I-Como já se tem entendido na jurisprudência dos tribunais superiores, “descortinando-se irregularidade, insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização de certos factos necessários à procedência da acção, tal será sempre sanável através do convite ao aperfeiçoamento”. II-A omissão desse convite, passível, como é, de influir na decisão da causa, gera nulidade (artigo 195/1 CPC) arguível por via de recurso da sentença que deu os factos alegados como provados face à ausência de contestação e acabou por julgar a causa improcedente com base na insuficiência de causa de pedir (Sumário elaborado pela Relatora)
Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa. I.Relatório: 1.-Pretensão sob recurso: revogação da decisão recorrida, 1.1.-Pedido: condenação da R. a pagar ao A. a quantia que vier a apurar-se em execução de sentença resultante dos pagamentos que o A. efectuou por conta dos dois empréstimos concedidos à R., a título de ressarcimento do enriquecimento sem causa que obteve à custa do A.. O A. alega, em síntese, que lhe assiste o direito à restituição da quantia que entregou à R., de Maio de 2005 a Julho de 2015, para amortização dos empréstimos bancários que aquela contraiu para aquisição de bem próprio (imóvel), dado, que durante esse período, viveu em união de facto com ela e, entretanto, essa relação terminou. Entende, o A., que o fim da união de facto que teve com a R. determinou o enriquecimento desta à custa daquelas deslocações patrimoniais, sem causa justificativa, devendo, por isso, ser determinada a restituição das mesmas, com fundamento nos arts.º 473.º e seguintes do Código Civil. Citada, a R. não contestou. De harmonia com o disposto no artigo 567.º do Código de Processo Civil, o Tribunal a quo considerou assentes os factos alegados na petição inicial, com excepção daqueles que apenas por prova documental pudessem ser provados, tendo dado cumprimento ao disposto no art.º 567.º, n.º 2, do CPC. Foi proferida decisão do seguinte teor: “Em face do exposto, julga-se improcedente, por não provada a presente acção declarativa de condenação com forma de processo comum e, em consequência, absolve-se AP do pedido formulado por PM, na presente acção. (…)”. 1.2.-Inconformado, o A. apelou, rematando a minuta com as seguintes conclusões: 1.-Tendo ficado provado que foi sempre o recorrente que, através dos rendimentos do seu trabalho, suportou e pagou as despesas resultantes dos dois empréstimos contraídos pela recorrida para a compra da fracção e que, finda essa união, a mesma ficou com a casa, logo se terá de concluir que a recorrida ficou enriquecida; 2.-Se é certo que os montantes suportados pelo recorrente no sustento e demais encargos do seu agregado familiar não são restituíveis por se enquadrarem no âmbito do seu contributo para a vida em família com a recorrida, do mesmo modo, o trabalho doméstico por esta prestado deve ser considerado como a sua contribuição para essa comunhão de vida; 3.-Assim sendo, ambas as prestações (e não só a do recorrente), devem ser entendidas como cumprimento espontâneo de uma obrigação natural e, por isso, insusceptível de ser repetido (artºs 402º e 403º CC). 4.-Já o mesmo não se pode dizer dos montantes que o recorrente sempre suportou com a compra da fracção. Na verdade, o mesmo só efectuou tais dispêndios na convicção de que a união de facto não teria fim e que, por isso, também iria usufruir de todo esse património. 5.-Deste modo, logo se terá de concluir que ao pagar sempre e sozinho todas aquelas despesas na aquisição da fracção (que no fim da união, e desde o seu começo, ficou pertença exclusiva da requerida), o mesmo ficou efectivamente empobrecido, na mesma proporção em que ela ficou enriquecida. 6.-E, tal como ficou dito, o recorrente gastou todo aquele dinheiro na medida em que estava convencido de que ao investir na união também estava a tratar da sua própria vida, bem estar e património pessoal, a partir do momento em cessou a união, aquela deslocação patrimonial deixou de fazer qualquer sentido, isto é, deixou de ter causa justificativa. 7.-Assim sendo, ao contrário do que entendeu a douta decisão em crise, mostram-se preenchidos todos os pressupostos de que o artº 473º do CC faz depender a existência e aplicação do instituto do enriquecimento sem causa. 8.-Ao entender de outra forma, a douta decisão violou, por errada interpretação, tal norma legal. 9.-O CPC actualmente em vigor privilegia o mérito e a substância sobre a forma e reforça os poderes de direcção, agilização e adequação processual do juiz no sentido da obtenção da verdade material e da prossecução de uma justiça efectiva. 10.-No âmbito desse reforço de poderes e, ao entender que a matéria de facto alegada pelo recorrente se mostrava insuficiente para fazer vingar a sua pretensão, nada proibia que a Mª juíza endereçasse ao recorrente o convite para aperfeiçoar, completar e concretizar a sua P.I., caso o julgasse necessário. 11.-Sendo que, ao não utilizar nenhum daqueles poderes/deveres, a MMª juíza cometeu uma nulidade processual que aqui expressamente se invoca; 12.-E deste modo, violou os nºs 3 e 4 do artigo 590º do CPC. 13.-Ao ficar consignado na sentença que o A. não alegou quaisquer factos que permitam integrar a conclusão de que suportou e pagou as despesas resultantes desses dois empréstimos e, resultando o contrário dos factos provados nºs º e 15º, a mesma manifesta evidente contradição e, deste modo, viola a al. c) do nº 1 do artigo 615º do CPC. 14.-O recorrente solicitou que o Tribunal notificasse o banco Santander Totta para que este juntasse aos autos documento discriminativo do valor que foi retirado da conta referida para pagamento dos empréstimos concedidos à recorrida no período decorrido entre Maio de 2005 e Julho de 2015, alegando dificuldades na sua obtenção. 15.-A douta decisão proferida entendeu indeferir o requerido por não ser necessário à decisão do mérito da causa. 16.-Todavia, o nº 4 do artigo 7º do CPC determina que o juiz, nestes casos, deve providenciar pela remoção do obstáculo e, não o tendo feito a sentença violou a al. c) do nº 1 do artigo 615 do CPC; 17.-A sentença violou, por outro lado, os artigos 154º e 607º nºs 3 e 4 do CPC. 1.3.-Como é sabido, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes, importando, assim, decidir as questões nelas colocadas e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuando-se aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do art.º 608.º do CPC. Assim, considerando as conclusões do apelante, as questões essenciais a decidir no âmbito do presente recurso, consistem em saber se: (i) foi cometida nulidade por omissão do despacho de aperfeiçoamento e se (ii) se verificam os pressupostos do enriquecimento sem causa. II.-Fundamentação. II.1.-Dos Factos Além do que consta do precedente relatório, importa considerar que, em primeira instância, foram dados como provados os seguintes factos: 1.-O autor e a ré viveram em união de facto durante cerca de dezasseis anos. 2.-Essa união de facto cessou há cerca de seis meses, contados [com referência à data] da propositura da acção[1]. 3.-Dessa relação nasceram duas filhas de ambos. 4.-A ruptura da união de facto obrigou o autor a ter de arrendar uma fracção na morada constante no relatório da sentença. 5.-Em 29 de Abril de 1999 por documento escrito a ré adquiriu a JB e mulher, por catorze milhões de escudos, a fracção autónoma designada pela letra .. que corresponde ao segundo andar direito do prédio sito na Rua do C…, e …, números um, três, cinco e sete, em …, L…, ,,,, descrito na Conservatória de … sob o n.º …. 6.-A ré efectuou a aquisição com recurso ao crédito para habitação mediante um empréstimo concedido pelo então Crédito Predial Português. 7.-No dia 29.04.1999 entre a ré e o Crédito Predial Português foi celebrado o contrato n.º … (com hipoteca e fiança), por via do qual o Crédito Predial concedeu à ré um empréstimo de catorze milhões de escudos. 8.-O autor outorgou na qualidade de fiador. 9.-Nesse mesmo dia, entre os contraentes acima referidos foi ainda celebrado o contrato n.º … (com hipoteca e fiança), por via do qual a ré contraiu um empréstimo de dois milhões de escudos, tendo aí sido consignado que o autor outorgou na qualidade de fiador. 10.-Foi sempre o autor que através dos rendimentos do seu trabalho suportou e pagou as despesas resultantes desses dois empréstimos. 11.-Desde Maio de 1005 até Julho de 2015 a entidade patronal do autor procedeu mensalmente e por transferência bancária ao pagamento do salário do mesmo para o NIB …. 12.-Conta essa de que é titular a ré. 13.-E da qual saíam todos os meses, os valores para o pagamento dos empréstimos referidos em 7 e 9. 14.-Conta essa sobre a qual o ora autor não tinha, nem tem, qualquer controle, na medida em que nunca lhe foram enviados quaisquer extractos ou comprovativos de pagamento. 15.-O autor desconhece quanto foi já pago, por ele, por conta de tais empréstimos e em benefício da ora ré, desde Maio de 2005 até Julho de 2015. II.2.-Apreciação jurídica II.2.1.-O A. – invocando a sua qualidade de ex-cônjuge unido de facto, que contribuiu para a o pagamento da compra do imóvel onde habitou na companhia da R. (e de suas filhas) – pretende prevalecer-se do instituto do enriquecimento sem causa. Uma vez que este instituto supõe a prova dos seus elementos constitutivos, há que, antes de mais ter em atenção o art. 473º do Código Civil que explicita: 1.-Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”. 2.-A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa tem por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou. Embora sem unanimidade, a Jurisprudência tem assumido que “o convivente em união de facto, que se considere empobrecido relativamente aos bens em cuja aquisição participou, tem o direito de pedir, em acção declarativa, que o outro convivente seja condenado a reembolsá-lo, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa”[2]. Na sentença recorrida entendeu-se, e bem, que no presente caso - em que vem alegado pelo A. ter o mesmo contribuído, em exclusivo, para o pagamento das prestações para amortização do empréstimos bancários, contraídos pela R. no contexto de aquisição de habitação própria e no âmbito dos quais o A. figurou como fiador -, foi no imóvel em questão que “o autor, e não apenas a R., residiu […] enquanto a união de facto subsistiu; este facto há-de ser necessariamente “contabilizado”, quando está em questão apurar a existência e a medida de um alegado enriquecimento […]. […] tem ainda de tomar-se em consideração como foram “distribuídas” as tarefas do casal unido-de-facto durante os dezasseis anos consecutivos da união de facto”. Na realidade não se sabe se o valor pago para amortização dos empréstimos era ou não o único contributo do A. para a economia doméstica, incluindo para o sustento (lato sensu) das filhas menores que alega ter tido da relação com a R. e se tal ocorria segundo o equilíbrio entre as possibilidades económicas de ambos os conviventes. Ora a sentença notou apenas a omissão da P.I. quanto a parte dos assinalados factos, tendo baseado nisso a improcedência da acção, o que levou a que o A. tenha suscitado a questão da nulidade por omissão de despacho de aperfeiçoamento. Entende-se que lhe assiste inteira razão. Com efeito, tal como se reconheceu no Ac. RL de 29-11-2011, a Revisão do CPC 95/96 veio contrapor ao mero dever de colaboração das partes (artigo 266.º) um reforçado princípio de cooperação judiciária que, nos termos do actual artigo 266.º, n.º 1 e 2, inclui, além daquele dever de colaboração, também o poder-dever de o tribunal providenciar pelo suprimento das insuficiências alegatórias que possam comprometer a justa composição do litígio. E […] nesta linha, o poder atribuído ao juiz pelo n.º 3 do artigo 508.º não parece que deva ser configurado com uma mera faculdade puramente discricionária, mas antes como um poder-dever a ser exercido de forma prudente, com equilíbrio, no respeito pelo tratamento igual das partes, com vista à obtenção de uma tutela efectiva, o que não se compadece com uma intervenção de índole meramente subjectiva e aleatória[3]. E no mesmo sentido se pronunciou o Ac. RL de 16.04.2013, ao afirmar que: Descortinando-se irregularidade, insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização de certos factos necessários à procedência da acção, tal será sempre sanável através do convite ao aperfeiçoamento, nos termos do art. 508, nºs 2 e 3, do C.P.C.[4]. Ora tal omissão, passível como é de influir na decisão da causa, gera nulidade (artigo 195/1 CPC) arguível por via de recurso da sentença que, sentença que deu os factos alegados como provados face à ausência de contestação e acabou por julgar a causa improcedente com base na insuficiência de causa de pedir. II.2.2.-Ficam prejudicadas as demais questões colocadas, incluindo a pretensão de junção de documentos. III.-Decisão: Pelo exposto e decidindo, de harmonia com as disposições legais citadas, concedendo provimento à apelação, anula-se o processado que não possa aproveitar-se, incluindo determina-se que seja proferido despacho de aperfeiçoamento da P.I. com a indicação dos factos que se entendam pertinentes, para além dos supra indicados, em ordem a viabilizar a decisão de mérito. Custas pelo vencido a final. Tenha em atenção que, entretanto, foi nomeada patrona oficiosa à R. Lisboa, 14 de março de 2017 Maria Amélia Ribeiro Graça Amaral Dina Monteiro [1]Introduzindo-se aqui mera correcção de índole formal. [2]Ac. RL de 28.04.2016, relatado pela Exmª Desembargadora Maria de Deus Correia. [3]Relatado pelo, então, Exmº Desembargador Tomé Gomes. [4]Relatado pela Exmª Desembargadora Conceição Saavedra.
Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa. I.Relatório: 1.-Pretensão sob recurso: revogação da decisão recorrida, 1.1.-Pedido: condenação da R. a pagar ao A. a quantia que vier a apurar-se em execução de sentença resultante dos pagamentos que o A. efectuou por conta dos dois empréstimos concedidos à R., a título de ressarcimento do enriquecimento sem causa que obteve à custa do A.. O A. alega, em síntese, que lhe assiste o direito à restituição da quantia que entregou à R., de Maio de 2005 a Julho de 2015, para amortização dos empréstimos bancários que aquela contraiu para aquisição de bem próprio (imóvel), dado, que durante esse período, viveu em união de facto com ela e, entretanto, essa relação terminou. Entende, o A., que o fim da união de facto que teve com a R. determinou o enriquecimento desta à custa daquelas deslocações patrimoniais, sem causa justificativa, devendo, por isso, ser determinada a restituição das mesmas, com fundamento nos arts.º 473.º e seguintes do Código Civil. Citada, a R. não contestou. De harmonia com o disposto no artigo 567.º do Código de Processo Civil, o Tribunal a quo considerou assentes os factos alegados na petição inicial, com excepção daqueles que apenas por prova documental pudessem ser provados, tendo dado cumprimento ao disposto no art.º 567.º, n.º 2, do CPC. Foi proferida decisão do seguinte teor: “Em face do exposto, julga-se improcedente, por não provada a presente acção declarativa de condenação com forma de processo comum e, em consequência, absolve-se AP do pedido formulado por PM, na presente acção. (…)”. 1.2.-Inconformado, o A. apelou, rematando a minuta com as seguintes conclusões: 1.-Tendo ficado provado que foi sempre o recorrente que, através dos rendimentos do seu trabalho, suportou e pagou as despesas resultantes dos dois empréstimos contraídos pela recorrida para a compra da fracção e que, finda essa união, a mesma ficou com a casa, logo se terá de concluir que a recorrida ficou enriquecida; 2.-Se é certo que os montantes suportados pelo recorrente no sustento e demais encargos do seu agregado familiar não são restituíveis por se enquadrarem no âmbito do seu contributo para a vida em família com a recorrida, do mesmo modo, o trabalho doméstico por esta prestado deve ser considerado como a sua contribuição para essa comunhão de vida; 3.-Assim sendo, ambas as prestações (e não só a do recorrente), devem ser entendidas como cumprimento espontâneo de uma obrigação natural e, por isso, insusceptível de ser repetido (artºs 402º e 403º CC). 4.-Já o mesmo não se pode dizer dos montantes que o recorrente sempre suportou com a compra da fracção. Na verdade, o mesmo só efectuou tais dispêndios na convicção de que a união de facto não teria fim e que, por isso, também iria usufruir de todo esse património. 5.-Deste modo, logo se terá de concluir que ao pagar sempre e sozinho todas aquelas despesas na aquisição da fracção (que no fim da união, e desde o seu começo, ficou pertença exclusiva da requerida), o mesmo ficou efectivamente empobrecido, na mesma proporção em que ela ficou enriquecida. 6.-E, tal como ficou dito, o recorrente gastou todo aquele dinheiro na medida em que estava convencido de que ao investir na união também estava a tratar da sua própria vida, bem estar e património pessoal, a partir do momento em cessou a união, aquela deslocação patrimonial deixou de fazer qualquer sentido, isto é, deixou de ter causa justificativa. 7.-Assim sendo, ao contrário do que entendeu a douta decisão em crise, mostram-se preenchidos todos os pressupostos de que o artº 473º do CC faz depender a existência e aplicação do instituto do enriquecimento sem causa. 8.-Ao entender de outra forma, a douta decisão violou, por errada interpretação, tal norma legal. 9.-O CPC actualmente em vigor privilegia o mérito e a substância sobre a forma e reforça os poderes de direcção, agilização e adequação processual do juiz no sentido da obtenção da verdade material e da prossecução de uma justiça efectiva. 10.-No âmbito desse reforço de poderes e, ao entender que a matéria de facto alegada pelo recorrente se mostrava insuficiente para fazer vingar a sua pretensão, nada proibia que a Mª juíza endereçasse ao recorrente o convite para aperfeiçoar, completar e concretizar a sua P.I., caso o julgasse necessário. 11.-Sendo que, ao não utilizar nenhum daqueles poderes/deveres, a MMª juíza cometeu uma nulidade processual que aqui expressamente se invoca; 12.-E deste modo, violou os nºs 3 e 4 do artigo 590º do CPC. 13.-Ao ficar consignado na sentença que o A. não alegou quaisquer factos que permitam integrar a conclusão de que suportou e pagou as despesas resultantes desses dois empréstimos e, resultando o contrário dos factos provados nºs º e 15º, a mesma manifesta evidente contradição e, deste modo, viola a al. c) do nº 1 do artigo 615º do CPC. 14.-O recorrente solicitou que o Tribunal notificasse o banco Santander Totta para que este juntasse aos autos documento discriminativo do valor que foi retirado da conta referida para pagamento dos empréstimos concedidos à recorrida no período decorrido entre Maio de 2005 e Julho de 2015, alegando dificuldades na sua obtenção. 15.-A douta decisão proferida entendeu indeferir o requerido por não ser necessário à decisão do mérito da causa. 16.-Todavia, o nº 4 do artigo 7º do CPC determina que o juiz, nestes casos, deve providenciar pela remoção do obstáculo e, não o tendo feito a sentença violou a al. c) do nº 1 do artigo 615 do CPC; 17.-A sentença violou, por outro lado, os artigos 154º e 607º nºs 3 e 4 do CPC. 1.3.-Como é sabido, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes, importando, assim, decidir as questões nelas colocadas e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuando-se aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do art.º 608.º do CPC. Assim, considerando as conclusões do apelante, as questões essenciais a decidir no âmbito do presente recurso, consistem em saber se: (i) foi cometida nulidade por omissão do despacho de aperfeiçoamento e se (ii) se verificam os pressupostos do enriquecimento sem causa. II.-Fundamentação. II.1.-Dos Factos Além do que consta do precedente relatório, importa considerar que, em primeira instância, foram dados como provados os seguintes factos: 1.-O autor e a ré viveram em união de facto durante cerca de dezasseis anos. 2.-Essa união de facto cessou há cerca de seis meses, contados [com referência à data] da propositura da acção[1]. 3.-Dessa relação nasceram duas filhas de ambos. 4.-A ruptura da união de facto obrigou o autor a ter de arrendar uma fracção na morada constante no relatório da sentença. 5.-Em 29 de Abril de 1999 por documento escrito a ré adquiriu a JB e mulher, por catorze milhões de escudos, a fracção autónoma designada pela letra .. que corresponde ao segundo andar direito do prédio sito na Rua do C…, e …, números um, três, cinco e sete, em …, L…, ,,,, descrito na Conservatória de … sob o n.º …. 6.-A ré efectuou a aquisição com recurso ao crédito para habitação mediante um empréstimo concedido pelo então Crédito Predial Português. 7.-No dia 29.04.1999 entre a ré e o Crédito Predial Português foi celebrado o contrato n.º … (com hipoteca e fiança), por via do qual o Crédito Predial concedeu à ré um empréstimo de catorze milhões de escudos. 8.-O autor outorgou na qualidade de fiador. 9.-Nesse mesmo dia, entre os contraentes acima referidos foi ainda celebrado o contrato n.º … (com hipoteca e fiança), por via do qual a ré contraiu um empréstimo de dois milhões de escudos, tendo aí sido consignado que o autor outorgou na qualidade de fiador. 10.-Foi sempre o autor que através dos rendimentos do seu trabalho suportou e pagou as despesas resultantes desses dois empréstimos. 11.-Desde Maio de 1005 até Julho de 2015 a entidade patronal do autor procedeu mensalmente e por transferência bancária ao pagamento do salário do mesmo para o NIB …. 12.-Conta essa de que é titular a ré. 13.-E da qual saíam todos os meses, os valores para o pagamento dos empréstimos referidos em 7 e 9. 14.-Conta essa sobre a qual o ora autor não tinha, nem tem, qualquer controle, na medida em que nunca lhe foram enviados quaisquer extractos ou comprovativos de pagamento. 15.-O autor desconhece quanto foi já pago, por ele, por conta de tais empréstimos e em benefício da ora ré, desde Maio de 2005 até Julho de 2015. II.2.-Apreciação jurídica II.2.1.-O A. – invocando a sua qualidade de ex-cônjuge unido de facto, que contribuiu para a o pagamento da compra do imóvel onde habitou na companhia da R. (e de suas filhas) – pretende prevalecer-se do instituto do enriquecimento sem causa. Uma vez que este instituto supõe a prova dos seus elementos constitutivos, há que, antes de mais ter em atenção o art. 473º do Código Civil que explicita: 1.-Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”. 2.-A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa tem por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou. Embora sem unanimidade, a Jurisprudência tem assumido que “o convivente em união de facto, que se considere empobrecido relativamente aos bens em cuja aquisição participou, tem o direito de pedir, em acção declarativa, que o outro convivente seja condenado a reembolsá-lo, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa”[2]. Na sentença recorrida entendeu-se, e bem, que no presente caso - em que vem alegado pelo A. ter o mesmo contribuído, em exclusivo, para o pagamento das prestações para amortização do empréstimos bancários, contraídos pela R. no contexto de aquisição de habitação própria e no âmbito dos quais o A. figurou como fiador -, foi no imóvel em questão que “o autor, e não apenas a R., residiu […] enquanto a união de facto subsistiu; este facto há-de ser necessariamente “contabilizado”, quando está em questão apurar a existência e a medida de um alegado enriquecimento […]. […] tem ainda de tomar-se em consideração como foram “distribuídas” as tarefas do casal unido-de-facto durante os dezasseis anos consecutivos da união de facto”. Na realidade não se sabe se o valor pago para amortização dos empréstimos era ou não o único contributo do A. para a economia doméstica, incluindo para o sustento (lato sensu) das filhas menores que alega ter tido da relação com a R. e se tal ocorria segundo o equilíbrio entre as possibilidades económicas de ambos os conviventes. Ora a sentença notou apenas a omissão da P.I. quanto a parte dos assinalados factos, tendo baseado nisso a improcedência da acção, o que levou a que o A. tenha suscitado a questão da nulidade por omissão de despacho de aperfeiçoamento. Entende-se que lhe assiste inteira razão. Com efeito, tal como se reconheceu no Ac. RL de 29-11-2011, a Revisão do CPC 95/96 veio contrapor ao mero dever de colaboração das partes (artigo 266.º) um reforçado princípio de cooperação judiciária que, nos termos do actual artigo 266.º, n.º 1 e 2, inclui, além daquele dever de colaboração, também o poder-dever de o tribunal providenciar pelo suprimento das insuficiências alegatórias que possam comprometer a justa composição do litígio. E […] nesta linha, o poder atribuído ao juiz pelo n.º 3 do artigo 508.º não parece que deva ser configurado com uma mera faculdade puramente discricionária, mas antes como um poder-dever a ser exercido de forma prudente, com equilíbrio, no respeito pelo tratamento igual das partes, com vista à obtenção de uma tutela efectiva, o que não se compadece com uma intervenção de índole meramente subjectiva e aleatória[3]. E no mesmo sentido se pronunciou o Ac. RL de 16.04.2013, ao afirmar que: Descortinando-se irregularidade, insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização de certos factos necessários à procedência da acção, tal será sempre sanável através do convite ao aperfeiçoamento, nos termos do art. 508, nºs 2 e 3, do C.P.C.[4]. Ora tal omissão, passível como é de influir na decisão da causa, gera nulidade (artigo 195/1 CPC) arguível por via de recurso da sentença que, sentença que deu os factos alegados como provados face à ausência de contestação e acabou por julgar a causa improcedente com base na insuficiência de causa de pedir. II.2.2.-Ficam prejudicadas as demais questões colocadas, incluindo a pretensão de junção de documentos. III.-Decisão: Pelo exposto e decidindo, de harmonia com as disposições legais citadas, concedendo provimento à apelação, anula-se o processado que não possa aproveitar-se, incluindo determina-se que seja proferido despacho de aperfeiçoamento da P.I. com a indicação dos factos que se entendam pertinentes, para além dos supra indicados, em ordem a viabilizar a decisão de mérito. Custas pelo vencido a final. Tenha em atenção que, entretanto, foi nomeada patrona oficiosa à R. Lisboa, 14 de março de 2017 Maria Amélia Ribeiro Graça Amaral Dina Monteiro [1]Introduzindo-se aqui mera correcção de índole formal. [2]Ac. RL de 28.04.2016, relatado pela Exmª Desembargadora Maria de Deus Correia. [3]Relatado pelo, então, Exmº Desembargador Tomé Gomes. [4]Relatado pela Exmª Desembargadora Conceição Saavedra.