I - Estando em causa um crime de furto simples, sendo crime semipúblico, o respectivo procedimento criminal depende de queixa. II – Sendo o objecto do furto bens de uma herança indivisa, a queixa de que depende o procedimento criminal há-de ser apresentada por todos os herdeiros.
Acordam em Conferência no Tribunal da Relação de Lisboa Por sentença proferida nos autos supra identificados, a Mma Juíza convolando o crime de furto qualificado na forma tentada, p.p. pelos artigos 203º 1, 204º. 1 al f) e nº 2, todos do Código para o crime de furto simples, na forma tentada, absolveu os arguidos pela prática do crime de furto simples na forma tentada, p.p. pelo artigo 203º1 do Código Penal, por entender que faltava legitimidade do MP para exercer a acção penal. Inconformado, recorre o MP. Das motivações extrai as seguintes conclusões: «1 . 1 . Por sentença proferida nos autos supra identificados, o Mmo. convolando o crime de furto qualificado na forma tentada, p.p. pelos artigos 203º.1, 204º. 1 al.f) e nº.2, todos do Código para o crime de furto simples, na forma tentada, a Mma Juiz absolveu os arguidos pela prática do crime de furto simples na forma tentada, p.p. pelo artigo 203º1 do Código Penal, por entender que faltava legitimidade do MP para exercer a acção penal. 2. Dos factos dados como provados: Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos com relevo para a boa decisão da causa: No dia 24 de Junho de 2015, pelas 11:45, os arguidos … e …, em comunhão de esforços entre si, deslocaram-se ao terreno agrícola situado no Caminho do Vulcão, s/n, na freguesia de Santa Bárbara, no concelho da Ribeira Grande, parte integrante da herança de…, cujo cabeça-de-casal é…, com o intuito de ali se introduzirem e de, assim, se apoderarem de objectos de valor que lá encontrassem. Assim, naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, os arguidos, em comunhão de esforços entre si e de modo não concretamente apurado, introduziram-se no sobredito terreno agrícola, vedado e delimitado em todo o seu perímetro. Uma vez no seu interior, os arguidos, munidos de uma catana, com cabo de plástico, de cor preta, com 13 cm de comprimento, sendo 7 cm de lâmina, e de um machado, com cabo de madeira, com 75 cm de comprimento, sendo 20 cm de lâmina, cortaram os troncos de oito árvores de acácia em diversos toros, no valor global de pelo menos 50,00 € (cinquenta euros). Em acto contínuo, os arguidos, munidos de uma corda, com 7 cm de comprimento, de uma corda, com 3 cm de comprimento, e de um cabo de aço, com 8,5 cm de comprimento, aprestaram-se a carregar os referidos toros de madeira para uma carroça de ferro, destinada ao transporte dos mencionados toros de madeira. Não obstante, os arguidos não lograram apoderar-se dos mencionados toros de madeira nem abandonar o referido terreno agrícola na posse dos mesmos, que cortaram com essa finalidade, porquanto foram surpreendidos, no local, por…. Os arguidos actuaram da forma supra descrita, em conjugação de esforços entre si, com o objectivo, não concretizado, de se apoderarem e de fazerem seus os referidos objectos, o que não conseguiram por motivos alheios às suas vontades, bem sabendo que as mencionadas árvores e os toros em que cortaram os respectivos troncos não lhes pertenciam e que, ao fazê-lo, actuavam contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo proprietário, mais sabendo, ambos, que não tinham autorização para entrar no sobredito terreno agrícola. Agiram, ambos, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei como crime. 3. A Mma Juiz, entendeu faltar legitimidade do Ministério Público para deduzir acusação, com a seguinte fundamentação: A queixa, nos crimes semipúblicos e nos crimes particulares, e, também, a acusação particular nos segundos, apesar de terem assento no Código Penal, são pressupostos processuais ou condições de procedibilidade, sem as quais o Ministério Público carece de legitimidade para promover o procedimento criminal (cfr. artigos 48.º, 49.º e 50.º do Código Processo Penal). Transpondo estas considerações para o caso concreto, os factos considerados provados, tal como resultam elencados na respectiva matéria de facto provada, apenas são susceptíveis de integrar a prática, pelos arguidos, em coautoria material, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo disposto no artigo 203º, 1, do Código Penal. Este crime tem a natureza de crime semipúblico (cfr. nº 3 do mesmo artigo). Por conseguinte, os presentes autos corporizam um procedimento criminal, cuja validade está dependente de queixa e de uma queixa validamente apresentada. No caso de inexistência desta, competia ao Ministério Público arquivar os autos na fase de inquérito (artigo 277º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), por ocorrer uma causa de inadmissibilidade legal do procedimento, por ilegitimidade do Ministério Público e, por conseguinte, compete agora a este tribunal conhecer de tal ilegitimidade. ln casu mostra-se documentada nos autos o exercício tempestivo do direito de queixa por parte de…, filho do falecido…, mas que não é nem era, à data dos factos, o cabeça-de-casal da herança daquele. Verificou-se da prova produzida como aliás consta de fls. 180, que o cabeça-de-casal da herança de … é…, o qual não formulou qualquer queixa nos presentes autos. Dispõe o artigo 113.º, n.º 1, do Código Penal, sob a epígrafe "titulares do direito de queixa" que "Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresenta-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação." No caso dos autos, tendo em vista que com a incriminação do furto se quis proteger o património - e considerando que não se suscitam questões referentes à utilização dos bens a qualquer outro título que não a propriedade (ou seja, a queixosa não é arrendatária, comodatária, usufrutuária, etc) é inequívoco que o direito de queixa pertencia, exclusivamente, ao cabeça-de-casal. Terá assim que considerar-se que a queixa nos presentes autos apresentada, não adveio do titular do direito de queixa, e, por conseguinte, esta não poderá considerar-se validamente apresentada. 4. Se nada temos a opor quanto à convolação do crime de furto qualificado na forma tentada para o crime de furto simples, também na forma tentada, não podemos concordar com o tribunal que relativamente ao crime de furto simples decidiu não ter o MP legitimidade para exercer a acção penal. Salvo o devido respeito, a Mma Juiz lavrou em erro. Como se decidiu no Ac.TRE ( processo 90/13.6TASRP.E.1, datado de 26/4/2016), aqui seguido muito de perto por ser esclarecedor. Na verdade, tal decisão que não atenta, devidamente, ao conteúdo das normas e dos princípios do direito civil (substantivo) aplicáveis ao caso, e confunde a personalidade e a capacidade judiciárias da herança indivisa (representada pelo cabeça-de-casal) - em processo civil - com a legitimidade de um co-herdeiro para apresentar em processos que visem crimes praticados contra os bens da herança. Estamos, como é pacífico nos autos, perante uma herança indivisa, isto é, uma herança aceite pelos vários herdeiros a ela chamados mas ainda não partilhada entre eles. Desde a aceitação até à partilha da herança, esta mantém-se num estado de indivisão. 5. Nesse ínterim, a administração ordinária da herança e as obrigações judiciais, fiscais e administrativas ligadas à universalidade da herança cabem, como é sabido, ao cabeça-de-casal. Contudo, os atos de alienação ou oneração dos bens da herança só podem ser praticados (cfr. o disposto no artigo 2091º do Código Civil) por todos os herdeiros (por exemplo, a venda de um bem hereditário) ou contra todos os herdeiros (por exemplo, a constituição de uma servidão sobre um bem hereditário), uma vez que, enquanto dura a indivisão, os herdeiros têm um direito sobre a universalidade da herança. 6. A herança indivisa é uma universalidade jurídica que integra um autêntico património autónomo, na medida em que pelos encargos da herança respondem em conjunto todos os bens da herança indivisa e apenas tais bens (cfr. artigos 2097º e 2071º do Código Civil). Após a partilha da herança, esta desaparece como património autónomo, uma vez que os bens que a constituem transitam para a propriedade exclusiva dos respetivos herdeiros, passando estes a ter um poder de disposição plena sobre os bens hereditários que integram o respetivo quinhão e podendo os seus credores pessoais executar diretamente tais bens. 7. É evidente que, como bem se escreve no Ac. do S.T.J. de 17-04-1980 (in BMJ 295-298), o “domínio e posse sobre os bens em concreto da herança só se efetivam após a realização da partilha. Até aí, a contitularidade do direito à herança significa direito a uma parte ideal, não de cada um dos bens que compõem a herança”. 8. Só que, se é assim, como é, cada um dos herdeiros, mesmo na indivisão, goza de um direito sobre a totalidade dos bens (é contitular deles). Aberta a herança, e uma vez aceite a mesma, os herdeiros passam a ser titulares dos bens, não como donos de cada um deles em concreto, mas sim como donos da universalidade jurídica constituída por todos eles. Estando os herdeiros determinados, com estão no caso posto nestes autos, e apesar da herança ainda não estar partilhada, os mesmos são os representantes da herança para os fins em análise, não só porque tal qualidade lhes é conferida pelo disposto no artigo 2091º do Código Civil, como também porque, estando a ser cometido um crime contra o património indiviso, qualquer um dos herdeiros (cotitular desse património) é diretamente prejudicado pelo crime em causa, pois os seus bens (ainda que indivisos, ainda que mera universalidade jurídica) estão a ser danificados ou destruídos. 9. A herança é uma universitas juris com determinada afetação de bens, e os herdeiros, enquanto se não fizer a partilha, são titulares de um direito (indiviso, obviamente) sobre esses bens. 10. Assim sendo, estando alguém a destruir ou danificar ou a apoderar-se desses mesmos bens ou parte deles, é absurdo, salvo o devido respeito, afirmar-se que um dos co-herdeiros não se pode queixar no respectivo processo-crime, por não ser ofendido, isto é, na expressão constante do artigo 68º, nº 1, al. a), do C. P. Penal, não ser titular “dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação”. 11. Antes da partilha da herança, os herdeiros são titulares, em comunhão, do património constituído por todos os bens hereditários. Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos (cfr., a este propósito, o disposto no artigo 2119º do Código Civil). 12. Tudo se passa, pois, como se os herdeiros tivessem o domínio e a posse dos bens (que, em concreto, lhes foram atribuídos na partilha) desde o momento em que se abre a sucessão. E isto, como bem refere Rabindranath Capelo de Sousa (in “Lições de Direito das Sucessões”, Coimbra Editora, 1978, Vol. I, pág. 186), “para evitar qualquer hiato jurídico, no que respeita à titularidade dos bens que são objeto da sucessão, desde o momento factual em que o autor da sucessão com a sua morte perdeu a titularidade desses bens e o momento factual em que os definitivos herdeiros e legatários passaram a poder exercer os direitos e deveres relativos ao objeto sucessório”. 13. Neste sentido, e com o supra referido alcance, os herdeiros são titulares dos bens da herança, ainda que esta esteja indivisa, e, por isso, sendo o objeto do furto, na versão do queixoso, bens da herança de que também é herdeiro é evidente o interesse do queixoso, como herdeiro, em agir nos presentes autos. 14. Entender-se agora que o Ministério publico não tem legitimidade para exercer a acção penal quando a queixa foi apresentada por um herdeiros, é, salvo melhor opinião, erróneo e até absurdo, uma vez que bens do queixoso, o património deste (nos termos acima explanados), terão sido objeto desse mesmo crime. 15. Ao decidir do modo que decidiu, a sentença violou o disposto nos artigos a sentença violou o disposto nos artigos 113º1 e 203º. 1 do CP. e os artigos 48.º, 49.º e 50.º do Código Processo Penal). * Nestes termos e nos melhores de direito que Vexa doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado condenando-se os arguidos, tendo em conta a matéria dada como provada., pela prática do crime de furto simples na forma tentada, p.p. pelo artigo 203º1 do CP.» … , arguida nos autos responde, concluindo pela improcedência do recurso, escudando-se nos argumentos da sentença recorrida. … , arguido, responde concluindo pela improcedência do recurso, tal como a arguida. Neste Tribunal da Relação a Exma. PGA acompanha a recorrente. Colhidos os vistos e realizada a Conferência cumpre apreciar e decidir. Está em causa no presente recurso uma simples questão de direito, isto é, cumpre apreciar e decidir se assiste (ou não) legitimidade ao M.P. para exercer a acção penal quando a queixa foi apresentada por um dos herdeiros da herança indivisa objecto do furto. É do seguinte teor a sentença recorrida: «I – RELATÓRIO: Em processo comum e com intervenção de Tribunal Singular, o Ministério Público deduziu acusação, requerendo o julgamento de … , solteira, nascida a 24/06/1994, filha de … e de… , natural da freguesia da Ribeira Seca, concelho de Ribeira Grande, estudante, titular do Bilhete de Identidade n.º… , residente na… , Ribeira Seca, Ribeira Grande; e … , divorciado, nascido a 20/05/1981, filho de … e de… , natural da freguesia de São José, concelho de Ponta Delgada, lavrador, titular do Bilhete de Identidade n.º… , residente na… , Ribeira Seca, Ribeira Grande pela prática dos factos descritos na acusação pública de fls. 103 e ss. dos autos, aqui dados por reproduzidos e, assim, pela prática, em co-autoria material, na forma tentada, um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, al. f), e 22.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c), todos do Código Penal. *** Os arguidos, regularmente notificados da data designada para a audiência de discussão e julgamento, não apresentaram contestação nem arrolaram testemunhas. * II – REGULARIDADE DA INSTÂNCIA Não se vislumbram questões prévias ou incidentais, posteriores ao despacho que designou data para a realização da audiência de julgamento, susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa e de que cumpra oficiosamente conhecer. Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento que se realizou de acordo com o ritualismo imposto pela lei. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: A) Matéria de Facto Provada: Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos com relevo para a boa decisão da causa: 1. No dia 24 de Junho de 2015, pelas 11:45, os arguidos … e… , em comunhão de esforços entre si, deslocaram-se ao terreno agrícola situado no Caminho do Vulcão, s/n, na freguesia de Santa Bárbara, no concelho da Ribeira Grande, parte integrante da herança de… , cujo cabeça-de-casal é… , com o intuito de ali se introduzirem e de, assim, se apoderarem de objectos de valor que lá encontrassem. 2. Assim, naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, os arguidos, em comunhão de esforços entre si e de modo não concretamente apurado, introduziram-se no sobredito terreno agrícola, vedado e delimitado em todo o seu perímetro. 3. Uma vez no seu interior, os arguidos, munidos de uma catana, com cabo de plástico, de cor preta, com 13 cm de comprimento, sendo 7 cm de lâmina, e de um machado, com cabo de madeira, com 75 cm de comprimento, sendo 20 cm de lâmina, cortaram os troncos de oito árvores de acácia em diversos toros, no valor global de pelo menos 50,00 € (cinquenta euros). 4. Em acto contínuo, os arguidos, munidos de uma corda, com 7 cm de comprimento, de uma corda, com 3 cm de comprimento, e de um cabo de aço, com 8,5 cm de comprimento, aprestaram-se a carregar os referidos toros de madeira para uma carroça de ferro, destinada ao transporte dos mencionados toros de madeira. 5. Não obstante, os arguidos não lograram apoderar-se dos mencionados toros de madeira nem abandonar o referido terreno agrícola na posse dos mesmos, que cortaram com essa finalidade, porquanto foram surpreendidos, no local, por … 6. Os arguidos actuaram da forma supra descrita, em conjugação de esforços entre si, com o objectivo, não concretizado, de se apoderarem e de fazerem seus os referidos objectos, o que não conseguiram por motivos alheios às suas vontades, bem sabendo que as mencionadas árvores e os toros em que cortaram os respectivos troncos não lhes pertenciam e que, ao fazê-lo, actuavam contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo proprietário, mais sabendo, ambos, que não tinham autorização para entrar no sobredito terreno agrícola. 7. Agiram, ambos, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei como crime. Provou-se ainda que: 8. Por sentença proferida em 04.03.2003, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 56/03.4PARGR, que correu termos no 2.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática, em 30.01.2003, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2 do DL. 2/98, de 03/01, e um crime de ameaças, p. e p. pelo artigo 153.º, n. 1 do C.P., na pena única de 160 dias de multa à taxa diária de 4,00 €, extinta pelo pagamento. 9. Por sentença proferida em 15.11.2004, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 457/03.8PARGR, que correu termos no 1.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática, em 28.09.2003, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2 do DL. 2/98, de 03/01, e um crime de ameaças, p. e p. pelo artigo 153.º, n. 1 do C.P., na pena única de 160 dias de multa à taxa diária de 4,00 €, extinta pelo pagamento. 10. Por sentença proferida em 06.04.2005, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 157/04.1PCRGR, que correu termos no 2.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do C.P., na pena de 2 anos de prisão suspensa por 15 meses, extinta nos termos do artigo 57.º do C.P.. 11. Por sentença proferida em 21.01.2009, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Sumário n.º 2/09.1PARGR, que correu termos no 1.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2 do DL. 2/98, de 03/01, na pena de 160 dias de multa à taxa diária de 5,00 €, extinta pelo pagamento. 12. Por sentença proferida em 27.11.2009, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 756/08.2PARGR, que correu termos no 1.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do C.P., na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa por igual período. 13. Por sentença proferida em 19.05.2010, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 495/08.4PARGR, que correu termos no 2.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática de três crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2 do DL. 2/98, de 03/01, e um crime de ameaças, p. e p. pelo artigo 153.º, n. 1 do C.P., na pena única de 30 períodos de prisão por dias livres e na pena de 4 (quatro) meses de prisão suspensa pelo período de 1 (um) ano. 14. Por sentença cumulatória proferida em 16.11.2010, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 495/08.4PARGR, que correu termos no 2.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado na pena única de 30 períodos de prisão por dias livres e na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão suspensa por igual período (cúmulo dos autos com o n.º .º 495/08.4PARGR e os autos n.º 756/08.2PARGR), penas já extintas. 15. Por sentença proferida em 23.11.2010, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 109/09.5PARGR, que correu termos no 2.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2 do DL. 2/98, de 03/01, e um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n. 1 do C.P., na pena única de 3 meses de prisão substituída por 90 dias de multa à taxa diária de 7,00 €, extinta pelo pagamento. 16. Por sentença proferida em 15.11.2011, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 157/12.8PCRGR, que correu termos no 2.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n. 1 e 155.º, n.º 1, alínea c), ambos do C.P., na pena de 5 meses de prisão substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade, extinta pelo cumprimento. 17. Por sentença proferida em 08.03.2013, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 250/12.7PCRGR, que correu termos no 2.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelos artigos 143.º, n. 1 do C.P., na pena de 4 meses de prisão substituída por 120 horas de trabalho a favor da comunidade, extinta pelo cumprimento. 18. Por sentença proferida em 19.05.2014, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 42/11.0PARGR, que correu termos no 2.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do C.P., na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa por igual período, sujeita a regime de prova, extinta nos termos do artigo 57.º do C.P.. 19. Por sentença proferida em 13.10.2014, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 186/13.4PARGR, que correu termos no 1.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do C.P., na pena de 2 anos de prisão, substituída por 480 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, extinta pelo cumprimento. 20. Por sentença proferida em 19.05.2015, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 411/14.4PARGR, que correu termos neste Juízo Local Criminal, foi o arguido … condenado pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelos artigos 347.º do C.P., na pena de 2 anos de prisão, suspensa por 2 anos e com a condição de prestar 400 horas de trabalho a favor da comunidade. 21. O arguido … é natural de Ponta Delgada e terceiro de uma fratria de seis elementos; o seu pai era camponês de profissão e a mãe, doméstica, sendo precária a situação económica do agregado; integrou a escola regular em idade própria, tendo sofrido reprovações no 3º e 4º anos de escolaridade, por desmotivação e absentismo; abandonou a escola sem ter concluído o 1º ciclo do ensino básico e sem ter adquirido competências de leitura e escrita, apenas sabendo assinar o nome. 22. O arguido … integrou, precocemente, o mundo laboral, como tratador de gado, profissão cujo exercício ia alternando com o desempenho de actividades indiferenciadas. 23. O arguido … tem duas filhas de um anterior relacionamento, estando as filhas entregues aos cuidados da mãe biológica. 24. O arguido … iniciou nova relação afectiva com a arguida… , e o casal teve duas filhas; o casal separou-se por alguns meses em 2012 e as filhas foram, provisoriamente, confiadas a uma irmã do arguido. 25. … e a … beneficiaram da intervenção do Centro de Terapia Familiar e Intervenção Sistémica, mas a fraca adesão de ambos ao processo terapêutico, determinou-lhes alta. 26. O arguido … reside na freguesia de Ribeira Seca – Ribeira Grande.; coabita com a companheira, a arguida… , com quem mantém relação afectiva/conjugal desde há cerca de sete/oito anos. 27. O casal tem duas filhas, … , estudante, e… , que frequenta creche. 28. O agregado reside em moradia arrendada, com boas condições de habitabilidade. 29. O arguido … trabalha como tratador de gado por conta de outrem, auferindo 580,00€ (quinhentos e oitenta euros), efectuando descontos para a Segurança Social; a arguida é beneficiária do RSI, no valor de 496,00€ (quatrocentos e noventa e seis euros). A estes montantes, acrescem 61,00€ (sessenta e um euros), de abono de família. 30. No quintal da habitação, são cultivados géneros hortícolas para consumo doméstico. 31. O arguido … afirmou ocupar a maior parte do tempo no tratamento de gado. Quando tem algum tempo livre, frequenta o espaço TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação. Provou-se ainda que: 32. Por sentença proferida em 06.07.2012, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Sumário n.º 354/12.6PARGR, que correu termos no 1.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi a arguida … condenada pela prática, em 06.07.2012, de um crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada agravada, p. e p. pelo artigo 190.º, n.º 1 e 3 do C.P., na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 6,00 €, substituída por admoestação. 33. A arguida … é habilitada com o 8º ano de escolaridade, é doméstica, nunca tendo exercido actividade laboral. B) Matéria de Facto Não provada: Não se provaram quaisquer outros factos que não aqueles que acima foram referidos, nomeadamente que: a) O cabeça-de-casal da herança de … é… . b) O valor global estimado dos toros correspondia a 300,00 € (trezentos euros). C) Motivação da Decisão de Facto: Em sede de valoração da prova, a regra fundamental é a constante do artigo 127.º do Código de Processo Penal, segundo a qual a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal”. Este princípio da livre apreciação da prova traduz-se na ideia de que o Tribunal baseia a sua decisão sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame e da ponderação das provas produzidas. Assim, o tribunal formou a sua convicção, relativamente à matéria de facto provada dos pontos 1), a 7) com base nas declarações dos arguidos … e… , os quais confessaram, em parte, os factos aí descritos, referindo que tinham autorização para entrarem no referido prédio de… , mas apenas para aí levarem as suas cabras. Admitiram que cortaram as árvores e que se preparavam para daí retirar os toros de madeira quando foram surpreendidos por um indivíduo. Acrescentaram que, nessa sequência, abandonaram no local a carroça com a madeira que já haviam carregado para a mesma. Disseram que a madeira que pretendiam levar se destinava à venda a terceiros e que o valor total da madeira que iriam trazer (a que estava na carroça e a demais que já estava cortada valeria, no máxima, cerca de 50,00 €). Por outro lado, o Tribunal atendeu ainda ao depoimento da testemunha… , neto de … (já falecido), que foi quem interceptou os arguidos no local. Questionado sobre o valor da madeira, o mesmo referiu que não sabe quantificar. Mais disse que o seu pai (… ) é o filho mais velho de … (já falecido). Ouvida a testemunha… , pelo mesmo foi dito que teve conhecimento da tentativa de furto, praticada pelos arguidos, por terceiros, e que, nessa sequência, se deslocou ao local tendo verificado a madeira que teria sido cortada pelos arguidos, sendo que o valor da Tribunal Judicial da Comarca dos Açores mesma (de 300,00 €) lhe terá sido dito por outras pessoas uma vez que não tem conhecimento da matéria. Por fim, acrescentou que o cabeça-de-casal da herança de seu pai é o seu irmão mais velho,… . Conjugando estes depoimentos, o Tribunal desde logo fica com a certeza absoluta que a testemunha … não é o cabeça-de-casal da herança de… . Isto resulta, aliás, do documento de fls. 178 a 188 dos autos. No entanto, surgem sérias dúvidas ao Tribunal em saber qual o valor global da madeira de que os arguidos se pretendiam apoderar. Os arguidos admitiram que o valor não ultrapassaria os 50,00 €, sendo certo que as testemunhas … e … não revelaram nenhum conhecimento directo sobre o assunto. Apenas a testemunha … apontou um valor de 300,00 € que lhe terá sido transmitido por uma terceira pessoa, sendo portanto um depoimento indirecto nesta parte e, como tal, não pode ser valorado. No que concerne aos factos relativos às condições socioeconómicas do arguido foram determinantes as declarações dos próprios, conjugadas com os relatórios sociais de fls. 136 a 145 e ss. e ainda com as declarações das testemunhas de defesa abonatórias, … , … , … e… , que se mostraram credíveis e nas quais o Tribunal alicerçou a sua convicção. Quanto aos antecedentes criminais por parte dos arguidos o tribunal tomou em consideração o Certificado de Registo Criminal juntos aos autos a fls. 149 e ss. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: Os arguidos vêm acusados da prática, em co-autoria material, na forma tentada, um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, al. f), e 22.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c), todos do Código Penal. Dispõe o artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal que comete o crime de furto simples “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel ou animal alheios (...)”. Por sua vez, nos termos da alínea f) do n.º 1, do artigo 204.º do Código Penal, “quem furtar coisa móvel ou animal alheios: (…) f) Introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar; (…) é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias”. Entre o crime de furto simples, que constitui o tipo legal de base e crime de furto qualificado, previstos respectivamente nos artigos 203.º e 204.º do Código Penal, existe um concurso aparente, em relação de especialidade. No tipo matricial, é enunciada a conduta punível como crime de furto, sendo que, no tipo legal de furto qualificado a ilicitude da conduta é agravada em função da verificação de determinados elementos adicionais ou complementares. A relação de especialidade tem como consequência a aplicação em concreto da norma especial, in casu, o furto qualificado, sempre que se verifiquem os elementos agravantes. No que tange aos bens jurídicos protegidos pela normas em apreço, na esteira do referido por Faria Costa em anotação a este artigo in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, entende-se que se visa tutelar não só o direito de propriedade, mas a “especial relação de facto sobre a coisa – poder de facto sobre a coisa – tutelando-se, dessa maneira, a detenção ou mera posse como disponibilidade material da coisa; como disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica”. São elementos objectivos do crime de furto: a coisa; o seu carácter móvel e alheio; e a subtracção. Quanto ao que se entende por “coisa” para o preenchimento do tipo, no seguimento de José António Barreiros, in Crimes contra o património, Ed. 1996 considera-se que terá que ser “necessariamente algo passível de subtracção, embora não tenha que ser algo de apreensível”. A coisa terá também que ser móvel, na medida que tem que ser passível de apreensão, não se fazendo aqui utilização dos conceitos civis, dado que os artigos 204º e 205º do Código Civil distinguem entre coisas móveis ou imóveis, consoante se encontrem ou não directamente incorporados ou ligados ao solo. Outro dos elementos do tipo é o carácter alheio da coisa, não se exigindo o conhecimento da identidade do proprietário da coisa, mas tão-somente que a mesma não pertença ao agente do crime, o que também se encontra preenchido. O tipo legal em apreço exige ainda para o seu preenchimento a subtracção, que, conforme evidencia Faria Costa, in obra citada, “traduz-se em uma conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor”, o que implica “a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa”. A subtracção, consiste assim, na quebra de uma detenção originária com a respectiva constituição de uma nova detenção. Ora, por detenção entende-se o poder de facto sobre a coisa no sentido de domínio efectivo de acordo com as regras sociais. Quanto ao momento, propriamente dito, em que se constitui uma nova detenção, têm sido apresentadas na doutrina quatro teorias, a saber: a teoria da “contretação” segundo a qual, existe nova detenção no momento em que o agente se limita a tocar a coisa; a teoria da “ablação”, nos termos da qual, haverá nova detenção no momento em que o agente afasta a coisa do domínio do seu detentor original; a teoria da “apreensão”, segundo a qual existe nova detenção quando o agente tem o controlo de facto e exclusivo sobre a coisa; e a teoria da “ilação”, para a qual só haverá nova detenção no momento em que o agente transfere a coisa definitivamente para a sua esfera de domínio. Numa tomada de posição sobre as várias teorias, afigura-se-nos como mais correcta a teoria da apreensão, sendo, assim, necessário na concretização da nova detenção que a coisa passe da esfera de poder do detentor original para o domínio do agente. Importa ainda referir no que tange à consumação do crime de furto, relativamente ao elemento subtracção, que se considera ser de perfilhar o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Fevereiro de 2007, in www.dgsi.pt, em que foi relator o Sr. Juiz Conselheiro, Maia Costa, segundo o qual “parece adequado optar por um conceito de subtracção que exija uma apropriação relativamente estável, como tal podendo considerar-se aquela que consegue ultrapassar os riscos imediatos de reacção por parte do próprio ofendido, das autoridades ou de outras pessoas agindo em defesa do ofendido”. Em sentido convergente, refere o acórdão Faria Costa in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, que apresenta um critério de acordo com o qual, “se exige o efectivo domínio sobre a coisa durante um espaço de tempo mínimo, de acordo com as circunstâncias do caso pois doutra forma, como explica, estaria arredado o recurso à legítima defesa (própria ou alheia) contra o agente do crime quando este entra em fuga na posse dos objectos apropriados, o que seria absurdo”. No mesmo sentido, refere também o acórdão citado que Paulo Saragoça da Matta, num artigo denominado Subtracção de Coisa Móvel Alheia – Os Efeitos do Admirável Mundo Novo num Crime “Clássico” in Liber Discipulorum para J. Figueiredo Dias, “defende que o crime de furto se consuma quando a coisa entra no domínio de facto do agente com “tendencial estabilidade”, por ter sido transferida para fora da esfera do domínio do seu possuidor”. Dispõe o artigo 203.º, n.º 2 do Código Penal a punibilidade da tentativa do crime de furto. Nos termos do artigo 22.º n.º 1 do Código Penal “Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.” Por sua vez, prevê a alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo que “São actos de execução: a) os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo legal de crime;” Ora, nos presentes autos provou-se que no dia 24 de Junho de 2015, pelas 11:45, os arguidos … e… , em comunhão de esforços entre si, deslocaram-se ao terreno agrícola situado no Caminho do Vulcão, s/n, na freguesia de Santa Bárbara, no concelho da Ribeira Grande, parte integrante da herança de… , cujo cabeça-de-casal é… , com o intuito de ali se introduzirem e de, assim, se apoderarem de objectos de valor que lá encontrassem. Assim, naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, os arguidos, em comunhão de esforços entre si e de modo não concretamente apurado, introduziram-se no sobredito terreno agrícola, vedado e delimitado em todo o seu perímetro. Uma vez no seu interior, os arguidos, munidos de uma catana, com cabo de plástico, de cor preta, com 13 cm de comprimento, sendo 7 cm de lâmina, e de um machado, com cabo de madeira, com 75 cm de comprimento, sendo 20 cm de lâmina, cortaram os troncos de oito árvores de acácia em diversos toros, no valor global de pelo menos 50,00 € (cinquenta euros). Em acto contínuo, os arguidos, munidos de uma corda, com 7 cm de comprimento, de uma corda, com 3 cm de comprimento, e de um cabo de aço, com 8,5 cm de comprimento, aprestaram-se a carregar os referidos toros de madeira para uma carroça de ferro, destinada ao transporte dos mencionados toros de madeira. Não obstante, os arguidos não lograram apoderar-se dos mencionados toros de madeira nem abandonar o referido terreno agrícola na posse dos mesmos, que cortaram com essa finalidade, porquanto foram surpreendidos, no local, por… . Mas, para que um determinado facto previsto na lei penal como crime (elemento objectivo do tipo legal), seja punido, exige-se ainda a verificação do elemento subjectivo. Ora no que concerne ao elemento subjectivo, conforme refere Eduardo Correia in Unidade e pluralidade de infracções, em nota de rodapé, no tipo legal de furto exige-se um dolo específico que se caracteriza pelo propósito do agente integrar a coisa furtada no seu património ou no património de terceiro, contra a vontade do seu proprietário. Os arguidos actuaram da forma supra descrita, em conjugação de esforços entre si, com o objectivo, não concretizado, de se apoderarem e de fazerem seus os referidos objectos, o que não conseguiram por motivos alheios às suas vontades, bem sabendo que as mencionadas árvores e os toros em que cortaram os respectivos troncos não lhes pertenciam e que, ao fazê-lo, actuavam contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo proprietário, mais sabendo, ambos, que não tinham autorização para entrar no sobredito terreno agrícola. Agiram, ambos, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei como crime. Dispõe o artigo 204.º, n.º 4 do C.P. que, não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor. Ora, nos termos do artigo 202.º, alínea c) do C.P. “diminuto valo” é aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto, ou seja, in casu, 102,00 €. Ora, nos autos apurou-se que o valor global da madeira seria de pelo menos 50,00 € (cinquenta euros), pelo que os elementos objectivos apurados enquadram-se no crime de furto simples. Assim, do conspecto factual apurado resulta, pois que, estão verificados os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de furto simples, (crime de furto qualificado desqualificado pelo valor) p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º n.º 1, al. f) e n.º 4, todos do C.P. Da falta de legitimidade do Ministério Público para deduzir acusação: O processo penal inicia-se e desenvolve-se mediante impulsos provocados pelos participantes processuais, começando com a aquisição da notícia do crime pelo Ministério Público (cfr. artigo 241.º do Cód. Proc. Penal). Atribui-se, pois, a uma entidade pública, a um órgão do Estado, a competência para investigar a notícia do crime, apurando se este foi praticado e submetendo o seu agente a julgamento (cfr. artigos 219.º da Constituição da República Portuguesa e 262.º do Código de Processo Penal), assim se consagrando o princípio da oficialidade. No entanto, este princípio sofre excepções. Entre outras, quando estão em causa crimes semipúblicos ou particulares, a promoção do processo pelo Ministério Público depende, desde logo, do exercício do direito de queixa pelo respectivo titular. Sendo o bem jurídico "a expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso" (J. Figueiredo Dias, "Direito Penal, Parte Geral", Tomo I, 2004, p. 109-110), compreende-se que existam bens jurídicos protegidos pelo direito penal que são mais valiosos que outros e que a violação de uns e outros configure a prática de crimes cujo gravidade varia, justamente, em função da natureza e importância do bem jurídico-penal atingido. A gravidade do crime é um dos factores que determina a distinção entre crimes públicos (em que o Ministério Público desencadeia, oficiosamente, o procedimento criminal), semipúblicos (a legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal depende de uma queixa do ofendido ou de alguém que, legitimamente, o substitua) e particulares (o exercício da acção penal pelo Ministério Público depende de queixa e de acusação particular). A queixa, nos crimes semipúblicos e nos crimes particulares, e, também, a acusação particular nos segundos, apesar de terem assento no Código Penal, são pressupostos processuais ou condições de procedibilidade, sem as quais o Ministério Público carece de legitimidade para promover o procedimento criminal (cfr. artigos 48.º, 49.º e 50.º do Código Processo Penal). Transpondo estas considerações para o caso concreto, os factos considerados provados, tal como resultam elencados na respectiva matéria de facto provada, apenas são susceptíveis de integrar a prática, pelos arguidos, em coautoria material, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo disposto no artigo 203º, 1, do Código Penal. Este crime tem a natureza de crime semipúblico (cfr. nº 3 do mesmo artigo). Por conseguinte, os presentes autos corporizam um procedimento criminal, cuja validade está dependente de queixa e de uma queixa validamente apresentada. No caso de inexistência desta, competia ao Ministério Público arquivar os autos na fase de inquérito (artigo 277º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), por ocorrer uma causa de inadmissibilidade legal do procedimento, por ilegitimidade do Ministério Público e, por conseguinte, compete agora a este tribunal conhecer de tal ilegitimidade. ln casu mostra-se documentada nos autos o exercício tempestivo do direito de queixa por parte de… , filho do falecido… , mas que não é nem era, à data dos factos, o cabeça-de-casal da herança daquele. Verificou-se da prova produzida, como aliás consta de fls. 180, que o cabeça-de-casal da herança de … é… , o qual não formulou qualquer queixa nos presentes autos. Dispõe o artigo 113.º, n.º 1, do Código Penal, sob a epígrafe "titulares do direito de queixa" que "Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresenta-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação." No caso dos autos, tendo em vista que com a incriminação do furto se quis proteger o património - e considerando que não se suscitam questões referentes à utilização dos bens a qualquer outro título que não a propriedade (ou seja, a queixosa não é arrendatária, comodatária, usufrutuária, etc) é inequívoco que o direito de queixa pertencia, exclusivamente, ao cabeça-de-casal. Terá assim que considerar-se que a queixa nos presentes autos apresentada, não adveio do titular do direito de queixa, e, por conseguinte, esta não poderá considerar-se validamente apresentada. Não há, tão pouco, que proceder à notificação aos titulares do direito de queixa para que ratifiquem a queixa apresentada, já que, mostra-se decorrido o prazo de seis meses, previsto pelo artigo 115.º, n.º 1, do Código Penal, para a extinção, por caducidade, do direito de apresentação de queixa. Por conseguinte, dever-se-á aqui declarar a falta de uma condição de procedibilidade - a existência de queixa validamente apresentada - e determinar que, não tendo o Ministério Público legitimidade para acusar, nos presentes autos, deverá declarar-se extinta a responsabilidade criminal dos arguidos. VI – DISPOSITIVO: Nos termos que acima se deixam expostos, o Tribunal decide julgar a acusação pública totalmente improcedente e, em consequência, decide-se: 1. Absolver os arguidos … e… , da prática, em co-autoria material, na forma tentada, um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, al. f), e 22.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c), todos do Código Penal. 2. Declarar a falta de uma condição de procedibilidade - a existência de queixa validamente apresentada - e determinar que, não tendo o Ministério Público legitimidade para acusar, nos presentes autos, declarar extinta a responsabilidade criminal dos arguidos … e… . Sem custas.» Vejamos. Nos presentes autos provou-se que no dia 24 de Junho de 2015, pelas 11:45, os arguidos … e… , em comunhão de esforços entre si, deslocaram-se ao terreno agrícola situado no Caminho do Vulcão, s/n, na freguesia de Santa Bárbara, no concelho da Ribeira Grande, parte integrante da herança de … , cujo cabeça-de-casal é … , com o intuito de ali se introduzirem e de, assim, se apoderarem de objectos de valor que lá encontrassem. Assim, naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, os arguidos, em comunhão de esforços entre si e de modo não concretamente apurado, introduziram-se no sobredito terreno agrícola, vedado e delimitado em todo o seu perímetro. Uma vez no seu interior, os arguidos, munidos de uma catana, com cabo de plástico, de cor preta, com 13 cm de comprimento, sendo 7 cm de lâmina, e de um machado, com cabo de madeira, com 75 cm de comprimento, sendo 20 cm de lâmina, cortaram os troncos de oito árvores de acácia em diversos toros, no valor global de pelo menos 50,00 € (cinquenta euros). Em acto contínuo, os arguidos, munidos de uma corda, com 7 cm de comprimento, de uma corda, com 3 cm de comprimento, e de um cabo de aço, com 8,5 cm de comprimento, aprestaram-se a carregar os referidos toros de madeira para uma carroça de ferro, destinada ao transporte dos mencionados toros de madeira. Não obstante, os arguidos não lograram apoderar-se dos mencionados toros de madeira nem abandonar o referido terreno agrícola na posse dos mesmos, que cortaram com essa finalidade, porquanto foram surpreendidos, no local, por … . Os arguidos actuaram da forma supra descrita, em conjugação de esforços entre si, com o objectivo, não concretizado, de se apoderarem e de fazerem seus os referidos objectos, o que não conseguiram por motivos alheios às suas vontades, bem sabendo que as mencionadas árvores e os toros em que cortaram os respectivos troncos não lhes pertenciam e que, ao fazê-lo, actuavam contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo proprietário, mais sabendo, ambos, que não tinham autorização para entrar no sobredito terreno agrícola. Agiram, ambos, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei como crime. Perante estes factos conclui a sentença recorrida que estão verificados os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de furto simples, (crime de furto qualificado desqualificado pelo valor) p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º n.º 1, al. f) e n.º 4, todos do C.P. Assim, a sentença considerando que o crime tem a natureza de crime semipúblico (cfr. nº 3 do mesmo artigo), entende que o procedimento criminal, cuja validade está dependente de queixa e de uma queixa validamente apresentada, esta não se verifica in casu, competindo ao Ministério Público arquivar os autos na fase de inquérito (artigo 277º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), por ocorrer uma causa de inadmissibilidade legal do procedimento, por ilegitimidade do Ministério Público e, por conseguinte, compete agora a este tribunal conhecer de tal ilegitimidade. ln casu mostra-se documentada nos autos o exercício tempestivo do direito de queixa por parte de … , filho do falecido … , mas que não é nem era, à data dos factos, o cabeça-de-casal da herança daquele. Verificou-se da prova produzida, como aliás consta de fls. 180, que o cabeça-de-casal da herança de … é … , o qual não formulou qualquer queixa nos presentes autos. Para o efeito, refere que dispõe o artigo 113.º, n.º 1, do Código Penal, sob a epígrafe "titulares do direito de queixa" que "Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresenta-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação." No caso dos autos, tendo em vista que com a incriminação do furto se quis proteger o património - e considerando que não se suscitam questões referentes à utilização dos bens a qualquer outro título que não a propriedade (ou seja, a queixosa não é arrendatária, comodatária, usufrutuária, etc.) é inequívoco que o direito de queixa pertenceria, exclusivamente, ao cabeça-de-casal. Terá assim que considerar-se que a queixa nos presentes autos apresentada, não adveio do titular do direito de queixa, e, por conseguinte, esta não poderá considerar-se validamente apresentada. Não há, acrescenta, que proceder à notificação aos titulares do direito de queixa para que ratifiquem a queixa apresentada, já que, mostra-se decorrido o prazo de seis meses, previsto pelo artigo 115.º, n.º 1, do Código Penal, para a extinção, por caducidade, do direito de apresentação de queixa. Por conseguinte, entende que falta de uma condição de procedibilidade - a existência de queixa validamente apresentada - e determina que, não tendo o Ministério Público legitimidade para acusar, nos presentes autos, deverá declarar-se extinta a responsabilidade criminal dos arguidos. O recorrente alega que estando a ser cometido um crime contra o património indiviso, qualquer um dos herdeiros (cotitular desse património) é diretamente prejudicado pelo crime em causa, pois os seus bens (ainda que indivisos, ainda que mera universalidade jurídica) estão a ser danificados ou destruídos. Alega, ainda, que os herdeiros são titulares dos bens da herança, ainda que esta esteja indivisa, e, por isso, sendo o objeto do furto, na versão do queixoso, bens da herança de que também é herdeiro, é evidente o interesse do queixoso, como herdeiro, em agir nos presentes autos. Em suma, para a sentença recorrida o direito de queixa pertencia, exclusivamente, ao cabeça-de-casal; para o recorrente qualquer um dos herdeiros detém esse direito. Importa decidir. Ora, antes da partilha da herança, os herdeiros são titulares, em comunhão, do património constituído por todos os bens hereditários. Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos (cfr., a este propósito, o disposto no artigo 2119º do Código Civil). Salvo melhor entendimento, somos do parecer que o direito de queixa pertence conjuntamente a todos os herdeiros. Com efeito, de acordo com o disposto no art. 2091.º, n.º 1, do CCivil, não estando previsto nos artigos precedentes, como não está, o particular direito de queixa, que mais não é do que o exercício de um direito que advém da herança enquanto património sujeito a lesão pelo furto, este pertence ao conjunto de todos os herdeiros. Afirmando a lei que, salvo os casos especificamente ressalvados na previsão legal, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, não pode restar dúvidas que o titular do direito respectivo referido no art. 49.º, n.º 3, do CPP é o conjunto de todos os herdeiros. E tem razão que assim seja, vamos supor que a maioria dos herdeiros optava por não apresentar queixa mas um com diferente opinião, fazia-o, a todos vinculando o seu acto individual, não nos parece ser esta a solução legal pois poderia levar a desencadear um processo crime contra a vontade ou até o desconhecimento da maioria dos herdeiros e contitulares dos bens objecto da herança. Termos em que, por razões distintas das aduzidas no recurso interposto e na sentença recorrida, se Acorda no Tribunal da Relação de Lisboa em confirmar o dispositivo da sentença recorrida com base nos fundamentos acima expressos. Sem custas. Lisboa, 11-09-2018 Moraes Rocha Vasco Freitas
Acordam em Conferência no Tribunal da Relação de Lisboa Por sentença proferida nos autos supra identificados, a Mma Juíza convolando o crime de furto qualificado na forma tentada, p.p. pelos artigos 203º 1, 204º. 1 al f) e nº 2, todos do Código para o crime de furto simples, na forma tentada, absolveu os arguidos pela prática do crime de furto simples na forma tentada, p.p. pelo artigo 203º1 do Código Penal, por entender que faltava legitimidade do MP para exercer a acção penal. Inconformado, recorre o MP. Das motivações extrai as seguintes conclusões: «1 . 1 . Por sentença proferida nos autos supra identificados, o Mmo. convolando o crime de furto qualificado na forma tentada, p.p. pelos artigos 203º.1, 204º. 1 al.f) e nº.2, todos do Código para o crime de furto simples, na forma tentada, a Mma Juiz absolveu os arguidos pela prática do crime de furto simples na forma tentada, p.p. pelo artigo 203º1 do Código Penal, por entender que faltava legitimidade do MP para exercer a acção penal. 2. Dos factos dados como provados: Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos com relevo para a boa decisão da causa: No dia 24 de Junho de 2015, pelas 11:45, os arguidos … e …, em comunhão de esforços entre si, deslocaram-se ao terreno agrícola situado no Caminho do Vulcão, s/n, na freguesia de Santa Bárbara, no concelho da Ribeira Grande, parte integrante da herança de…, cujo cabeça-de-casal é…, com o intuito de ali se introduzirem e de, assim, se apoderarem de objectos de valor que lá encontrassem. Assim, naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, os arguidos, em comunhão de esforços entre si e de modo não concretamente apurado, introduziram-se no sobredito terreno agrícola, vedado e delimitado em todo o seu perímetro. Uma vez no seu interior, os arguidos, munidos de uma catana, com cabo de plástico, de cor preta, com 13 cm de comprimento, sendo 7 cm de lâmina, e de um machado, com cabo de madeira, com 75 cm de comprimento, sendo 20 cm de lâmina, cortaram os troncos de oito árvores de acácia em diversos toros, no valor global de pelo menos 50,00 € (cinquenta euros). Em acto contínuo, os arguidos, munidos de uma corda, com 7 cm de comprimento, de uma corda, com 3 cm de comprimento, e de um cabo de aço, com 8,5 cm de comprimento, aprestaram-se a carregar os referidos toros de madeira para uma carroça de ferro, destinada ao transporte dos mencionados toros de madeira. Não obstante, os arguidos não lograram apoderar-se dos mencionados toros de madeira nem abandonar o referido terreno agrícola na posse dos mesmos, que cortaram com essa finalidade, porquanto foram surpreendidos, no local, por…. Os arguidos actuaram da forma supra descrita, em conjugação de esforços entre si, com o objectivo, não concretizado, de se apoderarem e de fazerem seus os referidos objectos, o que não conseguiram por motivos alheios às suas vontades, bem sabendo que as mencionadas árvores e os toros em que cortaram os respectivos troncos não lhes pertenciam e que, ao fazê-lo, actuavam contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo proprietário, mais sabendo, ambos, que não tinham autorização para entrar no sobredito terreno agrícola. Agiram, ambos, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei como crime. 3. A Mma Juiz, entendeu faltar legitimidade do Ministério Público para deduzir acusação, com a seguinte fundamentação: A queixa, nos crimes semipúblicos e nos crimes particulares, e, também, a acusação particular nos segundos, apesar de terem assento no Código Penal, são pressupostos processuais ou condições de procedibilidade, sem as quais o Ministério Público carece de legitimidade para promover o procedimento criminal (cfr. artigos 48.º, 49.º e 50.º do Código Processo Penal). Transpondo estas considerações para o caso concreto, os factos considerados provados, tal como resultam elencados na respectiva matéria de facto provada, apenas são susceptíveis de integrar a prática, pelos arguidos, em coautoria material, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo disposto no artigo 203º, 1, do Código Penal. Este crime tem a natureza de crime semipúblico (cfr. nº 3 do mesmo artigo). Por conseguinte, os presentes autos corporizam um procedimento criminal, cuja validade está dependente de queixa e de uma queixa validamente apresentada. No caso de inexistência desta, competia ao Ministério Público arquivar os autos na fase de inquérito (artigo 277º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), por ocorrer uma causa de inadmissibilidade legal do procedimento, por ilegitimidade do Ministério Público e, por conseguinte, compete agora a este tribunal conhecer de tal ilegitimidade. ln casu mostra-se documentada nos autos o exercício tempestivo do direito de queixa por parte de…, filho do falecido…, mas que não é nem era, à data dos factos, o cabeça-de-casal da herança daquele. Verificou-se da prova produzida como aliás consta de fls. 180, que o cabeça-de-casal da herança de … é…, o qual não formulou qualquer queixa nos presentes autos. Dispõe o artigo 113.º, n.º 1, do Código Penal, sob a epígrafe "titulares do direito de queixa" que "Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresenta-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação." No caso dos autos, tendo em vista que com a incriminação do furto se quis proteger o património - e considerando que não se suscitam questões referentes à utilização dos bens a qualquer outro título que não a propriedade (ou seja, a queixosa não é arrendatária, comodatária, usufrutuária, etc) é inequívoco que o direito de queixa pertencia, exclusivamente, ao cabeça-de-casal. Terá assim que considerar-se que a queixa nos presentes autos apresentada, não adveio do titular do direito de queixa, e, por conseguinte, esta não poderá considerar-se validamente apresentada. 4. Se nada temos a opor quanto à convolação do crime de furto qualificado na forma tentada para o crime de furto simples, também na forma tentada, não podemos concordar com o tribunal que relativamente ao crime de furto simples decidiu não ter o MP legitimidade para exercer a acção penal. Salvo o devido respeito, a Mma Juiz lavrou em erro. Como se decidiu no Ac.TRE ( processo 90/13.6TASRP.E.1, datado de 26/4/2016), aqui seguido muito de perto por ser esclarecedor. Na verdade, tal decisão que não atenta, devidamente, ao conteúdo das normas e dos princípios do direito civil (substantivo) aplicáveis ao caso, e confunde a personalidade e a capacidade judiciárias da herança indivisa (representada pelo cabeça-de-casal) - em processo civil - com a legitimidade de um co-herdeiro para apresentar em processos que visem crimes praticados contra os bens da herança. Estamos, como é pacífico nos autos, perante uma herança indivisa, isto é, uma herança aceite pelos vários herdeiros a ela chamados mas ainda não partilhada entre eles. Desde a aceitação até à partilha da herança, esta mantém-se num estado de indivisão. 5. Nesse ínterim, a administração ordinária da herança e as obrigações judiciais, fiscais e administrativas ligadas à universalidade da herança cabem, como é sabido, ao cabeça-de-casal. Contudo, os atos de alienação ou oneração dos bens da herança só podem ser praticados (cfr. o disposto no artigo 2091º do Código Civil) por todos os herdeiros (por exemplo, a venda de um bem hereditário) ou contra todos os herdeiros (por exemplo, a constituição de uma servidão sobre um bem hereditário), uma vez que, enquanto dura a indivisão, os herdeiros têm um direito sobre a universalidade da herança. 6. A herança indivisa é uma universalidade jurídica que integra um autêntico património autónomo, na medida em que pelos encargos da herança respondem em conjunto todos os bens da herança indivisa e apenas tais bens (cfr. artigos 2097º e 2071º do Código Civil). Após a partilha da herança, esta desaparece como património autónomo, uma vez que os bens que a constituem transitam para a propriedade exclusiva dos respetivos herdeiros, passando estes a ter um poder de disposição plena sobre os bens hereditários que integram o respetivo quinhão e podendo os seus credores pessoais executar diretamente tais bens. 7. É evidente que, como bem se escreve no Ac. do S.T.J. de 17-04-1980 (in BMJ 295-298), o “domínio e posse sobre os bens em concreto da herança só se efetivam após a realização da partilha. Até aí, a contitularidade do direito à herança significa direito a uma parte ideal, não de cada um dos bens que compõem a herança”. 8. Só que, se é assim, como é, cada um dos herdeiros, mesmo na indivisão, goza de um direito sobre a totalidade dos bens (é contitular deles). Aberta a herança, e uma vez aceite a mesma, os herdeiros passam a ser titulares dos bens, não como donos de cada um deles em concreto, mas sim como donos da universalidade jurídica constituída por todos eles. Estando os herdeiros determinados, com estão no caso posto nestes autos, e apesar da herança ainda não estar partilhada, os mesmos são os representantes da herança para os fins em análise, não só porque tal qualidade lhes é conferida pelo disposto no artigo 2091º do Código Civil, como também porque, estando a ser cometido um crime contra o património indiviso, qualquer um dos herdeiros (cotitular desse património) é diretamente prejudicado pelo crime em causa, pois os seus bens (ainda que indivisos, ainda que mera universalidade jurídica) estão a ser danificados ou destruídos. 9. A herança é uma universitas juris com determinada afetação de bens, e os herdeiros, enquanto se não fizer a partilha, são titulares de um direito (indiviso, obviamente) sobre esses bens. 10. Assim sendo, estando alguém a destruir ou danificar ou a apoderar-se desses mesmos bens ou parte deles, é absurdo, salvo o devido respeito, afirmar-se que um dos co-herdeiros não se pode queixar no respectivo processo-crime, por não ser ofendido, isto é, na expressão constante do artigo 68º, nº 1, al. a), do C. P. Penal, não ser titular “dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação”. 11. Antes da partilha da herança, os herdeiros são titulares, em comunhão, do património constituído por todos os bens hereditários. Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos (cfr., a este propósito, o disposto no artigo 2119º do Código Civil). 12. Tudo se passa, pois, como se os herdeiros tivessem o domínio e a posse dos bens (que, em concreto, lhes foram atribuídos na partilha) desde o momento em que se abre a sucessão. E isto, como bem refere Rabindranath Capelo de Sousa (in “Lições de Direito das Sucessões”, Coimbra Editora, 1978, Vol. I, pág. 186), “para evitar qualquer hiato jurídico, no que respeita à titularidade dos bens que são objeto da sucessão, desde o momento factual em que o autor da sucessão com a sua morte perdeu a titularidade desses bens e o momento factual em que os definitivos herdeiros e legatários passaram a poder exercer os direitos e deveres relativos ao objeto sucessório”. 13. Neste sentido, e com o supra referido alcance, os herdeiros são titulares dos bens da herança, ainda que esta esteja indivisa, e, por isso, sendo o objeto do furto, na versão do queixoso, bens da herança de que também é herdeiro é evidente o interesse do queixoso, como herdeiro, em agir nos presentes autos. 14. Entender-se agora que o Ministério publico não tem legitimidade para exercer a acção penal quando a queixa foi apresentada por um herdeiros, é, salvo melhor opinião, erróneo e até absurdo, uma vez que bens do queixoso, o património deste (nos termos acima explanados), terão sido objeto desse mesmo crime. 15. Ao decidir do modo que decidiu, a sentença violou o disposto nos artigos a sentença violou o disposto nos artigos 113º1 e 203º. 1 do CP. e os artigos 48.º, 49.º e 50.º do Código Processo Penal). * Nestes termos e nos melhores de direito que Vexa doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado condenando-se os arguidos, tendo em conta a matéria dada como provada., pela prática do crime de furto simples na forma tentada, p.p. pelo artigo 203º1 do CP.» … , arguida nos autos responde, concluindo pela improcedência do recurso, escudando-se nos argumentos da sentença recorrida. … , arguido, responde concluindo pela improcedência do recurso, tal como a arguida. Neste Tribunal da Relação a Exma. PGA acompanha a recorrente. Colhidos os vistos e realizada a Conferência cumpre apreciar e decidir. Está em causa no presente recurso uma simples questão de direito, isto é, cumpre apreciar e decidir se assiste (ou não) legitimidade ao M.P. para exercer a acção penal quando a queixa foi apresentada por um dos herdeiros da herança indivisa objecto do furto. É do seguinte teor a sentença recorrida: «I – RELATÓRIO: Em processo comum e com intervenção de Tribunal Singular, o Ministério Público deduziu acusação, requerendo o julgamento de … , solteira, nascida a 24/06/1994, filha de … e de… , natural da freguesia da Ribeira Seca, concelho de Ribeira Grande, estudante, titular do Bilhete de Identidade n.º… , residente na… , Ribeira Seca, Ribeira Grande; e … , divorciado, nascido a 20/05/1981, filho de … e de… , natural da freguesia de São José, concelho de Ponta Delgada, lavrador, titular do Bilhete de Identidade n.º… , residente na… , Ribeira Seca, Ribeira Grande pela prática dos factos descritos na acusação pública de fls. 103 e ss. dos autos, aqui dados por reproduzidos e, assim, pela prática, em co-autoria material, na forma tentada, um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, al. f), e 22.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c), todos do Código Penal. *** Os arguidos, regularmente notificados da data designada para a audiência de discussão e julgamento, não apresentaram contestação nem arrolaram testemunhas. * II – REGULARIDADE DA INSTÂNCIA Não se vislumbram questões prévias ou incidentais, posteriores ao despacho que designou data para a realização da audiência de julgamento, susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa e de que cumpra oficiosamente conhecer. Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento que se realizou de acordo com o ritualismo imposto pela lei. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: A) Matéria de Facto Provada: Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos com relevo para a boa decisão da causa: 1. No dia 24 de Junho de 2015, pelas 11:45, os arguidos … e… , em comunhão de esforços entre si, deslocaram-se ao terreno agrícola situado no Caminho do Vulcão, s/n, na freguesia de Santa Bárbara, no concelho da Ribeira Grande, parte integrante da herança de… , cujo cabeça-de-casal é… , com o intuito de ali se introduzirem e de, assim, se apoderarem de objectos de valor que lá encontrassem. 2. Assim, naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, os arguidos, em comunhão de esforços entre si e de modo não concretamente apurado, introduziram-se no sobredito terreno agrícola, vedado e delimitado em todo o seu perímetro. 3. Uma vez no seu interior, os arguidos, munidos de uma catana, com cabo de plástico, de cor preta, com 13 cm de comprimento, sendo 7 cm de lâmina, e de um machado, com cabo de madeira, com 75 cm de comprimento, sendo 20 cm de lâmina, cortaram os troncos de oito árvores de acácia em diversos toros, no valor global de pelo menos 50,00 € (cinquenta euros). 4. Em acto contínuo, os arguidos, munidos de uma corda, com 7 cm de comprimento, de uma corda, com 3 cm de comprimento, e de um cabo de aço, com 8,5 cm de comprimento, aprestaram-se a carregar os referidos toros de madeira para uma carroça de ferro, destinada ao transporte dos mencionados toros de madeira. 5. Não obstante, os arguidos não lograram apoderar-se dos mencionados toros de madeira nem abandonar o referido terreno agrícola na posse dos mesmos, que cortaram com essa finalidade, porquanto foram surpreendidos, no local, por … 6. Os arguidos actuaram da forma supra descrita, em conjugação de esforços entre si, com o objectivo, não concretizado, de se apoderarem e de fazerem seus os referidos objectos, o que não conseguiram por motivos alheios às suas vontades, bem sabendo que as mencionadas árvores e os toros em que cortaram os respectivos troncos não lhes pertenciam e que, ao fazê-lo, actuavam contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo proprietário, mais sabendo, ambos, que não tinham autorização para entrar no sobredito terreno agrícola. 7. Agiram, ambos, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei como crime. Provou-se ainda que: 8. Por sentença proferida em 04.03.2003, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 56/03.4PARGR, que correu termos no 2.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática, em 30.01.2003, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2 do DL. 2/98, de 03/01, e um crime de ameaças, p. e p. pelo artigo 153.º, n. 1 do C.P., na pena única de 160 dias de multa à taxa diária de 4,00 €, extinta pelo pagamento. 9. Por sentença proferida em 15.11.2004, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 457/03.8PARGR, que correu termos no 1.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática, em 28.09.2003, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2 do DL. 2/98, de 03/01, e um crime de ameaças, p. e p. pelo artigo 153.º, n. 1 do C.P., na pena única de 160 dias de multa à taxa diária de 4,00 €, extinta pelo pagamento. 10. Por sentença proferida em 06.04.2005, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 157/04.1PCRGR, que correu termos no 2.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do C.P., na pena de 2 anos de prisão suspensa por 15 meses, extinta nos termos do artigo 57.º do C.P.. 11. Por sentença proferida em 21.01.2009, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Sumário n.º 2/09.1PARGR, que correu termos no 1.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2 do DL. 2/98, de 03/01, na pena de 160 dias de multa à taxa diária de 5,00 €, extinta pelo pagamento. 12. Por sentença proferida em 27.11.2009, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 756/08.2PARGR, que correu termos no 1.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do C.P., na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa por igual período. 13. Por sentença proferida em 19.05.2010, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 495/08.4PARGR, que correu termos no 2.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática de três crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2 do DL. 2/98, de 03/01, e um crime de ameaças, p. e p. pelo artigo 153.º, n. 1 do C.P., na pena única de 30 períodos de prisão por dias livres e na pena de 4 (quatro) meses de prisão suspensa pelo período de 1 (um) ano. 14. Por sentença cumulatória proferida em 16.11.2010, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 495/08.4PARGR, que correu termos no 2.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado na pena única de 30 períodos de prisão por dias livres e na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão suspensa por igual período (cúmulo dos autos com o n.º .º 495/08.4PARGR e os autos n.º 756/08.2PARGR), penas já extintas. 15. Por sentença proferida em 23.11.2010, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 109/09.5PARGR, que correu termos no 2.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2 do DL. 2/98, de 03/01, e um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n. 1 do C.P., na pena única de 3 meses de prisão substituída por 90 dias de multa à taxa diária de 7,00 €, extinta pelo pagamento. 16. Por sentença proferida em 15.11.2011, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 157/12.8PCRGR, que correu termos no 2.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n. 1 e 155.º, n.º 1, alínea c), ambos do C.P., na pena de 5 meses de prisão substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade, extinta pelo cumprimento. 17. Por sentença proferida em 08.03.2013, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 250/12.7PCRGR, que correu termos no 2.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelos artigos 143.º, n. 1 do C.P., na pena de 4 meses de prisão substituída por 120 horas de trabalho a favor da comunidade, extinta pelo cumprimento. 18. Por sentença proferida em 19.05.2014, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 42/11.0PARGR, que correu termos no 2.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do C.P., na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa por igual período, sujeita a regime de prova, extinta nos termos do artigo 57.º do C.P.. 19. Por sentença proferida em 13.10.2014, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 186/13.4PARGR, que correu termos no 1.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi o arguido … condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do C.P., na pena de 2 anos de prisão, substituída por 480 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, extinta pelo cumprimento. 20. Por sentença proferida em 19.05.2015, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 411/14.4PARGR, que correu termos neste Juízo Local Criminal, foi o arguido … condenado pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelos artigos 347.º do C.P., na pena de 2 anos de prisão, suspensa por 2 anos e com a condição de prestar 400 horas de trabalho a favor da comunidade. 21. O arguido … é natural de Ponta Delgada e terceiro de uma fratria de seis elementos; o seu pai era camponês de profissão e a mãe, doméstica, sendo precária a situação económica do agregado; integrou a escola regular em idade própria, tendo sofrido reprovações no 3º e 4º anos de escolaridade, por desmotivação e absentismo; abandonou a escola sem ter concluído o 1º ciclo do ensino básico e sem ter adquirido competências de leitura e escrita, apenas sabendo assinar o nome. 22. O arguido … integrou, precocemente, o mundo laboral, como tratador de gado, profissão cujo exercício ia alternando com o desempenho de actividades indiferenciadas. 23. O arguido … tem duas filhas de um anterior relacionamento, estando as filhas entregues aos cuidados da mãe biológica. 24. O arguido … iniciou nova relação afectiva com a arguida… , e o casal teve duas filhas; o casal separou-se por alguns meses em 2012 e as filhas foram, provisoriamente, confiadas a uma irmã do arguido. 25. … e a … beneficiaram da intervenção do Centro de Terapia Familiar e Intervenção Sistémica, mas a fraca adesão de ambos ao processo terapêutico, determinou-lhes alta. 26. O arguido … reside na freguesia de Ribeira Seca – Ribeira Grande.; coabita com a companheira, a arguida… , com quem mantém relação afectiva/conjugal desde há cerca de sete/oito anos. 27. O casal tem duas filhas, … , estudante, e… , que frequenta creche. 28. O agregado reside em moradia arrendada, com boas condições de habitabilidade. 29. O arguido … trabalha como tratador de gado por conta de outrem, auferindo 580,00€ (quinhentos e oitenta euros), efectuando descontos para a Segurança Social; a arguida é beneficiária do RSI, no valor de 496,00€ (quatrocentos e noventa e seis euros). A estes montantes, acrescem 61,00€ (sessenta e um euros), de abono de família. 30. No quintal da habitação, são cultivados géneros hortícolas para consumo doméstico. 31. O arguido … afirmou ocupar a maior parte do tempo no tratamento de gado. Quando tem algum tempo livre, frequenta o espaço TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação. Provou-se ainda que: 32. Por sentença proferida em 06.07.2012, e transitada em julgado, no âmbito do Processo Sumário n.º 354/12.6PARGR, que correu termos no 1.º Juízo deste Tribunal (extinto), foi a arguida … condenada pela prática, em 06.07.2012, de um crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada agravada, p. e p. pelo artigo 190.º, n.º 1 e 3 do C.P., na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 6,00 €, substituída por admoestação. 33. A arguida … é habilitada com o 8º ano de escolaridade, é doméstica, nunca tendo exercido actividade laboral. B) Matéria de Facto Não provada: Não se provaram quaisquer outros factos que não aqueles que acima foram referidos, nomeadamente que: a) O cabeça-de-casal da herança de … é… . b) O valor global estimado dos toros correspondia a 300,00 € (trezentos euros). C) Motivação da Decisão de Facto: Em sede de valoração da prova, a regra fundamental é a constante do artigo 127.º do Código de Processo Penal, segundo a qual a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal”. Este princípio da livre apreciação da prova traduz-se na ideia de que o Tribunal baseia a sua decisão sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame e da ponderação das provas produzidas. Assim, o tribunal formou a sua convicção, relativamente à matéria de facto provada dos pontos 1), a 7) com base nas declarações dos arguidos … e… , os quais confessaram, em parte, os factos aí descritos, referindo que tinham autorização para entrarem no referido prédio de… , mas apenas para aí levarem as suas cabras. Admitiram que cortaram as árvores e que se preparavam para daí retirar os toros de madeira quando foram surpreendidos por um indivíduo. Acrescentaram que, nessa sequência, abandonaram no local a carroça com a madeira que já haviam carregado para a mesma. Disseram que a madeira que pretendiam levar se destinava à venda a terceiros e que o valor total da madeira que iriam trazer (a que estava na carroça e a demais que já estava cortada valeria, no máxima, cerca de 50,00 €). Por outro lado, o Tribunal atendeu ainda ao depoimento da testemunha… , neto de … (já falecido), que foi quem interceptou os arguidos no local. Questionado sobre o valor da madeira, o mesmo referiu que não sabe quantificar. Mais disse que o seu pai (… ) é o filho mais velho de … (já falecido). Ouvida a testemunha… , pelo mesmo foi dito que teve conhecimento da tentativa de furto, praticada pelos arguidos, por terceiros, e que, nessa sequência, se deslocou ao local tendo verificado a madeira que teria sido cortada pelos arguidos, sendo que o valor da Tribunal Judicial da Comarca dos Açores mesma (de 300,00 €) lhe terá sido dito por outras pessoas uma vez que não tem conhecimento da matéria. Por fim, acrescentou que o cabeça-de-casal da herança de seu pai é o seu irmão mais velho,… . Conjugando estes depoimentos, o Tribunal desde logo fica com a certeza absoluta que a testemunha … não é o cabeça-de-casal da herança de… . Isto resulta, aliás, do documento de fls. 178 a 188 dos autos. No entanto, surgem sérias dúvidas ao Tribunal em saber qual o valor global da madeira de que os arguidos se pretendiam apoderar. Os arguidos admitiram que o valor não ultrapassaria os 50,00 €, sendo certo que as testemunhas … e … não revelaram nenhum conhecimento directo sobre o assunto. Apenas a testemunha … apontou um valor de 300,00 € que lhe terá sido transmitido por uma terceira pessoa, sendo portanto um depoimento indirecto nesta parte e, como tal, não pode ser valorado. No que concerne aos factos relativos às condições socioeconómicas do arguido foram determinantes as declarações dos próprios, conjugadas com os relatórios sociais de fls. 136 a 145 e ss. e ainda com as declarações das testemunhas de defesa abonatórias, … , … , … e… , que se mostraram credíveis e nas quais o Tribunal alicerçou a sua convicção. Quanto aos antecedentes criminais por parte dos arguidos o tribunal tomou em consideração o Certificado de Registo Criminal juntos aos autos a fls. 149 e ss. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: Os arguidos vêm acusados da prática, em co-autoria material, na forma tentada, um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, al. f), e 22.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c), todos do Código Penal. Dispõe o artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal que comete o crime de furto simples “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel ou animal alheios (...)”. Por sua vez, nos termos da alínea f) do n.º 1, do artigo 204.º do Código Penal, “quem furtar coisa móvel ou animal alheios: (…) f) Introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar; (…) é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias”. Entre o crime de furto simples, que constitui o tipo legal de base e crime de furto qualificado, previstos respectivamente nos artigos 203.º e 204.º do Código Penal, existe um concurso aparente, em relação de especialidade. No tipo matricial, é enunciada a conduta punível como crime de furto, sendo que, no tipo legal de furto qualificado a ilicitude da conduta é agravada em função da verificação de determinados elementos adicionais ou complementares. A relação de especialidade tem como consequência a aplicação em concreto da norma especial, in casu, o furto qualificado, sempre que se verifiquem os elementos agravantes. No que tange aos bens jurídicos protegidos pela normas em apreço, na esteira do referido por Faria Costa em anotação a este artigo in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, entende-se que se visa tutelar não só o direito de propriedade, mas a “especial relação de facto sobre a coisa – poder de facto sobre a coisa – tutelando-se, dessa maneira, a detenção ou mera posse como disponibilidade material da coisa; como disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica”. São elementos objectivos do crime de furto: a coisa; o seu carácter móvel e alheio; e a subtracção. Quanto ao que se entende por “coisa” para o preenchimento do tipo, no seguimento de José António Barreiros, in Crimes contra o património, Ed. 1996 considera-se que terá que ser “necessariamente algo passível de subtracção, embora não tenha que ser algo de apreensível”. A coisa terá também que ser móvel, na medida que tem que ser passível de apreensão, não se fazendo aqui utilização dos conceitos civis, dado que os artigos 204º e 205º do Código Civil distinguem entre coisas móveis ou imóveis, consoante se encontrem ou não directamente incorporados ou ligados ao solo. Outro dos elementos do tipo é o carácter alheio da coisa, não se exigindo o conhecimento da identidade do proprietário da coisa, mas tão-somente que a mesma não pertença ao agente do crime, o que também se encontra preenchido. O tipo legal em apreço exige ainda para o seu preenchimento a subtracção, que, conforme evidencia Faria Costa, in obra citada, “traduz-se em uma conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor”, o que implica “a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa”. A subtracção, consiste assim, na quebra de uma detenção originária com a respectiva constituição de uma nova detenção. Ora, por detenção entende-se o poder de facto sobre a coisa no sentido de domínio efectivo de acordo com as regras sociais. Quanto ao momento, propriamente dito, em que se constitui uma nova detenção, têm sido apresentadas na doutrina quatro teorias, a saber: a teoria da “contretação” segundo a qual, existe nova detenção no momento em que o agente se limita a tocar a coisa; a teoria da “ablação”, nos termos da qual, haverá nova detenção no momento em que o agente afasta a coisa do domínio do seu detentor original; a teoria da “apreensão”, segundo a qual existe nova detenção quando o agente tem o controlo de facto e exclusivo sobre a coisa; e a teoria da “ilação”, para a qual só haverá nova detenção no momento em que o agente transfere a coisa definitivamente para a sua esfera de domínio. Numa tomada de posição sobre as várias teorias, afigura-se-nos como mais correcta a teoria da apreensão, sendo, assim, necessário na concretização da nova detenção que a coisa passe da esfera de poder do detentor original para o domínio do agente. Importa ainda referir no que tange à consumação do crime de furto, relativamente ao elemento subtracção, que se considera ser de perfilhar o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Fevereiro de 2007, in www.dgsi.pt, em que foi relator o Sr. Juiz Conselheiro, Maia Costa, segundo o qual “parece adequado optar por um conceito de subtracção que exija uma apropriação relativamente estável, como tal podendo considerar-se aquela que consegue ultrapassar os riscos imediatos de reacção por parte do próprio ofendido, das autoridades ou de outras pessoas agindo em defesa do ofendido”. Em sentido convergente, refere o acórdão Faria Costa in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, que apresenta um critério de acordo com o qual, “se exige o efectivo domínio sobre a coisa durante um espaço de tempo mínimo, de acordo com as circunstâncias do caso pois doutra forma, como explica, estaria arredado o recurso à legítima defesa (própria ou alheia) contra o agente do crime quando este entra em fuga na posse dos objectos apropriados, o que seria absurdo”. No mesmo sentido, refere também o acórdão citado que Paulo Saragoça da Matta, num artigo denominado Subtracção de Coisa Móvel Alheia – Os Efeitos do Admirável Mundo Novo num Crime “Clássico” in Liber Discipulorum para J. Figueiredo Dias, “defende que o crime de furto se consuma quando a coisa entra no domínio de facto do agente com “tendencial estabilidade”, por ter sido transferida para fora da esfera do domínio do seu possuidor”. Dispõe o artigo 203.º, n.º 2 do Código Penal a punibilidade da tentativa do crime de furto. Nos termos do artigo 22.º n.º 1 do Código Penal “Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.” Por sua vez, prevê a alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo que “São actos de execução: a) os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo legal de crime;” Ora, nos presentes autos provou-se que no dia 24 de Junho de 2015, pelas 11:45, os arguidos … e… , em comunhão de esforços entre si, deslocaram-se ao terreno agrícola situado no Caminho do Vulcão, s/n, na freguesia de Santa Bárbara, no concelho da Ribeira Grande, parte integrante da herança de… , cujo cabeça-de-casal é… , com o intuito de ali se introduzirem e de, assim, se apoderarem de objectos de valor que lá encontrassem. Assim, naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, os arguidos, em comunhão de esforços entre si e de modo não concretamente apurado, introduziram-se no sobredito terreno agrícola, vedado e delimitado em todo o seu perímetro. Uma vez no seu interior, os arguidos, munidos de uma catana, com cabo de plástico, de cor preta, com 13 cm de comprimento, sendo 7 cm de lâmina, e de um machado, com cabo de madeira, com 75 cm de comprimento, sendo 20 cm de lâmina, cortaram os troncos de oito árvores de acácia em diversos toros, no valor global de pelo menos 50,00 € (cinquenta euros). Em acto contínuo, os arguidos, munidos de uma corda, com 7 cm de comprimento, de uma corda, com 3 cm de comprimento, e de um cabo de aço, com 8,5 cm de comprimento, aprestaram-se a carregar os referidos toros de madeira para uma carroça de ferro, destinada ao transporte dos mencionados toros de madeira. Não obstante, os arguidos não lograram apoderar-se dos mencionados toros de madeira nem abandonar o referido terreno agrícola na posse dos mesmos, que cortaram com essa finalidade, porquanto foram surpreendidos, no local, por… . Mas, para que um determinado facto previsto na lei penal como crime (elemento objectivo do tipo legal), seja punido, exige-se ainda a verificação do elemento subjectivo. Ora no que concerne ao elemento subjectivo, conforme refere Eduardo Correia in Unidade e pluralidade de infracções, em nota de rodapé, no tipo legal de furto exige-se um dolo específico que se caracteriza pelo propósito do agente integrar a coisa furtada no seu património ou no património de terceiro, contra a vontade do seu proprietário. Os arguidos actuaram da forma supra descrita, em conjugação de esforços entre si, com o objectivo, não concretizado, de se apoderarem e de fazerem seus os referidos objectos, o que não conseguiram por motivos alheios às suas vontades, bem sabendo que as mencionadas árvores e os toros em que cortaram os respectivos troncos não lhes pertenciam e que, ao fazê-lo, actuavam contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo proprietário, mais sabendo, ambos, que não tinham autorização para entrar no sobredito terreno agrícola. Agiram, ambos, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei como crime. Dispõe o artigo 204.º, n.º 4 do C.P. que, não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor. Ora, nos termos do artigo 202.º, alínea c) do C.P. “diminuto valo” é aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto, ou seja, in casu, 102,00 €. Ora, nos autos apurou-se que o valor global da madeira seria de pelo menos 50,00 € (cinquenta euros), pelo que os elementos objectivos apurados enquadram-se no crime de furto simples. Assim, do conspecto factual apurado resulta, pois que, estão verificados os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de furto simples, (crime de furto qualificado desqualificado pelo valor) p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º n.º 1, al. f) e n.º 4, todos do C.P. Da falta de legitimidade do Ministério Público para deduzir acusação: O processo penal inicia-se e desenvolve-se mediante impulsos provocados pelos participantes processuais, começando com a aquisição da notícia do crime pelo Ministério Público (cfr. artigo 241.º do Cód. Proc. Penal). Atribui-se, pois, a uma entidade pública, a um órgão do Estado, a competência para investigar a notícia do crime, apurando se este foi praticado e submetendo o seu agente a julgamento (cfr. artigos 219.º da Constituição da República Portuguesa e 262.º do Código de Processo Penal), assim se consagrando o princípio da oficialidade. No entanto, este princípio sofre excepções. Entre outras, quando estão em causa crimes semipúblicos ou particulares, a promoção do processo pelo Ministério Público depende, desde logo, do exercício do direito de queixa pelo respectivo titular. Sendo o bem jurídico "a expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso" (J. Figueiredo Dias, "Direito Penal, Parte Geral", Tomo I, 2004, p. 109-110), compreende-se que existam bens jurídicos protegidos pelo direito penal que são mais valiosos que outros e que a violação de uns e outros configure a prática de crimes cujo gravidade varia, justamente, em função da natureza e importância do bem jurídico-penal atingido. A gravidade do crime é um dos factores que determina a distinção entre crimes públicos (em que o Ministério Público desencadeia, oficiosamente, o procedimento criminal), semipúblicos (a legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal depende de uma queixa do ofendido ou de alguém que, legitimamente, o substitua) e particulares (o exercício da acção penal pelo Ministério Público depende de queixa e de acusação particular). A queixa, nos crimes semipúblicos e nos crimes particulares, e, também, a acusação particular nos segundos, apesar de terem assento no Código Penal, são pressupostos processuais ou condições de procedibilidade, sem as quais o Ministério Público carece de legitimidade para promover o procedimento criminal (cfr. artigos 48.º, 49.º e 50.º do Código Processo Penal). Transpondo estas considerações para o caso concreto, os factos considerados provados, tal como resultam elencados na respectiva matéria de facto provada, apenas são susceptíveis de integrar a prática, pelos arguidos, em coautoria material, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo disposto no artigo 203º, 1, do Código Penal. Este crime tem a natureza de crime semipúblico (cfr. nº 3 do mesmo artigo). Por conseguinte, os presentes autos corporizam um procedimento criminal, cuja validade está dependente de queixa e de uma queixa validamente apresentada. No caso de inexistência desta, competia ao Ministério Público arquivar os autos na fase de inquérito (artigo 277º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), por ocorrer uma causa de inadmissibilidade legal do procedimento, por ilegitimidade do Ministério Público e, por conseguinte, compete agora a este tribunal conhecer de tal ilegitimidade. ln casu mostra-se documentada nos autos o exercício tempestivo do direito de queixa por parte de… , filho do falecido… , mas que não é nem era, à data dos factos, o cabeça-de-casal da herança daquele. Verificou-se da prova produzida, como aliás consta de fls. 180, que o cabeça-de-casal da herança de … é… , o qual não formulou qualquer queixa nos presentes autos. Dispõe o artigo 113.º, n.º 1, do Código Penal, sob a epígrafe "titulares do direito de queixa" que "Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresenta-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação." No caso dos autos, tendo em vista que com a incriminação do furto se quis proteger o património - e considerando que não se suscitam questões referentes à utilização dos bens a qualquer outro título que não a propriedade (ou seja, a queixosa não é arrendatária, comodatária, usufrutuária, etc) é inequívoco que o direito de queixa pertencia, exclusivamente, ao cabeça-de-casal. Terá assim que considerar-se que a queixa nos presentes autos apresentada, não adveio do titular do direito de queixa, e, por conseguinte, esta não poderá considerar-se validamente apresentada. Não há, tão pouco, que proceder à notificação aos titulares do direito de queixa para que ratifiquem a queixa apresentada, já que, mostra-se decorrido o prazo de seis meses, previsto pelo artigo 115.º, n.º 1, do Código Penal, para a extinção, por caducidade, do direito de apresentação de queixa. Por conseguinte, dever-se-á aqui declarar a falta de uma condição de procedibilidade - a existência de queixa validamente apresentada - e determinar que, não tendo o Ministério Público legitimidade para acusar, nos presentes autos, deverá declarar-se extinta a responsabilidade criminal dos arguidos. VI – DISPOSITIVO: Nos termos que acima se deixam expostos, o Tribunal decide julgar a acusação pública totalmente improcedente e, em consequência, decide-se: 1. Absolver os arguidos … e… , da prática, em co-autoria material, na forma tentada, um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, al. f), e 22.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c), todos do Código Penal. 2. Declarar a falta de uma condição de procedibilidade - a existência de queixa validamente apresentada - e determinar que, não tendo o Ministério Público legitimidade para acusar, nos presentes autos, declarar extinta a responsabilidade criminal dos arguidos … e… . Sem custas.» Vejamos. Nos presentes autos provou-se que no dia 24 de Junho de 2015, pelas 11:45, os arguidos … e… , em comunhão de esforços entre si, deslocaram-se ao terreno agrícola situado no Caminho do Vulcão, s/n, na freguesia de Santa Bárbara, no concelho da Ribeira Grande, parte integrante da herança de … , cujo cabeça-de-casal é … , com o intuito de ali se introduzirem e de, assim, se apoderarem de objectos de valor que lá encontrassem. Assim, naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, os arguidos, em comunhão de esforços entre si e de modo não concretamente apurado, introduziram-se no sobredito terreno agrícola, vedado e delimitado em todo o seu perímetro. Uma vez no seu interior, os arguidos, munidos de uma catana, com cabo de plástico, de cor preta, com 13 cm de comprimento, sendo 7 cm de lâmina, e de um machado, com cabo de madeira, com 75 cm de comprimento, sendo 20 cm de lâmina, cortaram os troncos de oito árvores de acácia em diversos toros, no valor global de pelo menos 50,00 € (cinquenta euros). Em acto contínuo, os arguidos, munidos de uma corda, com 7 cm de comprimento, de uma corda, com 3 cm de comprimento, e de um cabo de aço, com 8,5 cm de comprimento, aprestaram-se a carregar os referidos toros de madeira para uma carroça de ferro, destinada ao transporte dos mencionados toros de madeira. Não obstante, os arguidos não lograram apoderar-se dos mencionados toros de madeira nem abandonar o referido terreno agrícola na posse dos mesmos, que cortaram com essa finalidade, porquanto foram surpreendidos, no local, por … . Os arguidos actuaram da forma supra descrita, em conjugação de esforços entre si, com o objectivo, não concretizado, de se apoderarem e de fazerem seus os referidos objectos, o que não conseguiram por motivos alheios às suas vontades, bem sabendo que as mencionadas árvores e os toros em que cortaram os respectivos troncos não lhes pertenciam e que, ao fazê-lo, actuavam contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo proprietário, mais sabendo, ambos, que não tinham autorização para entrar no sobredito terreno agrícola. Agiram, ambos, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei como crime. Perante estes factos conclui a sentença recorrida que estão verificados os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de furto simples, (crime de furto qualificado desqualificado pelo valor) p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º n.º 1, al. f) e n.º 4, todos do C.P. Assim, a sentença considerando que o crime tem a natureza de crime semipúblico (cfr. nº 3 do mesmo artigo), entende que o procedimento criminal, cuja validade está dependente de queixa e de uma queixa validamente apresentada, esta não se verifica in casu, competindo ao Ministério Público arquivar os autos na fase de inquérito (artigo 277º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), por ocorrer uma causa de inadmissibilidade legal do procedimento, por ilegitimidade do Ministério Público e, por conseguinte, compete agora a este tribunal conhecer de tal ilegitimidade. ln casu mostra-se documentada nos autos o exercício tempestivo do direito de queixa por parte de … , filho do falecido … , mas que não é nem era, à data dos factos, o cabeça-de-casal da herança daquele. Verificou-se da prova produzida, como aliás consta de fls. 180, que o cabeça-de-casal da herança de … é … , o qual não formulou qualquer queixa nos presentes autos. Para o efeito, refere que dispõe o artigo 113.º, n.º 1, do Código Penal, sob a epígrafe "titulares do direito de queixa" que "Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresenta-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação." No caso dos autos, tendo em vista que com a incriminação do furto se quis proteger o património - e considerando que não se suscitam questões referentes à utilização dos bens a qualquer outro título que não a propriedade (ou seja, a queixosa não é arrendatária, comodatária, usufrutuária, etc.) é inequívoco que o direito de queixa pertenceria, exclusivamente, ao cabeça-de-casal. Terá assim que considerar-se que a queixa nos presentes autos apresentada, não adveio do titular do direito de queixa, e, por conseguinte, esta não poderá considerar-se validamente apresentada. Não há, acrescenta, que proceder à notificação aos titulares do direito de queixa para que ratifiquem a queixa apresentada, já que, mostra-se decorrido o prazo de seis meses, previsto pelo artigo 115.º, n.º 1, do Código Penal, para a extinção, por caducidade, do direito de apresentação de queixa. Por conseguinte, entende que falta de uma condição de procedibilidade - a existência de queixa validamente apresentada - e determina que, não tendo o Ministério Público legitimidade para acusar, nos presentes autos, deverá declarar-se extinta a responsabilidade criminal dos arguidos. O recorrente alega que estando a ser cometido um crime contra o património indiviso, qualquer um dos herdeiros (cotitular desse património) é diretamente prejudicado pelo crime em causa, pois os seus bens (ainda que indivisos, ainda que mera universalidade jurídica) estão a ser danificados ou destruídos. Alega, ainda, que os herdeiros são titulares dos bens da herança, ainda que esta esteja indivisa, e, por isso, sendo o objeto do furto, na versão do queixoso, bens da herança de que também é herdeiro, é evidente o interesse do queixoso, como herdeiro, em agir nos presentes autos. Em suma, para a sentença recorrida o direito de queixa pertencia, exclusivamente, ao cabeça-de-casal; para o recorrente qualquer um dos herdeiros detém esse direito. Importa decidir. Ora, antes da partilha da herança, os herdeiros são titulares, em comunhão, do património constituído por todos os bens hereditários. Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos (cfr., a este propósito, o disposto no artigo 2119º do Código Civil). Salvo melhor entendimento, somos do parecer que o direito de queixa pertence conjuntamente a todos os herdeiros. Com efeito, de acordo com o disposto no art. 2091.º, n.º 1, do CCivil, não estando previsto nos artigos precedentes, como não está, o particular direito de queixa, que mais não é do que o exercício de um direito que advém da herança enquanto património sujeito a lesão pelo furto, este pertence ao conjunto de todos os herdeiros. Afirmando a lei que, salvo os casos especificamente ressalvados na previsão legal, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, não pode restar dúvidas que o titular do direito respectivo referido no art. 49.º, n.º 3, do CPP é o conjunto de todos os herdeiros. E tem razão que assim seja, vamos supor que a maioria dos herdeiros optava por não apresentar queixa mas um com diferente opinião, fazia-o, a todos vinculando o seu acto individual, não nos parece ser esta a solução legal pois poderia levar a desencadear um processo crime contra a vontade ou até o desconhecimento da maioria dos herdeiros e contitulares dos bens objecto da herança. Termos em que, por razões distintas das aduzidas no recurso interposto e na sentença recorrida, se Acorda no Tribunal da Relação de Lisboa em confirmar o dispositivo da sentença recorrida com base nos fundamentos acima expressos. Sem custas. Lisboa, 11-09-2018 Moraes Rocha Vasco Freitas