Processo:13066/21.0T8LSB.L1-2
Data do Acordão: 08/02/2023Relator: INÊS MOURATribunal:trl
Decisão: Meio processual:

1. No caso do procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra, os pressupostos que admitem o decretamento da providência são não só aqueles que vêm previstos no n.º 1 do art.º 397.º do CPC que se referem aos requisitos substantivos do embargo, mas também aqueles que vão permitir dizer que o embargo cuja ratificação se pede observou os procedimentos legais previstos no n.º 2 deste artigo, cabendo ao Requerente alegar os factos essenciais à procedência do seu direito. 2. Ao ser chamado a ratificar o embargo extrajudicial de obra realizado pelo interessado, o tribunal tem de ter como verificados todos estes pressupostos legais, impondo-se-lhe a apreciação de todos eles enquanto condição necessária ao deferimento da providência requerida, sem que tal constitua qualquer excesso de pronuncia suscetível de inquinar a decisão com a nulidade a que alude o art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC. 3. Se na impugnação da matéria de facto que apresenta o Recorrente não cumpre a exigência da al. c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC relativamente a nenhum dos factos não provados que impugna, não especificando a decisão que no entender deve ser proferida sobre os mesmos, nem tão pouco cumpre o estabelecido na al. b) com a indicação dos meios probatórios que impõem uma decisão diversa, tal determina a rejeição do recurso no que à impugnação desta matéria de facto respeita, de acordo com o que dispõe essa mesma norma. 4. De acordo com o art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC caso o recurso se funde em prova gravada, como é o caso do depoimentos das testemunhas, o Recorrente tem ainda de indicar com exatidão as passagens da gravação em que baseia o seu recurso, sob pena de imediata rejeição do mesmo nesta parte, ainda que proceda à transcrição integral dos depoimentos. 5. Para efeitos do decretamento da providência, o direito que está a ser ofendido pela obra tem de ser um direito de propriedade ou outro direito real ou pessoal de gozo ou posse, o que, por um lado, não restringe a tutela através do procedimento de embargo ao direito de propriedade em sentido estrito, antes admite que aqui se integrem situações similares de compropriedade ou abrangidas pelo regime da propriedade horizontal, bem como de outros direitos reais de gozo como o de usufruto ou servidão mas, por outro lado, exclui a ofensa de qualquer outro tipo de direitos, como sejam os direitos de personalidade. 6. Mostrando os factos provados a realização de uma obra que se consumou com a retirada dos equipamentos da parte comum do edifício, que foram retirados para o interior da fração, não pode confirmar-se a existência de uma obra em curso suscetível de ser suspensa por violar o direito de compropriedade sobre parte comum do edifício que cause ou ameaça causar prejuízo real ou possível ao Requerente, assim não se verificando os pressupostos do art.º 397.º n.º 1 do CPC para o decretamento da providência

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

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Relator
INÊS MOURA
Descritores
EMBARGO DE OBRA FORMALIDADES LEGAIS INVERSÃO DO CONTENCIOSO
No do documento
RL
Data do Acordão
02/09/2023
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
IMPROCEDENTE
Sumário
1. No caso do procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra, os pressupostos que admitem o decretamento da providência são não só aqueles que vêm previstos no n.º 1 do art.º 397.º do CPC que se referem aos requisitos substantivos do embargo, mas também aqueles que vão permitir dizer que o embargo cuja ratificação se pede observou os procedimentos legais previstos no n.º 2 deste artigo, cabendo ao Requerente alegar os factos essenciais à procedência do seu direito. 2. Ao ser chamado a ratificar o embargo extrajudicial de obra realizado pelo interessado, o tribunal tem de ter como verificados todos estes pressupostos legais, impondo-se-lhe a apreciação de todos eles enquanto condição necessária ao deferimento da providência requerida, sem que tal constitua qualquer excesso de pronuncia suscetível de inquinar a decisão com a nulidade a que alude o art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC. 3. Se na impugnação da matéria de facto que apresenta o Recorrente não cumpre a exigência da al. c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC relativamente a nenhum dos factos não provados que impugna, não especificando a decisão que no entender deve ser proferida sobre os mesmos, nem tão pouco cumpre o estabelecido na al. b) com a indicação dos meios probatórios que impõem uma decisão diversa, tal determina a rejeição do recurso no que à impugnação desta matéria de facto respeita, de acordo com o que dispõe essa mesma norma. 4. De acordo com o art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC caso o recurso se funde em prova gravada, como é o caso do depoimentos das testemunhas, o Recorrente tem ainda de indicar com exatidão as passagens da gravação em que baseia o seu recurso, sob pena de imediata rejeição do mesmo nesta parte, ainda que proceda à transcrição integral dos depoimentos. 5. Para efeitos do decretamento da providência, o direito que está a ser ofendido pela obra tem de ser um direito de propriedade ou outro direito real ou pessoal de gozo ou posse, o que, por um lado, não restringe a tutela através do procedimento de embargo ao direito de propriedade em sentido estrito, antes admite que aqui se integrem situações similares de compropriedade ou abrangidas pelo regime da propriedade horizontal, bem como de outros direitos reais de gozo como o de usufruto ou servidão mas, por outro lado, exclui a ofensa de qualquer outro tipo de direitos, como sejam os direitos de personalidade. 6. Mostrando os factos provados a realização de uma obra que se consumou com a retirada dos equipamentos da parte comum do edifício, que foram retirados para o interior da fração, não pode confirmar-se a existência de uma obra em curso suscetível de ser suspensa por violar o direito de compropriedade sobre parte comum do edifício que cause ou ameaça causar prejuízo real ou possível ao Requerente, assim não se verificando os pressupostos do art.º 397.º n.º 1 do CPC para o decretamento da providência
Decisão integral
Acordam na 2ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Vem o Condomínio do prédio sito na Rua …, …/…, edifício E/F, em Lisboa, intentar o presente procedimento cautelar de ratificação judicial de embargo contra, MM e mulher, MC; “STHV-Investments, Lda.”, com sede na Rua ... em Carnaxide;  SH; TV e, “Interconfor-Decorações de Interiores, Lda.”, pedindo a ratificação em embargo extra-judicial, efetuado no dia 25.5.2021, pelas 11h, ordenando-se aos requeridos que se abstenham de executar quaisquer trabalhos na fachada do edifício e na referida bandeira da porta, devendo retirar a grelha e extrator ali colocados e repor o vidro ali existente em conformidade com as telas finais aprovadas bem como se absterem de colocar qualquer aparelho no alçado do edifício até ao trânsito em julgado da ação principal. 
Foi determinada a citação dos Requeridos que vieram apresentar oposição, concluindo pela improcedência do pedido.
O Requerente veio apresentar resposta às oposições apresentadas e juntar documentos.
No início da audiência foi proferido despacho que, de acordo com o princípio do aproveitamento dos atos processuais e da celeridade, admitiu o articulado de resposta apresentado pelo Requerente, não obstante o mesmo devesse ser apresentado apenas no início da audiência final. Por entender que os documentos que o acompanham são intempestivos, por não terem sido apresentados com o requerimento inicial e nada interessam para a boa decisão da causa, não foi admitida a junção dos documentos 1 a 4 apresentados com a resposta. 
Foi proferido despacho saneador no início da audiência, que na avaliação dos pressupostos processuais considerou que os Requeridos MM e mulher MC, SH, TV e Interconfor-Decorações de Interiores, Ld.ª são parte ilegítima, tendo absolvido os mesmos da instância por ilegitimidade e determinando prosseguimento dos autos apenas contra a Requerida “STHV”. 
Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelas partes.
Foi proferida decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar de retificação de embargo requerido, absolvendo a Requerida do pedido.
A Requerente, por não se conformar com a sentença proferida, bem como com as duas decisões proferidas em audiência: o despacho saneador que conhecendo da legitimidade das partes considerou alguns dos Requeridos parte ilegítima, absolvendo os mesmos da instância e o despacho que não admitiu os documentos juntos com a resposta à oposição, veio impugnar as três decisões num único recurso.
Foi proferida decisão singular do então relator a rejeitar o recurso quanto ao despacho que julga parte ilegítima alguns dos Requeridos, absolvendo os mesmos da instância, bem como do despacho que não admitiu os documentos.
Não se conformando com tal decisão veio o Recorrente dela reclamar para a conferência.
Em conferência foi considerado que a apelação daquelas duas decisões pode ter lugar, mas apenas autonomamente atento o disposto no art.º 644.º n.º 1 al. b) e n.º 2 al. d) do CPC, por não estarem em causa decisões que devam ser impugnadas com o recurso da decisão final nos termos do n.º 3 de tal artigo, determinando-se a autonomização dos dois recursos ao abrigo dos poderes de gestão processual do tribunal.
A apelação que importa aqui apreciar e decidir reporta-se apenas ao recurso da decisão final, de que o Requerente discorda, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que “(ii) ratifique o embargo extrajudicial; e (iv) ordene, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 402.º/1 do CPC, aos recorridos a demolição das obras executadas após o embargo, devendo os recorridos proceder à remoção dos aparelhos de ar condicionado, do extrator de fumos, gases, gorduras e cheiros colocado sob o teto falso, bem como eliminada a divisória/porta que foi colocada antes da porta exterior para fechar a antecâmara, dendo colocarem no alçado a porta original com bandeirola de vidro fixo e manter a porta fechada, dado não ser a porta principal ou de entrada/saída da loja e ao invés, se tratar de uma porta de emergência”, apresentando para o efeito as seguintes conclusões que se reproduzem (limitadas ao objeto do presente recurso):
a) Vem o presente recurso interposto: i) da decisão que negou ratificar o embargo extrajudicial; ii) do despacho que julgou parte ilegítima os requeridos MM e mulher, MC, SH, TV e, “Interconfor- Decorações de Interiores, Lda.”; e iii) do despacho que não admitiu os 4 documentos juntos com o requerimento de resposta. 
b) Conforme Professor Alberto dos Reis, a ratio essendi dos procedimentos cautelares é evitar que o interessado obrigado a esperar tanto tempo por uma sentença, por muito bem elaborada e justa que pareça, seja vítima de prejuízos que a sentença já não pode apagar.
c) Este é um procedimento cautelar de embargo de obra nova e entende o recorrente que a matéria de fato assente pelo tribunal a quo, podendo/devendo ser corrigida/completada por este tribunal ad quem, é, ainda assim, mais que suficiente para se decretar a providência e, consequentemente, ratificar o embargo.
DA RELEVÂNCIA DA VIOLAÇÃO DO USO DA FRAÇÃO PREVISTO NO TÍTULO CONSTITUTIVO DA PROPRIEDADE HORIZONTAL NA REALIZAÇÃO DE OBRAS ILEGAIS/CLANDESTINAS
d) Ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, no embargo de obra nova, o destino da fração constante no título constitutivo da propriedade horizontal é elemento a considerar ou que releva para apreciação do requisito fumus boni iuris.
e) Posto que, na falta de chaminé na fração, as obras destinadas a construir um sistema alternativo de evacuação de fumos para instalar um restaurante numa fração destinada a comércio e serviços são obras ilegais, por violarem os artigos 1346.º, 1347.º, 1422.º/2 als. a) e c) e 1425.º/7, revelando ou aplicando-se ainda os artigos 108.º a 114.º do RGEU sendo, portanto, passíveis de embargo. Dito isto,
DO EXCESSO DE PRONÚNCIA, POR FUNDAR A DECISÃO NUMA ALEGADA NULIDADE DO EMBARGO, POR PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES, MAS NÃO INVOCADA PELOS REQUERIDOS 
f) Embora, se afigure se tratar de um mero obiter dictum, certo é que o tribunal a quo assenta a sua decisão na ideia de que não foram cumpridos os formalismos legais quanto à necessidade de o embargo haver de ser feito na presença de duas testemunhas.
g) Nenhum dos requeridos negou a existência da ordem ou pedido de cessação das obras, nem tampouco vem alegado que o mesmo não foi feito na presença de várias (mais do que duas) testemunhas, sendo certo que nas oposições não vem suscitada qualquer nulidade por omissão de cumprimento da dita formalidade.
h) Dessarte, o tribunal a quo ao decidir rejeitar a providência com esse fundamento - alegada preterição de uma formalidade na realização do embargo extrajudicial – incorreu em pronúncia não consentida. Art.º 608.º/2 in fine do CPC. – Ac. da RP de 23.02.2012, RC de 06.11.1983 e RE de 08.01.1976 acima mais bem referenciados. De todo o modo, 
i) Não é verdade o afirmado de que não se provou que o embargo tenha sido feito na presença de duas testemunhas, quer porque as testemunhas ouvidas declararam terem testemunhado a ordem ou pedido de paragem das obras,
j) assim como consta o documento 27 nos autos, juntos pelo requerente que – sublinhe-se – não foi impugnado, no qual está exarado que “Tendo em conta a recusa em assinar este auto pelos notificados do embargo, assinam comigo as seguintes testemunhas que presenciaram todos os fatos acima relatados: CR e EG.”.
k) A testemunha Arquiteto MF, assim como o havia declarado a testemunha EG, declarou que assistiu ao embargo e descreveu a respetiva factualidade, como em sede de impugnação da matéria de fato se transcreveu.
DA ILEGALIDADE DA OBRA EXECUTADA PARA, SEM CONSENTIMENTO DOS DEMAIS CONDÓMINOS, ALTERAÇÃO DO USO DA FRAÇÃO EM VIOLAÇÃO DO TÍTULO CONSTITUTIVO 
l) Na propriedade horizontal, cada fração autónoma não é uma ilha, mas uma parte de um todo, onde, por isso, se conjugam direitos de propriedade exclusiva (sobre cada uma das frações) e direitos de compropriedade (sobre as partes comuns do edifício), sendo que os dois espaços/elementos (o objeto de propriedade exclusiva e o marcado pela compropriedade) se conjugam, entrecruzam e interpenetram, importando limitações na pretensão de uso e modificação de cada fração, como consagrado no n.º 2 do art.º 1422.º do C Civil. – Ac. da RC de 03.1.2020 supra melhor identificado.
m) Se um dos condóminos, unilateralmente (sem comunicação e assentimento dos demais, apostando numa lógica de facto edificativo consumado), procede a obras numa fração autónoma de que é titular, situada no rés-do-chão do edifício, a fim de transformar o espaço destinado a comercio e serviços num estabelecimento de restauração, com inerente uso desconforme ao fim não habitacional a que destinada, realiza obras ilegais.
n) Deste modo, demonstrada está, em termos sumários/cautelares, a aludida ameaça (ou o perigo) de prejuízo para os direitos dos demais condóminos, atento o especial modo – decorrente da específica natureza do domínio – como tais direitos de índole patrimonial relativamente ao prédio (propriedade exclusiva das frações de que são donos/ compropriedade das partes comuns) se exprimem, exercitam e valorizam. – Idem 
o) Mesmo no interior de uma fração autónoma, nem tudo será necessariamente propriedade exclusiva do proprietário da fração sofrendo entorses ou restrições no exercício do correlativo direito de propriedade e é, doutro lado, um comproprietário quanto às partes comuns do edifício, por constituído em regime de propriedade horizontal (cfr. art.ºs 1414.º e seg. do CCiv.). - Idem
p) Noutra perspetiva, é “especialmente vedado aos condóminos” prejudicar, “quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício”, ou dar à sua fração “uso diverso do fim a que é destinada” [als. a) e c) do n.º 2 do art.º 1422.º do CCiv., com itálico aditado]. - Idem
q) A dita realização de obras para transformação de uma loja de comércio em restaurante, ameaça ou causa prejuízos nas partes comuns, assim pondo em risco o direito de compropriedade de cada um dos demais condóminos sobre essas partes comuns, pelo que estes têm fundamento/motivo para se julgarem ofendidos nesse seu direito dominial comum, tanto mais que, como visto, a lógica dos requeridos era a do facto edificativo consumado, sem autorização dos demais condóminos, no sentido da preparação/conformação da fração para um (novo) uso ao arrepio do disposto no art.º 1422.º, n.º 2, al.ª c), do C Civil. - Idem.
DA ILEGALIDADE DAS OBRAS POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 1346.º, 1347.º, 1422.º/2 als. a) e c) e 1425.º/7 DO Cód. Civil
r) A relação jurídica entre requerente e requeridos, aquele em juízo pelos seus condóminos, enquanto titulares de direitos reais, concretamente, proprietários das suas frações e comproprietários das partes comuns, no que toca à edificação no respetivo prédio, rege-se pelas normas do Código Civil, nomeadamente os artigos 1346.º, 1347.º, 1422.º/2 als. a) e c) e 1425.º/7.
s) Aplica-se ainda os artigos 108.º a 114.º do RGEU, na medida em que, pese embora se trate de um diploma de direito público, rege de forma cogente e outrossim relações entre privados, podendo ainda dar origem a uma relação multipolar com a administração que aqui não releva – Ainda que estivesse autorizada ou licenciada administrativamente, que – sublinhe-se – não é o caso, a obra nem por isso deixa de poder ser embargada. Na verdade,
t) É indiferente para efeitos de apreciação dos requisitos de embargo que a obra em causa tenha sido autorizada por qualquer autoridade pública, que, aliás, - insista-se - não foi em momento algum, considerando que o cumprimento das exigências administrativas é insuficiente para garantir a defesa dos direitos dos terceiros que o embargo de obra nova visa acautelar. – Ac. da RG de 13.05.2021 supra melhor identificado.
u) Num outro caso, mas em que igualmente estava em causa a fraude de, na ausência de chaminés, evacuar os fumos, gases, gorduras e cheiros através de uma grelha colocada sobre uma porta, neste mesmo tribunal da Relação se determinou a imediata cessação dessa atividade uma vez que não cumpria os artigos 112.º e 113.º do RGEU. - Ac. RL de 17.04.2018 supracitado.
v) No caso sub judice, por impossível física (o destino de uma fração autónoma tanto pode ser estabelecido no título constitutivo, mediante declaração expressa, como resultar das características internas do espaço que a integra como, até, das características do prédio de que faça parte e, ainda da sua localização e, assim sendo, não é utilização normal de uma loja que não tenha chaminé a instalação nela de um restaurante. – Ac. da RL de 25.02.1992.
w) Sendo outrossim juridicamente vedado («assente que é o título constitutivo da propriedade horizontal que estabelece o fim a que se destina a fração, por maior latitude que se queira conferir ao conceito de atividade comercial, a verdade é que a restauração, sendo uma atividade transformadora, deve ser qualificada como industrial». - Ac. do STJ de 13.04.2014 entre muitos e mesmo muitos incluindo os das instâncias.
x) Pelo que não é nunca permitida a adequação do local a um restaurante o que, logo, torna ilícita, quanto o mais não fosse, toda e qualquer obra destinada a viabilizar tal fim e, como tal, embargável, não havendo razão alguma para se decidir de modo diverso como se fez na sentença recorrida.
DO PREENCHIMENTO DOS PRESUPOSTOS FORMAIS E MATERIAIS DO EMBARGO DE OBRA NOVA
y) Pelos pontos de facto 5 a 12, resulta assente, por provado, que no dia 24.05.2021 vários condóminos constataram a existência de obras no interior e exterior da fração onde está instalado o ilícito restaurante QPICANHA.
z) Mais resultou provado que, pelo administrador do condomínio, ES, foi solicitado ao requerido TV e legal representante da recorrida STHV e ao representante do empreiteiro, engenheiro FR que parasse as obras, podendo apenas concluir a remoção dos aparelhos de ar condicionado e a reposição do vidro na bandeirola da porta.
aa) Não obstante o embargo de obra nova extrajudicial que lhes foi comunicado, os requeridos continuaram impunemente a realização da sua obra e, através desta, construíram uma «nova» câmara de descarga, evacuação e passagem para o logradouro do edifício dos fumos, gases, gorduras e cheiros provenientes do funcionamento dos fogões do criminoso restaurante.
bb) E essa letal câmara de descarga e encaminhamento para o logradouro dos produtos da combustão como fumos, gases, gorduras e cheiros, ao contrário do que decidiu o tribunal a quo, foi construída após o embargo, sujeitando-se, pois, ao disposto no artigo 402.º do CPC. 
cc) E – note-se – que para a câmara de extração e evacuação de fumos, gases, gorduras e cheiros funcionar tem de ter a porta aberta, nos termos que documentado está nos autos.
dd) E, assim sendo, não há dúvida que a porta aberta através da qual se vêm em funcionamento os aparelhos de ar condicionado (para arrefecer os gases) e o enorme gargalo do extrator a expelir fumos, gases, gorduras e cheiros constitui uma grave alteração do alçado do edifício, respetiva finalidade e conservação.
ee) O artigo 397.º/2 do CPC refere expressamente que a ação relevante para efeitos do embargo é a execução de uma obra, trabalho ou serviço novo, sendo que a factualidade supra integra a previsão normativa quer se chame obra, trabalho ou serviço novo seja no interior ou exterior da fração.
ff) É que no domínio da propriedade horizontal relevam outrossim as obras interiores que contendam com a estrutura, arquitetura, fisionomia, estética, salubridade e finalidade do uso da fração e verdade é que a obra realizada acaba outrossim por alterar de forma grotesca e grave o alçado tardoz do prédio.
gg) No momento do embargo, para a conclusão da reposição da legalidade urbanística determinada pela CML faltava retirar o gargalo e respetivo extrator colocado na bandeirola da porta assim como a reposição do vidro na dita bandeirola em substituição da grelha ali ilicitamente colocada. 
hh) É o que se alcança do cotejo dos documentos 21, 22 e 24 junto aos autos, tendo o tribunal a quo valorizado o documento 22, mas menoscabando os outros dois documentos que outrossim são relevantes para a compreensão da «obra».
ii) Mesmo do documento 22, ao contrário do que concluiu o tribunal a quo, vemos que naquele momento não havia sido resposta a legalidade urbanística, como, de resto, nunca foi, pois ali ainda subsiste a grelha e o gargalo do extrator de fumos.
jj) Mas o que os requeridos, não obstante o embargo, fizeram foi coisa bem diferente, pois após o mesmo, na parte da tarde do dia do embargo e nos dias seguintes retiraram a porta existente colocando-a no corredor da loja que dá acesso ao logradouro e colocaram no alçado uma nova e completamente diferente porta, assim construindo as paredes da letal câmara de evacuação de fumos, gases, gorduras e cheiros diretamente para o logradouro.
kk) Foi eliminada a bandeirola da porta o que, desde logo, constitui uma proibida inovação/alteração da estética do edifício naquele concreto alçado.
ll) Ainda na construção da letal câmara de evacuação para o logradouro de fumos, gases, gorduras e cheiros e após o embargo, foi executado um teto falso no qual foi montado o gargalo do extrator dos fogões com recurso às campânulas que estão fotografadas no documento 20 junto com o requerimento inicial e ali fixadas nas paredes e lajes estruturais do prédio.
mm) Os aparelhos de ar condicionado, que antes estavam colocados sobre a porta e respetiva bandeirola, foram colocados na parede (estrutural que confina com a garagem) esquerda imediatamente atrás da porta e que quando fechada os oculta, mas, como referido, está praticamente e em permanência aberta.
nn) Ou seja, se antes os condóminos se viam confrontados com a sinistra visão de dois aparelhos de ar condicionado ocultando o enorme gargalo do extrator que expelia fumos, gases, fumos e cheiros, agora confrontam-se com uma não menos sinistra, aliás, e também grotesca vista da porta aberta de uma letal câmara de evacuação de fumos, gases, gorduras e cheiros com os respetivos aparelhos de ar condicionado e gargalos à vista de todos.
oo) A obra executada funciona como que um prolongamento do logradouro, primus: porque aqueles concretos aparelhos de ar condicionado só trabalham no exterior e nunca no interior e, consequentemente, debitam para o logradouro; secundus: A construída letal câmara onde, além de evacuação dos fumos, gorduras e cheiros, se acumulam os gases assassinos (monóxido e dióxido de carbono) só funciona de portas abertas a debitar para o logradouro na transversal e em toda a altura da porta, i.e., desde o chão até aos dois metros.
pp) A expelição de fumos, gases, gorduras e cheiros pela porta da câmara ilegalmente construída impede os condóminos de fruírem ou utilizar os logradouros do edifício, assim como degrada ou deteriora os revestimentos das paredes e pavimentos.
qq) Nova e ilegal é aquela obra que constitua uma alteração do prédio ou de uma sua fração, tal como originariamente foi concebido e licenciada e existia à data da constituição da propriedade horizontal e a sanção que cabe no caso de realização dessas obras é a respetiva destruição das inovações- artigo 829, n. 1, do Código Civil. 
rr) O embargo de obra nova integra-se, portanto, no «rol dos meios de defesa da propriedade, quer a ofensa derive de um conflito de vizinhança, quer de outro facto. – cfr. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. IV, 2ª ed., 2003, pág. 241 e «O prejuízo previsto na lei equivale à ofensa ao direito real (dano jurídico), não sendo necessária a prova de danos patrimoniais concretos.» – Ac. da RP de 22.02.2022.
ss) É manifesto o erro na ideia que o tribunal a quo adquiriu de que “Não se vislumbra qualquer obra a parar. A obra na fachada estava concluída e consistiu no retirar dos equipamentos de ar condicionado da fachada e a retirada da grelha.”.
tt) E essência ou razão de ser do embargo prevenir ou impedir a continuação da obra seja ela qual for no exterior ou no interior tanto faz, ponto que seja ilícita, não fazendo sentido que o embargante embargasse aquilo que ainda não viu nem foi executado. 
uu) Donde ser errada a asserção do tribunal a quo “O que resultou claro da inquirição das testemunhas é que o requerente afinal o que pretendia era que tais equipamentos não fossem colocados no interior da fração, porém, a ter havido tal procedimento, o que se desconhece, o mesmo não foi objeto de qualquer embargo.”
vv) As obras executadas posteriormente ao embargo, sejam no exterior sejam no falso interior da fração, submetem-se à disciplina do artigo 402.º/1 do CPC, o que, aliás, foi requerido no início da audiência de julgamento, mas não foi objeto de qualquer decisão por tribunal a quo o considerar prejudicado.
DA ILEGALIDADE DA DECISÃO QUE ABSOLVEU ALGUM DOS REQUERIDOS DA INSTÂNCIA
(…)
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUANTO A FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS E OS QUE DEVEM SER ADCIONADOS
lll) Os pontos de fatos não provados 1, 2, 3, 4 e 5 estão incorretamente julgados, devendo serem corrigidos conforme impugnação de páginas 31/32, dado que 1) A ausência ab ovo de chaminé e o fato do título constitutivo da propriedade horizontal determinar que o uso é comércio e serviços significa que a fração não foi concebida para nela ser exercida a atividade de restauração: e 2) Como se vê pelo documento 22, a grelha existente sob a bandeirola da porta ocultava o extrator e viabilizava o seu funcionamento dado que era através da grelha que eram expelidos os fumos, gases, gorduras e cheiros provenientes do funcionamento dos fogões.
mmm) Devem ser adicionados os pontos de facto, 12 a 19, conforme impugnação constante a páginas 33/35 deste recurso, sendo que para todos os casos relevam os documentos ali indicados, assim como as declarações das testemunhas EG e MF.
nnn) Se é certo que a testemunha EG declarou ser parte em vários processos contra os requeridos por causa das ilegais obras e funcionamento do ilícito restaurante no seu prédio, não é menos verdade que não tem qualquer animosidade contra os mesmos, nem sequer os conhece, e não olvidar que litigar em tribunal pela defesa dos seus direitos de que está convencido lhe assistir é um direito e um dever de cidadania e, por isso, não é legítima a degradação das suas declarações só por esse fato.
ooo) Ou seja, não é pelo fato da testemunha não revelar simpatia alguma para com uma das partes ou com o que elas fazem, que o seu depoimento deixa de ser credível e verdade é que, ouvido, alcança-se que o mesmo depões de forma serena, isenta e segura com conhecimento direto dos fatos e que é na sua essência todo ele corroborado pela restante prova documental.
ppp) A este propósito, não faz sentido a afirmação do tribunal a que que “também não sabe, se o que está em causa são aparelhos de ar condicionado, se são condutas de ventilação…”, pois esta testemunha disse claramente e em bom português, de forma pausada que o que está pendurado na parede são os aparelhos de ar condicionado que são utilizados para arrefecer os fumos, gases, gorduras e cheiros, provenientes da extração dos fogões e que o gargalo do extrator está colocado no teto da letal câmara.
qqq) São estas as suas declarações: “…nessa Câmara o que fizeram foi instalaram 2 a os 2 aparelhos de ar condicionado que estavam no alçado instalaram para dentro para trás da porta e a grelha, o gargalo do extrator dos fogões, em vez de ficar na bandeirola, passou a ficar no teto dessa câmara, digamos, de compensação que criaram.”. 
rrr) O mesmo vale mutatis mutandi em relação à testemunha MF, sendo, desde logo, natural que, enquanto humano a residir no local se sinta incomodado com os fumos, gases, gorduras e cheiros provenientes da extração do restaurante e estranho seria se assim não acontecesse, sendo, deste modo, descabida e carente de humidade a exclam ação do tribunal a quo.
DO DESPACHO QUE INDEFERIU A JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
(…)
DO DESPACHO QUE JULGOU PREJUDICADO O REQUERIMENTO DE REAÇÃO CONTRA A INOVAÇÃO ABUSIVA
yyy) A fixação do status quo da obra no momento do embargo, enquanto elemento impeditivo da sua continuação, ou seja, enquanto circunstância é que torna ilícita essa continuação e que desencadeia a previsão do artigo 420º do CPC, coloca-se logo face à notificação extrajudicial.” – Ac. da RC de 10.07.2007, supracitado.
zzz) Sendo ilegais, as obras realizadas posteriormente ao embargo, devem ser destruídas, nos termos do artigo 402.º/2 do CPC, pelo que se requer a este tribunal ad quem que, em substituição do tribunal a quo, ordene a imediata eliminação/ reposição do local.
aaaa) Tudo com a consequente ordem de remoção dos aparelhos de ar condicionado da parede onde estão suspensos, do extrator de fumos, gases, gorduras e cheiros colocado sob o teto falso, bem como eliminada a divisória/porta que foi colocada antes da porta exterior para fechar a antecâmara e ordenada a reposição da porta original ou exatamente igual, branca com bandeirola fechada a vidro.
NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS E SENTIDO EM QUE DEVEM SER APLICADAS E NORMAS QUE DEVIAM TER SIDO APLICADAS
bbbb) Por todo o exposto a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 1344.º/1 e 2, 1346.º, 1347.º, 1414.º, 1418.º/1, 2 als. a) e b), 1422.º, 1 e 2 als. a), c) e d) e 3 e 1425.º/2 do Código Civil.
cccc) A norma extraída do disposto nos artigos 1346.º e 1347.º/1 do Cód. Civil conjugados com os artigos 108.º a 113.º do RGEU, deve ser interpretada e aplicada no sentido de relevar nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 397.º/1 do Cód. Proc. Civil, e, consequentemente, serem ilegais todas e qualquer obras que visem criar um sistema alternativo â existência das chaminés ali preconizados numa fração destinada a comércio e serviços e inserida num prédio destinado a habitação.
dddd) Deve ser aplicada a norma extraída do artigo 397.º/2 do Cód. Proc. Civil, conjugado com os artigos 1418.º/2, 1420.º/2, 1421.º/1 al. a) e 2 als. a) e e), 1422.º/1, 2, als. a), c) e d) e 1425.º/7 do Código Civil, no sentido de que, num prédio em propriedade horizontal, são ilegais e, por isso, embargáveis as obras realizadas no interior da fração (loja destinada a comércio e serviços) destinadas a, na inexistência física e jurídica de chaminé na fração) instalar um extrator de fumos, gases, gorduras e cheiros que evacua tais produtos noviços através de uma porta aberta e à altura de uma pessoa e diretamente para o logradouro, impedindo a sua fruição pelos demais condóminos e contamina, degrada e deteriora os revestimentos das paredes e pavimentos.
eeee) Deve ser aplicada a norma extraída do artigo 402.º do Cód. Proc. Civil, no sentido de que as obras posteriores ao embargo, ainda que executadas no interior da fração, não têm de ser embargadas nem sujeitas a ratificação judicial, estando as mesmas sujeitas a demolição e reposição in natura do local como se encontrava ao momento do embargo, para o que basta o requerimento, a todo o tempo, devendo o tribunal averiguar a sua realização, e, em caso afirmativo, ordenar a eliminação.
DO REQUERIMENTO DE INVERSÃO DO CONTENCIOSO
ffff) Requisitos para a inversão do contencioso, são dois: a) - Uma convicção segura acerca da existência do direito acautelado; b) - A adequação da providência para realizar a composição definitiva do litígio.
gggg) Se bem que o artigo 369.º/1 do CPC inculque a ideia de que só na primeira instância é que é admissível o requerimento para inversão do contencioso, afigura-se-nos que, se o tribunal de recurso, entender, como no caso é de direito, ser de decretar a providência nada o impede de apreciar e decidir o requerimento.
hhhh) No caso dos autos, atenta a matéria e a sólida prova documental e até por admissão dos fatos – os requeridos não negam que realizaram as obras que são visadas neste embargo, simplesmente dizem que são legais na medida em repuseram a legalidade urbanística de acordo com a determinação da Câmara Municipal de Lisboa, o que sabem não ser verdade.
iiii) Seja de fato seja de direito nada sobra para discutir na ação que não tenha sido aqui discutida e que seja suscetível de influir na decisão da causa, pelo que a concessão da inversão do contencioso se afigura ser de direito. 
A Requerida veio responder ao recurso, pugnando no sentido da sua improcedência e manutenção da decisão recorrida.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da nulidade da decisão por excesso de pronuncia;
- da impugnação/aditamento da decisão da matéria de facto; 
- do (in)cumprimento das formalidades legais na realização do embargo;
- da (in)existência de obra causadora de prejuízo para o Requerente;
- do pedido de inversão do contencioso.
III. Da nulidade da sentença
- da nulidade da decisão por excesso de pronuncia
Alega o Recorrente que nenhum dos Requeridos negou a existência da ordem ou pedido de cessação das obras, nem tão pouco que o mesmo não foi feito na presença de várias testemunhas, não tendo sido suscitada na oposição a nulidade do embargo por omissão de cumprimento de formalidades na sua realização, concluindo que o tribunal a quo incorreu em pronuncia não consentida, nos termos do art.º 608 n.º 2 in fine ao conhecer tal questão e que ainda assim os elementos probatórios dos autos permitem concluir pela regularidade na realização do embargo.
A sentença recorrida considerou que o Requerente não demonstrou ter cumprido o disposto no art.º 397.º n.º 2 do CPC e assim não estar preenchido um dos requisitos para o decretamento da providência requerida.
Vejamos então se pode falar-se de nulidade da sentença por excesso de pronuncia, conforme defendido pelo Recorrente. 
O art.º 615.º n.º 1 do CPC estabelece que a sentença é nula quando:
“a) não contenha a assinatura do juiz;
b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
São aqui enunciados pelo legislador os vícios formais da sentença que são suscetíveis de determinar a sua nulidade, pela verificação das circunstâncias previstas nas várias alíneas do art.º 615.º n.º 1 do CPC, o que não se confunde com o erro de julgamento de facto ou de direito que se reportam à substância da decisão.
A mencionada al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC comina com a nulidade a decisão em que se verifica a omissão ou excesso de pronuncia por parte do juiz.
Relaciona-se esta norma com o princípio expresso no art.º 608.º n.º 2 do CPC segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se também de questões que não sejam suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso.
O excesso de pronuncia capaz de determinar a nulidade da decisão, tendo em conta o disposto no art.º 608.º n.º 2 do CPC, reporta-se a questões e não a factos, podendo existir relativamente a questões que não sejam de conhecimento oficioso, quando o tribunal se pronuncia sobre as mesmas sem que tenham sido submetidas à sua discussão pelas partes, não se apresentando por isso como questões controvertidas sobre as quais importe tomar posição no processo.
Como sintetiza o Acórdão do TRC de 9 de abril de 2013 no proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/120926" target="_blank">621/09.6TBMLD.C2</a> in www.dgsi.pt : “O excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento do que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido.”
No caso em presença o Requerente vem intentar procedimento cautelar de embargo de obra nova, pedindo a final: “Deve ser julgado procedente, por provado, o presente procedimento cautelar de ratificação de embargo extrajudicial, ratificando-se o embargo efetuado no dia 25.05.2021, pelas 11:00, ordenando-se aos requeridos que se abstenham de executar quaisquer trabalhos na fachada do edifício e na referida bandeira da porta, devendo retirar a grelha e extrator ali colocados e repor o vidro ali existente em conformidade com as telas finais aprovadas, bem como de se absterem de colocar qualquer aparelho no alçado do edifício até ao trânsito em julgado da ação principal. Mais requer que seja fixada sanção compulsória pecuniária no valor de 500,00€ por cada dia de infração ao embargo efetuado e de atraso no cumprimento da decisão de restituição do local ao anterior estado e em conformidade com o projeto aprovado.”.
O procedimento cautelar de embargo de obra trata-se de um procedimento cautelar especificado que vem regulado no art.º 397.º do CPC nos seguintes termos:
“1- Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente.
2 - O interessado pode também fazer diretamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar.
3 - O embargo previsto no número anterior fica, porém, sem efeito se, dentro de cinco dias, não for requerida a ratificação judicial.”
Se o n.º 1 deste artigo prevê os requisitos substantivos para o decretamento do embargo de obra nova, seja ele judicial, seja extrajudicial, o n.º 2 vem estabelecer os formalismos necessários a observar no embargo extrajudicial, como é a situação presente.
No caso do procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra, são estes os pressupostos que, quando verificados, admitem o decretamento da providência, não só aqueles que vêm previstos no n.º 1 do art.º 397.º do CPC que se referem aos requisitos substantivos do embargo, mas também aqueles que vão permitir dizer que o embargo cuja ratificação se pede observou os procedimentos legais previstos no n.º 2 deste artigo.
Assim, ao ser chamado a ratificar o embargo extrajudicial de obra realizado pelo interessado, o tribunal tem de ter como verificados todos estes pressupostos legais necessários, impondo-se-lhe a apreciação de todos eles enquanto condição necessária ao deferimento da providência requerida.
De acordo com o disposto no art.º 5.º n.º 1 do CPC às partes compete alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, constatando-se que no seu requerimento inicial o Requerente invocou efetivamente os factos concretos que provando-se permitem concluir pela observância dos procedimentos legais previstos no n.º 2 do art.º 397.º do CPC quando da realização do embargo cuja ratificação judicial vem requerer. Fá-lo designadamente no art.º 38.º do seu requerimento inicial onde alega que: “O embargo foi feito em voz alta e destinado à pessoa do legal representante da sociedade STHV, dona da obra, senhor TV, assim como à pessoa do responsável pela empresa construtora e a todos os 4 trabalhadores que ali se encontrava.”.
Contudo, contrariamente ao que o Recorrente agora alega, esta matéria foi posta em causa pela Requerida na oposição que apresentou, designadamente no art.º 58.º do articulado de resposta, onde expressamente impugna o art.º 38.º do requerimento inicial.
Nessa circunstância é que o tribunal a quo se pronunciou sobre os factos que se referem a esta questão, dando como provada a matéria que consta do ponto 12 dos factos provados, que se reporta à primeira parte da alegação do art.º 38.º do Requerente.
Não pode por isso dizer-se que o tribunal a quo se pronunciou sobre questão que lhe estava vedado conhecer, nos termos do art.º 608.º n.º 2 do CPC, pelo contrário, antes se verifica que estamos perante matéria controvertida que se assume como essencial para a decisão da causa.
A falta de prova de factos, ou o desacerto da decisão de facto sobre esta matéria que a Recorrente também invoca, não é suscetível de integrar qualquer vício formal da sentença capaz de determinar a sua nulidade podendo, quando muito, consubstanciar uma decisão errada (de facto ou de direito), que em sede própria será apreciada.
Resta concluir pela não verificação da invocada nulidade da sentença por excesso de pronúncia nos termos do art.º 615.º n.º 1 d) do CPC.
IV. Fundamentos de Facto
- da impugnação/aditamento da decisão da matéria de facto
O Recorrente vem impugnar a decisão da matéria de facto quanto os factos julgados não provados sob os pontos 1, 2, 3, 4 e 5 que considera incorretamente julgados, mais requerendo o aditamento de 8 novos pontos aos factos provados.
- Quanto aos pontos 1 a 5 dos factos não provados é o seguinte o seu teor:
1. A loja (fracção EG) não foi concebida para nela ser exercida a actividade industrial de restauração, não dispondo de qualquer chaminé, ramal de gás, ramal de esgotos, clareiras de ventilação nem espaços para instalação de equipamentos de ventilação e/ou ar condicionado; 
2. A grelha existente sobre a porta oculta o gargalo do extractor de fumos, gases e cheiros; 
3. De acordo com as telas finais, o que tem de estar na porta é um vidro em toda a extensão da bandeira da porta; 
4. Os requeridos intentam colocar no referido alçado os 3 aparelhos que, aliás, se preparavam para o fazer à socapa; 
5. Pelo extractor e pelos referidos equipamentos serão expelidos os fumos, gases e cheiros que contaminam o ambiente do edifício.
O art.º 640.º do CPC impõe um ónus a cargo do Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto dispondo:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o Recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: 
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
b) (…)
3. (…)”
O art.º 640.º do CPC tem a sua correspondência no art.º 685.º B do anterior CPC, ainda que tal correspondência seja apenas parcial, já que a nova norma vem reforçar o ónus de alegação que impende sobre o Recorrente, que deve agora indicar a resposta que, no seu entender, deve ser dada às questões de facto impugnadas.
O art.º 640.º n.º 1 al. c) ao impor a necessidade do Recorrente indicar a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, traduz uma opção do legislador que veio reforçar desta forma a necessidade da parte manifestar e concretizar a sua discordância.
Diz-nos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 127, a propósito deste requisito da impugnação da matéria de facto: “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação.” 
Daqui resulta que se o Recorrente não toma expressamente posição enunciando a decisão que pretende que seja proferida quanto a cada um dos factos que impugna, o recurso da matéria de facto deve ser rejeitado quanto a esses pontos de facto.
Ora, é isso precisamente o que se verifica no caso, já que o Recorrente pretendendo insurgir-se contra a decisão e a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto não provada, da qual discorda, não indica a resposta que pretende que seja dada à mesma. Não o faz nem no corpo da alegação de recurso, onde se limita a dizer que estes factos estão incorretamente julgados, sem indicar a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre os mesmos, nem tão pouco nas conclusões onde refere que devem ser corrigidos, não concretizando os termos dessa correção.
Constata-se ainda, no que respeita aos pontos 1, 4 e 5 dos factos não provados que impugna, que o Recorrente não indica sequer um qualquer meio de prova que conste do processo que determine uma decisão diversa daquela que foi proferida, antes invoca a “natureza” das coisas” e faz considerações como “resulta à saciedade” para concluir pelo erro da decisão. 
O Recorrente na impugnação da matéria de facto que apresenta não cumpre a exigência da alínea c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC relativamente a nenhum dos factos não provados que impugna, não especificando a decisão que no entender deve ser proferida sobre os mesmos, nem tão pouco cumpre o estabelecido na al. b) com a indicação dos meios probatórios que impõem uma decisão diversa quanto aos pontos 1, 4 e 5 dos factos não provados, o que determina a rejeição do recurso no que à impugnação da decisão da matéria de facto respeita, de acordo com o que dispõe essa mesma norma, o que se determina.
- Quando ao aditamento de novos factos provados à decisão:
Requer o Recorrente que sejam aditados aos factos provados oito novos pontos de facto, que enumera de 12 a 19, nos seguintes termos:
- ponto 12 dos factos provados deve ser acrescentado para que conste: 
“12. logo no ano de 2018, foram realizadas várias obras ilegais a fim de permitir no local o funcionamento do restaurante, sendo certo que tais obras foram executadas à revelia e sem consentimento do ora requerente e dos demais condóminos.”
Indica como meios de prova os documentos 7 a 17 e o depoimento das testemunhas EG e MF, conforme transcrições integrais que se junta.
O já mencionado art.º 640.º do CPC estabelece no seu n.º 2:
“2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.”.
Para fundamentar o aditamento deste facto provado, o Recorrente invoca além dos diversos documentos que identifica em bloco, o depoimento das testemunhas EG e MF, sem indicar em concreto os excertos da gravação do seu depoimento que impõem que tal facto seja tido como provado, juntando a transcrição integral da gravação dos seus depoimentos, mas sem fazer qualquer especificação dos seus excertos relevantes para a apreciação da matéria de facto em causa. A transcrição dos depoimentos é apresentada na integra e não de forma concretizada e restrita aos excertos dos depoimentos que o Recorrente considera importantes.
De acordo com este regime legal do art.º 640.º do CPC, além da indicação concreta dos factos e da individualização dos concretos meios de prova que constam do processo, caso o recurso se funde em prova gravada (como foi o caso do depoimentos das testemunhas) o Recorrente tem ainda de indicar com exatidão as passagens da gravação em que baseia o seu recurso, sob pena de imediata rejeição do mesmo, ainda que proceda à sua transcrição, nos termos do n.º 2 al. a), sendo que a inobservância desta especificação determina a rejeição do recurso, conforme aí também previsto. 
O Acórdão do STJ de 29 de setembro de 2015 no proc. 233/09, in. www.dgsi.pt indica a razão de ser destas exigências do art.º 640.º n.º 1 e n.º 2, pronunciando-se nos seguintes termos: “Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação – que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº 1 do art.º 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do art.º 640º, nº 2, al. a) do CPC).”
O art.º 640.º do CPC ao impor estes ónus a cargo do Recorrente, traduz uma opção do legislador que não admite o recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas a possibilidade de revisão de factos individualizados, relativamente aos quais a parte manifesta e concretiza a sua discordância, com fundamento nos meios de prova concretos que indica, que em se tratando de depoimentos gravados devem estar bem delimitados na parte considerada relevante por identificação no excerto da gravação.
Sobre esta questão diz-nos Abrantes Geraldes, in ob. cit. pág. 126: “Relativamente a pontos da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o Recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevante e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.” Acrescenta a pág. 129: “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”
À luz dos requisitos legais exigíveis é forçoso reconhecer que no caso o Recorrente não as observa na totalidade, já que não faz a indicação precisa dos excertos de gravação dos depoimentos gravados em que funda o seu recurso, exigência a que alude o art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC, não concretizando os excertos que tem por relevantes, limitando-se a apresentar genericamente a transcrição integral dos depoimentos
Não tendo sido dado cumprimento pelo Recorrente ao disposto no art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC, quanto à indicação dos excertos dos depoimentos gravados em que funda o seu recurso, com vista ao aditamento desta da matéria de facto, impõe-se a imediata rejeição do recurso quanto a tais meios de prova, atenta a cominação aí prevista para tal inobservância, o que se determina.
Além dos depoimentos das testemunhas invoca o Recorrente em bloco os documentos 7 a 17 que juntou aos autos.
Também esta alegação é totalmente genérica e não concretizada de meios de prova, sem que seja dado cumprimento ao disposto no art.º 640.º n.º 1 al. b) do CPC, na medida em que estão em causa 11 documentos que se estendem por 443 páginas, não sendo identificado minimamente pelo Recorrente os termos ou a parte em que cada um daqueles documentos impõem que esta matéria seja aditada aos factos provados.
Em face do exposto, improcede o requerido aditamento desta matéria aos factos provados, desde já se questionando até o seu interesse para os presentes autos, na medida em que se reporta a alegadas obras realizadas em 2018.
- ponto 13 dos factos provados deve ser acrescentado para que conste: 
“13. A reposição da legalidade administrativa, consiste na retirada dos aparelhos de ar condicionado colocados na bandeira da porta no alçado do edifício que dá para a rua G … Z …, bem como na retirada do extrator de fumos, gases e cheiros que ali foi colocado, com a obrigação de recolocação da bandeira em vidro ali existente.
Indica o Recorrente como meios de prova que impõem decisão diversa, os documentos 18 e 24 bem como o depoimento das testemunhas EG e MF, conforme transcrições integrais que junta.
Vale quanto a esta questão exatamente o que se referiu a respeito do ponto anterior, não identificando o Recorrente minimamente os documentos ou que parte dos mesmos que se apresenta como relevante para a determinação deste facto como provado, nem tão pouco indicando os excertos da gravação dos depoimentos das testemunhas que identifica, limitando-se a uma indicação genérica e não concretizada dos meios de prova, que não observa os requisitos do art.º 640.º n.º 1 al. b) e n.º 1 al. a) do CPC, rejeitando-se também nesta parte a sua pretensão.
- ponto 14 dos factos provados deve ser acrescentado para que conste:
“14. Os requeridos, MM e MC, não obstante regularmente notificados, enquanto proprietários, pelo referido despacho para reporem a legalidade urbanística, logo em janeiro de 2018, não só desobedeceram àquela ordem administrativa como permitem que os restantes requeridos continuem utilizando tais aparelhos com grave risco e prejuízo para o edifício”.
O Recorrente indica apenas como meios de prova o depoimento das testemunhas EG e MF, conforme transcrições integrais que junta, o que, como já se referiu, não cumpre os requisitos legais para a avaliação desta matéria, impondo-se a rejeição do requerido, nos termos do art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC.
- ponto 15 dos factos provados deve ser acrescentado para que conste:
“15. Face ao incumprimento voluntário de tal decisão administrativa e perante o pedido de esclarecimento do Ministério Público, a Câmara Municipal, por despacho de 02.10.2020, do senhor vereador do pelouro, voltou a intimar os requeridos MM e MC para cumprirem de imediato com a cominação de instauração do processo-crime por desobediência assim como execução coercitiva.
Indica o Recorrente como meios de prova que impõem decisão diversa: o doc. 19 e os depoimentos das testemunhas EG e MF, conforme transcrições integrais que junta, o que, como já se referiu, quanto a este meio de prova, nesta parte não cumpre os requisitos legais para a avaliação desta matéria, nos termos do art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC.
O invocado doc. 19 junto com a p.i. corresponde a um despacho do vereador da CML que manda proceder conforme o proposto, com referência a uma informação da técnica urbanística da CML datada de 18.09.2020 que propõe: “deverá ser superiormente determinada a reposição da legalidade, em conformidade com os projetos antecedentes válidos, no que concerne às alterações exteriores (grelha na bandeira da porta e aparelhos de ar condicionado), nos termos do art.º 106.º n.º 1 RJUE, no prazo de 20 dias para início e 20 dias para conclusão. Deverá ainda dar conhecimento de que o incumprimento dos prazos e condições da intimação da reposição da legalidade urbanística constitui a prática de crime de desobediência, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 100.º do RJEU e no art.º 348.º do Código Penal e implicará a determinação da demolição da obra e/ou reposição do terreno de forma coerciva, imputando os custos aos proprietários.”.
A matéria que se tem por relevante que pode ser retirada deste documento, já consta na sua maior parte dos pontos 3 e 4 dos factos provados, que não foram impugnados.
O teor deste doc. 19 proveniente da CML e que não foi impugnado, permite que se adite aos factos provados apenas o que dele se retira e não toda a matéria que o Recorrente requer.
De qualquer modo, em face do Requerido e na menção pretendida à reposição coerciva do determinado, não se vê obstáculo ao aditamento de um novo ponto aos factos provados, com o n.º 4A e o seguinte teor:
4A- Foi proferido um despacho pelo vereador da CML que manda proceder conforme o proposto, com referência a uma informação da técnica urbanística da CML datada de 18.09.2020 que propõe: “deverá ser superiormente determinada a reposição da legalidade, em conformidade com os projetos antecedentes válidos, no que concerne às alterações exteriores (grelha na bandeira da porta e aparelhos de ar condicionado), nos termos do art.º 106.º n.º 1 RJUE, no prazo de 20 dias para início e 20 dias para conclusão. Deverá ainda dar conhecimento de que o incumprimento dos prazos e condições da intimação da reposição da legalidade urbanística constitui a prática de crime de desobediência, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 100.º do RJEU e no art.º 348.º do Código Penal e implicará a determinação da demolição da obra e/ou reposição do terreno de forma coerciva, imputando os custos aos proprietários.”.
Procede nesta parte o requerido aditamento aos factos provados.
- ponto 16 dos factos provados deve ser acrescentado para que conste:
“16. …foi referido, na presença das autoridades policiais, que apenas era consentida a remoção da grelha assim como do gargalo do extrator ali colocado, para recolocação da bandeira de vidro ali existente e em conformidade com as telas finais do projeto licenciado.”
Para fundamentar o aditamento deste facto como provado, o Recorrente indica apenas como meios de prova o depoimento das testemunhas EG e MF, conforme transcrições integrais que junta, o que, como já se referiu, não cumpre os requisitos legais para a avaliação desta matéria, impondo-se a rejeição do requerido, nos termos do art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC.
- ponto 17 dos factos provados deve ser acrescentado para que conste:
“17. …é bem percetível a elevada concentração de fumos nas paredes do edifício como se pode ver da parte inferior da sacada justamente por cima da porta.”
Meios de prova que impõem decisão diversa: As fotografias constantes dos doc. 25 e 26 que não foram impugnadas e os depoimentos das testemunhas EG e MF, conforme transcrições integrais que junta, o que, como já se referiu, nesta parte não cumpre os requisitos legais para a avaliação desta matéria, nos termos do art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC.
Quanto às invocadas fotografias que constituem os mencionados doc. 25 e 26, não sabemos a que documentos o Recorrente se quererá referir. O Requerente com o requerimento inicial juntou 21 documentos e não 26 – logo com o requerimento inicial junta 10 documentos e no dia seguinte apresenta-se a requerer a junção dos doc. 11 a 21. 
Admitindo-se que possa ter havido um lapso na identificação dos documentos e que o mesmo possa querer referir-se aos doc. 20 e 21 juntos com o requerimento inicial, que constituem duas fotografias, desde já se diga que a sua avaliação não nos permite, por si só, concluir pela verificação deste facto que o mesmo pretende ver aditado aos factos provados.
Não se encontra nem no processo físico nem tão pouco no processo eletrónico outros documentos apresentados pelo Requerente para além daqueles 21 documentos juntos inicialmente e dos documentos por ele apresentados com a resposta à oposição, que não foram admitidos pelo tribunal.
Os meios de prova indicados pelo Recorrente não admitem o aditamento de um novo ponto aos factos provados com o teor proposto.
- ponto 18 dos factos provados deve ser acrescentado para que conste:
“18. Acresce que o edifício tem já cerca 20 anos e necessita de realização das obras de conservações ordinária (pinturas e recuperação dos elementos das fachadas) legalmente impostas, mas que à face da constante contaminação pelos resíduos de tão ilícito restaurante não se mostram viáveis.
O Recorrente indica apenas como meios de prova o depoimento das testemunhas EG e MF, conforme transcrições integrais que  junta, o que, como já se referiu, não cumpre os requisitos legais para a avaliação desta matéria, impondo-se a rejeição do requerido, nos termos do art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC.
- ponto 19 dos factos provados deve ser acrescentado para que conste
“19. O embargo foi feito em voz alta e destinado à pessoa do legal representante, da sociedade STHV, dona da obra, senhor TV, assim como à pessoa do responsável pela empresa construtora e a todos os 4 trabalhadores que ali se encontravam.”
Indica o Recorrente como meios de prova que impõem decisão diversa: o teor do doc. 27 que não foi impugnado e os depoimentos das testemunhas EG e MF, conforme transcrições integrais que junta, o que, como já se referiu, nesta parte não cumpre os requisitos legais para a avaliação desta matéria, nos termos do art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC.
Já quanto ao doc. 27, não sabemos a que documento o Recorrente pretende aludir, na medida em que não se encontra nos autos qualquer documento com tal numeração, nem tão pouco foi por ele junto ao processo um documento contendo o auto escrito do embargo extrajudicial, não podendo falar-se da existência de um auto de embargo que não foi impugnado.
Tal como já teve oportunidade de referir-se anteriormente não se encontra nem no processo físico, nem tão pouco no processo eletrónico outros documentos juntos pelo Requerente, para além daqueles 21 doc. juntos inicialmente e dos documentos juntos com a sua resposta à oposição, sendo que estes últimos não foram sequer admitidos pelo tribunal, nem tão pouco consistem num auto do embargo.
Constata-se que a primeira parte desta matéria que o Recorrente pretende ver aditada aos factos provados já consta no ponto 12 dos factos provados, consistindo apenas num aditamento à mesma no sentido de dele também passar a constar: “e a todos os 4 trabalhadores que ali se encontravam.”.
A redação agora proposta pelo Recorrente para este facto corresponde à matéria que foi por si alegada no art.º 38.º do requerimento inicial e que foi expressamente impugnada pela Requerida no art.º 56.º da oposição.
Não podemos assim dizer que se trata de matéria que não é controvertida no processo, nem tão pouco que o auto do embargo não foi impugnado, na medida em que, como já se referiu, do processo não consta qualquer escrito com auto de embargo. Não obstante o Requerente faça menção no art.º 44.º do seu requerimento inicial a que foi lavrado um auto que junta (Doc. 27), a verdade é que tal documento nunca veio a ser junto ao processo. 
Não existem por isso elementos de prova que este tribunal possa avaliar no sentido de imporem o aditamento requerido, que assim improcede.
Em conclusão, procede apenas em parte a alteração da decisão de facto requerida, aditando-se um novo ponto 4A aos factos provados, com o teor referido, improcedendo a impugnação apresentada em tudo o mais.
*
Resultaram apurados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa: 
1. Os requeridos MM e mulher MC são proprietários da fracção correspondente à letra EG do mencionado edifício E/F; Cfr. certidão do registo predial (Doc. 1). 
2. Quer pelo título constitutivo da propriedade horizontal quer pelo regulamento do condomínio, a fracção destina-se exclusivamente ao exercício da actividade de comércio e serviços; (Doc. 5 e 6). 
3. No procedimento administrativo que correu termos com a referência EXP na CML, foi decidida a reposição da “legalidade administrativa” devendo ser efectuadas obras para o efeito (Doc.18). 
4. A reposição da legalidade administrativa, consiste na retirada dos aparelhos de ar condicionado colocados na bandeira da porta no alçado do edifício que dá para a rua G … Z …, bem como na retirada de uma grelha onde se encontra a boca de saída do sistema de exaustão de fumos. Cfr. Doc. 18 
4A- Foi proferido um despacho pelo vereador da CML que manda proceder conforme o proposto, com referência a uma informação da técnica urbanística da CML datada de 18.09.2020 que propõe: “deverá ser superiormente determinada a reposição da legalidade, em conformidade com os projetos antecedentes válidos, no que concerne às alterações exteriores (grelha na bandeira da porta e aparelhos de ar condicionado), nos termos do art.º 106.º n.º 1 RJUE, no prazo de 20 dias para início e 20 dias para conclusão. Deverá ainda dar conhecimento de que o incumprimento dos prazos e condições da intimação da reposição da legalidade urbanística constitui a prática de crime de desobediência, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 100.º do RJEU e no art.º 348.º do Código Penal e implicará a determinação da demolição da obra e/ou reposição do terreno de forma coerciva, imputando os custos aos proprietários.”.
5. No dia 24/05/2021, o administrador do condomínio, assim como alguns condóminos, deram de conta, de vários barulhos de obras no interior da fracção, como rebarbadoras, pancadas de martelos demolidores, assim como presenciaram vários operários carregando partes de ferro e de maquinaria; 
6. No dia 25/05/2021, pelas onze horas vários condóminos alertaram os administradores para a presença de vários trabalhadores (alguns em cima de andaimes) que desmontavam os aparelhos de ar condicionado; (Doc. 20 e 21). 
7. Um dos condóminos pediu ao requerido TV que parasse de imediato com a obra ao que respondeu com ameaças e que tinha papéis de licença; 
8. Chamada a Polícia de Segurança Pública e a Polícia Municipal TV, representante da requerida, exibiu cópias dos despachos do senhor vereador ordenando a reposição da legalidade urbanística. 
9. O administrador do condomínio, ES, ali presente, pediu e advertiu, TV e FR (engenheiro) que se abstivessem de continuar com qualquer tipo de obra e manter a mesma com estava; 
10. Os trabalhadores ali presentes colocaram os equipamentos no interior da loja. 
11. No momento do embargo extrajudicial, a obra encontrava-se no estado que se documenta a fls. 22, não se encontrando quaisquer aparelhos pendurados ou fixados na parede quaisquer equipamentos (Doc. 22). 
12. O embargo foi feito em voz alta e destinado à pessoa do legal representante, da sociedade STHV, dona da obra, senhor TV, assim como à pessoa do responsável pela empresa construtora. 
V. Razões de Direito
- do (in)cumprimento das formalidades legais na realização do embargo
Alega o Recorrente que deu cumprimento às formalidades previstas no art.º 397.º n.º 2 do CPC, resultando provado que o embargo foi feito na presença de duas testemunhas, tal como declararam as testemunhas ouvidas e consta do doc. 27 junto aos autos pela Requerente que não foi impugnado.
A sentença proferida admitindo que o embargo extrajudicial não tenha de ser feito por escrito, refere que terá de ser feito perante duas testemunhas, concluindo que não ficou provado que a notificação do representante legal do dono da obra para parar com a mesma tenha sido feita na presença de duas testemunhas, assim considerando não cumprido o formalismo previsto no art.º 397.º n.º 2 do CPC.
O procedimento cautelar nominado de embargo de obra que vem regulado no art.º 397.º do CPC admite, para além do embargo judicial, que este possa ser feito extrajudicialmente, diretamente pelo interessado, nos termos previstos no n.º 2 do art.º 397.º, ou seja: “notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar.”
O legislador, por razões de segurança, prevê nesta norma a necessidade de ser observado um determinado formalismo no embargo extrajudicial, exigindo por um lado que a notificação para não continuar a obra seja feita ao dono da obra, ao seu encarregado ou a quem o substitua, e que o seja perante duas testemunhas. Estas exigências compreendem-se porque o embargo é feito diretamente pelo interessado e apenas ratificado pelo tribunal.
A respeito da realização do embargo extrajudicial diz-se no Acórdão do TRL de 14 de janeiro de 2011 no proc. 2235/10.9TJLSB.L1-7 in www.dgsi.pt : (…) duas questões sobressaem. A primeira, de saber como se efectiva, na prática, a notificação directa do embargo, pelo interessado ao responsável da obra; a segunda, a da saber quais os termos que deve seguir a subsequente ratificação judicial desse embargo. Começando pela primeira. Cremos que, a seu respeito, a lei é clara; o interessado notifica, directa e verbalmente, o responsável, devendo-o contudo fazer perante duas testemunhas (artigo 412º, nº 2). (…)Significa isto, e em suma, que se não exige a redução a qualquer documento escrito da notificação extrajudicial realizada; O documento – o auto – a que se refere o artigo 418º é o da realização do acto de ratificação judicial, elaborado pelo funcionário, em execução da confirmação e homologação pelo tribunal do embargo extrajudicial (e meramente verbal) antes tido lugar, sendo, ao invés, únicas exigências da lei que, por um lado, seja dirigida a quem deve, O dono da obra ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir e, por outro, se realize na presença de duas testemunhas. É a partir do momento dessa notificação verbal que se produzem os efeitos do embargo da obra; a sua ratificação posterior tem apenas o fim de manter e assegurar a eficácia de tal notificação – Acórdão da Relação do Porto de 20 de Outubro de 1994, proc.º nº 9450451, in www.dgsi.pt.”.
Na situação em presença e contrariamente ao que refere o Requerente, resultou apenas provado que o embargo foi feito em voz alta e destinado à pessoa do legal representante da dona da obra, assim como ao responsável pela empresa construtora (ponto 12 dos factos provados), não tendo ficado provado, como alegou o Requerente, que foi feito na presença de 4 testemunhas, nem tão pouco de duas, como é exigência legal.
Sobre esta questão, refere-se na sentença sob recurso: “In casu, dúvidas não subsistem de que a requerida foi notificada na pessoa do seu, à data, representante legal, TV. Nos termos do art.397º, nº 2, do CPCivil, o interessado notifica, directa e verbalmente, o responsável, devendo-o fazer perante duas testemunhas. Não se sabe se tal formalismo foi cumprido porquanto, sendo certo que sendo certo que o embargo extrajudicial não tenha de ser feito por escrito, terá de ser perante duas testemunhas. In casu, desconhece-se se tal formalismo foi cumprido: Anote-se que das duas testemunhas arroladas pelos requerentes, apenas uma declarou ter assistido ao embargo. Anote-se que em sede de requerimento inicial, aludindo-se a testemunhas, nenhuma identificação das mesmas é apresentada. Assim sendo, e antes de mais, verifica-se que este requisito cuja prova incumbe ao requerente, não resulta ter sido preenchido.”.
A procedência desta questão suscitada pelo Recorrente, no sentido ter-se como cumprida a observação dos requisitos previstos no art.º 397.º n.º 2 do CPC quando da realização do embargo extrajudicial, estava dependente da procedência da impugnação da decisão de facto que o mesmo apresentou e que nesta matéria veio a improceder. 
Assim sendo e perante os factos que resultaram provados, não merece censura a sentença proferida quando considera que não estão preenchidos os pressupostos formais previstos no art.º 397.º 2 do CPC, necessários ao decretamento da providência.
- da (in)existência de obra causadora de prejuízo para o Requerente 
Defende o Recorrente que as obras realizadas são ilegais visando a alteração não consentida do uso da fração pela Requerida e que mesmo as que são feitas na fração interferem com o logradouro do edifício, que degradam e para o qual vão expelir fumos, gases e gorduras, estando verificados os requisitos que admitem a procedência da providência requerida.
A decisão recorrida considerou que quando da realização do embargo já havia sido reposta a legalidade na colocação dos aparelhos nas partes comuns e na porta da fração, tal como determinado pela CML, desconhecendo-se qualquer obra em curso suscetível de ser embargada, designadamente no interior da fração.
Como é pacífico e resulta do disposto no art.º 362.º do CPC, os procedimentos cautelares constituem instrumentos jurídicos, de natureza incidental, destinados a acautelar o efeito útil das ações ou execuções de que são dependência, visando, designadamente, evitar prejuízos graves através da consumação de uma lesão grave ou dificilmente reparável de um direito em face do decurso de tempo necessário à composição definitiva do litígio, de modo a obter-se a conciliação possível, entre o interesse da celeridade e o da segurança jurídica. Têm assim como objetivo obviar ao periculum in mora.
A providência cautelar de embargo de obra nova que neste caso foi a solicitada pelo Requerente, vem permitir no art.º 397.º n.º 1 do CPC que: “Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente.”.
Temos assim como requisitos do embargo de obra nova: a convicção do titular do direito de propriedade ou de qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou de posse, de estar a ser ofendido no seu direito; que essa ofensa resulte de um trabalho ou serviço novo que está a ser executado e que lhe cause ou possa causar prejuízo - quanto aos requisitos do embargo de obra vd. Manuel Baptista Lopes, in. Dos Procedimentos Cautelares, pág. 131.
Daqui decorre em primeira linha a necessidade de se considerar para efeitos do decretamento da providência, que o direito que está a ser ofendido pela obra tem de ser um direito de propriedade ou outro direito real ou pessoal de gozo ou posse, o que, por um lado, não restringe a tutela através do procedimento de embargo ao direito de propriedade em sentido estrito, antes admite que aqui se integrem situações similares de compropriedade ou abrangidas pelo regime da propriedade horizontal, bem como de outros direitos reais de gozo como o de usufruto ou servidão e, por outro lado, exclui a ofensa de qualquer outro tipo de direitos, como sejam os direitos de personalidade – vd. neste sentido, Acórdão do TRL de 14 de julho de 2020 no proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/107493" target="_blank">1178/22.8T8OER.L1-7</a> in www.dgsi.pt onde se refere: “(…) tais direitos não fazem parte do estatuto real do direito de propriedade, nem se integram na liberdade de usar, fruir ou dispor que caracterizam o mesmo, como claramente se concluiu, com relação ao direito à paisagem, no Ac. STJ 6.9.2011.”.
Importa ainda ter em conta, que com o embargo de obra nova que leva à suspensão da obra, o que se visa é que a mesma não prossiga, por a sua realização estar a causar ou ameaçar causar um prejuízo ao titular do direito.
Como se refere a este propósito no Acórdão do TRG de 17 de outubro de 2021 no proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/189210" target="_blank">1150/20.2T8PTL.G2</a> in www.dgsi.pt : “Pretende-se evitar a violação, ou a continuação da violação, de um desses direitos ou da posse, por via de obra, trabalho ou serviço novos em curso, estando precisamente ínsito no “conceito de embargo (…) a ideia de oposição ao prosseguimento de uma operação”. Pressupõe-se, porém, na expressão “se julgue ofendido no seu direito (…) ou posse” que a obra, trabalho ou serviço já se tenha iniciado; e na expressão “seja mandado suspender imediatamente” que a obra, trabalho ou serviço ainda não se tenha concluído nos seus aspetos fundamentais. (…) Já relativamente à exigência de não conclusão da obra, é manifesto que, de outro modo, a providência cautelar perderia toda a eficácia e utilidade, já que, por natureza e de forma geral, esta exerce uma função preventiva.”.
A sentença recorrida refere a dada altura na parte final da sua fundamentação: “A natureza, essência e finalidade primordial dos procedimentos cautelares é similar em todos eles: assegurar o efeito útil da acção definitiva. Tal valerá, igualmente no embargo de obra nova, já que o art.º 397º do CPC. continua a exigir que a ofensa do direito resulte de uma obra, trabalho ou serviço que lhe cause ou possa causar prejuízo. Não releva, assim, uma qualquer ofensa, mas antes a ofensa de que resulte prejuízo. Naturalmente que este prejuízo não pode ser um prejuízo qualquer, quer na vertente qualitativa, quer na quantitativa. Não basta uma mera lesão jurídica, mas uma real, efectiva e objectiva lesão ‘in natura’, bem como não basta um qualquer despiciendo dano, lesão ou prejuízo, mas antes um prejuízo relevante, irreparável ou de difícil reparação. Qualquer providência tem cariz excepcional e apenas pode ser usada em situações de urgência e cabal necessidade, quando a acção de que é dependente não possa, atempadamente, apreciar e tutelar – pelas vias normais e com plena igualdade de armas dos litigantes – o pedido do autor. Conforme refere Abrantes Geraldes, in «Temas da Reforma do Processo Civil», IV volume, 4.ª edição revista e actualizada, pág. 256: «Tem sido entendimento jurisprudencial restringir o embargo às obras relevantes, excluindo as obras meramente secundárias, os acabamentos ou o aproveitamento de obras anteriores. A “novidade” que entra na qualificação do procedimento implica que apenas possam ser embargadas obras que impliquem uma modificação substancial da coisa, excluindo as que se traduzam em meras modificações superficiais ou na mera reconstrução de uma situação preexistente». Ora, na situação que ora nos move encontra-se provada a propriedade/posse da requerente das fracções que invoca, porém, a verdade, é que não logrou a requerente provar qualquer obra que fosse possível embargar. Com efeito, resultou provado à evidência, sem qualquer sombra de dúvida, que quando o administrador comunicou o embargo, instando a obra parar, já os aparelhos de ar condicionado haviam sido retirados do local e a porta resposta, já não existindo qualquer grelha: Tal era determinação da CML. Não se vislumbra qualquer obra a parar. A obra na fachada estava concluída e consistiu no retirar dos equipamentos de ar condicionado da fachada e a retirada da grelha. O que resultou claro da inquirição das testemunhas é que o requerente afinal o que pretendia era que tais equipamentos não fossem colocados no interior da fracção, porém, a ter havido tal procedimento, o que se desconhece, o mesmo não foi objecto de qualquer embargo. Havemos assim que concluir que, do ponto de vista formal, não foi provada a validade do embargo, porque não e provou que o mesmo tenha sido feito perante duas testemunhas; do ponto de vista substancial, não se provou qualquer obra em curso aquando da comunicação pelo administrador de paragem da obra.”.
O direito real que o Requerente em representação dos condóminos considera alvo da ofensa que constitui a obra que foi objeto do embargo extrajudicial não pode deixar de ser o que resulta da propriedade horizontal, em que cada um dos condóminos é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício – art.º 1420.º do C.Civil - estando aqui em causa obra realizada em parte comum como é a fachada do edifício.
Os factos provados mostram que a fração em causa se destina exclusivamente ao exercício da atividade de comércio e serviços; que num procedimento administrativo que correu termos na CML foi decidida a reposição da legalidade administrativa, consistindo na retirada dos aparelhos de ar condicionado colocados na bandeira da porta no alçado do edifício que dá para a rua, bem como na retirada de uma grelha onde se encontra a boca de saída do sistema de exaustão de fumos; no dia 25/05/2021 vários condóminos alertaram os administradores para a presença de trabalhadores que desmontavam os aparelhos de ar condicionado tendo um dos condóminos pedido ao requerido TV que parasse de imediato com a obra; chamada a Polícia o representante da Requerida, exibiu cópias dos despachos do senhor vereador ordenando a reposição da legalidade urbanística; o administrador do condomínio, pediu e advertiu que se abstivessem de continuar com qualquer tipo de obra e manter a mesma com estava, tendo os trabalhadores ali presentes colocado os equipamentos no interior da loja, sendo que no momento do embargo extrajudicial, não se encontravam já quaisquer aparelhos pendurados ou fixados na parede quaisquer equipamentos.
Como se viu,  a providência cautelar especificada de embargo de obra nova apenas pode ter lugar como forma de tutela do direito de propriedade, de outros direitos reais ou da posse, pelo que só uma obra que incide sobre as partes comuns do edifício de que cada condómino é comproprietário é que é suscetível de ser por eles embargada e já não uma qualquer obra que esteja a ser realizada na fração de um dos condóminos sobre as quais este tem a propriedade exclusiva.
Tal não significa que uma obra realizada numa fração própria não possa ofender os direitos dos restantes condóminos no seu conjunto, mas se a mesma não se repercute sobre as partes comuns do edifício, não é o seu direito real de compropriedade sobre as mesmas que está a ser violado, ainda que porventura a mesma seja suscetível de violar outros seus direitos.
Na situação em presença, os factos dizem-nos, por um lado, que a obra que estava a ser realizada na fachada do edifício pela Requerida consistiu na retirada dos aparelhos do ar condicionado bem como na retirada de uma grelha do sistema de extração e fumos, no sentido de pôr termo à ilegalidade que constituía a permanência de tais equipamentos na fachada do prédio, em parte comum do prédio, o que antes aponta para que dessa forma tenha sido posto termo a uma ofensa do direito dos condóminos que a permanência de tais equipamentos representava. Por outro lado, verifica-se que quando da realização do embargo os equipamentos já não estavam pendurados na parede comum do prédio e haviam sido levados para o interior da fração, podendo por isso dizer-se, como se refere na sentença recorrida, que a obra já estava executada.
Concluída que estava a retirada dos equipamentos da parte comum do edifício, o procedimento cautelar de embargo afigura-se até como inútil, não se vendo que continuação de obra é que haja de prevenir, ou que outra obras estivessem projetadas para as partes comuns, com o fim de evitar a lesão do direito real dos condóminos cuja tutela pode ser atingida com a presente providência.
A circunstância de tais equipamentos poderem eventualmente ter sido colocados no interior da fração, como alega o Requerente, nunca representam uma obra que pode vir a ser alvo da presente providência, uma vez que incidindo sobre fração de propriedade exclusiva de outrem, só por si não constituem qualquer lesão de direito real do Requerente, não podendo dizer-se que prejudicam o direito de propriedade sobre a parte comum do prédio, prejudicando os seus comproprietários.
Não se questiona aqui a legalidade ou ilegalidade da atividade de restauração que é exercida na fração, que parece ser aquilo a que o Requerente pretende obviar e a verdadeira razão da presente providência, nem tão pouco o eventual prejuízo que tal atividade representa para os condóminos. 
 
Também não se discute nos presentes autos se existem cheiros, fumos ou ruídos causados pelo funcionamento do restaurante passíveis de constituírem uma ofensa dos direitos de personalidade dos condóminos, que, aliás, nem são parte nos autos, cumprindo apenas apreciar da verificação dos pressupostos legais do procedimento de ratificação do embargo extrajudicial, que, como se viu, não se verificam.
Como entendeu a decisão sob recurso, os factos mostram a realização de uma obra que se consumou com a retirada dos equipamentos da parte comum, o que não nos permite confirmar a existência de uma obra em curso suscetível de ser suspensa por violar o direito de compropriedade sobre parte comum do edifício que cause ou ameaça causar prejuízo real ou possível ao Requerente, assim não se verificando os pressupostos do art.º 397.º n.º 1 do CPC para o decretamento da providência, como concluiu a sentença recorrida.
- do pedido de inversão do contencioso
Requer o Recorrente que este tribunal determine a inversão do contencioso nos termos do art.º 369.º n.º 1 do CPC.
Este pedido é apenas formulado pelo Requerente em sede de recurso.
Sem cuidar de saber se tal requerimento tem de ser submetido previamente ao tribunal de 1ª instância, atenta a natureza dos recursos, sempre fica prejudicado o conhecimento desta questão em face da improcedência da apelação com a consequente manutenção da decisão recorrida que indefere a providência.
V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se o presente recurso interposto pelo Requerente totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente. 
Notifique.
*
Lisboa, 9 de fevereiro de 2023
Inês Moura
Laurinda Gemas
António Moreira

Acordam na 2ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório Vem o Condomínio do prédio sito na Rua …, …/…, edifício E/F, em Lisboa, intentar o presente procedimento cautelar de ratificação judicial de embargo contra, MM e mulher, MC; “STHV-Investments, Lda.”, com sede na Rua ... em Carnaxide;  SH; TV e, “Interconfor-Decorações de Interiores, Lda.”, pedindo a ratificação em embargo extra-judicial, efetuado no dia 25.5.2021, pelas 11h, ordenando-se aos requeridos que se abstenham de executar quaisquer trabalhos na fachada do edifício e na referida bandeira da porta, devendo retirar a grelha e extrator ali colocados e repor o vidro ali existente em conformidade com as telas finais aprovadas bem como se absterem de colocar qualquer aparelho no alçado do edifício até ao trânsito em julgado da ação principal. Foi determinada a citação dos Requeridos que vieram apresentar oposição, concluindo pela improcedência do pedido. O Requerente veio apresentar resposta às oposições apresentadas e juntar documentos. No início da audiência foi proferido despacho que, de acordo com o princípio do aproveitamento dos atos processuais e da celeridade, admitiu o articulado de resposta apresentado pelo Requerente, não obstante o mesmo devesse ser apresentado apenas no início da audiência final. Por entender que os documentos que o acompanham são intempestivos, por não terem sido apresentados com o requerimento inicial e nada interessam para a boa decisão da causa, não foi admitida a junção dos documentos 1 a 4 apresentados com a resposta. Foi proferido despacho saneador no início da audiência, que na avaliação dos pressupostos processuais considerou que os Requeridos MM e mulher MC, SH, TV e Interconfor-Decorações de Interiores, Ld.ª são parte ilegítima, tendo absolvido os mesmos da instância por ilegitimidade e determinando prosseguimento dos autos apenas contra a Requerida “STHV”. Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelas partes. Foi proferida decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar de retificação de embargo requerido, absolvendo a Requerida do pedido. A Requerente, por não se conformar com a sentença proferida, bem como com as duas decisões proferidas em audiência: o despacho saneador que conhecendo da legitimidade das partes considerou alguns dos Requeridos parte ilegítima, absolvendo os mesmos da instância e o despacho que não admitiu os documentos juntos com a resposta à oposição, veio impugnar as três decisões num único recurso. Foi proferida decisão singular do então relator a rejeitar o recurso quanto ao despacho que julga parte ilegítima alguns dos Requeridos, absolvendo os mesmos da instância, bem como do despacho que não admitiu os documentos. Não se conformando com tal decisão veio o Recorrente dela reclamar para a conferência. Em conferência foi considerado que a apelação daquelas duas decisões pode ter lugar, mas apenas autonomamente atento o disposto no art.º 644.º n.º 1 al. b) e n.º 2 al. d) do CPC, por não estarem em causa decisões que devam ser impugnadas com o recurso da decisão final nos termos do n.º 3 de tal artigo, determinando-se a autonomização dos dois recursos ao abrigo dos poderes de gestão processual do tribunal. A apelação que importa aqui apreciar e decidir reporta-se apenas ao recurso da decisão final, de que o Requerente discorda, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que “(ii) ratifique o embargo extrajudicial; e (iv) ordene, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 402.º/1 do CPC, aos recorridos a demolição das obras executadas após o embargo, devendo os recorridos proceder à remoção dos aparelhos de ar condicionado, do extrator de fumos, gases, gorduras e cheiros colocado sob o teto falso, bem como eliminada a divisória/porta que foi colocada antes da porta exterior para fechar a antecâmara, dendo colocarem no alçado a porta original com bandeirola de vidro fixo e manter a porta fechada, dado não ser a porta principal ou de entrada/saída da loja e ao invés, se tratar de uma porta de emergência”, apresentando para o efeito as seguintes conclusões que se reproduzem (limitadas ao objeto do presente recurso): a) Vem o presente recurso interposto: i) da decisão que negou ratificar o embargo extrajudicial; ii) do despacho que julgou parte ilegítima os requeridos MM e mulher, MC, SH, TV e, “Interconfor- Decorações de Interiores, Lda.”; e iii) do despacho que não admitiu os 4 documentos juntos com o requerimento de resposta. b) Conforme Professor Alberto dos Reis, a ratio essendi dos procedimentos cautelares é evitar que o interessado obrigado a esperar tanto tempo por uma sentença, por muito bem elaborada e justa que pareça, seja vítima de prejuízos que a sentença já não pode apagar. c) Este é um procedimento cautelar de embargo de obra nova e entende o recorrente que a matéria de fato assente pelo tribunal a quo, podendo/devendo ser corrigida/completada por este tribunal ad quem, é, ainda assim, mais que suficiente para se decretar a providência e, consequentemente, ratificar o embargo. DA RELEVÂNCIA DA VIOLAÇÃO DO USO DA FRAÇÃO PREVISTO NO TÍTULO CONSTITUTIVO DA PROPRIEDADE HORIZONTAL NA REALIZAÇÃO DE OBRAS ILEGAIS/CLANDESTINAS d) Ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, no embargo de obra nova, o destino da fração constante no título constitutivo da propriedade horizontal é elemento a considerar ou que releva para apreciação do requisito fumus boni iuris. e) Posto que, na falta de chaminé na fração, as obras destinadas a construir um sistema alternativo de evacuação de fumos para instalar um restaurante numa fração destinada a comércio e serviços são obras ilegais, por violarem os artigos 1346.º, 1347.º, 1422.º/2 als. a) e c) e 1425.º/7, revelando ou aplicando-se ainda os artigos 108.º a 114.º do RGEU sendo, portanto, passíveis de embargo. Dito isto, DO EXCESSO DE PRONÚNCIA, POR FUNDAR A DECISÃO NUMA ALEGADA NULIDADE DO EMBARGO, POR PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES, MAS NÃO INVOCADA PELOS REQUERIDOS f) Embora, se afigure se tratar de um mero obiter dictum, certo é que o tribunal a quo assenta a sua decisão na ideia de que não foram cumpridos os formalismos legais quanto à necessidade de o embargo haver de ser feito na presença de duas testemunhas. g) Nenhum dos requeridos negou a existência da ordem ou pedido de cessação das obras, nem tampouco vem alegado que o mesmo não foi feito na presença de várias (mais do que duas) testemunhas, sendo certo que nas oposições não vem suscitada qualquer nulidade por omissão de cumprimento da dita formalidade. h) Dessarte, o tribunal a quo ao decidir rejeitar a providência com esse fundamento - alegada preterição de uma formalidade na realização do embargo extrajudicial – incorreu em pronúncia não consentida. Art.º 608.º/2 in fine do CPC. – Ac. da RP de 23.02.2012, RC de 06.11.1983 e RE de 08.01.1976 acima mais bem referenciados. De todo o modo, i) Não é verdade o afirmado de que não se provou que o embargo tenha sido feito na presença de duas testemunhas, quer porque as testemunhas ouvidas declararam terem testemunhado a ordem ou pedido de paragem das obras, j) assim como consta o documento 27 nos autos, juntos pelo requerente que – sublinhe-se – não foi impugnado, no qual está exarado que “Tendo em conta a recusa em assinar este auto pelos notificados do embargo, assinam comigo as seguintes testemunhas que presenciaram todos os fatos acima relatados: CR e EG.”. k) A testemunha Arquiteto MF, assim como o havia declarado a testemunha EG, declarou que assistiu ao embargo e descreveu a respetiva factualidade, como em sede de impugnação da matéria de fato se transcreveu. DA ILEGALIDADE DA OBRA EXECUTADA PARA, SEM CONSENTIMENTO DOS DEMAIS CONDÓMINOS, ALTERAÇÃO DO USO DA FRAÇÃO EM VIOLAÇÃO DO TÍTULO CONSTITUTIVO l) Na propriedade horizontal, cada fração autónoma não é uma ilha, mas uma parte de um todo, onde, por isso, se conjugam direitos de propriedade exclusiva (sobre cada uma das frações) e direitos de compropriedade (sobre as partes comuns do edifício), sendo que os dois espaços/elementos (o objeto de propriedade exclusiva e o marcado pela compropriedade) se conjugam, entrecruzam e interpenetram, importando limitações na pretensão de uso e modificação de cada fração, como consagrado no n.º 2 do art.º 1422.º do C Civil. – Ac. da RC de 03.1.2020 supra melhor identificado. m) Se um dos condóminos, unilateralmente (sem comunicação e assentimento dos demais, apostando numa lógica de facto edificativo consumado), procede a obras numa fração autónoma de que é titular, situada no rés-do-chão do edifício, a fim de transformar o espaço destinado a comercio e serviços num estabelecimento de restauração, com inerente uso desconforme ao fim não habitacional a que destinada, realiza obras ilegais. n) Deste modo, demonstrada está, em termos sumários/cautelares, a aludida ameaça (ou o perigo) de prejuízo para os direitos dos demais condóminos, atento o especial modo – decorrente da específica natureza do domínio – como tais direitos de índole patrimonial relativamente ao prédio (propriedade exclusiva das frações de que são donos/ compropriedade das partes comuns) se exprimem, exercitam e valorizam. – Idem o) Mesmo no interior de uma fração autónoma, nem tudo será necessariamente propriedade exclusiva do proprietário da fração sofrendo entorses ou restrições no exercício do correlativo direito de propriedade e é, doutro lado, um comproprietário quanto às partes comuns do edifício, por constituído em regime de propriedade horizontal (cfr. art.ºs 1414.º e seg. do CCiv.). - Idem p) Noutra perspetiva, é “especialmente vedado aos condóminos” prejudicar, “quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício”, ou dar à sua fração “uso diverso do fim a que é destinada” [als. a) e c) do n.º 2 do art.º 1422.º do CCiv., com itálico aditado]. - Idem q) A dita realização de obras para transformação de uma loja de comércio em restaurante, ameaça ou causa prejuízos nas partes comuns, assim pondo em risco o direito de compropriedade de cada um dos demais condóminos sobre essas partes comuns, pelo que estes têm fundamento/motivo para se julgarem ofendidos nesse seu direito dominial comum, tanto mais que, como visto, a lógica dos requeridos era a do facto edificativo consumado, sem autorização dos demais condóminos, no sentido da preparação/conformação da fração para um (novo) uso ao arrepio do disposto no art.º 1422.º, n.º 2, al.ª c), do C Civil. - Idem. DA ILEGALIDADE DAS OBRAS POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 1346.º, 1347.º, 1422.º/2 als. a) e c) e 1425.º/7 DO Cód. Civil r) A relação jurídica entre requerente e requeridos, aquele em juízo pelos seus condóminos, enquanto titulares de direitos reais, concretamente, proprietários das suas frações e comproprietários das partes comuns, no que toca à edificação no respetivo prédio, rege-se pelas normas do Código Civil, nomeadamente os artigos 1346.º, 1347.º, 1422.º/2 als. a) e c) e 1425.º/7. s) Aplica-se ainda os artigos 108.º a 114.º do RGEU, na medida em que, pese embora se trate de um diploma de direito público, rege de forma cogente e outrossim relações entre privados, podendo ainda dar origem a uma relação multipolar com a administração que aqui não releva – Ainda que estivesse autorizada ou licenciada administrativamente, que – sublinhe-se – não é o caso, a obra nem por isso deixa de poder ser embargada. Na verdade, t) É indiferente para efeitos de apreciação dos requisitos de embargo que a obra em causa tenha sido autorizada por qualquer autoridade pública, que, aliás, - insista-se - não foi em momento algum, considerando que o cumprimento das exigências administrativas é insuficiente para garantir a defesa dos direitos dos terceiros que o embargo de obra nova visa acautelar. – Ac. da RG de 13.05.2021 supra melhor identificado. u) Num outro caso, mas em que igualmente estava em causa a fraude de, na ausência de chaminés, evacuar os fumos, gases, gorduras e cheiros através de uma grelha colocada sobre uma porta, neste mesmo tribunal da Relação se determinou a imediata cessação dessa atividade uma vez que não cumpria os artigos 112.º e 113.º do RGEU. - Ac. RL de 17.04.2018 supracitado. v) No caso sub judice, por impossível física (o destino de uma fração autónoma tanto pode ser estabelecido no título constitutivo, mediante declaração expressa, como resultar das características internas do espaço que a integra como, até, das características do prédio de que faça parte e, ainda da sua localização e, assim sendo, não é utilização normal de uma loja que não tenha chaminé a instalação nela de um restaurante. – Ac. da RL de 25.02.1992. w) Sendo outrossim juridicamente vedado («assente que é o título constitutivo da propriedade horizontal que estabelece o fim a que se destina a fração, por maior latitude que se queira conferir ao conceito de atividade comercial, a verdade é que a restauração, sendo uma atividade transformadora, deve ser qualificada como industrial». - Ac. do STJ de 13.04.2014 entre muitos e mesmo muitos incluindo os das instâncias. x) Pelo que não é nunca permitida a adequação do local a um restaurante o que, logo, torna ilícita, quanto o mais não fosse, toda e qualquer obra destinada a viabilizar tal fim e, como tal, embargável, não havendo razão alguma para se decidir de modo diverso como se fez na sentença recorrida. DO PREENCHIMENTO DOS PRESUPOSTOS FORMAIS E MATERIAIS DO EMBARGO DE OBRA NOVA y) Pelos pontos de facto 5 a 12, resulta assente, por provado, que no dia 24.05.2021 vários condóminos constataram a existência de obras no interior e exterior da fração onde está instalado o ilícito restaurante QPICANHA. z) Mais resultou provado que, pelo administrador do condomínio, ES, foi solicitado ao requerido TV e legal representante da recorrida STHV e ao representante do empreiteiro, engenheiro FR que parasse as obras, podendo apenas concluir a remoção dos aparelhos de ar condicionado e a reposição do vidro na bandeirola da porta. aa) Não obstante o embargo de obra nova extrajudicial que lhes foi comunicado, os requeridos continuaram impunemente a realização da sua obra e, através desta, construíram uma «nova» câmara de descarga, evacuação e passagem para o logradouro do edifício dos fumos, gases, gorduras e cheiros provenientes do funcionamento dos fogões do criminoso restaurante. bb) E essa letal câmara de descarga e encaminhamento para o logradouro dos produtos da combustão como fumos, gases, gorduras e cheiros, ao contrário do que decidiu o tribunal a quo, foi construída após o embargo, sujeitando-se, pois, ao disposto no artigo 402.º do CPC. cc) E – note-se – que para a câmara de extração e evacuação de fumos, gases, gorduras e cheiros funcionar tem de ter a porta aberta, nos termos que documentado está nos autos. dd) E, assim sendo, não há dúvida que a porta aberta através da qual se vêm em funcionamento os aparelhos de ar condicionado (para arrefecer os gases) e o enorme gargalo do extrator a expelir fumos, gases, gorduras e cheiros constitui uma grave alteração do alçado do edifício, respetiva finalidade e conservação. ee) O artigo 397.º/2 do CPC refere expressamente que a ação relevante para efeitos do embargo é a execução de uma obra, trabalho ou serviço novo, sendo que a factualidade supra integra a previsão normativa quer se chame obra, trabalho ou serviço novo seja no interior ou exterior da fração. ff) É que no domínio da propriedade horizontal relevam outrossim as obras interiores que contendam com a estrutura, arquitetura, fisionomia, estética, salubridade e finalidade do uso da fração e verdade é que a obra realizada acaba outrossim por alterar de forma grotesca e grave o alçado tardoz do prédio. gg) No momento do embargo, para a conclusão da reposição da legalidade urbanística determinada pela CML faltava retirar o gargalo e respetivo extrator colocado na bandeirola da porta assim como a reposição do vidro na dita bandeirola em substituição da grelha ali ilicitamente colocada. hh) É o que se alcança do cotejo dos documentos 21, 22 e 24 junto aos autos, tendo o tribunal a quo valorizado o documento 22, mas menoscabando os outros dois documentos que outrossim são relevantes para a compreensão da «obra». ii) Mesmo do documento 22, ao contrário do que concluiu o tribunal a quo, vemos que naquele momento não havia sido resposta a legalidade urbanística, como, de resto, nunca foi, pois ali ainda subsiste a grelha e o gargalo do extrator de fumos. jj) Mas o que os requeridos, não obstante o embargo, fizeram foi coisa bem diferente, pois após o mesmo, na parte da tarde do dia do embargo e nos dias seguintes retiraram a porta existente colocando-a no corredor da loja que dá acesso ao logradouro e colocaram no alçado uma nova e completamente diferente porta, assim construindo as paredes da letal câmara de evacuação de fumos, gases, gorduras e cheiros diretamente para o logradouro. kk) Foi eliminada a bandeirola da porta o que, desde logo, constitui uma proibida inovação/alteração da estética do edifício naquele concreto alçado. ll) Ainda na construção da letal câmara de evacuação para o logradouro de fumos, gases, gorduras e cheiros e após o embargo, foi executado um teto falso no qual foi montado o gargalo do extrator dos fogões com recurso às campânulas que estão fotografadas no documento 20 junto com o requerimento inicial e ali fixadas nas paredes e lajes estruturais do prédio. mm) Os aparelhos de ar condicionado, que antes estavam colocados sobre a porta e respetiva bandeirola, foram colocados na parede (estrutural que confina com a garagem) esquerda imediatamente atrás da porta e que quando fechada os oculta, mas, como referido, está praticamente e em permanência aberta. nn) Ou seja, se antes os condóminos se viam confrontados com a sinistra visão de dois aparelhos de ar condicionado ocultando o enorme gargalo do extrator que expelia fumos, gases, fumos e cheiros, agora confrontam-se com uma não menos sinistra, aliás, e também grotesca vista da porta aberta de uma letal câmara de evacuação de fumos, gases, gorduras e cheiros com os respetivos aparelhos de ar condicionado e gargalos à vista de todos. oo) A obra executada funciona como que um prolongamento do logradouro, primus: porque aqueles concretos aparelhos de ar condicionado só trabalham no exterior e nunca no interior e, consequentemente, debitam para o logradouro; secundus: A construída letal câmara onde, além de evacuação dos fumos, gorduras e cheiros, se acumulam os gases assassinos (monóxido e dióxido de carbono) só funciona de portas abertas a debitar para o logradouro na transversal e em toda a altura da porta, i.e., desde o chão até aos dois metros. pp) A expelição de fumos, gases, gorduras e cheiros pela porta da câmara ilegalmente construída impede os condóminos de fruírem ou utilizar os logradouros do edifício, assim como degrada ou deteriora os revestimentos das paredes e pavimentos. qq) Nova e ilegal é aquela obra que constitua uma alteração do prédio ou de uma sua fração, tal como originariamente foi concebido e licenciada e existia à data da constituição da propriedade horizontal e a sanção que cabe no caso de realização dessas obras é a respetiva destruição das inovações- artigo 829, n. 1, do Código Civil. rr) O embargo de obra nova integra-se, portanto, no «rol dos meios de defesa da propriedade, quer a ofensa derive de um conflito de vizinhança, quer de outro facto. – cfr. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. IV, 2ª ed., 2003, pág. 241 e «O prejuízo previsto na lei equivale à ofensa ao direito real (dano jurídico), não sendo necessária a prova de danos patrimoniais concretos.» – Ac. da RP de 22.02.2022. ss) É manifesto o erro na ideia que o tribunal a quo adquiriu de que “Não se vislumbra qualquer obra a parar. A obra na fachada estava concluída e consistiu no retirar dos equipamentos de ar condicionado da fachada e a retirada da grelha.”. tt) E essência ou razão de ser do embargo prevenir ou impedir a continuação da obra seja ela qual for no exterior ou no interior tanto faz, ponto que seja ilícita, não fazendo sentido que o embargante embargasse aquilo que ainda não viu nem foi executado. uu) Donde ser errada a asserção do tribunal a quo “O que resultou claro da inquirição das testemunhas é que o requerente afinal o que pretendia era que tais equipamentos não fossem colocados no interior da fração, porém, a ter havido tal procedimento, o que se desconhece, o mesmo não foi objeto de qualquer embargo.” vv) As obras executadas posteriormente ao embargo, sejam no exterior sejam no falso interior da fração, submetem-se à disciplina do artigo 402.º/1 do CPC, o que, aliás, foi requerido no início da audiência de julgamento, mas não foi objeto de qualquer decisão por tribunal a quo o considerar prejudicado. DA ILEGALIDADE DA DECISÃO QUE ABSOLVEU ALGUM DOS REQUERIDOS DA INSTÂNCIA (…) DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUANTO A FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS E OS QUE DEVEM SER ADCIONADOS lll) Os pontos de fatos não provados 1, 2, 3, 4 e 5 estão incorretamente julgados, devendo serem corrigidos conforme impugnação de páginas 31/32, dado que 1) A ausência ab ovo de chaminé e o fato do título constitutivo da propriedade horizontal determinar que o uso é comércio e serviços significa que a fração não foi concebida para nela ser exercida a atividade de restauração: e 2) Como se vê pelo documento 22, a grelha existente sob a bandeirola da porta ocultava o extrator e viabilizava o seu funcionamento dado que era através da grelha que eram expelidos os fumos, gases, gorduras e cheiros provenientes do funcionamento dos fogões. mmm) Devem ser adicionados os pontos de facto, 12 a 19, conforme impugnação constante a páginas 33/35 deste recurso, sendo que para todos os casos relevam os documentos ali indicados, assim como as declarações das testemunhas EG e MF. nnn) Se é certo que a testemunha EG declarou ser parte em vários processos contra os requeridos por causa das ilegais obras e funcionamento do ilícito restaurante no seu prédio, não é menos verdade que não tem qualquer animosidade contra os mesmos, nem sequer os conhece, e não olvidar que litigar em tribunal pela defesa dos seus direitos de que está convencido lhe assistir é um direito e um dever de cidadania e, por isso, não é legítima a degradação das suas declarações só por esse fato. ooo) Ou seja, não é pelo fato da testemunha não revelar simpatia alguma para com uma das partes ou com o que elas fazem, que o seu depoimento deixa de ser credível e verdade é que, ouvido, alcança-se que o mesmo depões de forma serena, isenta e segura com conhecimento direto dos fatos e que é na sua essência todo ele corroborado pela restante prova documental. ppp) A este propósito, não faz sentido a afirmação do tribunal a que que “também não sabe, se o que está em causa são aparelhos de ar condicionado, se são condutas de ventilação…”, pois esta testemunha disse claramente e em bom português, de forma pausada que o que está pendurado na parede são os aparelhos de ar condicionado que são utilizados para arrefecer os fumos, gases, gorduras e cheiros, provenientes da extração dos fogões e que o gargalo do extrator está colocado no teto da letal câmara. qqq) São estas as suas declarações: “…nessa Câmara o que fizeram foi instalaram 2 a os 2 aparelhos de ar condicionado que estavam no alçado instalaram para dentro para trás da porta e a grelha, o gargalo do extrator dos fogões, em vez de ficar na bandeirola, passou a ficar no teto dessa câmara, digamos, de compensação que criaram.”. rrr) O mesmo vale mutatis mutandi em relação à testemunha MF, sendo, desde logo, natural que, enquanto humano a residir no local se sinta incomodado com os fumos, gases, gorduras e cheiros provenientes da extração do restaurante e estranho seria se assim não acontecesse, sendo, deste modo, descabida e carente de humidade a exclam ação do tribunal a quo. DO DESPACHO QUE INDEFERIU A JUNÇÃO DE DOCUMENTOS (…) DO DESPACHO QUE JULGOU PREJUDICADO O REQUERIMENTO DE REAÇÃO CONTRA A INOVAÇÃO ABUSIVA yyy) A fixação do status quo da obra no momento do embargo, enquanto elemento impeditivo da sua continuação, ou seja, enquanto circunstância é que torna ilícita essa continuação e que desencadeia a previsão do artigo 420º do CPC, coloca-se logo face à notificação extrajudicial.” – Ac. da RC de 10.07.2007, supracitado. zzz) Sendo ilegais, as obras realizadas posteriormente ao embargo, devem ser destruídas, nos termos do artigo 402.º/2 do CPC, pelo que se requer a este tribunal ad quem que, em substituição do tribunal a quo, ordene a imediata eliminação/ reposição do local. aaaa) Tudo com a consequente ordem de remoção dos aparelhos de ar condicionado da parede onde estão suspensos, do extrator de fumos, gases, gorduras e cheiros colocado sob o teto falso, bem como eliminada a divisória/porta que foi colocada antes da porta exterior para fechar a antecâmara e ordenada a reposição da porta original ou exatamente igual, branca com bandeirola fechada a vidro. NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS E SENTIDO EM QUE DEVEM SER APLICADAS E NORMAS QUE DEVIAM TER SIDO APLICADAS bbbb) Por todo o exposto a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 1344.º/1 e 2, 1346.º, 1347.º, 1414.º, 1418.º/1, 2 als. a) e b), 1422.º, 1 e 2 als. a), c) e d) e 3 e 1425.º/2 do Código Civil. cccc) A norma extraída do disposto nos artigos 1346.º e 1347.º/1 do Cód. Civil conjugados com os artigos 108.º a 113.º do RGEU, deve ser interpretada e aplicada no sentido de relevar nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 397.º/1 do Cód. Proc. Civil, e, consequentemente, serem ilegais todas e qualquer obras que visem criar um sistema alternativo â existência das chaminés ali preconizados numa fração destinada a comércio e serviços e inserida num prédio destinado a habitação. dddd) Deve ser aplicada a norma extraída do artigo 397.º/2 do Cód. Proc. Civil, conjugado com os artigos 1418.º/2, 1420.º/2, 1421.º/1 al. a) e 2 als. a) e e), 1422.º/1, 2, als. a), c) e d) e 1425.º/7 do Código Civil, no sentido de que, num prédio em propriedade horizontal, são ilegais e, por isso, embargáveis as obras realizadas no interior da fração (loja destinada a comércio e serviços) destinadas a, na inexistência física e jurídica de chaminé na fração) instalar um extrator de fumos, gases, gorduras e cheiros que evacua tais produtos noviços através de uma porta aberta e à altura de uma pessoa e diretamente para o logradouro, impedindo a sua fruição pelos demais condóminos e contamina, degrada e deteriora os revestimentos das paredes e pavimentos. eeee) Deve ser aplicada a norma extraída do artigo 402.º do Cód. Proc. Civil, no sentido de que as obras posteriores ao embargo, ainda que executadas no interior da fração, não têm de ser embargadas nem sujeitas a ratificação judicial, estando as mesmas sujeitas a demolição e reposição in natura do local como se encontrava ao momento do embargo, para o que basta o requerimento, a todo o tempo, devendo o tribunal averiguar a sua realização, e, em caso afirmativo, ordenar a eliminação. DO REQUERIMENTO DE INVERSÃO DO CONTENCIOSO ffff) Requisitos para a inversão do contencioso, são dois: a) - Uma convicção segura acerca da existência do direito acautelado; b) - A adequação da providência para realizar a composição definitiva do litígio. gggg) Se bem que o artigo 369.º/1 do CPC inculque a ideia de que só na primeira instância é que é admissível o requerimento para inversão do contencioso, afigura-se-nos que, se o tribunal de recurso, entender, como no caso é de direito, ser de decretar a providência nada o impede de apreciar e decidir o requerimento. hhhh) No caso dos autos, atenta a matéria e a sólida prova documental e até por admissão dos fatos – os requeridos não negam que realizaram as obras que são visadas neste embargo, simplesmente dizem que são legais na medida em repuseram a legalidade urbanística de acordo com a determinação da Câmara Municipal de Lisboa, o que sabem não ser verdade. iiii) Seja de fato seja de direito nada sobra para discutir na ação que não tenha sido aqui discutida e que seja suscetível de influir na decisão da causa, pelo que a concessão da inversão do contencioso se afigura ser de direito. A Requerida veio responder ao recurso, pugnando no sentido da sua improcedência e manutenção da decisão recorrida. II. Questões a decidir São as seguintes as questões a decidir, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine: - da nulidade da decisão por excesso de pronuncia; - da impugnação/aditamento da decisão da matéria de facto; - do (in)cumprimento das formalidades legais na realização do embargo; - da (in)existência de obra causadora de prejuízo para o Requerente; - do pedido de inversão do contencioso. III. Da nulidade da sentença - da nulidade da decisão por excesso de pronuncia Alega o Recorrente que nenhum dos Requeridos negou a existência da ordem ou pedido de cessação das obras, nem tão pouco que o mesmo não foi feito na presença de várias testemunhas, não tendo sido suscitada na oposição a nulidade do embargo por omissão de cumprimento de formalidades na sua realização, concluindo que o tribunal a quo incorreu em pronuncia não consentida, nos termos do art.º 608 n.º 2 in fine ao conhecer tal questão e que ainda assim os elementos probatórios dos autos permitem concluir pela regularidade na realização do embargo. A sentença recorrida considerou que o Requerente não demonstrou ter cumprido o disposto no art.º 397.º n.º 2 do CPC e assim não estar preenchido um dos requisitos para o decretamento da providência requerida. Vejamos então se pode falar-se de nulidade da sentença por excesso de pronuncia, conforme defendido pelo Recorrente. O art.º 615.º n.º 1 do CPC estabelece que a sentença é nula quando: “a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.” São aqui enunciados pelo legislador os vícios formais da sentença que são suscetíveis de determinar a sua nulidade, pela verificação das circunstâncias previstas nas várias alíneas do art.º 615.º n.º 1 do CPC, o que não se confunde com o erro de julgamento de facto ou de direito que se reportam à substância da decisão. A mencionada al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC comina com a nulidade a decisão em que se verifica a omissão ou excesso de pronuncia por parte do juiz. Relaciona-se esta norma com o princípio expresso no art.º 608.º n.º 2 do CPC segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se também de questões que não sejam suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso. O excesso de pronuncia capaz de determinar a nulidade da decisão, tendo em conta o disposto no art.º 608.º n.º 2 do CPC, reporta-se a questões e não a factos, podendo existir relativamente a questões que não sejam de conhecimento oficioso, quando o tribunal se pronuncia sobre as mesmas sem que tenham sido submetidas à sua discussão pelas partes, não se apresentando por isso como questões controvertidas sobre as quais importe tomar posição no processo. Como sintetiza o Acórdão do TRC de 9 de abril de 2013 no proc. 621/09.6TBMLD.C2 in www.dgsi.pt : “O excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento do que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido.” No caso em presença o Requerente vem intentar procedimento cautelar de embargo de obra nova, pedindo a final: “Deve ser julgado procedente, por provado, o presente procedimento cautelar de ratificação de embargo extrajudicial, ratificando-se o embargo efetuado no dia 25.05.2021, pelas 11:00, ordenando-se aos requeridos que se abstenham de executar quaisquer trabalhos na fachada do edifício e na referida bandeira da porta, devendo retirar a grelha e extrator ali colocados e repor o vidro ali existente em conformidade com as telas finais aprovadas, bem como de se absterem de colocar qualquer aparelho no alçado do edifício até ao trânsito em julgado da ação principal. Mais requer que seja fixada sanção compulsória pecuniária no valor de 500,00€ por cada dia de infração ao embargo efetuado e de atraso no cumprimento da decisão de restituição do local ao anterior estado e em conformidade com o projeto aprovado.”. O procedimento cautelar de embargo de obra trata-se de um procedimento cautelar especificado que vem regulado no art.º 397.º do CPC nos seguintes termos: “1- Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente. 2 - O interessado pode também fazer diretamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar. 3 - O embargo previsto no número anterior fica, porém, sem efeito se, dentro de cinco dias, não for requerida a ratificação judicial.” Se o n.º 1 deste artigo prevê os requisitos substantivos para o decretamento do embargo de obra nova, seja ele judicial, seja extrajudicial, o n.º 2 vem estabelecer os formalismos necessários a observar no embargo extrajudicial, como é a situação presente. No caso do procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra, são estes os pressupostos que, quando verificados, admitem o decretamento da providência, não só aqueles que vêm previstos no n.º 1 do art.º 397.º do CPC que se referem aos requisitos substantivos do embargo, mas também aqueles que vão permitir dizer que o embargo cuja ratificação se pede observou os procedimentos legais previstos no n.º 2 deste artigo. Assim, ao ser chamado a ratificar o embargo extrajudicial de obra realizado pelo interessado, o tribunal tem de ter como verificados todos estes pressupostos legais necessários, impondo-se-lhe a apreciação de todos eles enquanto condição necessária ao deferimento da providência requerida. De acordo com o disposto no art.º 5.º n.º 1 do CPC às partes compete alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, constatando-se que no seu requerimento inicial o Requerente invocou efetivamente os factos concretos que provando-se permitem concluir pela observância dos procedimentos legais previstos no n.º 2 do art.º 397.º do CPC quando da realização do embargo cuja ratificação judicial vem requerer. Fá-lo designadamente no art.º 38.º do seu requerimento inicial onde alega que: “O embargo foi feito em voz alta e destinado à pessoa do legal representante da sociedade STHV, dona da obra, senhor TV, assim como à pessoa do responsável pela empresa construtora e a todos os 4 trabalhadores que ali se encontrava.”. Contudo, contrariamente ao que o Recorrente agora alega, esta matéria foi posta em causa pela Requerida na oposição que apresentou, designadamente no art.º 58.º do articulado de resposta, onde expressamente impugna o art.º 38.º do requerimento inicial. Nessa circunstância é que o tribunal a quo se pronunciou sobre os factos que se referem a esta questão, dando como provada a matéria que consta do ponto 12 dos factos provados, que se reporta à primeira parte da alegação do art.º 38.º do Requerente. Não pode por isso dizer-se que o tribunal a quo se pronunciou sobre questão que lhe estava vedado conhecer, nos termos do art.º 608.º n.º 2 do CPC, pelo contrário, antes se verifica que estamos perante matéria controvertida que se assume como essencial para a decisão da causa. A falta de prova de factos, ou o desacerto da decisão de facto sobre esta matéria que a Recorrente também invoca, não é suscetível de integrar qualquer vício formal da sentença capaz de determinar a sua nulidade podendo, quando muito, consubstanciar uma decisão errada (de facto ou de direito), que em sede própria será apreciada. Resta concluir pela não verificação da invocada nulidade da sentença por excesso de pronúncia nos termos do art.º 615.º n.º 1 d) do CPC. IV. Fundamentos de Facto - da impugnação/aditamento da decisão da matéria de facto O Recorrente vem impugnar a decisão da matéria de facto quanto os factos julgados não provados sob os pontos 1, 2, 3, 4 e 5 que considera incorretamente julgados, mais requerendo o aditamento de 8 novos pontos aos factos provados. - Quanto aos pontos 1 a 5 dos factos não provados é o seguinte o seu teor: 1. A loja (fracção EG) não foi concebida para nela ser exercida a actividade industrial de restauração, não dispondo de qualquer chaminé, ramal de gás, ramal de esgotos, clareiras de ventilação nem espaços para instalação de equipamentos de ventilação e/ou ar condicionado; 2. A grelha existente sobre a porta oculta o gargalo do extractor de fumos, gases e cheiros; 3. De acordo com as telas finais, o que tem de estar na porta é um vidro em toda a extensão da bandeira da porta; 4. Os requeridos intentam colocar no referido alçado os 3 aparelhos que, aliás, se preparavam para o fazer à socapa; 5. Pelo extractor e pelos referidos equipamentos serão expelidos os fumos, gases e cheiros que contaminam o ambiente do edifício. O art.º 640.º do CPC impõe um ónus a cargo do Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto dispondo: “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o Recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. b) (…) 3. (…)” O art.º 640.º do CPC tem a sua correspondência no art.º 685.º B do anterior CPC, ainda que tal correspondência seja apenas parcial, já que a nova norma vem reforçar o ónus de alegação que impende sobre o Recorrente, que deve agora indicar a resposta que, no seu entender, deve ser dada às questões de facto impugnadas. O art.º 640.º n.º 1 al. c) ao impor a necessidade do Recorrente indicar a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, traduz uma opção do legislador que veio reforçar desta forma a necessidade da parte manifestar e concretizar a sua discordância. Diz-nos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 127, a propósito deste requisito da impugnação da matéria de facto: “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação.” Daqui resulta que se o Recorrente não toma expressamente posição enunciando a decisão que pretende que seja proferida quanto a cada um dos factos que impugna, o recurso da matéria de facto deve ser rejeitado quanto a esses pontos de facto. Ora, é isso precisamente o que se verifica no caso, já que o Recorrente pretendendo insurgir-se contra a decisão e a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto não provada, da qual discorda, não indica a resposta que pretende que seja dada à mesma. Não o faz nem no corpo da alegação de recurso, onde se limita a dizer que estes factos estão incorretamente julgados, sem indicar a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre os mesmos, nem tão pouco nas conclusões onde refere que devem ser corrigidos, não concretizando os termos dessa correção. Constata-se ainda, no que respeita aos pontos 1, 4 e 5 dos factos não provados que impugna, que o Recorrente não indica sequer um qualquer meio de prova que conste do processo que determine uma decisão diversa daquela que foi proferida, antes invoca a “natureza” das coisas” e faz considerações como “resulta à saciedade” para concluir pelo erro da decisão. O Recorrente na impugnação da matéria de facto que apresenta não cumpre a exigência da alínea c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC relativamente a nenhum dos factos não provados que impugna, não especificando a decisão que no entender deve ser proferida sobre os mesmos, nem tão pouco cumpre o estabelecido na al. b) com a indicação dos meios probatórios que impõem uma decisão diversa quanto aos pontos 1, 4 e 5 dos factos não provados, o que determina a rejeição do recurso no que à impugnação da decisão da matéria de facto respeita, de acordo com o que dispõe essa mesma norma, o que se determina. - Quando ao aditamento de novos factos provados à decisão: Requer o Recorrente que sejam aditados aos factos provados oito novos pontos de facto, que enumera de 12 a 19, nos seguintes termos: - ponto 12 dos factos provados deve ser acrescentado para que conste: “12. logo no ano de 2018, foram realizadas várias obras ilegais a fim de permitir no local o funcionamento do restaurante, sendo certo que tais obras foram executadas à revelia e sem consentimento do ora requerente e dos demais condóminos.” Indica como meios de prova os documentos 7 a 17 e o depoimento das testemunhas EG e MF, conforme transcrições integrais que se junta. O já mencionado art.º 640.º do CPC estabelece no seu n.º 2: “2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.”. Para fundamentar o aditamento deste facto provado, o Recorrente invoca além dos diversos documentos que identifica em bloco, o depoimento das testemunhas EG e MF, sem indicar em concreto os excertos da gravação do seu depoimento que impõem que tal facto seja tido como provado, juntando a transcrição integral da gravação dos seus depoimentos, mas sem fazer qualquer especificação dos seus excertos relevantes para a apreciação da matéria de facto em causa. A transcrição dos depoimentos é apresentada na integra e não de forma concretizada e restrita aos excertos dos depoimentos que o Recorrente considera importantes. De acordo com este regime legal do art.º 640.º do CPC, além da indicação concreta dos factos e da individualização dos concretos meios de prova que constam do processo, caso o recurso se funde em prova gravada (como foi o caso do depoimentos das testemunhas) o Recorrente tem ainda de indicar com exatidão as passagens da gravação em que baseia o seu recurso, sob pena de imediata rejeição do mesmo, ainda que proceda à sua transcrição, nos termos do n.º 2 al. a), sendo que a inobservância desta especificação determina a rejeição do recurso, conforme aí também previsto. O Acórdão do STJ de 29 de setembro de 2015 no proc. 233/09, in. www.dgsi.pt indica a razão de ser destas exigências do art.º 640.º n.º 1 e n.º 2, pronunciando-se nos seguintes termos: “Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação – que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº 1 do art.º 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do art.º 640º, nº 2, al. a) do CPC).” O art.º 640.º do CPC ao impor estes ónus a cargo do Recorrente, traduz uma opção do legislador que não admite o recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas a possibilidade de revisão de factos individualizados, relativamente aos quais a parte manifesta e concretiza a sua discordância, com fundamento nos meios de prova concretos que indica, que em se tratando de depoimentos gravados devem estar bem delimitados na parte considerada relevante por identificação no excerto da gravação. Sobre esta questão diz-nos Abrantes Geraldes, in ob. cit. pág. 126: “Relativamente a pontos da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o Recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevante e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.” Acrescenta a pág. 129: “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.” À luz dos requisitos legais exigíveis é forçoso reconhecer que no caso o Recorrente não as observa na totalidade, já que não faz a indicação precisa dos excertos de gravação dos depoimentos gravados em que funda o seu recurso, exigência a que alude o art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC, não concretizando os excertos que tem por relevantes, limitando-se a apresentar genericamente a transcrição integral dos depoimentos Não tendo sido dado cumprimento pelo Recorrente ao disposto no art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC, quanto à indicação dos excertos dos depoimentos gravados em que funda o seu recurso, com vista ao aditamento desta da matéria de facto, impõe-se a imediata rejeição do recurso quanto a tais meios de prova, atenta a cominação aí prevista para tal inobservância, o que se determina. Além dos depoimentos das testemunhas invoca o Recorrente em bloco os documentos 7 a 17 que juntou aos autos. Também esta alegação é totalmente genérica e não concretizada de meios de prova, sem que seja dado cumprimento ao disposto no art.º 640.º n.º 1 al. b) do CPC, na medida em que estão em causa 11 documentos que se estendem por 443 páginas, não sendo identificado minimamente pelo Recorrente os termos ou a parte em que cada um daqueles documentos impõem que esta matéria seja aditada aos factos provados. Em face do exposto, improcede o requerido aditamento desta matéria aos factos provados, desde já se questionando até o seu interesse para os presentes autos, na medida em que se reporta a alegadas obras realizadas em 2018. - ponto 13 dos factos provados deve ser acrescentado para que conste: “13. A reposição da legalidade administrativa, consiste na retirada dos aparelhos de ar condicionado colocados na bandeira da porta no alçado do edifício que dá para a rua G … Z …, bem como na retirada do extrator de fumos, gases e cheiros que ali foi colocado, com a obrigação de recolocação da bandeira em vidro ali existente. Indica o Recorrente como meios de prova que impõem decisão diversa, os documentos 18 e 24 bem como o depoimento das testemunhas EG e MF, conforme transcrições integrais que junta. Vale quanto a esta questão exatamente o que se referiu a respeito do ponto anterior, não identificando o Recorrente minimamente os documentos ou que parte dos mesmos que se apresenta como relevante para a determinação deste facto como provado, nem tão pouco indicando os excertos da gravação dos depoimentos das testemunhas que identifica, limitando-se a uma indicação genérica e não concretizada dos meios de prova, que não observa os requisitos do art.º 640.º n.º 1 al. b) e n.º 1 al. a) do CPC, rejeitando-se também nesta parte a sua pretensão. - ponto 14 dos factos provados deve ser acrescentado para que conste: “14. Os requeridos, MM e MC, não obstante regularmente notificados, enquanto proprietários, pelo referido despacho para reporem a legalidade urbanística, logo em janeiro de 2018, não só desobedeceram àquela ordem administrativa como permitem que os restantes requeridos continuem utilizando tais aparelhos com grave risco e prejuízo para o edifício”. O Recorrente indica apenas como meios de prova o depoimento das testemunhas EG e MF, conforme transcrições integrais que junta, o que, como já se referiu, não cumpre os requisitos legais para a avaliação desta matéria, impondo-se a rejeição do requerido, nos termos do art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC. - ponto 15 dos factos provados deve ser acrescentado para que conste: “15. Face ao incumprimento voluntário de tal decisão administrativa e perante o pedido de esclarecimento do Ministério Público, a Câmara Municipal, por despacho de 02.10.2020, do senhor vereador do pelouro, voltou a intimar os requeridos MM e MC para cumprirem de imediato com a cominação de instauração do processo-crime por desobediência assim como execução coercitiva. Indica o Recorrente como meios de prova que impõem decisão diversa: o doc. 19 e os depoimentos das testemunhas EG e MF, conforme transcrições integrais que junta, o que, como já se referiu, quanto a este meio de prova, nesta parte não cumpre os requisitos legais para a avaliação desta matéria, nos termos do art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC. O invocado doc. 19 junto com a p.i. corresponde a um despacho do vereador da CML que manda proceder conforme o proposto, com referência a uma informação da técnica urbanística da CML datada de 18.09.2020 que propõe: “deverá ser superiormente determinada a reposição da legalidade, em conformidade com os projetos antecedentes válidos, no que concerne às alterações exteriores (grelha na bandeira da porta e aparelhos de ar condicionado), nos termos do art.º 106.º n.º 1 RJUE, no prazo de 20 dias para início e 20 dias para conclusão. Deverá ainda dar conhecimento de que o incumprimento dos prazos e condições da intimação da reposição da legalidade urbanística constitui a prática de crime de desobediência, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 100.º do RJEU e no art.º 348.º do Código Penal e implicará a determinação da demolição da obra e/ou reposição do terreno de forma coerciva, imputando os custos aos proprietários.”. A matéria que se tem por relevante que pode ser retirada deste documento, já consta na sua maior parte dos pontos 3 e 4 dos factos provados, que não foram impugnados. O teor deste doc. 19 proveniente da CML e que não foi impugnado, permite que se adite aos factos provados apenas o que dele se retira e não toda a matéria que o Recorrente requer. De qualquer modo, em face do Requerido e na menção pretendida à reposição coerciva do determinado, não se vê obstáculo ao aditamento de um novo ponto aos factos provados, com o n.º 4A e o seguinte teor: 4A- Foi proferido um despacho pelo vereador da CML que manda proceder conforme o proposto, com referência a uma informação da técnica urbanística da CML datada de 18.09.2020 que propõe: “deverá ser superiormente determinada a reposição da legalidade, em conformidade com os projetos antecedentes válidos, no que concerne às alterações exteriores (grelha na bandeira da porta e aparelhos de ar condicionado), nos termos do art.º 106.º n.º 1 RJUE, no prazo de 20 dias para início e 20 dias para conclusão. Deverá ainda dar conhecimento de que o incumprimento dos prazos e condições da intimação da reposição da legalidade urbanística constitui a prática de crime de desobediência, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 100.º do RJEU e no art.º 348.º do Código Penal e implicará a determinação da demolição da obra e/ou reposição do terreno de forma coerciva, imputando os custos aos proprietários.”. Procede nesta parte o requerido aditamento aos factos provados. - ponto 16 dos factos provados deve ser acrescentado para que conste: “16. …foi referido, na presença das autoridades policiais, que apenas era consentida a remoção da grelha assim como do gargalo do extrator ali colocado, para recolocação da bandeira de vidro ali existente e em conformidade com as telas finais do projeto licenciado.” Para fundamentar o aditamento deste facto como provado, o Recorrente indica apenas como meios de prova o depoimento das testemunhas EG e MF, conforme transcrições integrais que junta, o que, como já se referiu, não cumpre os requisitos legais para a avaliação desta matéria, impondo-se a rejeição do requerido, nos termos do art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC. - ponto 17 dos factos provados deve ser acrescentado para que conste: “17. …é bem percetível a elevada concentração de fumos nas paredes do edifício como se pode ver da parte inferior da sacada justamente por cima da porta.” Meios de prova que impõem decisão diversa: As fotografias constantes dos doc. 25 e 26 que não foram impugnadas e os depoimentos das testemunhas EG e MF, conforme transcrições integrais que junta, o que, como já se referiu, nesta parte não cumpre os requisitos legais para a avaliação desta matéria, nos termos do art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC. Quanto às invocadas fotografias que constituem os mencionados doc. 25 e 26, não sabemos a que documentos o Recorrente se quererá referir. O Requerente com o requerimento inicial juntou 21 documentos e não 26 – logo com o requerimento inicial junta 10 documentos e no dia seguinte apresenta-se a requerer a junção dos doc. 11 a 21. Admitindo-se que possa ter havido um lapso na identificação dos documentos e que o mesmo possa querer referir-se aos doc. 20 e 21 juntos com o requerimento inicial, que constituem duas fotografias, desde já se diga que a sua avaliação não nos permite, por si só, concluir pela verificação deste facto que o mesmo pretende ver aditado aos factos provados. Não se encontra nem no processo físico nem tão pouco no processo eletrónico outros documentos apresentados pelo Requerente para além daqueles 21 documentos juntos inicialmente e dos documentos por ele apresentados com a resposta à oposição, que não foram admitidos pelo tribunal. Os meios de prova indicados pelo Recorrente não admitem o aditamento de um novo ponto aos factos provados com o teor proposto. - ponto 18 dos factos provados deve ser acrescentado para que conste: “18. Acresce que o edifício tem já cerca 20 anos e necessita de realização das obras de conservações ordinária (pinturas e recuperação dos elementos das fachadas) legalmente impostas, mas que à face da constante contaminação pelos resíduos de tão ilícito restaurante não se mostram viáveis. O Recorrente indica apenas como meios de prova o depoimento das testemunhas EG e MF, conforme transcrições integrais que  junta, o que, como já se referiu, não cumpre os requisitos legais para a avaliação desta matéria, impondo-se a rejeição do requerido, nos termos do art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC. - ponto 19 dos factos provados deve ser acrescentado para que conste “19. O embargo foi feito em voz alta e destinado à pessoa do legal representante, da sociedade STHV, dona da obra, senhor TV, assim como à pessoa do responsável pela empresa construtora e a todos os 4 trabalhadores que ali se encontravam.” Indica o Recorrente como meios de prova que impõem decisão diversa: o teor do doc. 27 que não foi impugnado e os depoimentos das testemunhas EG e MF, conforme transcrições integrais que junta, o que, como já se referiu, nesta parte não cumpre os requisitos legais para a avaliação desta matéria, nos termos do art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC. Já quanto ao doc. 27, não sabemos a que documento o Recorrente pretende aludir, na medida em que não se encontra nos autos qualquer documento com tal numeração, nem tão pouco foi por ele junto ao processo um documento contendo o auto escrito do embargo extrajudicial, não podendo falar-se da existência de um auto de embargo que não foi impugnado. Tal como já teve oportunidade de referir-se anteriormente não se encontra nem no processo físico, nem tão pouco no processo eletrónico outros documentos juntos pelo Requerente, para além daqueles 21 doc. juntos inicialmente e dos documentos juntos com a sua resposta à oposição, sendo que estes últimos não foram sequer admitidos pelo tribunal, nem tão pouco consistem num auto do embargo. Constata-se que a primeira parte desta matéria que o Recorrente pretende ver aditada aos factos provados já consta no ponto 12 dos factos provados, consistindo apenas num aditamento à mesma no sentido de dele também passar a constar: “e a todos os 4 trabalhadores que ali se encontravam.”. A redação agora proposta pelo Recorrente para este facto corresponde à matéria que foi por si alegada no art.º 38.º do requerimento inicial e que foi expressamente impugnada pela Requerida no art.º 56.º da oposição. Não podemos assim dizer que se trata de matéria que não é controvertida no processo, nem tão pouco que o auto do embargo não foi impugnado, na medida em que, como já se referiu, do processo não consta qualquer escrito com auto de embargo. Não obstante o Requerente faça menção no art.º 44.º do seu requerimento inicial a que foi lavrado um auto que junta (Doc. 27), a verdade é que tal documento nunca veio a ser junto ao processo. Não existem por isso elementos de prova que este tribunal possa avaliar no sentido de imporem o aditamento requerido, que assim improcede. Em conclusão, procede apenas em parte a alteração da decisão de facto requerida, aditando-se um novo ponto 4A aos factos provados, com o teor referido, improcedendo a impugnação apresentada em tudo o mais. * Resultaram apurados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa: 1. Os requeridos MM e mulher MC são proprietários da fracção correspondente à letra EG do mencionado edifício E/F; Cfr. certidão do registo predial (Doc. 1). 2. Quer pelo título constitutivo da propriedade horizontal quer pelo regulamento do condomínio, a fracção destina-se exclusivamente ao exercício da actividade de comércio e serviços; (Doc. 5 e 6). 3. No procedimento administrativo que correu termos com a referência EXP na CML, foi decidida a reposição da “legalidade administrativa” devendo ser efectuadas obras para o efeito (Doc.18). 4. A reposição da legalidade administrativa, consiste na retirada dos aparelhos de ar condicionado colocados na bandeira da porta no alçado do edifício que dá para a rua G … Z …, bem como na retirada de uma grelha onde se encontra a boca de saída do sistema de exaustão de fumos. Cfr. Doc. 18 4A- Foi proferido um despacho pelo vereador da CML que manda proceder conforme o proposto, com referência a uma informação da técnica urbanística da CML datada de 18.09.2020 que propõe: “deverá ser superiormente determinada a reposição da legalidade, em conformidade com os projetos antecedentes válidos, no que concerne às alterações exteriores (grelha na bandeira da porta e aparelhos de ar condicionado), nos termos do art.º 106.º n.º 1 RJUE, no prazo de 20 dias para início e 20 dias para conclusão. Deverá ainda dar conhecimento de que o incumprimento dos prazos e condições da intimação da reposição da legalidade urbanística constitui a prática de crime de desobediência, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 100.º do RJEU e no art.º 348.º do Código Penal e implicará a determinação da demolição da obra e/ou reposição do terreno de forma coerciva, imputando os custos aos proprietários.”. 5. No dia 24/05/2021, o administrador do condomínio, assim como alguns condóminos, deram de conta, de vários barulhos de obras no interior da fracção, como rebarbadoras, pancadas de martelos demolidores, assim como presenciaram vários operários carregando partes de ferro e de maquinaria; 6. No dia 25/05/2021, pelas onze horas vários condóminos alertaram os administradores para a presença de vários trabalhadores (alguns em cima de andaimes) que desmontavam os aparelhos de ar condicionado; (Doc. 20 e 21). 7. Um dos condóminos pediu ao requerido TV que parasse de imediato com a obra ao que respondeu com ameaças e que tinha papéis de licença; 8. Chamada a Polícia de Segurança Pública e a Polícia Municipal TV, representante da requerida, exibiu cópias dos despachos do senhor vereador ordenando a reposição da legalidade urbanística. 9. O administrador do condomínio, ES, ali presente, pediu e advertiu, TV e FR (engenheiro) que se abstivessem de continuar com qualquer tipo de obra e manter a mesma com estava; 10. Os trabalhadores ali presentes colocaram os equipamentos no interior da loja. 11. No momento do embargo extrajudicial, a obra encontrava-se no estado que se documenta a fls. 22, não se encontrando quaisquer aparelhos pendurados ou fixados na parede quaisquer equipamentos (Doc. 22). 12. O embargo foi feito em voz alta e destinado à pessoa do legal representante, da sociedade STHV, dona da obra, senhor TV, assim como à pessoa do responsável pela empresa construtora. V. Razões de Direito - do (in)cumprimento das formalidades legais na realização do embargo Alega o Recorrente que deu cumprimento às formalidades previstas no art.º 397.º n.º 2 do CPC, resultando provado que o embargo foi feito na presença de duas testemunhas, tal como declararam as testemunhas ouvidas e consta do doc. 27 junto aos autos pela Requerente que não foi impugnado. A sentença proferida admitindo que o embargo extrajudicial não tenha de ser feito por escrito, refere que terá de ser feito perante duas testemunhas, concluindo que não ficou provado que a notificação do representante legal do dono da obra para parar com a mesma tenha sido feita na presença de duas testemunhas, assim considerando não cumprido o formalismo previsto no art.º 397.º n.º 2 do CPC. O procedimento cautelar nominado de embargo de obra que vem regulado no art.º 397.º do CPC admite, para além do embargo judicial, que este possa ser feito extrajudicialmente, diretamente pelo interessado, nos termos previstos no n.º 2 do art.º 397.º, ou seja: “notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar.” O legislador, por razões de segurança, prevê nesta norma a necessidade de ser observado um determinado formalismo no embargo extrajudicial, exigindo por um lado que a notificação para não continuar a obra seja feita ao dono da obra, ao seu encarregado ou a quem o substitua, e que o seja perante duas testemunhas. Estas exigências compreendem-se porque o embargo é feito diretamente pelo interessado e apenas ratificado pelo tribunal. A respeito da realização do embargo extrajudicial diz-se no Acórdão do TRL de 14 de janeiro de 2011 no proc. 2235/10.9TJLSB.L1-7 in www.dgsi.pt : (…) duas questões sobressaem. A primeira, de saber como se efectiva, na prática, a notificação directa do embargo, pelo interessado ao responsável da obra; a segunda, a da saber quais os termos que deve seguir a subsequente ratificação judicial desse embargo. Começando pela primeira. Cremos que, a seu respeito, a lei é clara; o interessado notifica, directa e verbalmente, o responsável, devendo-o contudo fazer perante duas testemunhas (artigo 412º, nº 2). (…)Significa isto, e em suma, que se não exige a redução a qualquer documento escrito da notificação extrajudicial realizada; O documento – o auto – a que se refere o artigo 418º é o da realização do acto de ratificação judicial, elaborado pelo funcionário, em execução da confirmação e homologação pelo tribunal do embargo extrajudicial (e meramente verbal) antes tido lugar, sendo, ao invés, únicas exigências da lei que, por um lado, seja dirigida a quem deve, O dono da obra ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir e, por outro, se realize na presença de duas testemunhas. É a partir do momento dessa notificação verbal que se produzem os efeitos do embargo da obra; a sua ratificação posterior tem apenas o fim de manter e assegurar a eficácia de tal notificação – Acórdão da Relação do Porto de 20 de Outubro de 1994, proc.º nº 9450451, in www.dgsi.pt.”. Na situação em presença e contrariamente ao que refere o Requerente, resultou apenas provado que o embargo foi feito em voz alta e destinado à pessoa do legal representante da dona da obra, assim como ao responsável pela empresa construtora (ponto 12 dos factos provados), não tendo ficado provado, como alegou o Requerente, que foi feito na presença de 4 testemunhas, nem tão pouco de duas, como é exigência legal. Sobre esta questão, refere-se na sentença sob recurso: “In casu, dúvidas não subsistem de que a requerida foi notificada na pessoa do seu, à data, representante legal, TV. Nos termos do art.397º, nº 2, do CPCivil, o interessado notifica, directa e verbalmente, o responsável, devendo-o fazer perante duas testemunhas. Não se sabe se tal formalismo foi cumprido porquanto, sendo certo que sendo certo que o embargo extrajudicial não tenha de ser feito por escrito, terá de ser perante duas testemunhas. In casu, desconhece-se se tal formalismo foi cumprido: Anote-se que das duas testemunhas arroladas pelos requerentes, apenas uma declarou ter assistido ao embargo. Anote-se que em sede de requerimento inicial, aludindo-se a testemunhas, nenhuma identificação das mesmas é apresentada. Assim sendo, e antes de mais, verifica-se que este requisito cuja prova incumbe ao requerente, não resulta ter sido preenchido.”. A procedência desta questão suscitada pelo Recorrente, no sentido ter-se como cumprida a observação dos requisitos previstos no art.º 397.º n.º 2 do CPC quando da realização do embargo extrajudicial, estava dependente da procedência da impugnação da decisão de facto que o mesmo apresentou e que nesta matéria veio a improceder. Assim sendo e perante os factos que resultaram provados, não merece censura a sentença proferida quando considera que não estão preenchidos os pressupostos formais previstos no art.º 397.º 2 do CPC, necessários ao decretamento da providência. - da (in)existência de obra causadora de prejuízo para o Requerente Defende o Recorrente que as obras realizadas são ilegais visando a alteração não consentida do uso da fração pela Requerida e que mesmo as que são feitas na fração interferem com o logradouro do edifício, que degradam e para o qual vão expelir fumos, gases e gorduras, estando verificados os requisitos que admitem a procedência da providência requerida. A decisão recorrida considerou que quando da realização do embargo já havia sido reposta a legalidade na colocação dos aparelhos nas partes comuns e na porta da fração, tal como determinado pela CML, desconhecendo-se qualquer obra em curso suscetível de ser embargada, designadamente no interior da fração. Como é pacífico e resulta do disposto no art.º 362.º do CPC, os procedimentos cautelares constituem instrumentos jurídicos, de natureza incidental, destinados a acautelar o efeito útil das ações ou execuções de que são dependência, visando, designadamente, evitar prejuízos graves através da consumação de uma lesão grave ou dificilmente reparável de um direito em face do decurso de tempo necessário à composição definitiva do litígio, de modo a obter-se a conciliação possível, entre o interesse da celeridade e o da segurança jurídica. Têm assim como objetivo obviar ao periculum in mora. A providência cautelar de embargo de obra nova que neste caso foi a solicitada pelo Requerente, vem permitir no art.º 397.º n.º 1 do CPC que: “Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente.”. Temos assim como requisitos do embargo de obra nova: a convicção do titular do direito de propriedade ou de qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou de posse, de estar a ser ofendido no seu direito; que essa ofensa resulte de um trabalho ou serviço novo que está a ser executado e que lhe cause ou possa causar prejuízo - quanto aos requisitos do embargo de obra vd. Manuel Baptista Lopes, in. Dos Procedimentos Cautelares, pág. 131. Daqui decorre em primeira linha a necessidade de se considerar para efeitos do decretamento da providência, que o direito que está a ser ofendido pela obra tem de ser um direito de propriedade ou outro direito real ou pessoal de gozo ou posse, o que, por um lado, não restringe a tutela através do procedimento de embargo ao direito de propriedade em sentido estrito, antes admite que aqui se integrem situações similares de compropriedade ou abrangidas pelo regime da propriedade horizontal, bem como de outros direitos reais de gozo como o de usufruto ou servidão e, por outro lado, exclui a ofensa de qualquer outro tipo de direitos, como sejam os direitos de personalidade – vd. neste sentido, Acórdão do TRL de 14 de julho de 2020 no proc. 1178/22.8T8OER.L1-7 in www.dgsi.pt onde se refere: “(…) tais direitos não fazem parte do estatuto real do direito de propriedade, nem se integram na liberdade de usar, fruir ou dispor que caracterizam o mesmo, como claramente se concluiu, com relação ao direito à paisagem, no Ac. STJ 6.9.2011.”. Importa ainda ter em conta, que com o embargo de obra nova que leva à suspensão da obra, o que se visa é que a mesma não prossiga, por a sua realização estar a causar ou ameaçar causar um prejuízo ao titular do direito. Como se refere a este propósito no Acórdão do TRG de 17 de outubro de 2021 no proc. 1150/20.2T8PTL.G2 in www.dgsi.pt : “Pretende-se evitar a violação, ou a continuação da violação, de um desses direitos ou da posse, por via de obra, trabalho ou serviço novos em curso, estando precisamente ínsito no “conceito de embargo (…) a ideia de oposição ao prosseguimento de uma operação”. Pressupõe-se, porém, na expressão “se julgue ofendido no seu direito (…) ou posse” que a obra, trabalho ou serviço já se tenha iniciado; e na expressão “seja mandado suspender imediatamente” que a obra, trabalho ou serviço ainda não se tenha concluído nos seus aspetos fundamentais. (…) Já relativamente à exigência de não conclusão da obra, é manifesto que, de outro modo, a providência cautelar perderia toda a eficácia e utilidade, já que, por natureza e de forma geral, esta exerce uma função preventiva.”. A sentença recorrida refere a dada altura na parte final da sua fundamentação: “A natureza, essência e finalidade primordial dos procedimentos cautelares é similar em todos eles: assegurar o efeito útil da acção definitiva. Tal valerá, igualmente no embargo de obra nova, já que o art.º 397º do CPC. continua a exigir que a ofensa do direito resulte de uma obra, trabalho ou serviço que lhe cause ou possa causar prejuízo. Não releva, assim, uma qualquer ofensa, mas antes a ofensa de que resulte prejuízo. Naturalmente que este prejuízo não pode ser um prejuízo qualquer, quer na vertente qualitativa, quer na quantitativa. Não basta uma mera lesão jurídica, mas uma real, efectiva e objectiva lesão ‘in natura’, bem como não basta um qualquer despiciendo dano, lesão ou prejuízo, mas antes um prejuízo relevante, irreparável ou de difícil reparação. Qualquer providência tem cariz excepcional e apenas pode ser usada em situações de urgência e cabal necessidade, quando a acção de que é dependente não possa, atempadamente, apreciar e tutelar – pelas vias normais e com plena igualdade de armas dos litigantes – o pedido do autor. Conforme refere Abrantes Geraldes, in «Temas da Reforma do Processo Civil», IV volume, 4.ª edição revista e actualizada, pág. 256: «Tem sido entendimento jurisprudencial restringir o embargo às obras relevantes, excluindo as obras meramente secundárias, os acabamentos ou o aproveitamento de obras anteriores. A “novidade” que entra na qualificação do procedimento implica que apenas possam ser embargadas obras que impliquem uma modificação substancial da coisa, excluindo as que se traduzam em meras modificações superficiais ou na mera reconstrução de uma situação preexistente». Ora, na situação que ora nos move encontra-se provada a propriedade/posse da requerente das fracções que invoca, porém, a verdade, é que não logrou a requerente provar qualquer obra que fosse possível embargar. Com efeito, resultou provado à evidência, sem qualquer sombra de dúvida, que quando o administrador comunicou o embargo, instando a obra parar, já os aparelhos de ar condicionado haviam sido retirados do local e a porta resposta, já não existindo qualquer grelha: Tal era determinação da CML. Não se vislumbra qualquer obra a parar. A obra na fachada estava concluída e consistiu no retirar dos equipamentos de ar condicionado da fachada e a retirada da grelha. O que resultou claro da inquirição das testemunhas é que o requerente afinal o que pretendia era que tais equipamentos não fossem colocados no interior da fracção, porém, a ter havido tal procedimento, o que se desconhece, o mesmo não foi objecto de qualquer embargo. Havemos assim que concluir que, do ponto de vista formal, não foi provada a validade do embargo, porque não e provou que o mesmo tenha sido feito perante duas testemunhas; do ponto de vista substancial, não se provou qualquer obra em curso aquando da comunicação pelo administrador de paragem da obra.”. O direito real que o Requerente em representação dos condóminos considera alvo da ofensa que constitui a obra que foi objeto do embargo extrajudicial não pode deixar de ser o que resulta da propriedade horizontal, em que cada um dos condóminos é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício – art.º 1420.º do C.Civil - estando aqui em causa obra realizada em parte comum como é a fachada do edifício. Os factos provados mostram que a fração em causa se destina exclusivamente ao exercício da atividade de comércio e serviços; que num procedimento administrativo que correu termos na CML foi decidida a reposição da legalidade administrativa, consistindo na retirada dos aparelhos de ar condicionado colocados na bandeira da porta no alçado do edifício que dá para a rua, bem como na retirada de uma grelha onde se encontra a boca de saída do sistema de exaustão de fumos; no dia 25/05/2021 vários condóminos alertaram os administradores para a presença de trabalhadores que desmontavam os aparelhos de ar condicionado tendo um dos condóminos pedido ao requerido TV que parasse de imediato com a obra; chamada a Polícia o representante da Requerida, exibiu cópias dos despachos do senhor vereador ordenando a reposição da legalidade urbanística; o administrador do condomínio, pediu e advertiu que se abstivessem de continuar com qualquer tipo de obra e manter a mesma com estava, tendo os trabalhadores ali presentes colocado os equipamentos no interior da loja, sendo que no momento do embargo extrajudicial, não se encontravam já quaisquer aparelhos pendurados ou fixados na parede quaisquer equipamentos. Como se viu,  a providência cautelar especificada de embargo de obra nova apenas pode ter lugar como forma de tutela do direito de propriedade, de outros direitos reais ou da posse, pelo que só uma obra que incide sobre as partes comuns do edifício de que cada condómino é comproprietário é que é suscetível de ser por eles embargada e já não uma qualquer obra que esteja a ser realizada na fração de um dos condóminos sobre as quais este tem a propriedade exclusiva. Tal não significa que uma obra realizada numa fração própria não possa ofender os direitos dos restantes condóminos no seu conjunto, mas se a mesma não se repercute sobre as partes comuns do edifício, não é o seu direito real de compropriedade sobre as mesmas que está a ser violado, ainda que porventura a mesma seja suscetível de violar outros seus direitos. Na situação em presença, os factos dizem-nos, por um lado, que a obra que estava a ser realizada na fachada do edifício pela Requerida consistiu na retirada dos aparelhos do ar condicionado bem como na retirada de uma grelha do sistema de extração e fumos, no sentido de pôr termo à ilegalidade que constituía a permanência de tais equipamentos na fachada do prédio, em parte comum do prédio, o que antes aponta para que dessa forma tenha sido posto termo a uma ofensa do direito dos condóminos que a permanência de tais equipamentos representava. Por outro lado, verifica-se que quando da realização do embargo os equipamentos já não estavam pendurados na parede comum do prédio e haviam sido levados para o interior da fração, podendo por isso dizer-se, como se refere na sentença recorrida, que a obra já estava executada. Concluída que estava a retirada dos equipamentos da parte comum do edifício, o procedimento cautelar de embargo afigura-se até como inútil, não se vendo que continuação de obra é que haja de prevenir, ou que outra obras estivessem projetadas para as partes comuns, com o fim de evitar a lesão do direito real dos condóminos cuja tutela pode ser atingida com a presente providência. A circunstância de tais equipamentos poderem eventualmente ter sido colocados no interior da fração, como alega o Requerente, nunca representam uma obra que pode vir a ser alvo da presente providência, uma vez que incidindo sobre fração de propriedade exclusiva de outrem, só por si não constituem qualquer lesão de direito real do Requerente, não podendo dizer-se que prejudicam o direito de propriedade sobre a parte comum do prédio, prejudicando os seus comproprietários. Não se questiona aqui a legalidade ou ilegalidade da atividade de restauração que é exercida na fração, que parece ser aquilo a que o Requerente pretende obviar e a verdadeira razão da presente providência, nem tão pouco o eventual prejuízo que tal atividade representa para os condóminos. Também não se discute nos presentes autos se existem cheiros, fumos ou ruídos causados pelo funcionamento do restaurante passíveis de constituírem uma ofensa dos direitos de personalidade dos condóminos, que, aliás, nem são parte nos autos, cumprindo apenas apreciar da verificação dos pressupostos legais do procedimento de ratificação do embargo extrajudicial, que, como se viu, não se verificam. Como entendeu a decisão sob recurso, os factos mostram a realização de uma obra que se consumou com a retirada dos equipamentos da parte comum, o que não nos permite confirmar a existência de uma obra em curso suscetível de ser suspensa por violar o direito de compropriedade sobre parte comum do edifício que cause ou ameaça causar prejuízo real ou possível ao Requerente, assim não se verificando os pressupostos do art.º 397.º n.º 1 do CPC para o decretamento da providência, como concluiu a sentença recorrida. - do pedido de inversão do contencioso Requer o Recorrente que este tribunal determine a inversão do contencioso nos termos do art.º 369.º n.º 1 do CPC. Este pedido é apenas formulado pelo Requerente em sede de recurso. Sem cuidar de saber se tal requerimento tem de ser submetido previamente ao tribunal de 1ª instância, atenta a natureza dos recursos, sempre fica prejudicado o conhecimento desta questão em face da improcedência da apelação com a consequente manutenção da decisão recorrida que indefere a providência. V. Decisão: Em face do exposto, julga-se o presente recurso interposto pelo Requerente totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelo Recorrente. Notifique. * Lisboa, 9 de fevereiro de 2023 Inês Moura Laurinda Gemas António Moreira