Processo:332/20.1YHLSB-D.L1-PICRS
Data do Acordão: 09/03/2022Relator: ANA MÓNICA MENDONÇA PAVÃOTribunal:trl
Decisão: Meio processual:

I - O requerimento visando a substituição por caução das providências cautelares decretadas nos termos do art. 345º/1 do CPI pode ser deduzido a todo o tempo, independentemente do trânsito em julgado da decisão que decretou tais medidas cautelares (art. 345º/6 do CPI), não sendo, pois, aplicável o prazo previsto no art. 149º/1 do CPC; II – O art. 345º/6 do CPI, diversamente do art. 368º/3 do CPC, não exige que a caução aqui em causa tenha de ser suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente, mas apenas que seja adequada a assegurar a indemnização do titular do direito de propriedade industrial (v.g. direito de patente). Sumário (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663º/7 do CPC):

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ANA MÓNICA MENDONÇA PAVÃO
Descritores
PROPRIEDADE INTELECTUAL PATENTE CAUÇÃO TEMPESTIVIDADE E SUFICIÊNCIA
No do documento
RL
Data do Acordão
03/10/2022
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário
I - O requerimento visando a substituição por caução das providências cautelares decretadas nos termos do art. 345º/1 do CPI pode ser deduzido a todo o tempo, independentemente do trânsito em julgado da decisão que decretou tais medidas cautelares (art. 345º/6 do CPI), não sendo, pois, aplicável o prazo previsto no art. 149º/1 do CPC; II – O art. 345º/6 do CPI, diversamente do art. 368º/3 do CPC, não exige que a caução aqui em causa tenha de ser suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente, mas apenas que seja adequada a assegurar a indemnização do titular do direito de propriedade industrial (v.g. direito de patente). Sumário (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663º/7 do CPC):
Decisão integral
Acordam no tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
1. TEVA PHARMACEUTICAL INDUSTRIES LTD., TEVA PHARMA - PRODUTOS FARMACÊUTICOS, LDA., YEDA RESEARCH AND DEVELOPMENT CO., LTD., e TEVA GMBH instauraram procedimento cautelar contra MYLAN, LDA., requerendo que:
a) A requerida seja condenada a abster-se de introduzir no mercado português o produto farmacêutico actualmente designado por Clift 40 mg e abrangido pelo número de registo 5752829 no Infarmed I.P., bem como quaisquer outros produtos com a mesma composição, enquanto qualquer das Patentes se mantiver em vigor em Portugal;
b) A requerida seja condenada a abster-se de fabricar, oferecer, armazenar, importar, possuir ou utilizar em Portugal os produtos farmacêuticos referidos no parágrafo anterior, bem como de os promover ou divulgar, enquanto qualquer uma das Patentes se mantiver em vigor em Portugal;
c) A requerida seja condenada a retirar do mercado qualquer dos produtos farmacêuticos acima referidos que a requerida já tenha introduzido no mercado português;
d) A requerida seja condenada a abster-se de transferir a AIM relativa ao Clift 40 mg enquanto qualquer uma das Patentes estiver em vigor em Portugal;
e) Seja fixada uma sanção pecuniária compulsória num montante não inferior a €22.000,00, a pagar pela requerida por cada dia de incumprimento das providências que
venham a ser decretadas nos termos acima referidos.
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2. Foi proferida decisão em 3/1/2020, que julgando totalmente improcedente o procedimento cautelar, indeferiu as requeridas providências.
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3. Inconformadas, as requerentes da providência interpuseram recurso daquela decisão para este Tribunal da Relação, que por acórdão proferido em 7/7/2020, julgou provido o recurso, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra, que julgou parcialmente procedente o pedido e assim:
(i) Condenou a recorrida a abster-se de introduzir no mercado português o produto farmacêutico actualmente designado por Clift® 40 mg e abrangido pelo número de registo 5752829 no Infarmed I.P., bem como quaisquer outros produtos com a mesma composição, enquanto qualquer das Patentes se mantiver em vigor em Portugal;
 (ii) Condenou a recorrida a abster-se de fabricar, oferecer, armazenar, importar, possuir ou utilizar em Portugal os produtos farmacêuticos referidos no parágrafo anterior, bem como de os promover ou divulgar, enquanto qualquer uma das patentes se mantiver em vigor em Portugal;
(iii) Condenou a requerida a retirar do mercado qualquer dos produtos farmacêuticos acima referidos que a requerida já tenha introduzido no mercado português;
(iv) Condenou a requerida a abster-se de transferir a AIM relativa ao Clift 40 mg enquanto qualquer uma das patentes estiver em vigor em Portugal;
(v) Fixou uma sanção pecuniária compulsória no montante de 10.000 € (dez mil euros), a pagar pela recorrida por cada dia de incumprimento das providências atrás decretadas.
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4. Na sequência do pedido de rectificação e reforma do referido acórdão, foi proferido novo acórdão em 5/8/2020, que indeferiu o peticionado, mantendo as medidas decretadas.
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5. No âmbito do recurso que deu origem ao apenso B foi decidido, por acórdão de 16/4/2021, manter a decisão de não levantamento da providência cautelar e revogar a decisão recorrida (despacho refª citius nº 419657 proferido em 30/12/2020) na parte em que não apreciou o pedido formulado pela requerida de substituição das providências decretadas por caução.
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6. Em cumprimento de tal acórdão, foi proferida decisão no apenso C em 1/6/2021 (ref. citius nº 442770), cujo decreto judicial foi o seguinte:
“Pelo exposto, julga-se procedente este incidente de caução e, em consequência, autoriza-se a aqui requerente, requerida do procedimento Cautelar, Mylan, SA, a prestar caução, no valor de 667.208,56 euros, em substituição das providências decretadas.
Registe e notifique, devendo a requerente, em dez dias, indicar a forma de prestação de caução.
Custas pelas requeridas – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil”.
*
7. Inconformadas com tal decisão, vieram então as requerentes da providência (requeridas nos autos de caução) interpôr o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
§ 1. A Mylan deveria ter requerido a substituição por caução das providências cautelares decretadas nestes autos no prazo de10 dias, previsto no artigo 149.º, n.º 1, do CPC, a contar da notificação do decretamento das referidas providências.
§ 2. Não o tendo feito, é forçoso concluir que o seu pedido é extemporâneo, tendo ficado precludido o seu direito a requerer tal substituição ao abrigo do disposto nos artigos 368.º, n.º 3, do CPC e 345.º, n.º 6, do CPI, nos termos do artigo 139.º, n.º 3, do CPC.
§ 3. O pedido da Mylan de substituição por caução consubstancia, materialmente, um pedido de alteração das medidas cautelares decretadas, uma vez que, se o pedido da Mylan tiver provimento, ao invés de vigorarem as medidas decretadas pelo Tribunal, estas são substituídas pela prestação de caução.
§ 4. A Mylan apresentou o seu pedido de substituição por caução das providências cautelares decretadas depois de o Tribunal da Relação de Lisboa já se ter pronunciado, com trânsito em julgado, sobre as concretas medidas cautelares a aplicar, pretendendo, assim, que o Tribunal altere o sentido de uma decisão que proferiu e que já transitou em julgado.
§ 5. Esta pretensão não é, contudo, admissível porque, por um lado, se encontra extinto o poder jurisdicional, nos termos do artigo 613.º, n.º 1, do CPC, e, por outro lado, a reapreciação e alteração do sentido da decisão que decretou a providência cautelar consubstanciariam uma violação do caso julgado e, como tal, seriam manifestamente ilegais, uma vez que a presente situação não se enquadra naquelas em que, excepcionalmente, a lei admite a mutabilidade das decisões judiciais que decretam providências cautelares já transitadas em julgado.
§ 6. Por estes motivos, por ter apreciado este pedido inadmissível, o despacho recorrido é ilegal e, como tal, deve ser revogado.
§ 7. Além disso, o despacho recorrido é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais do processo equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), da igualdade das partes, decorrência do princípio do processo equitativo, da segurança jurídica e da proteção da confiança, decorrências do princípio do Estado de Direito Democrático previsto no artigo 2.º da CRP, inconstitucionalidade que se deixa arguida para todos os efeitos legais.
§ 8. Para sustentar o seu pedido de substituição por caução das providências cautelares decretadas, a Mylan invoca um facto superveniente (no caso, a revogação da EP 335 pelo IEP).
§ 9. Porém, quer da letra dos artigos 368.º, n.º 3, do CPC e 345.º, n.º 6, do CPI, quer da teleologia destas normas, resulta que o legislador não pretendeu dar ao requerido a oportunidade de, após o decurso do prazo de 10 dias, vir requerer, mesmo que com fundamento em factos supervenientes, a substituição por caução das providências decretadas. Nada nos mencionados artigos aponta nesse sentido.
§ 10. Como tal, não podia o Tribunal a quo ter apreciado o pedido da Mylan de substituição por caução das providências cautelares decretadas porquanto o mesmo não é admissível, uma vez que não existe nenhuma norma no ordenamento jurídico português que permita à Mylan, com fundamento em circunstâncias supervenientes, requerer a substituição por caução das providências cautelares decretadas depois de decorrido o prazo de 10 dias previsto no artigo 149.º, n.º 1, do CPC.
Sem prescindir,
§ 11. Mesmo que se admitisse tal possibilidade – no que não se concede –, as circunstâncias supervenientes invocadas teriam de ter a virtualidade de tornar pertinente, adequada ou admissível nos termos legais uma substituição por caução que anteriormente não o era e que por isso não foi requerida no prazo de 10 dias para o efeito.
§ 12. Ora, o facto superveniente invocado pela Mylan foi a revogação pelo IEP da EP 335, o qual, como notou o Tribunal a quo (nessa parte, bem), não respeita à caução, sua pertinência, adequação ou valor, mas antes respeita ao fumus boni iuris que justificou o decretamento da providência, pelo que tal facto superveniente não assume qualquer relevância para a avaliação da admissibilidade da prestação de caução.
§ 13. Por conseguinte, uma vez que o facto superveniente invocado pela Mylan não tem qualquer relação com a concreta caução requerida, antes respeitando ao fumus boni iuris (sendo que, como em sede própria se afirmou, o facto em causa não belisca esse fumus), o mesmo não pode legitimar o pedido de substituição por caução das providências decretadas apresentado em momento posterior ao término doprazo de10 dias de que o requerente dispõe para o efeito.
§ 14. Conclui-se, assim, que o despacho recorrido deveria ter indeferido o pedido da Mylan de substituição por caução das providências cautelares decretadas, porquanto o mesmo é extemporâneo – circunstância que é de conhecimento oficioso –, tendo-se extinguindo o direito da Mylan a requerera referida substituição, nos termos do artigo 139.º, n.º 3, do CPC.
Sem prescindir,
§ 15. A prestação de caução é processada por apenso ao procedimento cautelar e, como tal, está sujeita a formalidades próprias, nomeadamente as previstas no artigo 913.º do CPC, aplicável por força do artigo 915.º do CPC, que estipula que o requerido deve indicar os fundamentos, o valor a caucionar e o modo de prestação da caução.
§ 16. A Mylan não cumpriu os requisitos formais do pedido de substituição por caução, porquanto não indicou o valor concreto da caução que se propôs prestar (aludindo apenas genericamente ao valor dos presentes autos), não indicou a modalidade que a caução iria revestir, nem tão pouco liquidou a taxa de justiça devida pela dedução do incidente em causa.
§ 17. Só mais tarde, em sede de recurso, é que a Mylan tentou corrigir alguns dos referidos vícios. Porém, o momento processualmente adequado para a Mylan alegar os factos relevantes e cumprir os requisitos formais do pedido de substituição por caução era o requerimento através do qual a Mylan requereu a substituição por caução da providência decretada.
§ 18. Não tendo cumprido esse ónus no momento processualmente adequado, tal possibilidade ficou precludida.
§ 19. Por conseguinte, é forçoso concluir que o despacho recorrido deveria ter indeferido o pedido da Mylan por falta de verificação dos respetivos requisitos formais.
§ 20. Assim, o despacho recorrido é ilegal e, como tal, deve ser revogado.
§ 21. Além disso, o despacho recorrido é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais do processo equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, da igualdade das partes, decorrência do princípio do processo equitativo, da segurança jurídica e da proteção da confiança, decorrências do princípio do Estado de Direito Democrático previsto no artigo 2.º da CRP, inconstitucionalidade que se deixa arguida para todos os efeitos legais.
Sem prescindir,
§ 22.     Mesmo que os requisitos formais do pedido de substituição por caução tivessem sido cumpridos – no que naturalmente não se concede –, não estão verificados em concreto os pressupostos substantivos de que depende a substituição por caução da providência cautelar decretada.
§ 23. O Tribunal a quo fez uma errada interpretação do artigo 345.º, n.º 6, do CPI, segundo a qual este preceito seria menos exigente do que o artigo 368.º, n.º 3, do CPC no que respeita aos requisitos que condicionam a admissibilidade da substituição por caução das medidas cautelares decretadas, o que acabou por inquinar a decisão de admissão da substituição por caução da providência cautelar decretada.
§ 24. Ao contrário do que o Tribunal parece entender, a exigência de que a caução seja suficiente para a reparação da lesão, nos termos do CPC, não difere substancialmente da exigência, nos termos do CPI, de que seja adequada a assegurar a indemnização do titular – em ambos os casos, é manifesto que o que a lei pretende é acautelar que se encontra caucionado montante suficiente para reparar plenamente (no caso, indemnizar plenamente) todos os danos que o requerente da providência cautelar possa sofrer em consequência da violação pelo requerido dos seus direitos acautelados pela providência.
§ 25. Sendo inquestionável que a reparação/indemnização prevista nos referidos preceitos abrange a plenitude dos danos sofridos pelo requerente da providência, em obediência ao princípio da reparação integral do dano previsto no artigo 562.º do CC.
§ 26. Por conseguinte, a única interpretação possível do artigo 345.º, n.º 6, do CPI é a de que só é admissível a substituição por caução da providência cautelar decretada se e na estrita medida em que esta substituição for compatível com a prossecução da finalidade pretendida com o decretamento da providência cautelar e o montante caucionado for suficiente para indemnizar a integralidade dos danos sofridos pelo titular do direito.
§ 27. Os requisitos substantivos de que depende a procedência do pedido de substituição por caução são, no que ora releva, essencialmente os mesmos, quer no artigo 345.º, n.º 6, do CPI, quer no artigo 368.º, n.º 3, do CPC, a saber: a adequação da caução para acautelar a finalidade pretendida com o decretamento da providência cautelar e a suficiência da mesma.
§ 28. No que respeita ao requisito da adequação, verifica-se que este não se encontra preenchido.
§ 29. As providências decretadas visam evitar a perpetuação da violação, por parte da Recorrida, do direito de exclusivo aqui em causa. Assim, a substituição por caução da providência cautelar decretada é, neste caso, uma solução manifestamente desadequada à proteção do direito de exclusivo das Recorrentes, na medida em que permite que a Recorrida possa retomar a atividade violadora desse direito, situação que é, precisamente, aquela que se visou acautelar com o decretamento da providência.
§ 30. A substituição da providência cautelar pela prestação de caução é também desadequada devido ao carácter irreparável de grande parte dos prejuízos que são causados pela violação de um direito de exclusivo, como é o caso do direito de patente das Recorrentes.
§ 31. A mais conceituada doutrina e jurisprudência tem vindo a considerar que, atendendo à sua natureza específica, os direitos de propriedade intelectual, enquanto direitos de exclusivo, não são aptos a serem integralmente ressarcíveis através de uma indemnização, uma vez que sempre se produzem danos irreparáveis com a sua violação.
§ 32. Acresce ainda que, mesmo que se admitisse que a caução é adequada a garantir a finalidade prosseguida pela providência cautelar – no que evidentemente não se concede–, o requisito da suficiência não se encontra preenchido no presente caso.
§ 33. Como reconhece o próprio Tribunal a quo na decisão recorrida, os 667.208,56 € – montante da caução determinada pelo Tribunal – correspondem apenas a uma parte dos prejuízos sofridos pelas Recorrentes. Se o valor da caução corresponde apenas a uma parte dos prejuízos sofridos pelas Recorrentes, isso significa que esta não é suficiente para a reparação integral dos prejuízos que a atuação da Recorrida já causou e continuará a causar às Recorrentes em caso de substituição das providências cautelares.
§ 34. O mencionado montante corresponde aos danos patrimoniais causados pela
Recorrida às Recorrentes até à data da petição inicial da ação principal a que correspondem os presentes autos, não tendo em consideração os danos que irão, certamente, ser causados com a substituição por caução da providência cautelar decretada e o consequente levantamento da barreira à entrada da Recorrida no mercado.
§ 35. As Recorrentes indicaram no requerimento inicial de providência cautelar para o ano de 2020, que a diferença entre o montante estimado de vendas do medicamento das Recorrentes em causa nos autos (o Copaxone®), com ou sem a concorrência do produto da Recorrida, seria de 2.470.216,00 €.
§ 36. Isto sem contar com o impacto em anos subsequentes e com todos os outros danos imateriais causados pela violação do direito de exclusivo das Recorrentes, que, conforme se expôs acima, são de muito difícil quantificação e, consequentemente, de muito difícil reparação.
§ 37. Por conseguinte, é forçoso concluir que o despacho recorrido deveria ter indeferido o pedido apresentado pela Mylan de substituição por caução das providências cautelares decretadas, porquanto esta se revela inadequada a garantir a finalidade prática que as providências decretadas visavam alcançar, não se encontrando, assim, preenchidos os pressupostos substantivos de que depende o decretamento da substituição por caução, nos termos dos artigos 368.º, n.º 3, do CPC e 345.º, n.º 6, do CPI.
§ 38. Mesmo que se entendesse que a substituição por caução seria uma medida adequada (o que não se aceita), ainda assim não se encontrariam preenchidos os pressupostos substantivos de que depende a substituição por caução das providências decretadas, uma vez que o montante a caucionar determinado pelo Tribunal a quo se revela manifestamente insuficiente para indemnizar as Recorrentes pelos danos que sofreram e sofrerão, no futuro, em consequência da substituição por caução.
§ 39. Assim, o despacho recorrido é ilegal e, como tal, deve ser revogado.
§ 40. Além disso, o despacho recorrido é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais do processo equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, da segurança jurídica e da proteção da confiança, decorrências do princípio do Estado de Direito Democrático previsto no artigo 2.º da CRP, inconstitucionalidade que se deixa, desde já, arguida para todos os efeitos legais.
Concluindo nos seguintes termos [transcrição]:
a) Deve o presente Recurso ser julgado totalmente procedente e, consequentemente, deve a decisão recorrida ser totalmente revogada e substituída por outra que julgue improcedente o pedido da Mylan de substituição por caução das providências cautelares decretadas;
b) Subsidiariamente, caso se entenda ser admissível o pedido da Mylan de substituição por caução das providências cautelares decretadas, deve o montante a caucionar ser alterado por forma a precaver a reparação não só dos danos já verificados mas também dos danos futuros que se verificarão em caso de substituição da providência cautelar, nomeadamente atendendo ao disposto no capítulo IV, subcapítulo b) 2., das presentes alegações de recurso.
*
8. A recorrida ofereceu contra-alegações, pugnando pela confirmação da decisão posta em crise e apresentando as seguintes conclusões [transcrição]: 
a) O disposto no art. 345.º n.º 6 do CPI é igualmente aplicável aos casos em que a decisão cautelar já transitou em julgado, mas que, por força de circunstâncias supervenientes, se justifique a substituição das medidas decretadas por caução, podendo esse pedido de substituição ser apresentado, a todo o tempo, pelo requerido no procedimento cautelar;
b) Este entendimento é plenamente compatível com o princípio da proporcionalidade, o qual determina que deve ser decretada a medida cautelar menos gravosa e, por maioria de razão, que essa medida deve ser substituída por caução;
c) Também é plenamente compatível e decorre das características de provisoriedade, modificabilidade e instrumentalidade das providências cautelares, que implicam que elas devem acompanhar de perto as vicissitudes dos direitos e a dinâmica das realidades que lhes estão subjacentes, uma vez que, caso contrário, correm o perigo indesejado pelo legislador, de se tornarem medidas definitivas e não provisórias, desrespeitando as regras legais vigentes e perdendo a necessária proporcionalidade e provisoriedade mencionadas;
d) O Código da Propriedade Industrial é lei especial relativamente ao Código de Processo Civil;
e) O fumus boni iuris que assentou na inexistência de evidência ostensiva de invalidade das três patentes invocada pelas Recorrentes ficou seriamente abalado pela decisão definitiva de revogação da EP 335 tomada pela Câmara de Recurso do Instituto Europeu de Patentes, bem como pelas Opiniões preliminares proferidas pela Divisão de Oposição no âmbito dos processos de Oposição da EP 962 e da EP 172, cuja violação constitui a causa de pedir que resta nos presentes autos;
f) E se, nesta fase, está vedado ao tribunal reanalisar a validade da EP 962 e da EP 172, já o enfraquecimento do fumus boni iuris pode e deve ser reapreciado pelo Tribunal com vista à substituição das providências decretadas pela prestação de caução como corolário dos princípios da provisoriedade e da proporcionalidade;
g) Essa substituição foi requerida pela aqui Recorrida no recurso interposto para o Tribunal da Relação da Lisboa, em 25.01.2021, no qual indicou que a caução seria prestada por garantia bancária e que os valores de negócio provados nos autos davam ao Tribunal os parâmetros suficientes para, segundo o seu prudente arbítrio, fixar o valor dessa medida substitutiva a realizar através de garantia bancária, o qual veio a ser fixado pelo tribunal a quo como sendo o correspondente ao montante indemnizatório liquidado na petição inicial. Foi também liquidado o montante correspondente à taxa de justiça devida pela dedução do incidente, tendo, por conseguinte, sido cumpridos todos os requisitos do incidente de prestação de caução previstos no art. 913.º ex vi 915.º do CPC;
h) Aliás, mesmo ao abrigo do CPC, constituindo a prestação de caução um incidente, não seria necessária a indicação do valor a caucionar, porquanto das alegações de recurso resulta que o mesmo corresponderia aos valores de negócio provados nos autos;
i) Ao prever, no art. 345.º n.º6 do CPI , que a substituição das medidas decretadas por caução é possível se esta for adequada a assegurar a indemnização do titular, o legislador reconhece, de forma expressa, que os danos sofridos pela violação de um direito de propriedade industrial são suscetíveis de ressarcimento, na sua plenitude, através de uma indemnização;
j) Mesmo que se entenda, como sustentam as Recorrentes, que os requisitos para a substituição por caução são os mesmos quer no CPI, quer no CPC, e que o que a lei pretende acautelar, em ambos os casos, é que o montante caucionado seja suficiente para reparar todos os danos causados, a verdade é que o montante a caucionar é suficiente para indemnizar a totalidade dos danos alegadamente sofridos pelas Recorrentes;
k) O dano decorrente da violação do direito de exclusivo é suscetível de ser traduzido num montante pecuniário;
l) As Recorrentes não conseguirão provar que sofreram prejuízos nos montantes alegados na petição inicial e, desse modo, o valor a acautelar com a caução irá ser sempre muito superior aos eventuais danos;
m) Os prejuízos alegados pelas Recorrentes acabam todos por se conduzir a prejuízos meramente materiais e/ou de ordem pecuniária, o que é elucidativo de que a caução, no montante determinado pelo tribunal a quo, é adequada e suficiente para assegurar uma eventual indemnização a pagar aos Recorrentes.
*                                
II. QUESTÕES A DECIDIR
De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º/4 e 639º/1 ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se delimita o objeto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão recursória, seja quanto às questões de facto e de direito suscitadas. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. art. 5º nº 3 do Cód. Proc. Civil). 
Por outra banda, o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas de todas as questões suscitadas que se apresentem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. art. 608º nº 2 do Cód. Proc. Civil, ex vi do art. 663º nº 2 do mesmo diploma). 
Acresce que, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, isto é, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Tendo por base este quadro normativo, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelas recorrentes que as questões a decidir são as seguintes:
1. Extemporaneidade do pedido de substituição da providência por caução;
2. Requisitos formais e substantivos de tal pedido e interpretação do art. 345º/6 do CPI;
3. Desadequação e insuficiência da caução decretada;
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida julgou assentes os seguintes factos:
a)    No âmbito da providência cautelar que constitui o apenso A, a aqui requerente foi condenada a (i) abster-se de introduzir no mercado português o produto farmacêutico designado por Clift® 40 mg e abrangido pelo número de registo 5752829 no Infarmed I.P., bem como quaisquer outros produtos com a mesma composição, enquanto qualquer das Patentes se mantiver em vigor em Portugal; (ii) a abster-se de fabricar, oferecer, armazenar, importar, possuir ou utilizar em Portugal os produtos farmacêuticos referidos no parágrafo anterior, bem como de os promover ou divulgar, enquanto qualquer uma das patentes se mantiver em vigor em Portugal; (iii) a retirar do mercado qualquer dos produtos farmacêuticos acima referidos que a requerida já tenha introduzido no mercado português; a abster-se de transferir a AIM relativa ao Clift 40 mg enquanto qualquer uma das patentes estiver em vigor em Portugal;
b) No âmbito do processo principal, do qual depende a providência cautelar, as ali autoras, aqui requeridas, pediram a condenação da ali ré, aqui requerente, no pagamento da quantia mínima de 121.036,65 €, correspondente ao lucro sobre as vendas que a ré efetivamente realizou até à data da sentença, com as vendas do Clift® 40 mg, acrescida da quantia não inferior a 546.175,91 €, a título de encargos suportados com a investigação e cessação da conduta lesiva, bem como ainda das quantias que se vierem a apurar, relativas aos lucros cessantes das ali autoras, e igual quantia a título de danos não patrimoniais.
*
IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
1. Extemporaneidade do pedido de substituição da providência por caução;
Ao abrigo do disposto no art. 345º/6 do CPI, veio a ora recorrida Mylan por requerimento apresentado em 21/9/2020 requerer a substituição por caução das providências cautelares decretadas no apenso A (por acórdão proferido por este Tribunal da Relação em 7/7/2020 e confirmado por novo acórdão de 5/8/2020). 
O incidente de caução, que deu origem ao apenso C, veio a ser julgado procedente, sendo a requerida do procedimento cautelar, Mylan Lda, autorizada a prestar caução no valor de €667 208,56, em substituição das providências decretadas. É esta decisão que é posta em crise no presente recurso.
Invocam as recorrentes, antes de mais, a extemporaneidade do requerimento apresentado pela ora recorrida visando a substituição das providências cautelares por caução, alegando que foi ultrapassado o prazo de dez dias previsto no art. 149º/1 do CPC. Mais alegam que foi violado o caso julgado, face ao trânsito em julgado da decisão deste Tribunal da Relação que decretou as providências.
Contra posiciona-se a recorrida, defendendo que não estabelecendo o Código da Propriedade Industrial (CPI) qualquer prazo para deduzir o pedido de substituição por caução e atendendo à provisoriedade da tutela cautelar, deve entender-se que o art. 345º/6 daquele diploma se aplica também aos casos em que a decisão cautelar já transitou em julgado.
Afigura-se-nos que assiste razão à recorrida.
Vejamos o que estabelece o mencionado preceito legal.
*

Artigo 345.º - Providências cautelares

1 - Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade industrial ou de segredo comercial, pode o tribunal, a pedido do interessado, decretar as providências adequadas a:
a) Inibir qualquer violação iminente; ou
b) Proibir a continuação da violação.
2 - O tribunal exige que o requerente forneça os elementos de prova para demonstrar que é titular do direito de propriedade industrial ou do segredo comercial, ou que está autorizado a utilizá-lo, e que se verifica ou está iminente uma violação.
3 - As providências previstas no n.º 1 podem também ser decretadas contra qualquer intermediário cujos serviços estejam a ser utilizados por terceiros para violar direitos de propriedade industrial ou segredos comerciais.
4 - Pode o tribunal, oficiosamente ou a pedido do requerente, decretar uma sanção pecuniária compulsória com vista a assegurar a execução das providências previstas no n.º 1.
5 - Ao presente artigo é aplicável o disposto nos artigos 341.º a 343.º
6 - A pedido da parte requerida, as providências decretadas a que se refere o n.º 1 podem ser substituídas por caução, sempre que esta, ouvido o requerente, se mostre adequada a assegurar a indemnização do titular.
7 - Na determinação das providências previstas no presente artigo, deve o tribunal atender à natureza dos direitos de propriedade industrial ou do segredo comercial, salvaguardando, nomeadamente, a possibilidade de o titular continuar a explorar, sem qualquer restrição, os seus direitos.
Como vemos, o nº 6 da disposição transcrita não estabelece qualquer prazo para requerer a substituição das providências por caução, estatuindo, aliás, que tal substituição pode ser pedida “sempre que se mostre adequada a assegurar a indemnização do titular”.
A norma em apreço tem carácter especial em relação ao previsto no Código de Processo Civil (CPC), sendo que só cabe recorrer subsidiariamente ao estabelecido neste compêndio processual nas situações não reguladas no CPI (art. 358º do CPI).
Concorre para o entendimento da ausência de prazo para requerer a caução substitutiva a natureza instrumental e provisória dos procedimentos cautelares, o que é igualmente válido para as providências cautelares previstas no CPC, cujo art. 368º/3 também não prevê qualquer limitação temporal para a dedução do incidente de substituição por caução. A este propósito pode ler-se no Código de Processo Civil Anotado por António Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, (Almedina, 2ª edição, vol I, pág. 450) que: “independentemente da interposição de recurso (ou da dedução de oposição superveniente, nos casos em que não tenha existido contraditório prévio), o requerido pode requerer, por via incidental (art. 915º do CPC), a substituição da providência por caução (…)” – sublinhado nosso.
No sentido de que a prestação de caução pode ser requerida em qualquer momento, pronuncia-se de igual forma Lebre de Freitas, in CPC Anotado, vol. II, Coimbra Editora, 2001, pág. 39.
Carece, pois, de fundamento a argumentação em que se estriba a recorrente de que é aplicável ao caso o prazo geral previsto no art. 149º/1 do CPC, quando existe norma especial.
Acresce que a decisão recorrida, que apreciou o mencionado requerimento, foi proferida em cumprimento do acórdão proferido por este Tribunal da Relação em 16/4/2021 no âmbito do apenso B (cf. ref. citius 16782608), o qual determinou a revogação do decidido na parte em que não havia apreciado o pedido da requerida substituição por caução das providências cautelares.
Também não colhe o argumento da violação do caso julgado, até pela natureza provisória e instrumental das decisões cautelares, que não fazem caso julgado relativamente ao processo principal (art. 364º/4 do CPC), sendo ainda certo que a decisão posta em crise não reapreciou, nem podia fazê-lo, os pressupostos que serviram de fundamento à providência decretada.
Por outra banda e no seguimento do acima exposto, não ocorre a invocada inconstitucionalidade do despacho decorrido, porquanto não se vislumbra que com a sua prolacção tenham sido violados os apontados princípios do processo equitativo, da igualdade das partes, da segurança jurídica e/ou da protecção da confiança.
Do exposto é forçoso concluir pela tempestividade do requerimento de substituição por caução deduzido pela ora recorrida.
A tanto não obsta a circunstância, invocada pelas recorrentes, de a requerida ter fundamentado o pedido de substituição por caução em factos supervenientes, no caso a revogação da EP 335 pelo Instituto Europeu de Patentes (IEP) e na consequente invalidade das outras patentes derivadas daquela. Na verdade, tal não releva para a questão da tempestividade do requerimento em análise.
Porém, como decorre da fundamentação da decisão recorrida, o Tribunal de 1ª Instância não se baseou na revogação da/s patente/s para decidir sobre a requerida caução, mas antes no conteúdo patrimonial dos direitos de patente e na consequente ressarcibilidade dos danos e aptidão da caução para o efeito.
Ainda que assim não fosse, a circunstância superveniente da revogação da/s patente/s não poderia ser considerada nos autos enquanto a respectiva decisão não transitasse em julgado, pois só a partir desse momento se pode afirmar que a patente deixou de vigorar.
Conforme frisou o Tribunal a quo na decisão recorrida, “(…) não cabe nesta decisão tomar posição sobre a probabilidade ou não de revogação das patentes EP 962 e EP 172, para efeitos de determinação da possibilidade de caução. Isto porque a caução deve ser fixada no quadro da procedência do procedimento cautelar e este, por seu turno foi determinado com base na prova, ainda que perfunctória, de violação dos direitos de patente. Assim, a decisão quanto ao pedido de caução está inserida no âmbito da concessão do procedimento cautelar, sendo por isso irrelevantes os juízos de probabilidade de invalidade das patentes, para efeitos de decisão neste incidente”.
Concluindo-se pela tempestividade do requerimento apresentado pela ora recorrida, improcede o recurso nesta parte.
*
2. Requisitos formais e substantivos do pedido de substituição das providências por caução e interpretação do art. 345º/6 do CPI
Defendem as Apelantes que o pedido deduzido pela recorrida Mylan devia ter sido indeferido por falta de verificação dos respectivos requisitos formais e substantivos.
Alegam, desde logo, que diversamente do que dispõe o art. 913º do CPC, no requerimento de 21/9/20 a ora recorrida não indicou o valor concreto da caução, nem a modalidade que a mesma deveria revestir, não devendo ter sido considerada a correcção posterior de tais vícios, quando a Mylan veio requerer que a caução fosse prestada através de garantia bancária.
            Contra-alega a recorrida que cumpriu todos os requisitos do incidente de prestação de caução previstos no citado art. 913º ex vi art. 915º do CPC, citando jurisprudência segundo a qual, nos casos em que a prestação de caução constitui incidente da acção, não se exige a indicação na petição inicial do fundamento da pretensão e do valor a caucionar.
Analisando o requerimento apresentado em 21/9/2020, verificamos que nele a requerente/ora recorrida Mylan fundamenta a sua pretensão e pronuncia-se sobre o valor da caução, embora não indicando um valor concreto, mas remetendo para o valor da causa (€30 000, 01), tal como faz no requerimento de 25/1/2021 (alegações de recurso do despacho proferido em 30/12/2020), vindo desta feita requerer, subsidiariamente ao pedido de levantamento das providências decretadas, a substituição por caução, indicando como modo de prestação a garantia bancária.
Afigura-se-nos que se mostram cumpridos os requisitos formais a que alude o art. 913º/1 do CPC, na medida em que do requerimento inicial deduzido em 21/9/2020 constam os requisitos essenciais ali previstos, nada obstando a que o modo de prestação da caução venha a ser indicado em momento posterior ao requerimento inicial, até porque o art. 913º/3 do CPC, relativo à prestação espontânea de caução, remete para as regras atinentes à prestação provocada da caução, concretamente para os artigos 908º e 909º, e como tal, acaba por ser aplicável o disposto no art. 910º (neste sentido, vide acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 28/6/07, P. nº 4941/2007-6, publicado in www.dgsi.pt). 
Não nos merece, pois, censura o segmento da decisão recorrida, constante da sua parte final, em que o Tribunal de 1ª Instância concede à ali requerente o prazo de dez dias para indicar a forma de prestação de caução.
Por conseguinte, não padece a decisão recorrida de qualquer ilegalidade ou sequer inconstitucionalidade, não se divisando a postergação designadamente dos invocados princípios do processo equitativo (art. 20º/4 do Constituição da República Portuguesa), da igualdade das partes, segurança jurídica e protecção da confiança, sendo ainda certo que o Tribunal a quo não deixou de observar o princípio do contraditório.
Abordemos agora a questão dos pressupostos substantivos e da alegada errónea interpretação do art. 345º/6 do CPI feita na decisão recorrida.
Contestam as Apelantes o entendimento do Tribunal a quo segundo o qual o art. 345º/6 do CPI seria menos exigente do que o art. 368º/3 do CPC no que respeita aos requisitos que condicionam a admissibilidade da substituição por caução das medidas cautelares decretadas.
Defendem que “só é admissível a substituição por caução da providência cautelar decretada se e na estrita medida em que esta substituição for compatível com a prossecução da finalidade pretendida com o decretamento da providência cautelar e o montante caucionado for suficiente para indemnizar a integralidade dos danos sofridos pelo titular do direito”.
Vejamos.
Ciente da natureza exclusiva dos direitos de propriedade industrial, o legislador estabeleceu em sede de procedimentos cautelares (inominados) nesta matéria o regime constante do art. 345º do CPI, nos termos do qual a ponderação dos interesses em confronto não está sujeita à regra do nº 2 do art. 368º do CPC, que manda fazer um balanço entre o dano a evitar ao requerente e o prejuízo a causar ao requerido (vide Código da Propriedade Industrial Anotado, Coord. Luís Couto Gonçalves, Coimbra Almedina, 2021, pág. 1254).
Da mesma forma, o nº 6 do citado art. 345º do CPI não coincide com o art. 368º/3 do CPC. Neste caso, a caução deve ser “suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente”. Diversamente, no caso do art. 345º/6 do CPI a caução deve mostrar-se “adequada a assegurar a indemnização do titular”.
A este propósito, pode ler-se na sentença recorrida que:
“O presente procedimento foi decretado nos termos do artigo 345.º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial, pelo que o n.º 6 tem aplicação.
Este preceito tem paralelo, não absoluto, no artigo 368.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Salienta-se a diferença de que, no regime do Código de Processo Civil, se prevê a necessidade de a caução dever ser suficiente para prevenir a lesão ou repará-la, enquanto no Código da Propriedade Industrial, apenas se exige que a caução seja adequada a assegurar a indemnização do titular.
Estamos, no âmbito do artigo 345.º, do Código da Propriedade Industrial, perante uma providência cautelar especificada – a adicionar àquelas que prevê o qual se aplicam as regras próprias e, no que não esteja especialmente prevenido, as regras gerais – artigo 358.º, do Código da Propriedade Industrial.
Nota-se a este propósito, que a citação que as aqui requeridas fazem, do Código de Processo Civil Anotado do Professor Lebre de Freitas, se refere, e bem, ao artigo 368.º, do Código de Processo Civil, mas não ao artigo 345.º, n.º 6, do Código da Propriedade Industrial. É que, o Código de Processo Civil sujeita a caução à prevenção da lesão, mas o Código da Propriedade Industrial não. E não se trata de qualquer lacuna no regime da propriedade industrial, mas sim de uma opção legislativa clara, solução que, por isso, afasta o recuso subsidiário ao artigo 368.º, do Código de Processo Civil.
Da leitura do artigo 345.º, n.º 6, do Código da Propriedade Industrial, decorre, de forma evidente, que o legislador entendeu dar tratamento diverso às providências cautelares previstas pelo Código da Propriedade Industrial, relativamente às providências previstas pelo Código de Processo Civil, bastando-se, para efeitos de caução, no caso do Código da Propriedade Industrial, com a quantia necessária a assegurar a indemnização.
Argumentam as aqui requeridas que as providências decretadas no procedimento destes autos, não são passíveis de substituição por caução, por estar em causa o desenvolvimento, em regime de exclusividade, da comercialização do seu  medicamento, em que existem várias outras possíveis consequências decorrentes da violação da patente que têm igualmente de ser tidas em conta, como o direito exclusivo que visa conferir uma vantagem concorrencial no mercado por um determinado período de tempo, cuja lesão não tem forma de ser revertida. Apesar desta alegação, não se mostra alegado, em termos práticos e concretos, como é que esse direito não pode de alguma forma ser refletido patrimonialmente, para efeitos indemnizatórios.
Sem prejuízo dessa alegação, a verdade é que a opção escolhida pelo legislador da norma do artigo 345.º, n.º 6, do Código da Propriedade Industrial, foi a de considerar que estes direitos têm sempre conteúdo patrimonial e, em qualquer caso, indemnizável, ainda que se tratem de direitos de propriedade exclusivos.
Afastou-se assim o legislador, de forma clara e evidente, da regra que previu no Código de Processo Civil, considerando que o tratamento deve aqui ser diverso, na medida em que, sendo os direitos de patente, direitos de exploração comercial exclusiva de uma determinada invenção, atribuídos em troca da divulgação pública dos ensinos dessa invenção, têm conteúdo patrimonial, conferindo a comercialização exclusiva. São, por esse motivo, suscetíveis de ressarcimento pela via indemnizatória.
Assim, no preceito legal do Código da Propriedade Industrial – artigo 345.º, n.º 6 – o legislador considerou que a caução deveria ser a adequada a ressarcir danos, no pressuposto de que estes são passíveis de ressarcimento. 
Em conclusão, não assiste razão às requeridas quando alegam a impossibilidade de prestação de caução no presente caso, afigurando-se que a lei permite a substituição das providências decretadas por caução, devendo, em conformidade com o artigo 345.º, n.º 6, do Código da Propriedade Industrial, assim decidir-se”. 
Subscrevemos inteiramente o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, mostrando-se infundada a exigência de que a caução substitutiva prevista no art. 345º/6 do CPI deva ou tenha de ser adequada a prevenir a lesão ou a repará-la integralmente. Tal equivaleria a fazer tábua rasa do regime especial ali previsto e aplicar, sem fundamento, o estatuído no art. 368º/3 do CPC.
Destarte, temos por correcta a interpretação do art. 345º/6 do CPC a que procedeu o Tribunal a quo, improcedendo este segmento do recurso.
*
3. Desadequação e insuficiência da caução decretada
Entendem as Apelantes que a substituição por caução da providência cautelar é uma solução manifestamente desadequada à protecção do seu direito de exclusivo, na medida em que permite que a recorrida possa retomar a actividade violadora desse direito.
Não colhe, contudo, o argumentário em que se baseiam, atinente ao paralelismo que estabelecem entre a providência cautelar decretada nos autos e a restituição provisória da posse, nem a equiparação que fazem dos direitos de propriedade industrial ao direito de propriedade.
É consabido que apesar da designação dos direitos privativos industriais como «propriedade industrial» não é de uma verdadeira propriedade que aqui se trata. Sobre a natureza do Direito Industrial, sublinha Pedro Sousa e Silva (in Direito Industrial, Almedina, 2ª edição, 2019, pág.18) que “estes direitos não têm propriamente um objecto sobre o qual o seu titular possa exercer quaisquer poderes de fruição (ao contrário do que sucede com os demais direitos reais), conferindo antes ao seu titular um exclusivo de exercício de certa actividade ou de uso de determinado sinal. O seu objecto não é o poder de fruir ou de usar um sinal ou um invento, mas apenas o de impedir terceiros de o fazer. Ou seja, não têm um conteúdo positivo, mas sim negativo, consistindo unicamente num direito de proibir terceiros de exercer uma actividade ou de usar um sinal”. (sublinhado nosso).
A natureza exclusiva dos direitos em apreço justifica a especificidade da tutela cautelar estabelecida no CPI, sem prejuízo da possibilidade de recurso a outras medidas e procedimentos previstos no CPC, nos casos não especialmente regulados no CPI (cf. art. 358º deste diploma).
Ora, o nº 6 do supra aludido art. 345º do CPI faz depender a aplicação da caução substitutiva da providência cautelar da sua adequação para assegurar a indemnização do titular.
Não ignoramos que os direitos de propriedade intelectual não assumem unicamente natureza patrimonial, tutelando ainda interesses de ordem não patrimonial.
No caso dos autos, a pretensão das autoras na acção principal de que dependem os autos de procedimento cautelar consiste, na parte que agora importa considerar, na condenação da ré:
- “ (i) … a abster-se de introduzir no mercado português o produto farmacêutico atualmente designado Clift® 40 mg e abrangido pelo número de registo 5752829 no INFARMED I.P., bem como quaisquer outros produtos com a mesma composição, enquanto qualquer uma das Patentes se mantiver em vigor em Portugal; 
- (ii) … a abster-se de fabricar, oferecer, armazenar, importar, possuir ou utilizar em Portugal os produtos farmacêuticos referidos no parágrafo anterior, bem como de os promover ou divulgar, enquanto qualquer uma das Patentes se mantiver em vigor em Portugal; 
- (iii) … a retirar do mercado qualquer dos produtos farmacêuticos acima 64 / 67 referidos que a Ré já tenha introduzido no mercado português;
- (iv) … a pagar às Autoras uma indemnização correspondente à soma dos seguintes valores, nos termos do disposto no artigo 347.º do CPI, com os juros legalmente devidos:
a) valor correspondente ao lucro, a apurar com base na informação a prestar pela Ré, nestes autos, sobre as vendas que efetivamente realizou até à data da sentença, obtido pela Ré com as vendas do Clift® 40 mg, que, no mínimo, terá por base um montante de 121.036,65 €;
b) valor correspondente aos danos e lucros cessantes das Autoras, a calcular com base na informação a prestar pela Ré, nestes autos, sobre as vendas que efetivamente realizou até data da sentença;
c) valor igual ao referido na alínea anterior, a título de danos não patrimoniais; e 
d) valor não inferior a 546.175,91 €, a título de encargos suportados com a investigação e cessação da conduta lesiva, 
Sendo o valor definitivo da indemnização o que resultar da informação e documentação a prestar no decurso do processo”.
 
Refere o Tribunal a quo na decisão recorrida que o pedido indemnizatório formulado nos autos principais foi parcialmente liquidado no valor de €667 208,56, correspondente a parte relevante dos prejuízos sofridos com a conduta da ré, sendo precisamente este montante que a 1ª Instância considerou como valor adequado da caução.
Tal decisão não nos merece censura. 
Não só se estriba no critério emanado da lei (art. 345º/6 do CPI), como se mostra adequada considerando aos pedidos indemnizatórios formulados no processo principal e atenta a função subjacente à figura da caução em sede de tutela cautelar no domínio da propriedade industrial. 
Como vimos, o citado art. 345º/6, diversamente do art. 368º/3 do CPC, não exige que a caução aqui em causa tenha de ser suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente, mas apenas que seja adequada a assegurar a indemnização do titular, não se podendo olvidar que estamos no âmbito da tutela cautelar.
O S.T.J., no Ac. de 25/05/2000, refere que “com o requisito da adequação pretende a lei que a substituição respeite a finalidade prática que a providência se destinava a alcançar” (in C.J., Acs STJ, ano VIII, Tomo II- 2000, pág. 84) – sublinhado nosso.
Do que vimos expondo, afigura-se-nos que a caução, pelo valor fixado pelo Tribunal de 1ª Instância (€667 208,56), tem uma eficácia protectora equivalente à providência cautelar decretada, permitindo assegurar a parte liquidada da indemnização peticionada no processo principal, sem prejuízo do eventual apuramento a final de outros danos que as autoras demonstrem ter sofrido.
Acresce que, ao invés do que sustentam as Apelantes, não podia o Tribunal a quo considerar, para efeitos da fixação do valor da caução, “o valor dos danos que irão ser causados com a substituição por caução da providência cautelar decretada” (cf. art. 140 das alegações de recurso), nem «o impacto que poderá vir a ter o facto de a recorrida, uma vez substituída por caução a providência cautelar, poder voltar a entrar com o seu medicamento no mercado» (cf. art. 145 das alegações de recurso),  em virtude de tal eventual futuro circunstancialismo não poder, pelo menos neste momento, ser tido por verificado.
Concluindo, deve manter-se a decisão recorrida, porquanto se mostram preenchidos os requisitos de admissibilidade da substituição da providência cautelar por caução.
*
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação, e, consequentemente, em manter a decisão recorrida.
Custas pelas Apelantes – artigo 527º/1 e 2 do CPC.
Notifique.
*
Lisboa, 10 de Março de 2022
Ana Mónica Mendonça Pavão
Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
Carlos M. G. de Melo Marinho

Acordam no tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO 1. TEVA PHARMACEUTICAL INDUSTRIES LTD., TEVA PHARMA - PRODUTOS FARMACÊUTICOS, LDA., YEDA RESEARCH AND DEVELOPMENT CO., LTD., e TEVA GMBH instauraram procedimento cautelar contra MYLAN, LDA., requerendo que: a) A requerida seja condenada a abster-se de introduzir no mercado português o produto farmacêutico actualmente designado por Clift 40 mg e abrangido pelo número de registo 5752829 no Infarmed I.P., bem como quaisquer outros produtos com a mesma composição, enquanto qualquer das Patentes se mantiver em vigor em Portugal; b) A requerida seja condenada a abster-se de fabricar, oferecer, armazenar, importar, possuir ou utilizar em Portugal os produtos farmacêuticos referidos no parágrafo anterior, bem como de os promover ou divulgar, enquanto qualquer uma das Patentes se mantiver em vigor em Portugal; c) A requerida seja condenada a retirar do mercado qualquer dos produtos farmacêuticos acima referidos que a requerida já tenha introduzido no mercado português; d) A requerida seja condenada a abster-se de transferir a AIM relativa ao Clift 40 mg enquanto qualquer uma das Patentes estiver em vigor em Portugal; e) Seja fixada uma sanção pecuniária compulsória num montante não inferior a €22.000,00, a pagar pela requerida por cada dia de incumprimento das providências que venham a ser decretadas nos termos acima referidos. * 2. Foi proferida decisão em 3/1/2020, que julgando totalmente improcedente o procedimento cautelar, indeferiu as requeridas providências. * 3. Inconformadas, as requerentes da providência interpuseram recurso daquela decisão para este Tribunal da Relação, que por acórdão proferido em 7/7/2020, julgou provido o recurso, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra, que julgou parcialmente procedente o pedido e assim: (i) Condenou a recorrida a abster-se de introduzir no mercado português o produto farmacêutico actualmente designado por Clift® 40 mg e abrangido pelo número de registo 5752829 no Infarmed I.P., bem como quaisquer outros produtos com a mesma composição, enquanto qualquer das Patentes se mantiver em vigor em Portugal;  (ii) Condenou a recorrida a abster-se de fabricar, oferecer, armazenar, importar, possuir ou utilizar em Portugal os produtos farmacêuticos referidos no parágrafo anterior, bem como de os promover ou divulgar, enquanto qualquer uma das patentes se mantiver em vigor em Portugal; (iii) Condenou a requerida a retirar do mercado qualquer dos produtos farmacêuticos acima referidos que a requerida já tenha introduzido no mercado português; (iv) Condenou a requerida a abster-se de transferir a AIM relativa ao Clift 40 mg enquanto qualquer uma das patentes estiver em vigor em Portugal; (v) Fixou uma sanção pecuniária compulsória no montante de 10.000 € (dez mil euros), a pagar pela recorrida por cada dia de incumprimento das providências atrás decretadas. * 4. Na sequência do pedido de rectificação e reforma do referido acórdão, foi proferido novo acórdão em 5/8/2020, que indeferiu o peticionado, mantendo as medidas decretadas. * 5. No âmbito do recurso que deu origem ao apenso B foi decidido, por acórdão de 16/4/2021, manter a decisão de não levantamento da providência cautelar e revogar a decisão recorrida (despacho refª citius nº 419657 proferido em 30/12/2020) na parte em que não apreciou o pedido formulado pela requerida de substituição das providências decretadas por caução. * 6. Em cumprimento de tal acórdão, foi proferida decisão no apenso C em 1/6/2021 (ref. citius nº 442770), cujo decreto judicial foi o seguinte: “Pelo exposto, julga-se procedente este incidente de caução e, em consequência, autoriza-se a aqui requerente, requerida do procedimento Cautelar, Mylan, SA, a prestar caução, no valor de 667.208,56 euros, em substituição das providências decretadas. Registe e notifique, devendo a requerente, em dez dias, indicar a forma de prestação de caução. Custas pelas requeridas – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil”. * 7. Inconformadas com tal decisão, vieram então as requerentes da providência (requeridas nos autos de caução) interpôr o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: § 1. A Mylan deveria ter requerido a substituição por caução das providências cautelares decretadas nestes autos no prazo de10 dias, previsto no artigo 149.º, n.º 1, do CPC, a contar da notificação do decretamento das referidas providências. § 2. Não o tendo feito, é forçoso concluir que o seu pedido é extemporâneo, tendo ficado precludido o seu direito a requerer tal substituição ao abrigo do disposto nos artigos 368.º, n.º 3, do CPC e 345.º, n.º 6, do CPI, nos termos do artigo 139.º, n.º 3, do CPC. § 3. O pedido da Mylan de substituição por caução consubstancia, materialmente, um pedido de alteração das medidas cautelares decretadas, uma vez que, se o pedido da Mylan tiver provimento, ao invés de vigorarem as medidas decretadas pelo Tribunal, estas são substituídas pela prestação de caução. § 4. A Mylan apresentou o seu pedido de substituição por caução das providências cautelares decretadas depois de o Tribunal da Relação de Lisboa já se ter pronunciado, com trânsito em julgado, sobre as concretas medidas cautelares a aplicar, pretendendo, assim, que o Tribunal altere o sentido de uma decisão que proferiu e que já transitou em julgado. § 5. Esta pretensão não é, contudo, admissível porque, por um lado, se encontra extinto o poder jurisdicional, nos termos do artigo 613.º, n.º 1, do CPC, e, por outro lado, a reapreciação e alteração do sentido da decisão que decretou a providência cautelar consubstanciariam uma violação do caso julgado e, como tal, seriam manifestamente ilegais, uma vez que a presente situação não se enquadra naquelas em que, excepcionalmente, a lei admite a mutabilidade das decisões judiciais que decretam providências cautelares já transitadas em julgado. § 6. Por estes motivos, por ter apreciado este pedido inadmissível, o despacho recorrido é ilegal e, como tal, deve ser revogado. § 7. Além disso, o despacho recorrido é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais do processo equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), da igualdade das partes, decorrência do princípio do processo equitativo, da segurança jurídica e da proteção da confiança, decorrências do princípio do Estado de Direito Democrático previsto no artigo 2.º da CRP, inconstitucionalidade que se deixa arguida para todos os efeitos legais. § 8. Para sustentar o seu pedido de substituição por caução das providências cautelares decretadas, a Mylan invoca um facto superveniente (no caso, a revogação da EP 335 pelo IEP). § 9. Porém, quer da letra dos artigos 368.º, n.º 3, do CPC e 345.º, n.º 6, do CPI, quer da teleologia destas normas, resulta que o legislador não pretendeu dar ao requerido a oportunidade de, após o decurso do prazo de 10 dias, vir requerer, mesmo que com fundamento em factos supervenientes, a substituição por caução das providências decretadas. Nada nos mencionados artigos aponta nesse sentido. § 10. Como tal, não podia o Tribunal a quo ter apreciado o pedido da Mylan de substituição por caução das providências cautelares decretadas porquanto o mesmo não é admissível, uma vez que não existe nenhuma norma no ordenamento jurídico português que permita à Mylan, com fundamento em circunstâncias supervenientes, requerer a substituição por caução das providências cautelares decretadas depois de decorrido o prazo de 10 dias previsto no artigo 149.º, n.º 1, do CPC. Sem prescindir, § 11. Mesmo que se admitisse tal possibilidade – no que não se concede –, as circunstâncias supervenientes invocadas teriam de ter a virtualidade de tornar pertinente, adequada ou admissível nos termos legais uma substituição por caução que anteriormente não o era e que por isso não foi requerida no prazo de 10 dias para o efeito. § 12. Ora, o facto superveniente invocado pela Mylan foi a revogação pelo IEP da EP 335, o qual, como notou o Tribunal a quo (nessa parte, bem), não respeita à caução, sua pertinência, adequação ou valor, mas antes respeita ao fumus boni iuris que justificou o decretamento da providência, pelo que tal facto superveniente não assume qualquer relevância para a avaliação da admissibilidade da prestação de caução. § 13. Por conseguinte, uma vez que o facto superveniente invocado pela Mylan não tem qualquer relação com a concreta caução requerida, antes respeitando ao fumus boni iuris (sendo que, como em sede própria se afirmou, o facto em causa não belisca esse fumus), o mesmo não pode legitimar o pedido de substituição por caução das providências decretadas apresentado em momento posterior ao término doprazo de10 dias de que o requerente dispõe para o efeito. § 14. Conclui-se, assim, que o despacho recorrido deveria ter indeferido o pedido da Mylan de substituição por caução das providências cautelares decretadas, porquanto o mesmo é extemporâneo – circunstância que é de conhecimento oficioso –, tendo-se extinguindo o direito da Mylan a requerera referida substituição, nos termos do artigo 139.º, n.º 3, do CPC. Sem prescindir, § 15. A prestação de caução é processada por apenso ao procedimento cautelar e, como tal, está sujeita a formalidades próprias, nomeadamente as previstas no artigo 913.º do CPC, aplicável por força do artigo 915.º do CPC, que estipula que o requerido deve indicar os fundamentos, o valor a caucionar e o modo de prestação da caução. § 16. A Mylan não cumpriu os requisitos formais do pedido de substituição por caução, porquanto não indicou o valor concreto da caução que se propôs prestar (aludindo apenas genericamente ao valor dos presentes autos), não indicou a modalidade que a caução iria revestir, nem tão pouco liquidou a taxa de justiça devida pela dedução do incidente em causa. § 17. Só mais tarde, em sede de recurso, é que a Mylan tentou corrigir alguns dos referidos vícios. Porém, o momento processualmente adequado para a Mylan alegar os factos relevantes e cumprir os requisitos formais do pedido de substituição por caução era o requerimento através do qual a Mylan requereu a substituição por caução da providência decretada. § 18. Não tendo cumprido esse ónus no momento processualmente adequado, tal possibilidade ficou precludida. § 19. Por conseguinte, é forçoso concluir que o despacho recorrido deveria ter indeferido o pedido da Mylan por falta de verificação dos respetivos requisitos formais. § 20. Assim, o despacho recorrido é ilegal e, como tal, deve ser revogado. § 21. Além disso, o despacho recorrido é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais do processo equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, da igualdade das partes, decorrência do princípio do processo equitativo, da segurança jurídica e da proteção da confiança, decorrências do princípio do Estado de Direito Democrático previsto no artigo 2.º da CRP, inconstitucionalidade que se deixa arguida para todos os efeitos legais. Sem prescindir, § 22.     Mesmo que os requisitos formais do pedido de substituição por caução tivessem sido cumpridos – no que naturalmente não se concede –, não estão verificados em concreto os pressupostos substantivos de que depende a substituição por caução da providência cautelar decretada. § 23. O Tribunal a quo fez uma errada interpretação do artigo 345.º, n.º 6, do CPI, segundo a qual este preceito seria menos exigente do que o artigo 368.º, n.º 3, do CPC no que respeita aos requisitos que condicionam a admissibilidade da substituição por caução das medidas cautelares decretadas, o que acabou por inquinar a decisão de admissão da substituição por caução da providência cautelar decretada. § 24. Ao contrário do que o Tribunal parece entender, a exigência de que a caução seja suficiente para a reparação da lesão, nos termos do CPC, não difere substancialmente da exigência, nos termos do CPI, de que seja adequada a assegurar a indemnização do titular – em ambos os casos, é manifesto que o que a lei pretende é acautelar que se encontra caucionado montante suficiente para reparar plenamente (no caso, indemnizar plenamente) todos os danos que o requerente da providência cautelar possa sofrer em consequência da violação pelo requerido dos seus direitos acautelados pela providência. § 25. Sendo inquestionável que a reparação/indemnização prevista nos referidos preceitos abrange a plenitude dos danos sofridos pelo requerente da providência, em obediência ao princípio da reparação integral do dano previsto no artigo 562.º do CC. § 26. Por conseguinte, a única interpretação possível do artigo 345.º, n.º 6, do CPI é a de que só é admissível a substituição por caução da providência cautelar decretada se e na estrita medida em que esta substituição for compatível com a prossecução da finalidade pretendida com o decretamento da providência cautelar e o montante caucionado for suficiente para indemnizar a integralidade dos danos sofridos pelo titular do direito. § 27. Os requisitos substantivos de que depende a procedência do pedido de substituição por caução são, no que ora releva, essencialmente os mesmos, quer no artigo 345.º, n.º 6, do CPI, quer no artigo 368.º, n.º 3, do CPC, a saber: a adequação da caução para acautelar a finalidade pretendida com o decretamento da providência cautelar e a suficiência da mesma. § 28. No que respeita ao requisito da adequação, verifica-se que este não se encontra preenchido. § 29. As providências decretadas visam evitar a perpetuação da violação, por parte da Recorrida, do direito de exclusivo aqui em causa. Assim, a substituição por caução da providência cautelar decretada é, neste caso, uma solução manifestamente desadequada à proteção do direito de exclusivo das Recorrentes, na medida em que permite que a Recorrida possa retomar a atividade violadora desse direito, situação que é, precisamente, aquela que se visou acautelar com o decretamento da providência. § 30. A substituição da providência cautelar pela prestação de caução é também desadequada devido ao carácter irreparável de grande parte dos prejuízos que são causados pela violação de um direito de exclusivo, como é o caso do direito de patente das Recorrentes. § 31. A mais conceituada doutrina e jurisprudência tem vindo a considerar que, atendendo à sua natureza específica, os direitos de propriedade intelectual, enquanto direitos de exclusivo, não são aptos a serem integralmente ressarcíveis através de uma indemnização, uma vez que sempre se produzem danos irreparáveis com a sua violação. § 32. Acresce ainda que, mesmo que se admitisse que a caução é adequada a garantir a finalidade prosseguida pela providência cautelar – no que evidentemente não se concede–, o requisito da suficiência não se encontra preenchido no presente caso. § 33. Como reconhece o próprio Tribunal a quo na decisão recorrida, os 667.208,56 € – montante da caução determinada pelo Tribunal – correspondem apenas a uma parte dos prejuízos sofridos pelas Recorrentes. Se o valor da caução corresponde apenas a uma parte dos prejuízos sofridos pelas Recorrentes, isso significa que esta não é suficiente para a reparação integral dos prejuízos que a atuação da Recorrida já causou e continuará a causar às Recorrentes em caso de substituição das providências cautelares. § 34. O mencionado montante corresponde aos danos patrimoniais causados pela Recorrida às Recorrentes até à data da petição inicial da ação principal a que correspondem os presentes autos, não tendo em consideração os danos que irão, certamente, ser causados com a substituição por caução da providência cautelar decretada e o consequente levantamento da barreira à entrada da Recorrida no mercado. § 35. As Recorrentes indicaram no requerimento inicial de providência cautelar para o ano de 2020, que a diferença entre o montante estimado de vendas do medicamento das Recorrentes em causa nos autos (o Copaxone®), com ou sem a concorrência do produto da Recorrida, seria de 2.470.216,00 €. § 36. Isto sem contar com o impacto em anos subsequentes e com todos os outros danos imateriais causados pela violação do direito de exclusivo das Recorrentes, que, conforme se expôs acima, são de muito difícil quantificação e, consequentemente, de muito difícil reparação. § 37. Por conseguinte, é forçoso concluir que o despacho recorrido deveria ter indeferido o pedido apresentado pela Mylan de substituição por caução das providências cautelares decretadas, porquanto esta se revela inadequada a garantir a finalidade prática que as providências decretadas visavam alcançar, não se encontrando, assim, preenchidos os pressupostos substantivos de que depende o decretamento da substituição por caução, nos termos dos artigos 368.º, n.º 3, do CPC e 345.º, n.º 6, do CPI. § 38. Mesmo que se entendesse que a substituição por caução seria uma medida adequada (o que não se aceita), ainda assim não se encontrariam preenchidos os pressupostos substantivos de que depende a substituição por caução das providências decretadas, uma vez que o montante a caucionar determinado pelo Tribunal a quo se revela manifestamente insuficiente para indemnizar as Recorrentes pelos danos que sofreram e sofrerão, no futuro, em consequência da substituição por caução. § 39. Assim, o despacho recorrido é ilegal e, como tal, deve ser revogado. § 40. Além disso, o despacho recorrido é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais do processo equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, da segurança jurídica e da proteção da confiança, decorrências do princípio do Estado de Direito Democrático previsto no artigo 2.º da CRP, inconstitucionalidade que se deixa, desde já, arguida para todos os efeitos legais. Concluindo nos seguintes termos [transcrição]: a) Deve o presente Recurso ser julgado totalmente procedente e, consequentemente, deve a decisão recorrida ser totalmente revogada e substituída por outra que julgue improcedente o pedido da Mylan de substituição por caução das providências cautelares decretadas; b) Subsidiariamente, caso se entenda ser admissível o pedido da Mylan de substituição por caução das providências cautelares decretadas, deve o montante a caucionar ser alterado por forma a precaver a reparação não só dos danos já verificados mas também dos danos futuros que se verificarão em caso de substituição da providência cautelar, nomeadamente atendendo ao disposto no capítulo IV, subcapítulo b) 2., das presentes alegações de recurso. * 8. A recorrida ofereceu contra-alegações, pugnando pela confirmação da decisão posta em crise e apresentando as seguintes conclusões [transcrição]: a) O disposto no art. 345.º n.º 6 do CPI é igualmente aplicável aos casos em que a decisão cautelar já transitou em julgado, mas que, por força de circunstâncias supervenientes, se justifique a substituição das medidas decretadas por caução, podendo esse pedido de substituição ser apresentado, a todo o tempo, pelo requerido no procedimento cautelar; b) Este entendimento é plenamente compatível com o princípio da proporcionalidade, o qual determina que deve ser decretada a medida cautelar menos gravosa e, por maioria de razão, que essa medida deve ser substituída por caução; c) Também é plenamente compatível e decorre das características de provisoriedade, modificabilidade e instrumentalidade das providências cautelares, que implicam que elas devem acompanhar de perto as vicissitudes dos direitos e a dinâmica das realidades que lhes estão subjacentes, uma vez que, caso contrário, correm o perigo indesejado pelo legislador, de se tornarem medidas definitivas e não provisórias, desrespeitando as regras legais vigentes e perdendo a necessária proporcionalidade e provisoriedade mencionadas; d) O Código da Propriedade Industrial é lei especial relativamente ao Código de Processo Civil; e) O fumus boni iuris que assentou na inexistência de evidência ostensiva de invalidade das três patentes invocada pelas Recorrentes ficou seriamente abalado pela decisão definitiva de revogação da EP 335 tomada pela Câmara de Recurso do Instituto Europeu de Patentes, bem como pelas Opiniões preliminares proferidas pela Divisão de Oposição no âmbito dos processos de Oposição da EP 962 e da EP 172, cuja violação constitui a causa de pedir que resta nos presentes autos; f) E se, nesta fase, está vedado ao tribunal reanalisar a validade da EP 962 e da EP 172, já o enfraquecimento do fumus boni iuris pode e deve ser reapreciado pelo Tribunal com vista à substituição das providências decretadas pela prestação de caução como corolário dos princípios da provisoriedade e da proporcionalidade; g) Essa substituição foi requerida pela aqui Recorrida no recurso interposto para o Tribunal da Relação da Lisboa, em 25.01.2021, no qual indicou que a caução seria prestada por garantia bancária e que os valores de negócio provados nos autos davam ao Tribunal os parâmetros suficientes para, segundo o seu prudente arbítrio, fixar o valor dessa medida substitutiva a realizar através de garantia bancária, o qual veio a ser fixado pelo tribunal a quo como sendo o correspondente ao montante indemnizatório liquidado na petição inicial. Foi também liquidado o montante correspondente à taxa de justiça devida pela dedução do incidente, tendo, por conseguinte, sido cumpridos todos os requisitos do incidente de prestação de caução previstos no art. 913.º ex vi 915.º do CPC; h) Aliás, mesmo ao abrigo do CPC, constituindo a prestação de caução um incidente, não seria necessária a indicação do valor a caucionar, porquanto das alegações de recurso resulta que o mesmo corresponderia aos valores de negócio provados nos autos; i) Ao prever, no art. 345.º n.º6 do CPI , que a substituição das medidas decretadas por caução é possível se esta for adequada a assegurar a indemnização do titular, o legislador reconhece, de forma expressa, que os danos sofridos pela violação de um direito de propriedade industrial são suscetíveis de ressarcimento, na sua plenitude, através de uma indemnização; j) Mesmo que se entenda, como sustentam as Recorrentes, que os requisitos para a substituição por caução são os mesmos quer no CPI, quer no CPC, e que o que a lei pretende acautelar, em ambos os casos, é que o montante caucionado seja suficiente para reparar todos os danos causados, a verdade é que o montante a caucionar é suficiente para indemnizar a totalidade dos danos alegadamente sofridos pelas Recorrentes; k) O dano decorrente da violação do direito de exclusivo é suscetível de ser traduzido num montante pecuniário; l) As Recorrentes não conseguirão provar que sofreram prejuízos nos montantes alegados na petição inicial e, desse modo, o valor a acautelar com a caução irá ser sempre muito superior aos eventuais danos; m) Os prejuízos alegados pelas Recorrentes acabam todos por se conduzir a prejuízos meramente materiais e/ou de ordem pecuniária, o que é elucidativo de que a caução, no montante determinado pelo tribunal a quo, é adequada e suficiente para assegurar uma eventual indemnização a pagar aos Recorrentes. *                                II. QUESTÕES A DECIDIR De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º/4 e 639º/1 ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se delimita o objeto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão recursória, seja quanto às questões de facto e de direito suscitadas. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. art. 5º nº 3 do Cód. Proc. Civil). Por outra banda, o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas de todas as questões suscitadas que se apresentem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. art. 608º nº 2 do Cód. Proc. Civil, ex vi do art. 663º nº 2 do mesmo diploma). Acresce que, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, isto é, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Tendo por base este quadro normativo, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelas recorrentes que as questões a decidir são as seguintes: 1. Extemporaneidade do pedido de substituição da providência por caução; 2. Requisitos formais e substantivos de tal pedido e interpretação do art. 345º/6 do CPI; 3. Desadequação e insuficiência da caução decretada; * III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A decisão recorrida julgou assentes os seguintes factos: a) No âmbito da providência cautelar que constitui o apenso A, a aqui requerente foi condenada a (i) abster-se de introduzir no mercado português o produto farmacêutico designado por Clift® 40 mg e abrangido pelo número de registo 5752829 no Infarmed I.P., bem como quaisquer outros produtos com a mesma composição, enquanto qualquer das Patentes se mantiver em vigor em Portugal; (ii) a abster-se de fabricar, oferecer, armazenar, importar, possuir ou utilizar em Portugal os produtos farmacêuticos referidos no parágrafo anterior, bem como de os promover ou divulgar, enquanto qualquer uma das patentes se mantiver em vigor em Portugal; (iii) a retirar do mercado qualquer dos produtos farmacêuticos acima referidos que a requerida já tenha introduzido no mercado português; a abster-se de transferir a AIM relativa ao Clift 40 mg enquanto qualquer uma das patentes estiver em vigor em Portugal; b) No âmbito do processo principal, do qual depende a providência cautelar, as ali autoras, aqui requeridas, pediram a condenação da ali ré, aqui requerente, no pagamento da quantia mínima de 121.036,65 €, correspondente ao lucro sobre as vendas que a ré efetivamente realizou até à data da sentença, com as vendas do Clift® 40 mg, acrescida da quantia não inferior a 546.175,91 €, a título de encargos suportados com a investigação e cessação da conduta lesiva, bem como ainda das quantias que se vierem a apurar, relativas aos lucros cessantes das ali autoras, e igual quantia a título de danos não patrimoniais. * IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA 1. Extemporaneidade do pedido de substituição da providência por caução; Ao abrigo do disposto no art. 345º/6 do CPI, veio a ora recorrida Mylan por requerimento apresentado em 21/9/2020 requerer a substituição por caução das providências cautelares decretadas no apenso A (por acórdão proferido por este Tribunal da Relação em 7/7/2020 e confirmado por novo acórdão de 5/8/2020). O incidente de caução, que deu origem ao apenso C, veio a ser julgado procedente, sendo a requerida do procedimento cautelar, Mylan Lda, autorizada a prestar caução no valor de €667 208,56, em substituição das providências decretadas. É esta decisão que é posta em crise no presente recurso. Invocam as recorrentes, antes de mais, a extemporaneidade do requerimento apresentado pela ora recorrida visando a substituição das providências cautelares por caução, alegando que foi ultrapassado o prazo de dez dias previsto no art. 149º/1 do CPC. Mais alegam que foi violado o caso julgado, face ao trânsito em julgado da decisão deste Tribunal da Relação que decretou as providências. Contra posiciona-se a recorrida, defendendo que não estabelecendo o Código da Propriedade Industrial (CPI) qualquer prazo para deduzir o pedido de substituição por caução e atendendo à provisoriedade da tutela cautelar, deve entender-se que o art. 345º/6 daquele diploma se aplica também aos casos em que a decisão cautelar já transitou em julgado. Afigura-se-nos que assiste razão à recorrida. Vejamos o que estabelece o mencionado preceito legal. * Artigo 345.º - Providências cautelares 1 - Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade industrial ou de segredo comercial, pode o tribunal, a pedido do interessado, decretar as providências adequadas a: a) Inibir qualquer violação iminente; ou b) Proibir a continuação da violação. 2 - O tribunal exige que o requerente forneça os elementos de prova para demonstrar que é titular do direito de propriedade industrial ou do segredo comercial, ou que está autorizado a utilizá-lo, e que se verifica ou está iminente uma violação. 3 - As providências previstas no n.º 1 podem também ser decretadas contra qualquer intermediário cujos serviços estejam a ser utilizados por terceiros para violar direitos de propriedade industrial ou segredos comerciais. 4 - Pode o tribunal, oficiosamente ou a pedido do requerente, decretar uma sanção pecuniária compulsória com vista a assegurar a execução das providências previstas no n.º 1. 5 - Ao presente artigo é aplicável o disposto nos artigos 341.º a 343.º 6 - A pedido da parte requerida, as providências decretadas a que se refere o n.º 1 podem ser substituídas por caução, sempre que esta, ouvido o requerente, se mostre adequada a assegurar a indemnização do titular. 7 - Na determinação das providências previstas no presente artigo, deve o tribunal atender à natureza dos direitos de propriedade industrial ou do segredo comercial, salvaguardando, nomeadamente, a possibilidade de o titular continuar a explorar, sem qualquer restrição, os seus direitos. Como vemos, o nº 6 da disposição transcrita não estabelece qualquer prazo para requerer a substituição das providências por caução, estatuindo, aliás, que tal substituição pode ser pedida “sempre que se mostre adequada a assegurar a indemnização do titular”. A norma em apreço tem carácter especial em relação ao previsto no Código de Processo Civil (CPC), sendo que só cabe recorrer subsidiariamente ao estabelecido neste compêndio processual nas situações não reguladas no CPI (art. 358º do CPI). Concorre para o entendimento da ausência de prazo para requerer a caução substitutiva a natureza instrumental e provisória dos procedimentos cautelares, o que é igualmente válido para as providências cautelares previstas no CPC, cujo art. 368º/3 também não prevê qualquer limitação temporal para a dedução do incidente de substituição por caução. A este propósito pode ler-se no Código de Processo Civil Anotado por António Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, (Almedina, 2ª edição, vol I, pág. 450) que: “independentemente da interposição de recurso (ou da dedução de oposição superveniente, nos casos em que não tenha existido contraditório prévio), o requerido pode requerer, por via incidental (art. 915º do CPC), a substituição da providência por caução (…)” – sublinhado nosso. No sentido de que a prestação de caução pode ser requerida em qualquer momento, pronuncia-se de igual forma Lebre de Freitas, in CPC Anotado, vol. II, Coimbra Editora, 2001, pág. 39. Carece, pois, de fundamento a argumentação em que se estriba a recorrente de que é aplicável ao caso o prazo geral previsto no art. 149º/1 do CPC, quando existe norma especial. Acresce que a decisão recorrida, que apreciou o mencionado requerimento, foi proferida em cumprimento do acórdão proferido por este Tribunal da Relação em 16/4/2021 no âmbito do apenso B (cf. ref. citius 16782608), o qual determinou a revogação do decidido na parte em que não havia apreciado o pedido da requerida substituição por caução das providências cautelares. Também não colhe o argumento da violação do caso julgado, até pela natureza provisória e instrumental das decisões cautelares, que não fazem caso julgado relativamente ao processo principal (art. 364º/4 do CPC), sendo ainda certo que a decisão posta em crise não reapreciou, nem podia fazê-lo, os pressupostos que serviram de fundamento à providência decretada. Por outra banda e no seguimento do acima exposto, não ocorre a invocada inconstitucionalidade do despacho decorrido, porquanto não se vislumbra que com a sua prolacção tenham sido violados os apontados princípios do processo equitativo, da igualdade das partes, da segurança jurídica e/ou da protecção da confiança. Do exposto é forçoso concluir pela tempestividade do requerimento de substituição por caução deduzido pela ora recorrida. A tanto não obsta a circunstância, invocada pelas recorrentes, de a requerida ter fundamentado o pedido de substituição por caução em factos supervenientes, no caso a revogação da EP 335 pelo Instituto Europeu de Patentes (IEP) e na consequente invalidade das outras patentes derivadas daquela. Na verdade, tal não releva para a questão da tempestividade do requerimento em análise. Porém, como decorre da fundamentação da decisão recorrida, o Tribunal de 1ª Instância não se baseou na revogação da/s patente/s para decidir sobre a requerida caução, mas antes no conteúdo patrimonial dos direitos de patente e na consequente ressarcibilidade dos danos e aptidão da caução para o efeito. Ainda que assim não fosse, a circunstância superveniente da revogação da/s patente/s não poderia ser considerada nos autos enquanto a respectiva decisão não transitasse em julgado, pois só a partir desse momento se pode afirmar que a patente deixou de vigorar. Conforme frisou o Tribunal a quo na decisão recorrida, “(…) não cabe nesta decisão tomar posição sobre a probabilidade ou não de revogação das patentes EP 962 e EP 172, para efeitos de determinação da possibilidade de caução. Isto porque a caução deve ser fixada no quadro da procedência do procedimento cautelar e este, por seu turno foi determinado com base na prova, ainda que perfunctória, de violação dos direitos de patente. Assim, a decisão quanto ao pedido de caução está inserida no âmbito da concessão do procedimento cautelar, sendo por isso irrelevantes os juízos de probabilidade de invalidade das patentes, para efeitos de decisão neste incidente”. Concluindo-se pela tempestividade do requerimento apresentado pela ora recorrida, improcede o recurso nesta parte. * 2. Requisitos formais e substantivos do pedido de substituição das providências por caução e interpretação do art. 345º/6 do CPI Defendem as Apelantes que o pedido deduzido pela recorrida Mylan devia ter sido indeferido por falta de verificação dos respectivos requisitos formais e substantivos. Alegam, desde logo, que diversamente do que dispõe o art. 913º do CPC, no requerimento de 21/9/20 a ora recorrida não indicou o valor concreto da caução, nem a modalidade que a mesma deveria revestir, não devendo ter sido considerada a correcção posterior de tais vícios, quando a Mylan veio requerer que a caução fosse prestada através de garantia bancária.             Contra-alega a recorrida que cumpriu todos os requisitos do incidente de prestação de caução previstos no citado art. 913º ex vi art. 915º do CPC, citando jurisprudência segundo a qual, nos casos em que a prestação de caução constitui incidente da acção, não se exige a indicação na petição inicial do fundamento da pretensão e do valor a caucionar. Analisando o requerimento apresentado em 21/9/2020, verificamos que nele a requerente/ora recorrida Mylan fundamenta a sua pretensão e pronuncia-se sobre o valor da caução, embora não indicando um valor concreto, mas remetendo para o valor da causa (€30 000, 01), tal como faz no requerimento de 25/1/2021 (alegações de recurso do despacho proferido em 30/12/2020), vindo desta feita requerer, subsidiariamente ao pedido de levantamento das providências decretadas, a substituição por caução, indicando como modo de prestação a garantia bancária. Afigura-se-nos que se mostram cumpridos os requisitos formais a que alude o art. 913º/1 do CPC, na medida em que do requerimento inicial deduzido em 21/9/2020 constam os requisitos essenciais ali previstos, nada obstando a que o modo de prestação da caução venha a ser indicado em momento posterior ao requerimento inicial, até porque o art. 913º/3 do CPC, relativo à prestação espontânea de caução, remete para as regras atinentes à prestação provocada da caução, concretamente para os artigos 908º e 909º, e como tal, acaba por ser aplicável o disposto no art. 910º (neste sentido, vide acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 28/6/07, P. nº 4941/2007-6, publicado in www.dgsi.pt). Não nos merece, pois, censura o segmento da decisão recorrida, constante da sua parte final, em que o Tribunal de 1ª Instância concede à ali requerente o prazo de dez dias para indicar a forma de prestação de caução. Por conseguinte, não padece a decisão recorrida de qualquer ilegalidade ou sequer inconstitucionalidade, não se divisando a postergação designadamente dos invocados princípios do processo equitativo (art. 20º/4 do Constituição da República Portuguesa), da igualdade das partes, segurança jurídica e protecção da confiança, sendo ainda certo que o Tribunal a quo não deixou de observar o princípio do contraditório. Abordemos agora a questão dos pressupostos substantivos e da alegada errónea interpretação do art. 345º/6 do CPI feita na decisão recorrida. Contestam as Apelantes o entendimento do Tribunal a quo segundo o qual o art. 345º/6 do CPI seria menos exigente do que o art. 368º/3 do CPC no que respeita aos requisitos que condicionam a admissibilidade da substituição por caução das medidas cautelares decretadas. Defendem que “só é admissível a substituição por caução da providência cautelar decretada se e na estrita medida em que esta substituição for compatível com a prossecução da finalidade pretendida com o decretamento da providência cautelar e o montante caucionado for suficiente para indemnizar a integralidade dos danos sofridos pelo titular do direito”. Vejamos. Ciente da natureza exclusiva dos direitos de propriedade industrial, o legislador estabeleceu em sede de procedimentos cautelares (inominados) nesta matéria o regime constante do art. 345º do CPI, nos termos do qual a ponderação dos interesses em confronto não está sujeita à regra do nº 2 do art. 368º do CPC, que manda fazer um balanço entre o dano a evitar ao requerente e o prejuízo a causar ao requerido (vide Código da Propriedade Industrial Anotado, Coord. Luís Couto Gonçalves, Coimbra Almedina, 2021, pág. 1254). Da mesma forma, o nº 6 do citado art. 345º do CPI não coincide com o art. 368º/3 do CPC. Neste caso, a caução deve ser “suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente”. Diversamente, no caso do art. 345º/6 do CPI a caução deve mostrar-se “adequada a assegurar a indemnização do titular”. A este propósito, pode ler-se na sentença recorrida que: “O presente procedimento foi decretado nos termos do artigo 345.º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial, pelo que o n.º 6 tem aplicação. Este preceito tem paralelo, não absoluto, no artigo 368.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Salienta-se a diferença de que, no regime do Código de Processo Civil, se prevê a necessidade de a caução dever ser suficiente para prevenir a lesão ou repará-la, enquanto no Código da Propriedade Industrial, apenas se exige que a caução seja adequada a assegurar a indemnização do titular. Estamos, no âmbito do artigo 345.º, do Código da Propriedade Industrial, perante uma providência cautelar especificada – a adicionar àquelas que prevê o qual se aplicam as regras próprias e, no que não esteja especialmente prevenido, as regras gerais – artigo 358.º, do Código da Propriedade Industrial. Nota-se a este propósito, que a citação que as aqui requeridas fazem, do Código de Processo Civil Anotado do Professor Lebre de Freitas, se refere, e bem, ao artigo 368.º, do Código de Processo Civil, mas não ao artigo 345.º, n.º 6, do Código da Propriedade Industrial. É que, o Código de Processo Civil sujeita a caução à prevenção da lesão, mas o Código da Propriedade Industrial não. E não se trata de qualquer lacuna no regime da propriedade industrial, mas sim de uma opção legislativa clara, solução que, por isso, afasta o recuso subsidiário ao artigo 368.º, do Código de Processo Civil. Da leitura do artigo 345.º, n.º 6, do Código da Propriedade Industrial, decorre, de forma evidente, que o legislador entendeu dar tratamento diverso às providências cautelares previstas pelo Código da Propriedade Industrial, relativamente às providências previstas pelo Código de Processo Civil, bastando-se, para efeitos de caução, no caso do Código da Propriedade Industrial, com a quantia necessária a assegurar a indemnização. Argumentam as aqui requeridas que as providências decretadas no procedimento destes autos, não são passíveis de substituição por caução, por estar em causa o desenvolvimento, em regime de exclusividade, da comercialização do seu  medicamento, em que existem várias outras possíveis consequências decorrentes da violação da patente que têm igualmente de ser tidas em conta, como o direito exclusivo que visa conferir uma vantagem concorrencial no mercado por um determinado período de tempo, cuja lesão não tem forma de ser revertida. Apesar desta alegação, não se mostra alegado, em termos práticos e concretos, como é que esse direito não pode de alguma forma ser refletido patrimonialmente, para efeitos indemnizatórios. Sem prejuízo dessa alegação, a verdade é que a opção escolhida pelo legislador da norma do artigo 345.º, n.º 6, do Código da Propriedade Industrial, foi a de considerar que estes direitos têm sempre conteúdo patrimonial e, em qualquer caso, indemnizável, ainda que se tratem de direitos de propriedade exclusivos. Afastou-se assim o legislador, de forma clara e evidente, da regra que previu no Código de Processo Civil, considerando que o tratamento deve aqui ser diverso, na medida em que, sendo os direitos de patente, direitos de exploração comercial exclusiva de uma determinada invenção, atribuídos em troca da divulgação pública dos ensinos dessa invenção, têm conteúdo patrimonial, conferindo a comercialização exclusiva. São, por esse motivo, suscetíveis de ressarcimento pela via indemnizatória. Assim, no preceito legal do Código da Propriedade Industrial – artigo 345.º, n.º 6 – o legislador considerou que a caução deveria ser a adequada a ressarcir danos, no pressuposto de que estes são passíveis de ressarcimento. Em conclusão, não assiste razão às requeridas quando alegam a impossibilidade de prestação de caução no presente caso, afigurando-se que a lei permite a substituição das providências decretadas por caução, devendo, em conformidade com o artigo 345.º, n.º 6, do Código da Propriedade Industrial, assim decidir-se”. Subscrevemos inteiramente o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, mostrando-se infundada a exigência de que a caução substitutiva prevista no art. 345º/6 do CPI deva ou tenha de ser adequada a prevenir a lesão ou a repará-la integralmente. Tal equivaleria a fazer tábua rasa do regime especial ali previsto e aplicar, sem fundamento, o estatuído no art. 368º/3 do CPC. Destarte, temos por correcta a interpretação do art. 345º/6 do CPC a que procedeu o Tribunal a quo, improcedendo este segmento do recurso. * 3. Desadequação e insuficiência da caução decretada Entendem as Apelantes que a substituição por caução da providência cautelar é uma solução manifestamente desadequada à protecção do seu direito de exclusivo, na medida em que permite que a recorrida possa retomar a actividade violadora desse direito. Não colhe, contudo, o argumentário em que se baseiam, atinente ao paralelismo que estabelecem entre a providência cautelar decretada nos autos e a restituição provisória da posse, nem a equiparação que fazem dos direitos de propriedade industrial ao direito de propriedade. É consabido que apesar da designação dos direitos privativos industriais como «propriedade industrial» não é de uma verdadeira propriedade que aqui se trata. Sobre a natureza do Direito Industrial, sublinha Pedro Sousa e Silva (in Direito Industrial, Almedina, 2ª edição, 2019, pág.18) que “estes direitos não têm propriamente um objecto sobre o qual o seu titular possa exercer quaisquer poderes de fruição (ao contrário do que sucede com os demais direitos reais), conferindo antes ao seu titular um exclusivo de exercício de certa actividade ou de uso de determinado sinal. O seu objecto não é o poder de fruir ou de usar um sinal ou um invento, mas apenas o de impedir terceiros de o fazer. Ou seja, não têm um conteúdo positivo, mas sim negativo, consistindo unicamente num direito de proibir terceiros de exercer uma actividade ou de usar um sinal”. (sublinhado nosso). A natureza exclusiva dos direitos em apreço justifica a especificidade da tutela cautelar estabelecida no CPI, sem prejuízo da possibilidade de recurso a outras medidas e procedimentos previstos no CPC, nos casos não especialmente regulados no CPI (cf. art. 358º deste diploma). Ora, o nº 6 do supra aludido art. 345º do CPI faz depender a aplicação da caução substitutiva da providência cautelar da sua adequação para assegurar a indemnização do titular. Não ignoramos que os direitos de propriedade intelectual não assumem unicamente natureza patrimonial, tutelando ainda interesses de ordem não patrimonial. No caso dos autos, a pretensão das autoras na acção principal de que dependem os autos de procedimento cautelar consiste, na parte que agora importa considerar, na condenação da ré: - “ (i) … a abster-se de introduzir no mercado português o produto farmacêutico atualmente designado Clift® 40 mg e abrangido pelo número de registo 5752829 no INFARMED I.P., bem como quaisquer outros produtos com a mesma composição, enquanto qualquer uma das Patentes se mantiver em vigor em Portugal; - (ii) … a abster-se de fabricar, oferecer, armazenar, importar, possuir ou utilizar em Portugal os produtos farmacêuticos referidos no parágrafo anterior, bem como de os promover ou divulgar, enquanto qualquer uma das Patentes se mantiver em vigor em Portugal; - (iii) … a retirar do mercado qualquer dos produtos farmacêuticos acima 64 / 67 referidos que a Ré já tenha introduzido no mercado português; - (iv) … a pagar às Autoras uma indemnização correspondente à soma dos seguintes valores, nos termos do disposto no artigo 347.º do CPI, com os juros legalmente devidos: a) valor correspondente ao lucro, a apurar com base na informação a prestar pela Ré, nestes autos, sobre as vendas que efetivamente realizou até à data da sentença, obtido pela Ré com as vendas do Clift® 40 mg, que, no mínimo, terá por base um montante de 121.036,65 €; b) valor correspondente aos danos e lucros cessantes das Autoras, a calcular com base na informação a prestar pela Ré, nestes autos, sobre as vendas que efetivamente realizou até data da sentença; c) valor igual ao referido na alínea anterior, a título de danos não patrimoniais; e d) valor não inferior a 546.175,91 €, a título de encargos suportados com a investigação e cessação da conduta lesiva, Sendo o valor definitivo da indemnização o que resultar da informação e documentação a prestar no decurso do processo”. Refere o Tribunal a quo na decisão recorrida que o pedido indemnizatório formulado nos autos principais foi parcialmente liquidado no valor de €667 208,56, correspondente a parte relevante dos prejuízos sofridos com a conduta da ré, sendo precisamente este montante que a 1ª Instância considerou como valor adequado da caução. Tal decisão não nos merece censura. Não só se estriba no critério emanado da lei (art. 345º/6 do CPI), como se mostra adequada considerando aos pedidos indemnizatórios formulados no processo principal e atenta a função subjacente à figura da caução em sede de tutela cautelar no domínio da propriedade industrial. Como vimos, o citado art. 345º/6, diversamente do art. 368º/3 do CPC, não exige que a caução aqui em causa tenha de ser suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente, mas apenas que seja adequada a assegurar a indemnização do titular, não se podendo olvidar que estamos no âmbito da tutela cautelar. O S.T.J., no Ac. de 25/05/2000, refere que “com o requisito da adequação pretende a lei que a substituição respeite a finalidade prática que a providência se destinava a alcançar” (in C.J., Acs STJ, ano VIII, Tomo II- 2000, pág. 84) – sublinhado nosso. Do que vimos expondo, afigura-se-nos que a caução, pelo valor fixado pelo Tribunal de 1ª Instância (€667 208,56), tem uma eficácia protectora equivalente à providência cautelar decretada, permitindo assegurar a parte liquidada da indemnização peticionada no processo principal, sem prejuízo do eventual apuramento a final de outros danos que as autoras demonstrem ter sofrido. Acresce que, ao invés do que sustentam as Apelantes, não podia o Tribunal a quo considerar, para efeitos da fixação do valor da caução, “o valor dos danos que irão ser causados com a substituição por caução da providência cautelar decretada” (cf. art. 140 das alegações de recurso), nem «o impacto que poderá vir a ter o facto de a recorrida, uma vez substituída por caução a providência cautelar, poder voltar a entrar com o seu medicamento no mercado» (cf. art. 145 das alegações de recurso),  em virtude de tal eventual futuro circunstancialismo não poder, pelo menos neste momento, ser tido por verificado. Concluindo, deve manter-se a decisão recorrida, porquanto se mostram preenchidos os requisitos de admissibilidade da substituição da providência cautelar por caução. * V. DECISÃO Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação, e, consequentemente, em manter a decisão recorrida. Custas pelas Apelantes – artigo 527º/1 e 2 do CPC. Notifique. * Lisboa, 10 de Março de 2022 Ana Mónica Mendonça Pavão Maria da Luz Teles Meneses de Seabra Carlos M. G. de Melo Marinho