aquando do sinistro. Face ao exposto e na falta de mais prova em sentido contrário, afigura-se-nos que também aqui não há que modificar a matéria de facto. Segunda questão (objeto do contrato de seguro celebrado) Está provado que em 28.12.2006 os AA. adquiriram um prédio urbano, pelo preço de € 100 000,00. Para o efeito contraíram um empréstimo junto do BES, por igual valor. Além disso e na mesma ocasião os AA. contraíram, junto do mesmo banco, um empréstimo no valor de € 39 000,00, destinado a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente pelos AA. e bem ainda à aquisição de equipamento para a habitação adquirida (n.º s 1 e 2 da matéria de facto). Esses mútuos foram garantidos com hipoteca constituída sobre o aludido imóvel. Conforme supra mencionado na apreciação da impugnação da matéria de facto, nos contratos de mútuo ficou consignado que os mutuários se obrigavam “a manter o imóvel hipotecado seguro, cobrindo o risco de incêndio, em companhia seguradora aceite pelo “BES”, ficando a constar na respectiva apólice ou acta adicional o “BES” como credor hipotecário privilegiado, que fica com o direito em caso de sinistro, receber a indemnização devida.” Com efeito, nos termos do art.º 692.º n.º 1 do Código Civil, “se a coisa ou direito hipotecado se perder, deteriorar ou diminuir de valor, e o dono tiver direito a ser indemnizado, os titulares da garantia conservam, sobre o crédito respectivo ou as quantias pagas a título de indemnização, as preferências que lhes competiam em relação à coisa onerada.” Por esse motivo, no contrato de seguro celebrado entre os AA. e a R. seguradora, que teve por objeto o imóvel hipotecado, figura a indicação do BES enquanto credor hipotecário. O que tem, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 692.º do Código Civil, por efeito que “depois de notificado da existência da hipoteca, o devedor da indemnização não se libera pelo cumprimento da sua obrigação com prejuízo dos direitos conferidos no número anterior.” Entre os AA. e a R. foi, pois, celebrado um contrato de seguro, ou seja, um contrato mediante o qual os AA. se obrigaram a pagar à R. uma determinada quantia, o prémio de seguro, e em contrapartida a R. assumiu um risco, ou seja, obrigou-se a pagar aos AA., sem prejuízo dos direitos do mencionado credor hipotecário, a indemnização devida pelos danos que o prédio objeto do seguro eventualmente sofresse em consequência de sinistros que adviessem de causas previamente acordadas, ou seja, constantes no contrato. Conforme já supra mencionado a propósito da impugnação da matéria de facto, resulta das cláusulas do contrato, transcritas nos números 8 a 10, 33 a 37 da matéria de facto, que o contrato de seguro tem por objeto seguro um imóvel, com exclusão do recheio, cobrindo a reparação de danos que o afetassem em consequência, nomeadamente, de incêndio, tempestades e inundações, garantindo o custo da reconstrução do imóvel, com exclusão do valor dos terrenos, e fixando-se o valor de capital seguro em € 139 000,00, anualmente atualizável automaticamente, valor esse que à data do sinistro orçava em € 154 411,82 (n.º 10 da matéria de facto). Este é o sentido que um declaratário normal, colocado na posição dos AA., atribuiria ao teor do contrato (art.º 236.º n.º 1 do Código Civil). Nada havendo a alterar, quanto à interpretação em concreto, pelo facto de o contrato em espécie ser, como é inquestionável e não é controvertido nos autos, um contrato de adesão, ou seja, um documento composto por cláusulas que foram previamente elaboradas pela seguradora para serem subscritas ou aceites por destinatários indeterminados (art.º 1.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25.10, com as alterações publicitadas – LCCG), sem prejuízo das opções individuais dos aderentes manifestadas na inclusão de determinadas cláusulas particulares – cfr. artigos 10.º e 11.º da LCCG. Em suma, contrariamente ao alegado pelos AA., o clausulado acordado não aponta, como objeto do seguro, ou como obrigação assumida pela R. por força do contrato de seguro, o pagamento do valor do empréstimo em dívida à data do sinistro. O capital seguro representa, nos termos do art.º 49.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16.4 (regime jurídico do contrato de seguro – RJCS -, aplicável, excluindo-se o que respeita à formação do contrato, ao conteúdo de contratos celebrados anteriormente que subsistam à data da entrada em vigor da lei e a contratos posteriormente renovados – artigos 2.º e 3.º do diploma), “o valor máximo da prestação a pagar pelo segurador por sinistro ou anuidade de seguro, consoante o que esteja estabelecido no contrato”. Devendo, no chamado seguro de danos, a prestação devida pelo segurador limitar-se “ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro” (art.º 128.º). No seguro de coisas, “o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o do valor do interesse seguro ao tempo do sinistro” (n.º 1 do art.º 130.º do RJCS). No caso dos autos, tendo ficado provado que o prédio seguro ficou totalmente destruído, em virtude de inundações que, segundo é incontroverso, estão incluídas no risco seguro, a reparação devida pela R. é o custo da reconstrução do prédio, deduzido da franquia estipulada, de 10% (n.º 33 da matéria de facto). Assim, tendo-se provado que o custo de reconstrução da área coberta do prédio é de € 400,00 x 150,23 m2 (n.ºs 40 e 41 da matéria de facto) e que o custo de reconstrução da área descoberta é de € 160,00 x 29,77m2 (43 da matéria de facto), o valor devido pela seguradora, à luz do contrato celebrado, é de € 58 369,68, conforme apurado na sentença recorrida. Valor esse que deverá ser disponibilizado ao credor hipotecário, conforme supra exposto. Terceira questão (vícios na formação do contrato e suas consequências) Vimos as consequências, para a solução do litígio, advenientes do teor do contrato de seguro subscrito pelas partes. Porém, os apelantes questionam o teor desse contrato, alegando que houve culpa da R. na formação do contrato, na medida em que as cláusulas contratuais deste não correspondem ao que foi pedido pelos AA. quanto à cobertura do risco e não lhes foi explicado o alcance das cláusulas que ficaram a constar do contrato de seguro subscrito, sendo certo que a R., através do seu representante, confirmou aos AA. que o seguro abrangeria o pagamento da totalidade do capital em dívida ao banco, no caso de perda total. Segundo os apelantes, houve culpa da R. na formação do contrato, na pessoa do seu representante, nos termos do art.º 227.º n.º 1 do Código Civil. Mais, a R. não teria cumprido o dever de informação, previsto no art.º 5.º da LCCG, o que acarretaria a nulidade das cláusulas contratuais gerais, a qual poderia e deveria ter sido conhecida pelo juiz a quo, no termos do art.º 286.º do Código Civil, ainda que tal não tivesse sido alegado pelos AA. no seu articulado, mas em sede de declarações de parte. Vejamos. Apesar de este processo se ter iniciado ainda sob a vigência do CPC de 1961, a audiência prévia (antiga “audiência preliminar”) e a audiência final realizaram-se já sob a vigência do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.6, tendo a decisão de facto sido proferida na sentença, após o encerramento da audiência final, conforme atualmente o determina o CPC (art.º 607.º) e contrariamente ao que estipulava o anterior CPC (art.º 653.º). Assim, no apuramento da matéria de facto haverá que levar em consideração o disposto no atual CPC (art.º 5.º n.º 1 da Lei n.º 41/2013). O atual regime processual pretende conferir maior plasticidade à definição da matéria de facto que o tribunal deverá e poderá considerar para decidir o litígio que lhe é apresentado pelas partes, tendo para esse efeito introduzido alterações à tramitação do processo que facilitarão esse propósito, de forma mais eficaz da que fora vertida na legislação processual pela reforma de 1995/1996. Assim, continuando a caber às partes alegarem os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas (n.º 1 do art.º 5.º, 552.º n.º 1 alínea d) e 572.º alínea c) do CPC), ou seja, os factos indispensáveis à procedência da ação, como tal subsumíveis à(s) norma(s) jurídica(s) convocada(s) para sustentar(em) a pretensão do autor ou, no caso das exceções, ao visado insucesso da ação, o objeto da instrução deixará de ser pautado por uma prévia descrição judicial mais ou menos atomística dos factos a provar, mas por uma mera enunciação dos “temas da prova” (artigos 410.º e 596.º n.º 1 do CPC), norteada pela concomitante “identificação do objeto do litígio” (n.º 1 do art.º 596.º do CPC). Tal como na sequência da reforma de 1995/1996, o tribunal poderá (e deverá) levar em consideração os factos (resultantes da instrução) essenciais complementares e concretizadores dos alegados para fundarem a ação ou as exceções deduzidas (art.º 5.º n.º 2 alínea b)), mas sem que atualmente a lei exija que a parte interessada na sua consideração “manifeste vontade de deles se aproveitar” (n.º 3 do art.º 264.º do CPC de 1961). Na atual formulação legal, para que o tribunal possa introduzir esses factos na decisão de facto, basta que “sobre eles [as partes] tenham tido a possibilidade de se pronunciar” (alínea b) do n.º 2 do art.º 5.º do CPC). Acresce que já não caberá ao juiz que preside à audiência providenciar pela ampliação da (agora inexistente) base instrutória a fim de possibilitar a consideração dos referidos novos factos (art.º 650.º n.º 2 alínea f) do CPC de 1961). Os factos instrumentais (tendentes à prova, por ilação decorrente de presunção judicial, de factos essenciais) resultantes da instrução continuam a ser livremente atendíveis pelo tribunal (art.º 5.º n.º 2 alínea a) do CPC). Pretende-se, como o exprime o legislador na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII (que deu origem ao atual CPC), “permitir que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas exceções deduzidas, decorra sem barreiras artificiais, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. Quando, mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos. Estamos perante um novo paradigma que, por isso mesmo, tem necessárias implicações, seja na eliminação de preclusões quanto à alegação de factos, seja na eliminação de um nexo direto entre os depoimentos testemunhais e concretos pontos de facto predefinidos, seja ainda na inexistência de uma decisão judicial que, tratando a vertente fáctica da lide, se limite a “responder” a questões eventualmente até não formuladas.” Assim, além dos factos alegados pelas partes para sustentarem a sua posição na lide, o tribunal deve considerar, na decisão de facto, aqueloutros que, embora não alegados (inclusivamente no âmbito do pré-saneador – art.º 590.º n.º 2 alínea b) e n.º 4 – ou da audiência prévia – art.º 591.º n.º 1 alínea c) do CPC), resultaram da instrução (cuja estrutura necessariamente contraditória, máxime no decurso da audiência de discussão, em princípio permitirá às partes sobre eles se pronunciarem – artigos 415.º, 516.º, 461.º, 462.º, 466.º n.º 2, 423.º e seguintes, 604.º n.º 3 do CPC) e se enquadrem no âmbito do litígio, por se integrarem na causa de pedir ou nas exceções alegadas, assumindo natureza complementar dos factos alegados precisamente na medida em que, com estes estando conectados, não foram inicialmente alegados (vide José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, volume 1.º, 3.ª edição, setembro de 2014, Coimbra Editora, pág. 17). No caso destes autos, os AA. peticionaram a condenação da R. no pagamento de uma determinada quantia, apresentando como causa de pedir um contrato de seguro, celebrado entre as partes, da qual adviria a obrigação da realização, pela R., da peticionada prestação, uma vez que ocorrera um sinistro que se incluía no risco previsto no contrato. Tendo o tribunal a quo concedido, face ao teor do contrato, apenas parcial provimento ao peticionado, vêm agora os AA., na apelação, alegar divergência entre o teor do contrato e a intenção que da sua parte presidira à sua celebração, assim como ausência de comunicação e informação do teor do contrato por parte da R., para alegadamente fundarem a sua pretensão. Ou seja, os AA. pretendem que lhes seja reconhecido um determinado valor indemnizatório com base num programa contratual diverso daquele que fora subscrito pelas partes, mas que corresponderia àquilo que fora pretendido pelos AA.. Ora, esta invocada disparidade e bem assim falta de comunicação e informação por parte da R. constituem, enquanto alegadas pelos AA., modificação da causa de pedir, que só poderia realizar-se ou por acordo das partes (que não existe) – art.º 264.º do CPC – ou, na falta de acordo, na sequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, nos termos do n.º 1 do art.º 265.º do CPC – o que também não ocorre no caso vertente. Desrespeitados estes pressupostos, não poderia o tribunal a quo levar à decisão de facto, com base na produção de prova ocorrida na audiência final, as alegadas disparidade e falta de comunicação de cláusulas – pois são mais do que factos complementares ou concretizadores dos alegados pelas partes (alínea b) do n.º 2 do art.º 5.º do CPC), são factos essenciais diferentes dos alegados pelas partes. Note-se que, se é certo que recai sobre o predisponente o ónus da prova da comunicação das cláusulas contratuais gerais (n.º 3 do art.º 5.º da LCCG), é sobre o aderente que cabe invocar essa falta de comunicação, enquanto facto que alicerça o seu direito (se for o autor) ou exceção deduzida (se for demandado) – cfr., v.g., acórdãos do STJ, de 31.3.2009, processo 82/03.3TBMTR-A.S1; de 07.7.2009, processo 369/09.01YFLSB; de 13.3.2008, processo 08A053; de 09.10.2003, processo 03B1384 - todos in www.dgsi-itij). De resto, nada se mostra provado no sentido do ora alegado pelos apelantes. Sendo certo que também não se lobriga como, dos alegados vícios na formação do contrato, ou seja, da sua anulação ou declaração de nulidade, adviria para a R. a obrigação do pagamento da prestação peticionada. Nesta parte, pois, improcede a apelação. Quarta questão (abuso de direito) Por último, os apelantes invocam abuso de direito, por parte da R., nos seguintes termos, que se transcrevem: “60 - Aliás, no caso vertente, pode mesmo afirmar-se que há abuso de direito da R., na medida em que, invocando uma interpretação do contrato, enquanto denominado multirriscos, se pretende eximir ao pagamento do capital seguro, dada a perda total do imóvel, indemnizando os AA. apenas pelo valor dos materiais eventualmente aplicados neste. 61 - De facto, os AA. contrataram um seguro que lhes garantisse a responsabilidade da seguradora até ao montante do capital, mas esta pretende fugir a esse pagamento, invocando o seu "direito" de apenas pagar o valor da sua avaliação, escudando-se em cláusula contratual que não transmitiu aos AA., na data da outorga do contrato nem posteriormente. 62 - Só o alegando em sede de contestação da ação pendente, alegando que, face ao conteúdo do contrato de seguro firmado, apenas terá de indemnizar os AA. pelo valor da avaliação efetuada sobre os escombros do prédio. 63 - O que s¡gnif¡ca que a R. pretende prevalecer-se de um hipotético direito, que lhe assiste face às cláusulas introduzidas no contrato que não explicou aos AA., para se eximir ao pagamento da totalidade do capital seguro. 64 - Acrescendo que a R. não pode alegar, como alegou, que o seguro foi firmado independentemente de avaliação do prédio, faltando critérios para que tenha sido por ela aceite o valor do capital seguro.” Sob a epígrafe “abuso do direito”, o art.º 334.º do Código Civil estipula que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito.” Artigo resultante do artigo 281.º do Código Civil grego, positiva um mecanismo geral de correção daquilo que, na formulação de António Menezes Cordeiro, constituirá o “exercício disfuncional de posições jurídicas” (“Tratado de Direito Civil, V, Parte Geral, Exercício Jurídico”, 2.ª edição, 2015, Almedina, pág. 403), ou seja, a “disfuncionalidade de comportamentos jurídico-subjetivos” que, embora consentâneos com normas jurídicas, contrariam o sistema jurídico em que estas se inserem, isto é, o conjunto de normas e princípios de Direito, ordenado em função de um ou mais pontos de vista, que aquele postula, iluminado pela ideia central do respeito pela boa-fé (Menezes Cordeiro, obra citada, páginas 400 e 401, 402 a 407). Ora, analisada a posição da R. adotada nesta ação, não se vislumbra que a mesma justifique qualquer juízo de desvalor ético-jurídico que determine a paralisação da sua defesa e, ainda menos, a procedência da pretensão dos AA.. Note-se que, para sustentar a argumentação do abuso de direito, os AA. reafirmam o alegado na apelação acerca da contratação de um seguro que cobriria o valor do empréstimo em dívida no caso de perda total da casa adquirida e a falta de comunicação das cláusulas contratuais pela R., com o consequente erro dos AA. acerca do contratado. Ora, nada do aqui alegado se mostra comprovado, nem era, aliás, cognoscível, pelas razões aduzidas quanto à delimitação da causa de pedir fundamentadora da ação. A apelação falece, também nesta vertente. DECISÃO Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida. As custas da apelação são a cargo dos apelantes, por nela terem decaído, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam. Lisboa, 28.4.2016 _____________________ Jorge Leal _____________________ Ondina Carmo Alves _____________________ Lúcia Sousa
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 20.6.2013 Nélio e Andreia intentaram nas Varas de Competência Mista do Funchal ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Companhia de Seguros, S.A.. Os AA. alegaram, em síntese, serem donos de um prédio urbano, sito no Funchal, que adquiriram em 28.12.2006, com recurso a um empréstimo hipotecário contraído junto do BES. Para assegurar o bom pagamento do empréstimo os AA. celebraram com a R. um contrato de seguro tendo por objeto o aludido imóvel, estipulando-se como valor de capital seguro o montante de € 139 000,00, sendo certo que o imóvel foi avaliado, pelo BES, em € 155 000,00, o que permitiu que o BES emprestasse aos AA. o total de € 139 000,00. Sucede que em 20.02.2010, em consequência de violenta intempérie que se abateu sobre o Funchal, o prédio em causa ficou seriamente danificado, tendo sido declarada a sua perda total, pois a Câmara Municipal do Funchal considerou que o edifício se localizava em “zona não reconstrutiva.” Os AA. têm, assim, direito ao pagamento, pela seguradora, do montante seguro, de € 139 000,00, acrescido de 15% (€ 20 850,00), a título de indemnização por demolição e remoção de escombros, conforme consta no contrato de seguro, devendo esse valor ser utilizado pelos AA. para liquidarem as suas responsabilidades perante o BES. Valor esse que é muito superior àquele que a R. se propõe pagar, ou seja, € 58 369,68. Os AA. terminaram pedindo que a R. fosse condenada a pagar aos AA. a quantia de € 159 850,00, acrescida de juros à taxa legal, até efetivo pagamento, destinando-se esse montante a liquidar a quantia exequenda junto do BES. A R. contestou, por exceção e por impugnação. Por exceção, arguiu a prescrição do direito dos AA. e a ilegitimidade destes (por estarem desacompanhados do credor hipotecário). Por impugnação, aceitou a existência do sinistro e a perda total do edifício, alegou que o capital seguro correspondia ao custo da respetiva reconstrução e afirmou que tal custo, deduzida a franquia estipulada, orçava, segundo proposta que atempadamente apresentou tendo em vista a resolução imediata e extrajudicial da questão, em € 58 369,68. A R. terminou concluindo que a ação deveria ser julgada em função da prova a produzir em audiência final, com as consequências legais. Em 19.02.2014 realizou-se audiência prévia, em que se julgou improcedente a arguição de prescrição e bem assim a da ilegitimidade dos AA., fixou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova. Realizou-se audiência final e em 08.6.2015 foi proferida sentença em que se julgou a ação parcialmente procedente e em consequência se condenou a R. a proceder ao pagamento da prestação indemnizatória devida por força do sinistro ocorrido no dia 20 de Fevereiro de 2010, que se fixou em € 58 369,68, que deveria ser liquidada ao credor hipotecário, absolvendo-se a R. do demais peticionado. Os AA. apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões: A) Os AA. contrataram um seguro com a R., tendo como objeto o prédio urbano destinado a habitação, que foi sua casa de morada; B) Os AA. recorreram a crédito bancário junto do extinto BES, tendo este efetuado uma avaliação do imóvel, no montante de € 155.000,00; C) Simultaneamente, com base no valor mutuado pelo Banco, 139.000,00, os AA. seguraram o prédio junto da R., por igual valor; D) Com a intempérie de 20 de fevereiro de 2010, o prédio sofreu avultados danos, tendo a Câmara Municipal do Funchal declarado que era inviável a sua reconstrução no local, havendo perda total do imóvel; E) À data do sinistro, os AA. estavam a realizar obras de beneficiação no prédio, mas ali habitavam de forma permanente; F) A R. invocou só ter de indemnizar os AA. pelo valor da avaliação efetuada após o sinistro, mas não pelo valor total do seguro, apesar da perda total do imóvel; G) Os AA. sempre pretenderam contratar um seguro de garantia total do imóvel, associado ao crédito habitação, que os indemnizasse pela totalidade do capital em dívida, decorrente do mútuo; H) O contrato dos autos, denominado pela R. como multirriscos habitação, deve abranger a total¡dade da perda dos AA. já que estes não foram informados pela R., no momento da sua outorga, do conteúdo das suas cláusulas gerais; l) Atenta a violação deste dever de informação, há nulidade das cláusulas gerais, limitativas ou exclusivas do direito invocado pelos AA., a qual é de conhecimento oficioso pelo juiz a quo; J) Sendo oficioso, o conhec¡mento desta nulidade tem de ocorrer, mesmo que tal não tenha sido alegado pelos AA. no seu articulado, mas apenas em sede de declarações de parte; K) Face a tal nulidade, a R. devia ter sido condenada no pagamento do total do capital seguro, atenta a perda total do imóvel, e não em verba parcelar, decorrente de avaliação posterior ao s¡nistro; L) Ao atuar desta forma, a R. age em manifesto abuso de direito; M) A sentença recorrida viola, entre outros, o artigo 5.º do DL 446/85, de 25 de outubro, e os artigos 227.º, 236.º, 286.º e 334.º do Código Civil. Os apelantes terminaram pedindo que a sentença recorrida fosse revogada e a R. condenada a indemnizar os AA. no montante correspondente ao valor do empréstimo junto do extinto BES, à data do sinistro, bem como todos os encargos posteriores daí decorrentes, o qual reverteria a favor do credor hipotecário. A apelada contra-alegou, tendo rematado com as seguintes conclusões: I. Os Autores pretendem em sede do presente recurso invocar a nulidade do contrato de seguro celebrado e em apreço nos autos, por um lado alegando não lhes ter sido transmitido o alcance e significado das condições que lhe são aplicáveis e por outro, que tais cláusulas não lhes foram explicadas ou comunicadas para efeitos da sua eventual exclusão do contrato II. Concluindo os Apelantes que a sentença enferma de nulidade por violação do artigo 5º do DL 446/85, de 25 de Outubro e os artigos 227º, 236º, 289º e 334º do Código Civil. III. No entanto, face à prova produzida em audiência de julgamento, bem como ao acervo documental que constitui os autos, julga-se nada haver a apontar à matéria dada como provada pela Exma. Juiz a quo; IV. Nunca em todo o processo, à excepção do articulado correspondente às Alegações de Recurso ora objecto de resposta, invocam os Autores quaisquer factos susceptíveis de imputar à Seguradora, aqui Recorrida uma responsabilidade por culpa na formação do contrato (artigo 227º do Código Civil) e/ou tão-pouco passíveis de integrarem uma contratação em erro sobre o objecto do negócio ou sobre os motivos (artigos 251º e 252º do Código Civil) que permitissem colocar em crise a validade da sua declaração. V. Os ora Recorrentes ao alegarem apenas no presente momento processual a nulidade do contrato de seguro dos autos, realiza uma verdadeira e inadmissível alteração da causa de pedir da acção! VI. Na verdade é encargo das partes aportar ao processo os factos que sustentam as respectivas pretensões, em termos tais que o tribunal, na decisão a proferir, só pode tomar em consideração os factos alegados (e provados) pelas partes. VII. Pois, estamos em presença de um sistema processual civil pautado pelo princípio do dispositivo, onde a actuação do juiz é essencialmente diga-se “passiva”, porquanto, na decisão a proferir, apenas deverá basear-se nos factos alegados pelas partes. VIII. Sobre as Partes recai, consequentemente, o ónus de alegação dos factos a considerar pelo Juiz. IX. No que respeita aos factos que fundam o pedido é de distinguir os factos essenciais dos factos instrumentais. X. Os factos essenciais que fundam o pedido são os que integram a causa de pedir, isto é, aqueles em que, se baseia a pretensão do autor deduzida judicialmente. São os factos constitutivos do seu direito, ou integrantes do facto cuja existência ou inexistência afirma. Enquanto factos “que realizam uma função constitutiva do direito invocado pelo autor” e sem os quais se não “encontra individualizado esse direito”. XI. Os factos essenciais proprio sensu carecem de alegação, salvo os notórios, os que o tribunal conhece por virtude do exercício das suas funções e os constitutivos da simulação ou fraude processual; XII. Quanto ao momento da alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção, os mesmos devem ser alegados pelo Autor na Petição Inicial, ou mesmo em sede de Audiência Prévia, ou em sede de eventual Articulado Superveniente (para factos novos). XIII. Os factos, ditos essenciais, os quais as partes não alegaram nos seus articulados (concretamente na PI, ou eventualmente em sede de direito de resposta em Audiência Prévia) preclude o direito de o fazerem. XIV. Os Autores peticionam a condenação da Ré no pagamento da quantia de €159.850,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, até efectivo pagamento, montante a liquidar ao Banco Espirito Santo, S.A., atendendo à perda total do imóvel seguro face o dano verificado no mesmo, objecto do contrato de seguro, fundando a sua pretensão neste mesmo contrato. XV. Assim, alegam a existência de contrato seguro, facto essencial para a pretensão dos Autores, sendo que quanto à natureza do mesmo apresentam um entendimento diferente daquele que a R. explanou nos autos e a qual veio a ser sufragada pelo Tribunal a quo. XVI. Ora, os Autores aqui Recorrentes ao longo de todo o processo nunca se prontificaram a alegar qualquer nulidade do contrato subscrito ou qualquer obscuridade do mesmo. XVII. Simplesmente não conseguiam ver, com o devido respeito aquilo que é óbvio e decorre da letra e teor dos documentos contratuais subscritos que nas palavras da sentença a quo se revela cristalino! XVIII. A douta sentença do Tribunal a quo, a este propósito bem refere que os Autores nada alegaram no sentido de que aquando da celebração do contrato de seguro não lhes ter sido transmitido o alcance e significado das condições que lhe são aplicáveis, e que tais cláusulas não tenham sido explicadas ou comunicadas para efeitos da sua eventual exclusão do contrato (conforme artigos 5º, 6º e 8º do DL 446/85, de 25-10). XIX. Não obstante e sem conceder, ainda que tal invocação pelo Autores pudesse vir a ser considerada, as cláusulas vertidas nas condições gerais aplicáveis ao contrato de seguro em causa e que constituem matéria assente e aceite pelos Autores, correspondem a cláusulas típicas vertidas no regime jurídico do contrato de seguro para os seguros de danos. XX. Não tendo os Autores igualmente expressamente invocado qualquer cláusula que lhes pudesse ter levantado qualquer dúvida, não podendo assim a sua pretensão de nulidade ser procedente, até porque estamos em presença de cláusulas típicas do regime do contrato de seguro de danos constante da Lei do Contrato de Seguro (DL 72/2008 de 16 Abril). XXI. Tais cláusulas não podem ser consideradas dúbias ou pouco claras de modo a que se deva ter por assente que qualquer contraente colocado na posição do aqui segurado teria tido dificuldades em interpretá-las, utilizando aqui o critério do homem médio. XXII. As cláusulas abusivas caracterizam-se por da sua aplicação resultar uma limitação ou supressão de obrigações a cargo do predisponente, introduzindo desequilíbrio na relação de equivalência, ou por surgir um favorecimento excessivo ou desproporcionado da posição contratual do predisponente ou por uma incompatibilidade com os princípios legais essenciais. XXIII. Uma vez que o contrato de seguro celebrado pelo Autor foi não mais que um contrato multirriscos habitação, de prestação indemnizatória em que o valor desta corresponde ao valor do capital seguro ao tempo do sinistro, no caso, o valor da reconstrução do imóvel, XXIV. E sendo possível constatar da documentação junta aos autos que se aplica à presente apólice o regime geral do seguro de danos, previsto na Lei do Contrato de Seguro e não num qualquer regime supletivo, ou excepcional, não se identificam cláusulas abusivas, designadamente, por delas resultar não ser atingido o valor do mútuo contratado pelo Autor pois resulta mais do que evidente que este nenhuma relação tem com o tipo de seguro em causa. XXV. A Recorrida entende não poder o presente Tribunal de recurso, quanto ao mérito da causa, conhecer de “novos “factos, ou seja, de facto essenciais não invocados em 1ª instância e por isso não conhecidos pela mesma, pelo que a pretensão dos Autores de ver reconhecida a nulidade do contrato de seguro não deverá ser atendida. XXVI. E ainda que assim não se entenda, e sem conceder, julgando o Venerando Tribunal apreciar tal questão, sempre se entende que o contrato em questão não padece que qualquer nulidade, nem consta do mesmo qualquer cláusula abusiva ou dúbia que possa ali conduzir, conforme supra se fundamentou. XXVII. Ademais, no que respeita à natureza do contrato de seguro efectivamente contratado, conforme cristalinamente resulta da documentação junta aos autos e objecto de valoração pelo douto tribunal, o contrato de seguro multirriscos habitação celebrado entre os Autores e a Ré teve como objecto, único, o imóvel identificado como local de risco e nunca, em momento algum, qualquer bom pagamento de qualquer quantia decorrente de qualquer empréstimo bancário. XXVIII. Estamos em presença de contrato de seguro cuja única especificidade é conter uma cláusula de credor hipotecário, neste caso o Banco Espírito Santo, S.A., XXIX. Cláusula essa que decorre da solicitação, à Ré, do próprio tomador do seguro, tudo conforme a respectiva Proposta de Seguro (Docs. 1 e 2 da Contestação e n.º 5 da Petição Inicial). XXX. E corroborado, em caso de ainda restarem quaisquer dúvidas a respeito da natureza do contrato celebrado, pelos depoimentos das testemunhas Maria Margarida Biscaia (prestado na sessão de julgamento realizada no dia 09.02.2015, gravado entre as 16h14m e 16h46m), Manuel Silva (prestado na sessão de julgamento realizada no dia 09.02.2015, gravado entre as 16h47m e 17h05m) e Nuno Trindade (prestado na sessão de julgamento realizada no dia 04.05.2015, gravado entre as 14h16m e 14h42m). XXXI. Referindo inda as testemunhas supra identificadas, nos seus depoimentos que em caso de não reconstrução do imóvel, aplicável ao imóvel dos autos, tal como resulta dos autos da matéria assente (ponto 6 da matéria de facto assente constante da douta sentença), o valor de indemnização a atender seria conforme o contrato subscrito o valor matricial. XXXII. Como resulta dos autos a R. entendeu indemnizar os Autores pelo valor da reconstrução, outro dos critérios de indemnização decorrentes das condições contratuais da apólice que constituem dos presentes autos, que se veio a revelar bem mais benéfico para os Autores atendendo ser um valor superior ao do valor matricial do imóvel seguro. XXXIII. O Tribunal a quo bem considerou que o valor da coisa segura ao tempo do sinistro deveria ser aferido pelo valor necessário à sua reconstrução, pronunciando-se quanto à adequabilidade do valor proposto pela seguradora. XXXIV. É certo que a Ré diligenciou pela realização de peritagem para avaliação dos danos no decurso da qual foram efectuadas medições vertidas no respectivo relatório junto aos autos de fls_, tendo-se dado como provado que a área coberta do imóvel à data do sinistro era de 150,23 m2 e a área descoberta era de € 29,77 m2 (Cfr. pontos 40 e 43 da matéria de facto assente constante da douta sentença) XXXV. Os Autores não contestaram tais medições nem invocaram ou produziram qualquer prova no que respeita a eventuais áreas diferentes ou superiores que conduzissem à obtenção de um valor necessário para reconstrução superior ao encontrado pela seguradora. XXXVI. Logo, em concreto, o valor apurado e ponderado pela Seguradora para indemnização aos Autores não foi objecto de impugnação pelos mesmos, mas tão somente o critério aferido para tal. XXXVII. Desta forma e como já referido, atendendo à natureza/tipo de seguro contrato, e porque se está perante um seguro de danos (multirriscos habitação) de prestação indemnizatória, em face dos danos ocorridos em virtude do sinistro e do valor apurado de reconstrução do imóvel tal como se encontrava ao tempo do sinistro, o valor proposto pela seguradora de € 64 855,20 afigurou-se ao Tribunal a quo como adequado e consentâneo com o risco coberto, o sinistro ocorrido e os danos verificados no imóvel. XXXVIII. Sendo que atendendo às franquias contratuais existentes, também estas constantes da matéria assente dos autos, tal como resulta das condições particulares da apólice (cf. fls. 93 p.p. e seguintes; ponto 33. da matéria de facto) há que aplicar à cobertura inundações na qual foi enquadrada o sinistro dos Autos uma franquia de 10% sobre o valor do sinistro. XXXIX. Pelo que resulta o pagamento pela Ré aos Autores do montante de € 58 369,68 (cinquenta e oito mil trezentos e sessenta e nove euros e sessenta e oito cêntimos) tal como desde logo assumido nos autos pela Recorrida. XL. Não há por parte da Recorrida qualquer abuso ou má conduta na assunção dos seus compromissos perante os Recorrentes, pois como facilmente decorre da leitura atenta do contrato, em termos lineares, perante uma situação de perda total do imóvel como a vivida pelos Autores estes teriam direito a ser indemnizados apenas e tão só pelo valor matricial do imóvel, que se veio a apurar ser de € 26.070,00. XLI. Na verdade, o contrato de seguro sub iudice, o valor do capital seguro deve corresponde ao capital do imóvel, que por sua vez equivale ao custo da respectiva reconstrução, e é, nos termos do artigo 4º das Condições Gerais da apólice, da responsabilidade do tomador seguro (cfr. Doc. 7 da PI). XLII. In casu, tendo o valor do capital do imóvel – “139.000,00” – sido declarado pelo tomador do seguro, à Ré, como correspondente ao custo de reconstrução do mesmo, conforme expressa e manuscritamente consta da Proposta de seguro subscrita, cfr. Doc. 1 da Contestação., XLIII. Valor esse, aliás, sujeito a actualização automática, nos termos do artigo 5º das mesmas Condições Gerais, de acordo com as variações dos índices de habitação e edifícios publicados pelo Instituto de Seguros de Portugal,. XLIV. Assim tal capital relaciona-se apenas com o valor de (re)construção do imóvel, não se confundindo com o valor de qualquer empréstimo bancário (e/ou suas avaliações. XLV. Como bem entendeu a douta sentença ora objecto de recurso pelos Autores é evidente face aos elementos documentais juntos aos autos, corroborados no seu conteúdo pelos depoimentos colhidos, que o contrato de seguro celebrado pelo autor, pelo menos aquele de que tratam os presentes autos, não visou assegurar o bom pagamento do empréstimo, tratando-se de um seguro de danos como claramente resulta do seu teor. XLVI. Acresce que os Autores não efectuaram qualquer prova no sentido de que o valor de indemnização em caso de prejuízos ocorridos no imóvel tenha sido expressamente acordado com a seguradora no sentido de equivaler ao capital do imóvel atribuído, ou seja, os mencionados € 139 000,00, nada ressaltando do teor da apólice que confirme tal tomada de posição e menos ainda do depoimento das testemunhas inquiridas. XLVII. Em suma, o contrato de seguro multirriscos habitação celebrado tem como objecto, único, a cobertura dos riscos identificados nas respectivas condições particulares, gerais e especiais, i. e., o imóvel identificado como local de risco. XLVIII. Tal imóvel é, assim, o único objecto de risco a segurar, nunca, em momento algum, qualquer bom pagamento de qualquer quantia decorrente de qualquer empréstimo bancário. XLIX. Pelo que, para além de não ser legítimo aos Autores a invocação da nulidade do seguro tendo por base a alegada violação do por violação do artigo 5º do DL 446/85, de 25 de Outubro e os artigos 227º, 236º, 289º e 334º do Código Civil, por a mesma para ter sido invocada em sede própria (sendo que ainda que assim não se entenda não se entende que padeça o contrato em apreço de qualquer obscuridade, na medida em que corresponde ao regime tipo do contrato de seguro de danos), a verdade é que o mesmo, atendendo à sua natureza obriga a Recorrida a indemnizar os Autores apenas e tão só, em caso de perda do imóvel, pelo seu valor matricial, ou, como já admitido nos autos pela Ré e resulta da sentença do Tribunal a quo, pela eventual reconstrução do imóvel cuja avaliação nos termos do contrato levou ao apuramento do montante indemnizatório, deduzida a respectiva franquia contratual, de € 58 369,68 (cinquenta e oito mil trezentos e sessenta e nove euros e sessenta e oito cêntimos). A apelada terminou pedindo que a apelação fosse julgada improcedente, mantendo-se a sentença recorrida. Foram colhidos os vistos legais. FUNDAMENTAÇÃO As questões a apreciar neste recurso são as seguintes: impugnação da matéria de facto; objeto do contrato de seguro celebrado; vícios na formação do contrato e suas consequências; abuso de direito. Primeira questão (impugnação da matéria de facto) O tribunal a quo deu como provada a seguinte Matéria de facto 1. Com data de 28 de Dezembro de 2006 foi lavrada escritura de «Compra e Venda – Mútuo com Hipoteca» a folhas 4 a 6 do Livro número 117-A do Cartório Notarial do Lic. (…) mediante a qual Luís (…) e mulher Cármen (…), como primeiro outorgantes, declararam que, mediante o preço já recebido de cem mil euros, vendem aos segundos outorgantes, Nélio (…) e Andreia (…), o prédio urbano, de natureza exclusivamente habitacional, ao Sítio (…), concelho do Funchal, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número (…), que declararam aceitar tal transmissão nos termos exarados e que destinam o prédio à sua habitação própria permanente; mais disseram os segundos outorgantes e o terceiro, em representação do Banco (…), S. A. que aqueles solicitaram a este um empréstimo no montante de cem mil euros, que neste acto receberam e que lhes é concedido pelo prazo de cinquenta anos e que para caução e garantia de todas as responsabilidades assumidas, juros e despesas judiciais e extrajudiciais que se fixam em quatro mil euros, os segundos outorgantes constituem hipoteca sobre o prédio identificado (artigo 12º da petição inicial). 2. Com data de 28 de Dezembro de 2006 foi lavrada escritura de «Mútuo com Hipoteca» a folhas 7 a 8 do Livro número 117-A do Cartório Notarial do Lic. (…) mediante a qual os primeiros outorgantes, Nélio (…) e Andreia (…), declararam serem donos do prédio urbano ao Caminho (…), Funchal, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número (…) e que acordaram com o segundo outorgante, Banco Espírito Santo, S. A., um empréstimo no montante de trinta e nove mil euros, que neste acto receberam e que nesta data lhes é concedido pelo prazo de cinquenta anos e se destina a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente pelos primeiros outorgantes e à aquisição de equipamento para a sua residência, do qual se confessam solidariamente devedores; mais disseram que para caução e garantia de todas as responsabilidades assumidas constituem a favor do banco hipoteca sobre o prédio identificado (artigo 17º da petição inicial). 3. A propriedade do prédio identificado em 1. encontra-se inscrita a favor dos autores pela inscrição (…) – Ap. 16 de 2006/11/30 (artigo 11º da petição inicial). 4. Com data de 8-11-2006 foi elaborado a solicitação do Banco Espírito Santo, S. A. relatório de avaliação de imóvel para efeitos de concessão de empréstimo, incidente sobre o prédio identificado em 1., que lhe atribuiu o valor de € 155 000,00 (artigo 15º da petição inicial). 5. Em 20 de Fevereiro de 2010, ocorreu uma intempérie no Funchal que causou múltiplos danos no prédio identificado em 1. (artigo 19º da petição inicial). 6. Com data de 8-07-2010, foi emitida pela Divisão Administrativa de Obras Particulares da Câmara Municipal do Funchal a Certidão n.º 143/2010/DAO com o seguinte teor: “Certifico, face ao despacho de oito de Julho de 2010 do Vereador do Pelouro de Urbanismo [] exarado no requerimento registado nesta Divisão Administrativa de Obras Particulares sob o número vinte e oito mil duzentos e quarenta e quatro de cinco de Julho de 2010 de Nélio (…) em que requer a declaração que demonstre as condições de habitabilidade da moradia, situada ao Caminho (…), que a referida moradia foi destruída pelo temporal de vinte de Fevereiro de 2010, situa-se em zona não reconstrutiva, estando a família alojada em casa de familiares, por isso na lista de pessoas a serem realojadas.” (artigo 21º da petição inicial). 7. O Banco Espírito Santo, S. A. intentou contra Nélio (…) e Andreia (…) uma execução que corre termos sob o n.º 90/12.3TCFUN, actualmente, da Secção de Execuções da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira com base nos contratos de mútuo referidos em 1. e 2., sendo a quantia exequenda no valor de € 140 638,41 e tendo indicado à penhora o imóvel casa térrea destinada a habitação ao Caminho (…), concelho do Funchal, inscrito na matriz urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número (…), que se propõe adquirir pelo valor de € 46 538,00 (artigo 41º da petição inicial). 8. Entre Nélio (…) e a Companhia de Seguros Tranquilidade, S. A. foi celebrado um contrato de seguro “Produto Valor Habitar – Valor Habitar Mais” titulado pela apólice n.º (…), de que era tomador o ora autor, na qualidade de proprietário, residente na Rua Murteiras (…) Funchal” (artigos 36º e 37º da contestação). 9. O contrato de seguro referido em 8. tinha por objecto seguro o imóvel, com exclusão de qualquer cobertura do respectivo recheio, sito no Caminho (…) Funchal (artigo 39º da contestação). 10. Ficou consignado, quanto ao capital seguro, então fixado em € 139 000,00, o seguinte: “Objecto seguro sujeito a aumento de capital e de prémio, no vencimento” pelo que, em face das Condições Particulares aplicáveis à anuidade de 2010, tal capital ascendia a “€ 154 411,82” (artigos 40º e 41º da contestação). 11. Foi indicado pelo tomador do seguro como credor hipotecário o Banco Espírito Santo, S.A.. 12. O contrato referido em 8. teve início em 22-12-2006, para vigorar por um ano e seguintes (artigo 42º da contestação). 13. O sinistro objecto dos autos foi participado à ré, em 24-02-2010, conforme documento de fls. 111 e 112 p.p. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, tendo-lhe sido comunicado que no local de risco havia ocorrido “aluimentos de terras, danos por água, embate violento de detritos e pedras de grande dimensão durante um período curto de tempo por força da água” (artigos 44º e 45º da contestação). 14. A ré diligenciou pela avaliação e peritagem dos prejuízos invocados tendo sido emitido o Relatório de Peritagem, com data de 22-09-2010, que consta de fls. 148 a 167 p.p. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (artigo 47º da contestação). 15. Em 2-03-2010, a entidade designada pela ré seguradora, realizou vistoria no local de risco e do sinistro (artigo 48º da contestação). 16. O imóvel era um prédio térreo, composto por dois quartos de dormir, dois quartos de banho, cozinha, despensa e sala, possuindo a Norte um logradouro que foi adaptado a churrascaria/cozinha coberta e despensa e a Sudeste um anexo garagem coberta, construído em alvenaria de blocos e cobertura parcial em telha tradicional e laje, localizado em aglomerado habitacional (artigo 52º da contestação). 17. O imóvel encontrava-se em obras e com o interior e a área adaptada a churrascaria/cozinha e arrecadação inacabados” (artigo 53º da contestação). 18. Em 20 de Fevereiro de 2010, na sequência do temporal ocorrido na Região Autónoma da Madeira, a ribeira, contígua à moradia segura, transbordou do seu leito natural e originou enxurradas de lamas, pedras de grandes dimensões e outros detritos que se acumularam no logradouro e no interior da moradia segura, destruindo portas, janelas e todo o recheio ali existente, bem como alguns dos materiais para os trabalhos de remodelação em curso (artigo 54º da contestação). 19. Ocorreram inundações por enxurradas de água, lamas e detritos, que originaram o desabamento de terras, o transbordamento dos leitos naturais das ribeiras, a queda de pontes, a destruição de vias rodoviárias, a destruição e a submersão de habitações e de estabelecimentos comerciais e industriais (artigo 54º da contestação). 20. Face ao referido em 18. e 19. a ré seguradora considerou que o sinistro tinha enquadramento no âmbito de cobertura do risco «Inundações», da apólice referida em 8. e que os prejuízos emergentes, no objecto seguro, são passíveis de indemnização” (artigo 57º da contestação). 21. Para efeitos da determinação e quantificação dos prejuízos indemnizáveis a ré seguradora, por intermédio dos seus peritos, atendeu aos elementos que constatou no local, como a área coberta de 150,23 m² e descoberta de 29,77 m², correspondente a um logradouro situado defronte à porta principal e virado a Oeste, contíguo com a ribeira; a avaliação patrimonial efectuada pelo Serviço de Finanças no ano de 2007, no valor de € 26 070,00; a avaliação do engenheiro nomeado pela entidade bancária no valor de pelo menos € 150 000,00; o valor de construção de € 696,25/m2 que consta do Decreto Regulamentar Regional nº 5/2009/M com base no qual fixou o valor de reconstrução em € 500,00/m2 (artigo 58º da contestação). 22. Sobre o valor apurado e referido em 21. os peritos aplicaram uma dedução de 20%, perfazendo o valor de € 400,00/m² considerando que a moradia não apresentava os acabamentos finais (artigo 58º da contestação). 23. À data do sinistro o imóvel seguro apresentava-se sem a colocação de azulejos e mosaicos nas paredes dos quartos de banho e da cozinha, arrecadação e churrascaria, de bancadas e/ou móveis, sem a pintura interior e parcialmente exterior (churrascaria) sem janelas e/ou portas na churrascaria/cozinha e compartimento anexo, sem tectos falsos, sem a pintura interior dos restantes compartimentos (artigo 58º da contestação). 24. Foram ponderadas diversas alternativas para a quantificação do valor dos prejuízos: € 26 070,00, conforme valor matricial; € 100 000,00, conforme avaliação efectuada pelo engenheiro interveniente pela entidade bancária; € 64 855,20 (150,23 m² x € 400,00/m2 (área coberta) = € 60 092,00 + € 4 763,20 (29,77m²x€160,00/m2 área logradouro) (com base na área obtida com as medições); € 40 320,00 (48m²x€ 400,00 (área coberta) = € 19 200,00 + 132m²x€160,00/m2 (logradouro) = € 21 120,00 (com base na área de construção constante da caderneta predial) (artigo 59º da contestação). 25. A ré contactou os serviços do credor hipotecário, Banco Espírito Santo, S. A., informando que “A moradia do nosso Segurado e vosso Cliente acima [] sofreu graves danos [], tendo o local referido sido declarado zona não reconstrutiva, pelo que a referida moradia não é passível de reconstrução no mesmo local [] dado o interesse do BES no seguro em causa, como Credor Hipotecário, solicitamos nos informem [] qual o montante em débito ao Banco relacionado com a mesma moradia e, também, se desejam receber a indemnização que vier a ser fixada, ou se podemos liquidar a mesma directamente ao Segurado”, o que fez através de correio electrónico datado de 12-10-2010 (artigos 63º e 64º da contestação). 26. O Banco Espírito Santo, S. A. respondeu, por correio electrónico de 27-10-2010, que “enquanto credor hipotecário desejamos receber o valor em dívida relativo ao Crédito Habitação do cliente aqui no BES. Relativamente aos valores em dívida, deverão solicitálos ao cliente” (artigo 65º da contestação). 27. Por carta com data de 29-10-2010, a ré contactou o aqui autor dando conta das diligências de peritagem realizadas e informando-o que “o local onde se situa o edifício [] seguro pela Apólice em referência, foi declarado pelas Entidades Oficiais como zona não reconstrutiva” e nessa ocasião, com base na área total de construção existente (150,23 m² de área coberta e 29,77m² de área descoberta), no custo de reconstrução do imóvel (€ 400,00/m2 e € 160,00/m2, respectivamente, com base nos materiais aplicados e zona onde está construída a moradia em questão) e na franquia contratualizada (valores que discriminou), propôs o pagamento do valor de € 58 369,68 (artigos 66º a 70º da contestação). 28. Mais informou a ré o tomador que “Uma vez que o BANCO ESPÍRITO SANTO é o Credor Hipotecário do referido imóvel e já nos informou que pretende receber o valor em dívida, vimos [] solicitar o favor de nos informar qual o montante da referida dívida, a fim de lhes liquidarmos o valor correspondente e o eventual valor restante a V. Exª. []na hipótese de não recebermos quaisquer notícias suas no prazo de 15 dias, contados a partir da data do registo desta carta, liquidaremos o valor anteriormente referido de € 58.369,68, ao referido Banco, que depois depositará na sua conta o valor que eventualmente exceda o montante da sua dívida.” (artigo 72º da contestação). 29. Na ausência de qualquer resposta por parte do tomador do seguro, a ré remeteu ao Banco Espírito Santo, S. A. por carta com data de 23-11-2010, o recibo de indemnização no valor de € 58 369,68, dando conta que esse recibo “depois de devidamente legalizado [] assinatura e fotocópia do B.I. Do Sr. Nélio (…), caso consigam contactá-lo) e assinatura reconhecida notarialmente, na qualidade com poderes com o acto, por parte do Banco Espírito Santo) deverá ser-nos devolvido para posterior envio do correspondente cheque (ou para procedermos à transferência bancária, caso seja esse o vosso desejo e nos indiquem o NIB respectivo). O pagamento está marcado para o período de 03/12/2010 a 11/12/2010.” (artigo 73º da contestação). 30. Posteriormente, a ré recebeu da autora a carta que consta de fls. 113 e 114 p.p. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais em que aquela refere discordar do montante da indemnização proposto (artigo 74º da contestação). 31. Em resposta, a ré remeteu ao autor uma carta com data de 06-12-2010 que consta de fls. 115 e 116 p.p. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais informando que “[] por não termos recebido a resposta de V. Exª no prazo indicado na nossa carta de 29/10/2010, remetemos já o recibo de indemnização de € 58.369,68 para o Banco Espírito Santo (Funchal), Entidade que é Credora Hipotecária do edifício seguro. Aguardamos a apresentação daquele recibo, devidamente legalizado, para procedermos ao respectivo pagamento. [] “no que respeita aos € 400,00 considerados por cada metro quadrado de área coberta (150,23 m2), esclarecemos que aquele valor se baseou no tipo de materiais visíveis existentes no local, aplicados e apor aplicar (corticite, azulejos, madeira, mosaicos e tijoleira), sendo ainda significativo que na maioria da área aqueles materiais ainda não se encontravam aplicados, o que motivou a dedução de uma percentagem referente ao valor da mão de obra que ainda não tinha sido utilizada. Note-se que a empresa de peritagens que nomeámos para tratar do assunto lhe solicitou na altura as facturas de aquisição do material que alegadamente foi adquirindo ao longo do tempo para reconstrução da moradia, ou outros meios de prova, o que nunca se verificou. [] considerámos o valor justo e razoável para a reconstrução da moradia na situação em que se encontrava (menos o valor do terreno, que o seguro não abrange) e também os materiais que lá se encontravam por aplicar. Só não considerámos os bens do «Recheio» da habitação, por não fazerem parte do objecto seguro, nem os bens que se destinavam à empresa que projectava criar, igualmente por não estarem garantidos pela Apólice em causa. Quanto ao alojamento temporário a que faz referência (que aliás nunca solicitou), face às condições de inabitabilidade da habitação, esclarecemos que a cobertura da Apólice relativa à «Privação Temporária do Uso do Local Ocupado» só é accionável desde que o Segurado, à data do sinistro, habite o local de risco, o que não se verificava, visto que, segundo a carta sob resposta, a sua residência era na casa dos seus pais. Uma outra condição para o accionamento da mesma cobertura é a apresentação de comprovativos das despesas feitas com outro alojamento temporário, despesas essas que nunca foram apresentadas. De qualquer modo e se vier a provar-nos que, à data do sinistro, habitava de facto o local, e também se nos apresentar comprovativos de despesas eventualmente feitas com o seu realojamento, poderemos vir a reapreciar essa situação em concreto. Relativamente à demora verificada na regularização do processo, queremos recordar-lhe o facto de V. Exa. não ter comparecido na última reunião efectuada no local do risco, em 21/09/2010, data previamente acordada com V. Exa., conjuntamente com o Eng.º Civil Ilídio Valadas e a Perita da Peritosmar. [] deveu-se também ao facto de V. Exa. ter estado a aguardar por uma decisão dos serviços camarários sobre a autorização para reconstruir a casa no mesmo local, decisão essa que foi tomada em 08/07/2010 []” (artigos 75º a 80º da contestação). 32. O recibo de indemnização não foi devolvido à ré, não tendo sido objecto de qualquer pagamento (artigo 81º da contestação). 33. Em conformidade com as Condições Particulares da apólice, ao objecto seguro (“Imóvel Materiais Incombustíveis”) correspondia, à data do sinistro, um capital seguro, para reconstrução, no valor de € 154 411,82, encontrando-se garantidas, entre outras, as coberturas “Inundações/Tempest./Aluimentos”, a que se fez corresponder uma franquia contratualizada de “10,000% Percentagem do Valor do Sinistro”, “Demolição e Remoção dos Escombros”, com cobertura de “15% do capital do Objecto Seguro”, e “Privação Temporária Uso Local”, com cobertura de “10% do capital do Objecto Seguro” (artigos 83º e 84º da contestação). 34. Dispõe o n.º 1 do Artigo 4º das Condições Gerais da Apólice, sob a epígrafe “Capital do Contrato” o seguinte: “A determinação do capital é sempre da responsabilidade do Tomador do Seguro e deverá obedecer aos seguintes critérios: Capital do Imóvel: Deverá corresponder ao custo da respectiva reconstrução. Todos os elementos constituintes ou incorporados no imóvel pelo proprietário devem ser tomados em consideração, bem como o valor proporcional das partes comuns. Somente o valor dos terrenos não deve ser considerado no capital. No caso de edifícios para expropriação ou demolição o capital corresponderá ao seu valor matricial. Capital do Recheio: Deverá corresponder ao valor em novo dos respectivos bens.” (artigo 85º da contestação). 35. O n.º 1 do artigo 5.º das Condições Gerais sob a epígrafe “Actualização do Capital do Contrato” determina que “O capital do contrato, conforme definido no n.º 1 do artigo 4.º, será automaticamente actualizado, salvo convenção em contrário nas Condições Particulares, em cada vencimento anual, de acordo com as variações do índice respectivo publicado trimestralmente pelo Instituto de Seguros de Portugal (ISP) []” (artigo 86º da contestação). 36. Nas Condições Especiais da Apólice e quanto a “Demolição e Remoção de Escombros”, determina-se que “A garantia abrange o pagamento, até ao montante para o efeito fixado nas Condições Particulares, das despesas efectuadas com a demolição e remoção de escombros provocados pela ocorrência de qualquer sinistro coberto por esta Apólice” e “Sem prejuízo das exclusões previstas nas Condições Gerais aplicáveis à presente cobertura, não ficam garantidas quaisquer despesas relativas a operações de descontaminação ou despoluição do local onde ocorreu o sinistro, bem como dos próprios bens seguros ou escombros resultantes.” (artigos 87º e 88º da contestação). 37. No que respeita à Condição Especial “Inundações”, estabelece o n.º 1 do artigo 1.º que “A presente Condição Especial garante os danos sofridos pelos bens seguros em consequência directa de Inundações” determinando o seu n.º 2 que “A garantia abrange os danos resultantes de inundações, provocadas por: a) Tromba de água ou queda de chuvas torrenciais; b) Rebentamento de adutores, drenos, diques e barragens; c) Enxurrada ou transbordamento do leito de cursos de água naturais ou artificiais” e o n.º 3 que “São considerados como um único e mesmo sinistro os estragos ocorridos nas 48 horas que se seguem ao momento em que os bens seguros sofram os primeiros danos.” (artigos 89º a 91º da contestação). 38. Quanto às exclusões estabelecidas, o artigo 2º refere que “Sem prejuízo das exclusões previstas nas Condições Gerais aplicáveis à presente cobertura, não ficam garantidas as perdas a) Causados pela acção do mar e outras superfícies marítimas; b) Em bens móveis existentes ao ar livre; c) Em dispositivos de protecção (tais como persianas e marquises), muros, vedações, portões, estores exteriores, os quais ficam, todavia, cobertos se forem acompanhados da destruição total ou parcial do edifício onde se encontrem os bens seguros; d) Que resultem em infiltrações através de paredes, tectos, humidade ou condensação, excepto quando se trate de danos resultantes das coberturas contempladas nestes riscos.” (artigo 92º da contestação). 39. Quanto à Condição Especial “Privação Temporária de Uso do Local Arrendado ou Ocupado” determina o seu n.º 1 que “A presente Condição Especial garante os prejuízos que resultem directamente da Privação Temporária do Uso do Local de Risco.” Nos termos do n.º 2 “Em caso de sinistro coberto pelo contrato, que origine privação temporária do uso do local de risco, a Tranquilidade indemniza, até aos limites para o efeito fixados nas Condições Particulares: a) Quando estiver seguro o Imóvel: As despesas com a estada do Segurado e daqueles que com ele coabitem em regime de comunhão de mesa e habitação, em qualquer outro alojamento; b)Quando estiver seguro o Recheio: As despesas com o transporte dos objectos seguros não destruídos e respectivo armazenamento.”, determinando-se ainda, no n.º 3 da mesma Condição Especial, que “Esta garantia é válida pelo período indispensável à reinstalação do Segurado no local onde se verificou o sinistro, sem nunca exceder seis (6) meses.”; e no n.º 4, “A indemnização será paga mediante apresentação dos documentos comprovativos das despesas efectuadas, após dedução dos encargos a que o Segurado estaria sujeito se o sinistro não tivesse ocorrido e que, entretanto, deixou de suportar” sendo, conforme o n.º 5, “condição indispensável para o funcionamento desta garantia que o Segurado, à data do sinistro, habite o local afectado” (artigos 93º a 97º da contestação). 40. A área coberta do imóvel à data do sinistro era de 150,23 m2 (artigo 112º da contestação). 41. O valor de reconstrução cifra-se em € 500,00/m2 e sobre este deve incidir uma dedução de 20%, perfazendo o valor de € 400,00/m2, por o imóvel se encontrar sem os acabamentos finais conforme referido em 22. e 23. (artigo 113º da contestação). 42. Foram solicitadas as facturas de aquisição de material para construção da moradia ao tomador do seguro que este não apresentou (artigo 117º da contestação). 43. O custo de reconstrução da área descoberta (29,77 m2) é de € 160,00 por metro quadrado (artigo 118º da contestação). 44. À data do sinistro os autores não tinham residência habitual no imóvel seguro (artigo 124º da contestação). 45. Foi solicitada ao autor a apresentação de quaisquer comprovativos de despesas e/ou a demonstração que residia no local de risco à data do sinistro, o que nunca se verificou (artigo 130º da contestação). O Tribunal a quo enumerou os seguintes Factos Não Provados - o seguro titulado pela apólice n.º 0900292613 foi celebrado para assegurar o bom pagamento do empréstimo referido em 1. (artigo 13º da petição inicial); - porque se mostrava necessário assegurar o bom pagamento da quantia global de € 139 000,00 os autores contrataram o seguro com a ré nesse mesmo montante (artigo 18º da petição inicial); - a ré contratou um valor de indemnização com os autores de € 139 000,00 correspondente à perda total do imóvel (artigo 36º da petição inicial); - o valor de reconstrução do imóvel é de € 500,00/m2 (artigo 113º da contestação); - o valor de reconstrução do imóvel, de € 400,00/m2, decorre também da qualidade e natureza do tipo de materiais visíveis existentes no local, aplicados e apor aplicar (corticite, azulejos, madeira, mosaicos e tijoleira), de preço reduzido (artigo 115º da contestação); - o imóvel, à data da ocorrência, era inabitável (artigo 125º da contestação). O Direito Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. No caso destes autos, os apelantes, conforme resulta das suas alegações, questionam os seguintes factos dados como não provados: “- o seguro titulado pela apólice n.º 0900292613 foi celebrado para assegurar o bom pagamento do empréstimo referido em 1. (artigo 13º da petição inicial); - porque se mostrava necessário assegurar o bom pagamento da quantia global de € 139 000,00 os autores contrataram o seguro com a ré nesse mesmo montante (artigo 18º da petição inicial); - a ré contratou um valor de indemnização com os autores de € 139 000,00 correspondente à perda total do imóvel (artigo 36º da petição inicial);” afirmando os apelantes que “os AA. sempre pretenderam contratar um seguro de garantia total do imóvel, associado ao crédito habitação, que os indemnizasse pela totalidade do capital em dívida, decorrente do mútuo” (vide conclusão G) da apelação). Mais pretendem os apelantes que, contrariamente ao dado como provado sob o n.º 44 da matéria de facto, ou seja, que “à data do sinistro os autores não tinham residência habitual no imóvel seguro”, seja dado como provado que “à data do sinistro, os AA. estavam a realizar obras de beneficiação no prédio, mas ali habitavam de forma permanente” (conclusão E) da apelação). Para tanto, os apelantes apoiam-se nas declarações prestadas pelo A./apelante na audiência final. Quanto ao objeto do contrato de seguro, na audiência final o A. prestou as seguintes declarações: Juiz – “Então quando fez este seguro, achava que cobria o quê?” A.- “Quando eu fiz o seguro era o seguro que cobria a habitação, só havia um tipo de seguro. O seguro que era apresentado é um seguro de habitação, o que havia na altura era extras, se a pessoa quisesse, painéis solares, coisas assim do género, podia acrescentar à apólice. A apólice base era a apólice que cobria a casa.” Juiz – “Está bem, mas que risco era coberto?” A.- “Cobria várias circunstâncias, não tive em pormenor toda a constituição da apólice, em todo o pormenor, sabia mais o que é que não cobria, que era em caso de guerra, e coisa assim do género. Mais a situação, o capital, o capital do seguro, que foi feito, era o valor do empréstimo, que é sempre abaixo da avaliação.” Advogado dos AA.- “Então o senhor quando fez o seguro, por aquilo que lhe foi dito, ficou com a certeza de que o seguro cobria-lhe a totalidade do capital em caso de destruição total do edifício…ou não?” A.- “O capital da apólice, que era o valor do empréstimo.” Advogado dos AA.-“Então o senhor ficou garantido de que havendo uma eventualidade como esta, de que o seguro cobria-lhe a totalidade do que estava em dívida ao banco?” A.- “Eu sempre presumi que o segurado tinha uma situação que era não ficar nem beneficiado, nem prejudicado em resultado do sinistro, isto para mim é para que serve o seguro, em que uma pessoa não fica nem beneficiado nem prejudicado.” (…) “Eu faço este seguro porque eu já o queria e por outro lado era-me exigido pelo banco.” (…) “No caso de sinistro quem recebia o dinheiro era o banco, logo estava a ser salvaguardado era o empréstimo.” Ou seja, embora de forma hesitante, o A. admite que o seguro em causa cobria danos que, em virtude de diversas circunstâncias, afetassem o prédio por si adquirido, afirmando estar convicto que, no caso de destruição total do edifício, a seguradora pagaria ao banco credor a totalidade do capital, equivalente ao valor do empréstimo devido. Ora, a verdade é que não é isso que consta na proposta de seguro, nem nas cláusulas particulares, nem nas condições especiais e gerais da apólice subscrita, que se mostram juntas a fls 93 a 105 e 120 a 142 dos autos. Esses documentos retratam um contrato de seguro que tem por objeto seguro um imóvel, cobrindo a reparação de danos que afetassem o aludido imóvel em consequência, nomeadamente, de incêndio, tempestades e inundações, garantindo o custo da reconstrução do imóvel, com exclusão do valor dos terrenos, e fixando-se o valor de capital seguro em € 139 000,00, atualizável anual e automaticamente. A celebração desse contrato era obrigatória, conforme consta no documento que formalizou a celebração do contrato de mútuo subscrito pelos AA. e pelo BES e que consta a fls 230 a 236 dos autos. Com efeito, na respetiva cláusula sétima consta o seguinte: “1 – O(s) Mutuário(s) obrigam-se, nos termos e para os efeitos do artigo 702º do Código Civil, a manter o imóvel hipotecado seguro, cobrindo o risco de incêndio, em companhia seguradora aceite pelo “BES”, ficando a constar na respectiva apólice ou acta adicional o “BES” como credor hipotecário privilegiado, que fica com o direito em caso de sinistro, receber a indemnização devida. 2 – O(s) Mutuários fica(m) ainda obrigado(s) a efectuar(em) seguro de vida, pelo valor mínimo do montante do empréstimo, cujo beneficiário privilegiado será o “BES”, o qual deverá cobrir morte, invalidez total e definitiva. (…).” Ou seja, segundo os aludidos documentos, no seguro atinente ao imóvel, a indemnização devida pela seguradora corresponderia ao custo da reparação do dano sofrido pelo imóvel e não ao montante em dívida do empréstimo. Se outra era a intenção dos AA., não existe prova bastante que tal sustente, sendo certo que as declarações do A., parte interessada no caso, não chegam para inverter o em sentido contrário alicerçado na documentação junta e assinada pelos AA., ora mencionada. Nesta parte, pois, a apelação improcede. Quanto à utilização do imóvel, à data do sinistro, pelos AA., como residência permanente ou habitual. Embora esteja assente, sem impugnação pelas partes, que à data do sinistro o edifício se encontrava em obras (n.º 17 da matéria de facto), na audiência final o A. afirmou que os AA. sempre habitaram na casa, apenas se ausentando ocasionalmente por uns dias, se acaso alguma circunstância a tal obrigasse, como “algum produto que deitasse um cheiro forte”, altura em que ficariam uns dias em casa da mãe do A.. Contudo, tal afirmação é desmentida pela carta constante a fls 113 e 114, datada de 15.11.2010, escrita pela A. mulher e enviada à R. seguradora, onde se afirma que os AA. foram remodelando a casa com calma e continuando a viver em casa dos pais do A., tendo inclusivamente usado a casa para guardar as coisas da empresa que entretanto o A. criara, situação essa que se mantinha aquando do sinistro. Face ao exposto e na falta de mais prova em sentido contrário, afigura-se-nos que também aqui não há que modificar a matéria de facto. Segunda questão (objeto do contrato de seguro celebrado) Está provado que em 28.12.2006 os AA. adquiriram um prédio urbano, pelo preço de € 100 000,00. Para o efeito contraíram um empréstimo junto do BES, por igual valor. Além disso e na mesma ocasião os AA. contraíram, junto do mesmo banco, um empréstimo no valor de € 39 000,00, destinado a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente pelos AA. e bem ainda à aquisição de equipamento para a habitação adquirida (n.º s 1 e 2 da matéria de facto). Esses mútuos foram garantidos com hipoteca constituída sobre o aludido imóvel. Conforme supra mencionado na apreciação da impugnação da matéria de facto, nos contratos de mútuo ficou consignado que os mutuários se obrigavam “a manter o imóvel hipotecado seguro, cobrindo o risco de incêndio, em companhia seguradora aceite pelo “BES”, ficando a constar na respectiva apólice ou acta adicional o “BES” como credor hipotecário privilegiado, que fica com o direito em caso de sinistro, receber a indemnização devida.” Com efeito, nos termos do art.º 692.º n.º 1 do Código Civil, “se a coisa ou direito hipotecado se perder, deteriorar ou diminuir de valor, e o dono tiver direito a ser indemnizado, os titulares da garantia conservam, sobre o crédito respectivo ou as quantias pagas a título de indemnização, as preferências que lhes competiam em relação à coisa onerada.” Por esse motivo, no contrato de seguro celebrado entre os AA. e a R. seguradora, que teve por objeto o imóvel hipotecado, figura a indicação do BES enquanto credor hipotecário. O que tem, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 692.º do Código Civil, por efeito que “depois de notificado da existência da hipoteca, o devedor da indemnização não se libera pelo cumprimento da sua obrigação com prejuízo dos direitos conferidos no número anterior.” Entre os AA. e a R. foi, pois, celebrado um contrato de seguro, ou seja, um contrato mediante o qual os AA. se obrigaram a pagar à R. uma determinada quantia, o prémio de seguro, e em contrapartida a R. assumiu um risco, ou seja, obrigou-se a pagar aos AA., sem prejuízo dos direitos do mencionado credor hipotecário, a indemnização devida pelos danos que o prédio objeto do seguro eventualmente sofresse em consequência de sinistros que adviessem de causas previamente acordadas, ou seja, constantes no contrato. Conforme já supra mencionado a propósito da impugnação da matéria de facto, resulta das cláusulas do contrato, transcritas nos números 8 a 10, 33 a 37 da matéria de facto, que o contrato de seguro tem por objeto seguro um imóvel, com exclusão do recheio, cobrindo a reparação de danos que o afetassem em consequência, nomeadamente, de incêndio, tempestades e inundações, garantindo o custo da reconstrução do imóvel, com exclusão do valor dos terrenos, e fixando-se o valor de capital seguro em € 139 000,00, anualmente atualizável automaticamente, valor esse que à data do sinistro orçava em € 154 411,82 (n.º 10 da matéria de facto). Este é o sentido que um declaratário normal, colocado na posição dos AA., atribuiria ao teor do contrato (art.º 236.º n.º 1 do Código Civil). Nada havendo a alterar, quanto à interpretação em concreto, pelo facto de o contrato em espécie ser, como é inquestionável e não é controvertido nos autos, um contrato de adesão, ou seja, um documento composto por cláusulas que foram previamente elaboradas pela seguradora para serem subscritas ou aceites por destinatários indeterminados (art.º 1.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25.10, com as alterações publicitadas – LCCG), sem prejuízo das opções individuais dos aderentes manifestadas na inclusão de determinadas cláusulas particulares – cfr. artigos 10.º e 11.º da LCCG. Em suma, contrariamente ao alegado pelos AA., o clausulado acordado não aponta, como objeto do seguro, ou como obrigação assumida pela R. por força do contrato de seguro, o pagamento do valor do empréstimo em dívida à data do sinistro. O capital seguro representa, nos termos do art.º 49.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16.4 (regime jurídico do contrato de seguro – RJCS -, aplicável, excluindo-se o que respeita à formação do contrato, ao conteúdo de contratos celebrados anteriormente que subsistam à data da entrada em vigor da lei e a contratos posteriormente renovados – artigos 2.º e 3.º do diploma), “o valor máximo da prestação a pagar pelo segurador por sinistro ou anuidade de seguro, consoante o que esteja estabelecido no contrato”. Devendo, no chamado seguro de danos, a prestação devida pelo segurador limitar-se “ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro” (art.º 128.º). No seguro de coisas, “o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o do valor do interesse seguro ao tempo do sinistro” (n.º 1 do art.º 130.º do RJCS). No caso dos autos, tendo ficado provado que o prédio seguro ficou totalmente destruído, em virtude de inundações que, segundo é incontroverso, estão incluídas no risco seguro, a reparação devida pela R. é o custo da reconstrução do prédio, deduzido da franquia estipulada, de 10% (n.º 33 da matéria de facto). Assim, tendo-se provado que o custo de reconstrução da área coberta do prédio é de € 400,00 x 150,23 m2 (n.ºs 40 e 41 da matéria de facto) e que o custo de reconstrução da área descoberta é de € 160,00 x 29,77m2 (43 da matéria de facto), o valor devido pela seguradora, à luz do contrato celebrado, é de € 58 369,68, conforme apurado na sentença recorrida. Valor esse que deverá ser disponibilizado ao credor hipotecário, conforme supra exposto. Terceira questão (vícios na formação do contrato e suas consequências) Vimos as consequências, para a solução do litígio, advenientes do teor do contrato de seguro subscrito pelas partes. Porém, os apelantes questionam o teor desse contrato, alegando que houve culpa da R. na formação do contrato, na medida em que as cláusulas contratuais deste não correspondem ao que foi pedido pelos AA. quanto à cobertura do risco e não lhes foi explicado o alcance das cláusulas que ficaram a constar do contrato de seguro subscrito, sendo certo que a R., através do seu representante, confirmou aos AA. que o seguro abrangeria o pagamento da totalidade do capital em dívida ao banco, no caso de perda total. Segundo os apelantes, houve culpa da R. na formação do contrato, na pessoa do seu representante, nos termos do art.º 227.º n.º 1 do Código Civil. Mais, a R. não teria cumprido o dever de informação, previsto no art.º 5.º da LCCG, o que acarretaria a nulidade das cláusulas contratuais gerais, a qual poderia e deveria ter sido conhecida pelo juiz a quo, no termos do art.º 286.º do Código Civil, ainda que tal não tivesse sido alegado pelos AA. no seu articulado, mas em sede de declarações de parte. Vejamos. Apesar de este processo se ter iniciado ainda sob a vigência do CPC de 1961, a audiência prévia (antiga “audiência preliminar”) e a audiência final realizaram-se já sob a vigência do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.6, tendo a decisão de facto sido proferida na sentença, após o encerramento da audiência final, conforme atualmente o determina o CPC (art.º 607.º) e contrariamente ao que estipulava o anterior CPC (art.º 653.º). Assim, no apuramento da matéria de facto haverá que levar em consideração o disposto no atual CPC (art.º 5.º n.º 1 da Lei n.º 41/2013). O atual regime processual pretende conferir maior plasticidade à definição da matéria de facto que o tribunal deverá e poderá considerar para decidir o litígio que lhe é apresentado pelas partes, tendo para esse efeito introduzido alterações à tramitação do processo que facilitarão esse propósito, de forma mais eficaz da que fora vertida na legislação processual pela reforma de 1995/1996. Assim, continuando a caber às partes alegarem os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas (n.º 1 do art.º 5.º, 552.º n.º 1 alínea d) e 572.º alínea c) do CPC), ou seja, os factos indispensáveis à procedência da ação, como tal subsumíveis à(s) norma(s) jurídica(s) convocada(s) para sustentar(em) a pretensão do autor ou, no caso das exceções, ao visado insucesso da ação, o objeto da instrução deixará de ser pautado por uma prévia descrição judicial mais ou menos atomística dos factos a provar, mas por uma mera enunciação dos “temas da prova” (artigos 410.º e 596.º n.º 1 do CPC), norteada pela concomitante “identificação do objeto do litígio” (n.º 1 do art.º 596.º do CPC). Tal como na sequência da reforma de 1995/1996, o tribunal poderá (e deverá) levar em consideração os factos (resultantes da instrução) essenciais complementares e concretizadores dos alegados para fundarem a ação ou as exceções deduzidas (art.º 5.º n.º 2 alínea b)), mas sem que atualmente a lei exija que a parte interessada na sua consideração “manifeste vontade de deles se aproveitar” (n.º 3 do art.º 264.º do CPC de 1961). Na atual formulação legal, para que o tribunal possa introduzir esses factos na decisão de facto, basta que “sobre eles [as partes] tenham tido a possibilidade de se pronunciar” (alínea b) do n.º 2 do art.º 5.º do CPC). Acresce que já não caberá ao juiz que preside à audiência providenciar pela ampliação da (agora inexistente) base instrutória a fim de possibilitar a consideração dos referidos novos factos (art.º 650.º n.º 2 alínea f) do CPC de 1961). Os factos instrumentais (tendentes à prova, por ilação decorrente de presunção judicial, de factos essenciais) resultantes da instrução continuam a ser livremente atendíveis pelo tribunal (art.º 5.º n.º 2 alínea a) do CPC). Pretende-se, como o exprime o legislador na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII (que deu origem ao atual CPC), “permitir que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas exceções deduzidas, decorra sem barreiras artificiais, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. Quando, mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos. Estamos perante um novo paradigma que, por isso mesmo, tem necessárias implicações, seja na eliminação de preclusões quanto à alegação de factos, seja na eliminação de um nexo direto entre os depoimentos testemunhais e concretos pontos de facto predefinidos, seja ainda na inexistência de uma decisão judicial que, tratando a vertente fáctica da lide, se limite a “responder” a questões eventualmente até não formuladas.” Assim, além dos factos alegados pelas partes para sustentarem a sua posição na lide, o tribunal deve considerar, na decisão de facto, aqueloutros que, embora não alegados (inclusivamente no âmbito do pré-saneador – art.º 590.º n.º 2 alínea b) e n.º 4 – ou da audiência prévia – art.º 591.º n.º 1 alínea c) do CPC), resultaram da instrução (cuja estrutura necessariamente contraditória, máxime no decurso da audiência de discussão, em princípio permitirá às partes sobre eles se pronunciarem – artigos 415.º, 516.º, 461.º, 462.º, 466.º n.º 2, 423.º e seguintes, 604.º n.º 3 do CPC) e se enquadrem no âmbito do litígio, por se integrarem na causa de pedir ou nas exceções alegadas, assumindo natureza complementar dos factos alegados precisamente na medida em que, com estes estando conectados, não foram inicialmente alegados (vide José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, volume 1.º, 3.ª edição, setembro de 2014, Coimbra Editora, pág. 17). No caso destes autos, os AA. peticionaram a condenação da R. no pagamento de uma determinada quantia, apresentando como causa de pedir um contrato de seguro, celebrado entre as partes, da qual adviria a obrigação da realização, pela R., da peticionada prestação, uma vez que ocorrera um sinistro que se incluía no risco previsto no contrato. Tendo o tribunal a quo concedido, face ao teor do contrato, apenas parcial provimento ao peticionado, vêm agora os AA., na apelação, alegar divergência entre o teor do contrato e a intenção que da sua parte presidira à sua celebração, assim como ausência de comunicação e informação do teor do contrato por parte da R., para alegadamente fundarem a sua pretensão. Ou seja, os AA. pretendem que lhes seja reconhecido um determinado valor indemnizatório com base num programa contratual diverso daquele que fora subscrito pelas partes, mas que corresponderia àquilo que fora pretendido pelos AA.. Ora, esta invocada disparidade e bem assim falta de comunicação e informação por parte da R. constituem, enquanto alegadas pelos AA., modificação da causa de pedir, que só poderia realizar-se ou por acordo das partes (que não existe) – art.º 264.º do CPC – ou, na falta de acordo, na sequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, nos termos do n.º 1 do art.º 265.º do CPC – o que também não ocorre no caso vertente. Desrespeitados estes pressupostos, não poderia o tribunal a quo levar à decisão de facto, com base na produção de prova ocorrida na audiência final, as alegadas disparidade e falta de comunicação de cláusulas – pois são mais do que factos complementares ou concretizadores dos alegados pelas partes (alínea b) do n.º 2 do art.º 5.º do CPC), são factos essenciais diferentes dos alegados pelas partes. Note-se que, se é certo que recai sobre o predisponente o ónus da prova da comunicação das cláusulas contratuais gerais (n.º 3 do art.º 5.º da LCCG), é sobre o aderente que cabe invocar essa falta de comunicação, enquanto facto que alicerça o seu direito (se for o autor) ou exceção deduzida (se for demandado) – cfr., v.g., acórdãos do STJ, de 31.3.2009, processo 82/03.3TBMTR-A.S1; de 07.7.2009, processo 369/09.01YFLSB; de 13.3.2008, processo 08A053; de 09.10.2003, processo 03B1384 - todos in www.dgsi-itij). De resto, nada se mostra provado no sentido do ora alegado pelos apelantes. Sendo certo que também não se lobriga como, dos alegados vícios na formação do contrato, ou seja, da sua anulação ou declaração de nulidade, adviria para a R. a obrigação do pagamento da prestação peticionada. Nesta parte, pois, improcede a apelação. Quarta questão (abuso de direito) Por último, os apelantes invocam abuso de direito, por parte da R., nos seguintes termos, que se transcrevem: “60 - Aliás, no caso vertente, pode mesmo afirmar-se que há abuso de direito da R., na medida em que, invocando uma interpretação do contrato, enquanto denominado multirriscos, se pretende eximir ao pagamento do capital seguro, dada a perda total do imóvel, indemnizando os AA. apenas pelo valor dos materiais eventualmente aplicados neste. 61 - De facto, os AA. contrataram um seguro que lhes garantisse a responsabilidade da seguradora até ao montante do capital, mas esta pretende fugir a esse pagamento, invocando o seu "direito" de apenas pagar o valor da sua avaliação, escudando-se em cláusula contratual que não transmitiu aos AA., na data da outorga do contrato nem posteriormente. 62 - Só o alegando em sede de contestação da ação pendente, alegando que, face ao conteúdo do contrato de seguro firmado, apenas terá de indemnizar os AA. pelo valor da avaliação efetuada sobre os escombros do prédio. 63 - O que s¡gnif¡ca que a R. pretende prevalecer-se de um hipotético direito, que lhe assiste face às cláusulas introduzidas no contrato que não explicou aos AA., para se eximir ao pagamento da totalidade do capital seguro. 64 - Acrescendo que a R. não pode alegar, como alegou, que o seguro foi firmado independentemente de avaliação do prédio, faltando critérios para que tenha sido por ela aceite o valor do capital seguro.” Sob a epígrafe “abuso do direito”, o art.º 334.º do Código Civil estipula que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito.” Artigo resultante do artigo 281.º do Código Civil grego, positiva um mecanismo geral de correção daquilo que, na formulação de António Menezes Cordeiro, constituirá o “exercício disfuncional de posições jurídicas” (“Tratado de Direito Civil, V, Parte Geral, Exercício Jurídico”, 2.ª edição, 2015, Almedina, pág. 403), ou seja, a “disfuncionalidade de comportamentos jurídico-subjetivos” que, embora consentâneos com normas jurídicas, contrariam o sistema jurídico em que estas se inserem, isto é, o conjunto de normas e princípios de Direito, ordenado em função de um ou mais pontos de vista, que aquele postula, iluminado pela ideia central do respeito pela boa-fé (Menezes Cordeiro, obra citada, páginas 400 e 401, 402 a 407). Ora, analisada a posição da R. adotada nesta ação, não se vislumbra que a mesma justifique qualquer juízo de desvalor ético-jurídico que determine a paralisação da sua defesa e, ainda menos, a procedência da pretensão dos AA.. Note-se que, para sustentar a argumentação do abuso de direito, os AA. reafirmam o alegado na apelação acerca da contratação de um seguro que cobriria o valor do empréstimo em dívida no caso de perda total da casa adquirida e a falta de comunicação das cláusulas contratuais pela R., com o consequente erro dos AA. acerca do contratado. Ora, nada do aqui alegado se mostra comprovado, nem era, aliás, cognoscível, pelas razões aduzidas quanto à delimitação da causa de pedir fundamentadora da ação. A apelação falece, também nesta vertente. DECISÃO Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida. As custas da apelação são a cargo dos apelantes, por nela terem decaído, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam. Lisboa, 28.4.2016 _____________________ Jorge Leal _____________________ Ondina Carmo Alves _____________________ Lúcia Sousa